segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A real história do Cristo de Lula.

A retirada de um crucifixo do Planalto lançou sobre o ex-presidente suspeitas de apropriação de patrimônio público. Esclarecemos de onde veio e para onde foi a peça Mariana Sanches




Ao longo dos oito anos que passou na Presidência, Lula ganhou 8.500 presentes. Findo seu mandato, um deles tornou-se fonte de anedotas e constrangimentos. Um Cristo morto e crucificado, talhado em cerca de 1,50 metro de madeira de tília, usada em esculturas sacras europeias do século XVI e XVII, tornou-se o protagonista de uma via-crúcis de boatos e desmentidos. O objeto esteve pendurado no gabinete presidencial entre 2003 e 2010. Sua retirada, em 2011, provocou uma controvérsia que começou nos primeiros dias de Dilma Rousseff na cadeira presidencial e sobrevive até hoje na internet. Tão logo foi percebida, a ausência do crucifixo levantou dúvidas sobre um suposto ateísmo da presidenta e jogou suspeitas sobre o comportamento do ex-presidente Lula. Em vários blogs, Lula passou a ser acusado de ter surrupiado patrimônio público do Palácio do Planalto ao levar para casa o Cristo.



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A ministra Helena Chagas, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, justificou a retirada da peça por meio do microblog Twitter. Invocou o direito do ex-presidente de levar na mudança todos os presentes que lhe foram dados e disse que esse era o caso do crucifixo. Ainda assim um grupo de internautas pegou Lula para Cristo e começou uma campanha com o bordão “Devolve, Lula”. Eles afirmam em seus blogs que o crucifixo estava no Planalto havia décadas, desde que Lula era ainda um estreante em disputas eleitorais. Como prova, publicam e republicam uma foto do ex-presidente Itamar Franco, que governou o Brasil entre 1992 e 1994, instalado em uma poltrona vermelha, no gabinete presidencial, tendo ao fundo o crucifixo. Instado a esclarecer a polêmica, Itamar fez chacota. “O crucifixo era do Palácio. É melhor fazer um (exame de) DNA no crucifixo”, disse. Assessores de Lula e da Presidência, no entanto, não acharam a menor graça na situação. Claudio Soares, diretor da documentação histórica da Presidência, reafirmou que o crucifixo “foi presente pessoal de um amigo ao Presidente Lula” e disse que a imagem de Itamar que circula na internet “trata-se de edição grosseira. O presidente Itamar nunca se sentou naquela poltrona enquanto aquela peça esteve naquela parede”. Segundo ÉPOCA apurou, Soares tem razão sobre a procedência da peça. Mas a foto de Itamar não é uma falsificação. Explica-se.



O crucifixo pertencia a Dom Mauro Morelli, bispo de Duque de Caxias, que ganhara a peça de um amigo médico. No fim de 2002, o bispo viu-se obrigado a vender o Cristo. “Coloquei-o à venda para atender a necessidades pessoais e familiares com problemas financeiros decorrentes de enfermidades”, diz Dom Mauro. Naquele momento, o bispo participava de discussões sobre o programa Fome Zero no Instituto da Cidadania, criado por Lula antes de ser eleito para a Presidência em 2002. Entre uma discussão e outra acerca da pobreza nacional, Dom Mauro encontrou comprador para seu Cristo. Era um amigo de Lula, José Alberto de Camargo, diretor da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), empresa da família Moreira Salles. Em janeiro de 2003, com Lula recém-empossado, Camargo, por meio da Fundação Djalma Guimarães, braço cultural da CBMM, pagou R$ 60 mil a Dom Mauro pelo crucifixo. “Não sabia o que fazer com a obra e aceitei a sugestão de Frei Betto de dá-la ao Lula”, diz Camargo.



“Quando chegou aqui, o crucifixo parecia três pedaços de carvão”, diz Soares, da documentação histórica do Planalto. O objeto foi enviado, em seguida, ao Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis, da Universidade Federal de Minas Gerais, que, durante mais de três meses, trabalhou na limpeza e recuperação da peça. Enquanto isso, no Planalto, deliberava-se sobre qual seria o destino do Cristo. “O Frei Betto pressionou para colocar na sala de Lula, embora a Clara (Ant, assessora do presidente) fizesse questão de lembrar que o Estado é laico”, diz Camargo. Lula, católico, optou por instalar a imagem em seu gabinete. Sobre o episódio, Clara Ant, judia, afirma: “Na época, apenas comentei que o Estado é laico. Isso também foi uma bobagem, pois a presença do Cristo em nada altera a natureza do Estado. Na verdade, cada um coloca em seu ambiente de trabalho os objetos ou ícones com os quais se identifica. Aliás, Lula manteve também uma hamsa (amuleto em forma de mão) presenteada por um rabino em sua sala”. Depois de instalado o crucifixo, Frei Betto comandou uma cerimônia religiosa de cerca de dez minutos para dar bênção ao gabinete. E puxou um pai-nosso para pedir a Deus que olhasse pelo governo petista.



Pregado na parede de Lula, o Cristo foi testemunha de uma reunião, em maio de 2006, entre o ex-presidente Itamar Franco e o então presidente da República em exercício, senador Renan Calheiros. O assunto era a disputa presidencial que aconteceria naquele ano. Itamar disse a Renan que não aceitaria a vice na chapa de Lula. Queria ser o candidato ao Planalto pelo PMDB. Durante a conversa, Itamar sentou-se na poltrona preferida de Lula, onde foi fotografado. Quase cinco anos depois, essa imagem alimentou a boataria na internet de que Lula teria roubado o Cristo.



No governo, o crucifixo acompanhou Lula onde quer que ele se instalasse, inclusive no gabinete provisório no Centro Cultural Banco do Brasil. Em janeiro de 2011, foi trazido a São Paulo em um avião da Força Aérea Brasileira. O destino definitivo da peça não foi divulgado. Mas é certo que ele não será devolvido ao Planalto. Na internet, no entanto, há quem se anime a perguntar: “Se Lula voltar ao poder, em 2015, o crucifixo virá com ele?”.







A via-sacra do crucifixo

As 14 estações da polêmica peça que decorou o gabinete presidencial ao longo dos dois mandatos do petista O DONO ORIGINAL

Dom Mauro Morelli, bispo de Duque de Caxias, ganhou o Cristo, uma obra europeia do século XVI ou XVII, de um amigo médico e crítico de arte. Em 2002, enfermo e precisando de dinheiro, ele resolveu vender a obra O COMPRADOR

José Alberto de Camargo era conselheiro do Instituto da Cidadania, fundado por Lula, e presidente da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, que pertence à família Moreira Salles. Ele comprou a peça e pagou r$ 60 mil a Dom Mauro, em janeiro de 2003. Por sugestão de Frei Betto, resolveu dá-la a Lula A RESTAURAÇÃO

Antes de passar às mãos de Lula, a peça foi submetida a reparos ao longo de mais de três meses no Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais móveis (Cecor), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFGM). O Cecor fez o trabalho gratuitamente. A peça passou por limpezas e reparos na madeira original. A recuperação foi feita em várias etapas (FOTOS ACIMA) O PRESENTE

Ainda em 2003, o crucifixo foi entregue a seu novo dono, o presidente Lula, que determinou que o objeto fosse instalado em uma coluna no gabinete no palácio do planalto. Depois de pendurado o crucifixo, Frei Betto deu uma bênção ao gabinete O ADORNO

A imagem do Cristo ficou instalada na coluna do gabinete, atrás da poltrona vermelha em que Lula costumava se sentar, até que o palácio fosse interditado para reformas, em março de 2009 O VISITANTE

Em maio de 2006, o ex-presidente Itamar Franco visitou o então presidente em exercício, o senador Renan Calheiros, no gabinete presidencial. Itamar sentou-se na poltrona preferida de Lula. Uma foto sua foi tirada com o crucifixo ao fundo e motivou comentários de que o crucifixo já estaria no palácio durante o governo Itamar Franco, entre 1992 e 1994 O LAR PROVISÓRIO

Em março de 2009, Lula passou a ocupar, provisoriamente, uma sala no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, enquanto o palácio do planalto era reformado. Ele levou o crucifixo para a nova sala. A VOLTA AO PLANALTO

Depois da reforma e da reinauguração do gabinete presidencial, em agosto de 2010, o crucifixo voltou a ser instalado no local. Dessa vez, porém, foi pendurado na parede atrás da mesa de Lula A MUDANÇA PARA SÃO PAULO

Em janeiro de 2011, o crucifixo foi retirado do gabinete e trazido a são paulo por Claudio Soares, diretor da documentação histórica da presidência, em um avião da FAB, junto com outras peças valiosas do acervo de Lula



O GABINETE SEM CRISTO

Em fotografias no primeiro mês de mandato de Dilma Rousseff, em seu gabinete, o crucifixo não está mais lá A POLÊMICA

A ausência do objeto é notada e vira objeto de reportagens. Em 9 de janeiro, o jornal Folha de S.Paulo publica a notícia de que Dilma retirou o crucifixo do gabinete

O DESMENTIDO

Diante da repercussão da notícia de que Dilma teria tirado o crucifixo da parede, a ministra Helena Chagas, da secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, esclareceu pelo microblog Twitter que a peça pertencia a Lula, e não ao Planalto. Por isso, o ex-presidente Lula tinha o direito de levá-la na mudança A CAMPANHA

Desconfiados da versão oficial, internautas lançaram a campanha “Devolve, Lula”, pedindo o crucifixo de volta. Milhares de citações na internet sugerem que o crucifixo de Lula estava no Planalto “há décadas” e que era um patrimônio público. A foto de Itamar Franco no gabinete com o crucifixo tem sido usada como prova de que o objeto estaria lá desde a década de 1990

O NOVO LAR

O lugar onde será pendurado o crucifixo não foi divulgado, mas é provável que ele fique na sala que está sendo preparada para Lula em seu instituto, no bairro do Ipiranga, em São Paulo







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http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI214549-15223,00-A+REAL...



quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Aécio imita Maria Antonieta em seu primeiro discurso no Senado

Nosso blog já vem observando que Aécio Neves (PSDB/MG) está com desempenho de “baixo-clero” no Senado. Fazendo uma analogia com o futebol, está sendo um senador “cabeça-de-bagre”.




Hoje o demo-tucano subiu à tribuna pela primeira vez.



Se omitiu do debate durante as discussões acaloradas, e escolheu o pior horário, o finalzinho da sessão, depois das 22hs, depois das votações importantes que definiram o valor salário mínimo, e fez um discurso meio apagado, meio desastroso.



O demo-tucano fez a afirmação desastrosa de que a discussão sobre o valor do salário mínimo é secundária: “Muito mais relevante que o valor nominal do mínimo é compreender o papel desta Casa” – referindo-se ao artigo 3º da Lei que fixa o reajuste pelo INPC+PIB até 2015, sem que o Congresso vote de novo a cada ano.



Errou duas vezes. Dizer que o valor do salário mínimo é menos relevante do que os pitacos de “Vossa Excelência”, repete a rainha da França Maria Antonieta que, diante do povo reclamando da falta de pão, perguntou: porque não comiam brioches?



Para o trabalhador da ativa ou aposentado o valor é o que interessa, não tem nada de secundário, e é essa a função da lei votada: garantir o aumento real do salário mínimo até 2015, e sem que a inflação tire o poder de compra.



O segundo erro do demo-tucano é não saber diferenciar um decreto de uma lei (quem começou a fazer essa oposição “ao dicionário”, foi o “gênio” Roberto Freire).



Pela Constituição, o salário mínimo precisa ser fixado por lei. E a Lei votada pelo Congresso está fixando o valor até 2015, com uma fórmula de reajuste determinada, a ser obrigatoriamente cumprida.



O poder executivo nos próximos anos, irá apenas cumprir a lei, usando o instrumento legal do decreto (um ato do poder executivo que segue o que mandam as leis) para computar o valor a cada ano, conforme manda a lei, e publicar no diário oficial.



Tudo na mais perfeita legalidade e ordem democrática: o decreto obedece à lei, e a lei obedece a Constituição. Nada tem a ver com o executivo legislar.



Se for esse tipo de oposição “ao dicionário” que o demo-tucano pretende fazer, a imprensa mineira chapa-branca vai ter que inventar muita ficção para produzir noticiário positivo sobre ele.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

TV de Verdade.

Por Marco Aurélio Melo
maureliomello.blogspot.com

Eu era o editor para Brasília do Jornal da Globo, com Ana Paula Padrão, quando os Estados Unidos invadiram o Iraque, em 2003. Acompanhava o notíciário internacional apenas como curioso. Claro que, quando a cobertura apertava, às vezes era chamado a ajudar. Portanto, vi direitinho como a turma do Bush amordaçou a imprensa, depois dos atentados às Torres Gêmeas, em 2001.

Por dependermos de agências internacionais para nos abastecer, estavamos certos de que teríamos uma cobertura seletiva e parcial. Mas tínhamos um trunfo: Beatriz Alessi. A experiente editora de inter, com passagens pela Band e BBC de Londres haveria de encontrar uma maneira de obter informações um pouco mais confiáveis do front.  Como nesta época o guardião da Doutrina da Fé ainda engatinhava no controle dos meios de produção de TV aproveitamos a brecha.

A contagem de corpos vinha pela internet, a partir de um projeto independente de coleta de dados de violência contra civis: Iraqbodycount (eles afirmam que mais de cem mil civis foram mortos de lá para cá). E as informações em primeiríssima mão vinham pela (pasmem) TV Al Jazeera. Sim, a Globo recebia Al Jazeera naquela época. Bea fez contato com um dos editores, ex-BBC, no Qatar. Ele estava disposto a nos ajudar.

Ofereceu de graça os parâmetros do satélite para que canalizássemos o sinal na emissora. E assim foi. Enquanto o Jornal Nacional fazia uma cobertura careta, fria e parcial da Guerra, tínhamos textos mais precisos e imagens mais vibrantes. Em várias ocasiões o parâmetro permitiu que recebessemos imagens limpas dos pronunciamentos de Osama Bin Laden, entre outras pérolas.

E conseguimos, assim, fugir do tom ufanista da cobertura a partir das TVs americanas. Não demorou muito para Bush proibir seus homens de falarem à emissora, por não gostar de ver imagens de seus soldados capturados, mortos ou feridos em combate. E não tardou para a TV Globo calar os rebeldes. Hoje, a Al Jazeera não atrai apenas o ódio do Ocidente.

A ditadura Saudita, por exemplo, só a aceita, porque sabe que não tem outro jeito. Alías, como temos presenciado no Oriente Médio, a cobertura do canal Árabe não tem pra ninguém. A propósito, quase toda aquela velha equipe do Jornal da Globo já está fora da emissora. E faz tempo!

Confusão no futebol.

O Clube dos Treze, o “moleque” espertalhão e o exemplo argentino









por Rodrigo Vianna



Acabo de voltar da Argentina. Passei dias agradáveis em Buenos Aires. Sábado, fim da tarde. Depois de uma longa jornada de caminhadas por Palermo e Barrio Norte, parei com minha mulher num café. Na tela: Newell´s x Lanús. Só o garçon e eu parecíamos interessados na partida. O time de Rosário faturou, com um gol no finzinho: 2 a 1.



Cheguei ao hotel às 10 da noite, e liguei a TV. Já havia outro jogo, ao vivo, na tela: Racing versus Boca. Jogaço. O Racing (time pelo qual tenho simpatia, sabe-se lá porque – era o time do coração de Kirchner, e ele morreu do coração…) jogava melhor. Mas o Boca fez um a zero no contra-ataque, e segurou o resultado.



Acompanhei só o primeiro tempo (até porque me esperava um belo bife de chorizo com purê de papas). No intervalo, entrou propaganda institucional do governo argentino: “obras na província de Chubut”. Anúncio curto. Fiquei esperando a propaganda privada. E nada. O sinal voltou ao estádio para os comentários e melhores momentos (os locutores argentinos são impagáveis, com aqueles ternos anos 70, com um lencinho pendurado do bolso). Novo intervalo: de novo, anúncio institucional do governo… E só então lembrei: na Argentina, os direitos de transmissão do futebol foram comprados pela TV pública!!! Mais um capítulo da briga entre Cristina Kirchner e as TVs privadas.



Nesse caso, parece que o público saiu em vantagem. Há jogos em horários variados: sábado à tarde, à noite. Domingo à tarde e à noite. Tudo pela TV aberta. Dizem-me que, antes do Estado entrar na parada, os jogos passavam só pela TV a cabo (agradeço se alguém trouxer informações mais detalhadas sobre isso…) Não sei se os horários já eram assim quando a transmissão estava nas mãos das TVs particulares. Não vou mais longe nos comentários, porque não conheço os detalhes das negociações na Argentina.



Mas claro que lembrei disso tudo quando voltei a São Paulo e dei de cara com essa barafunda no Clube dos 13.



O Corinthians, meu time do coração, acaba de se desfiliar do Clube dos 13. Andres Sanchez, com aquela cara de espertalhão mexicano de filme “B”, foi chamado de “moleque” e “advogado da Globo” pela direção do Clube dos 13.



Pra quem não acompanha a confusão: pela primeira vez, a Globo corria o risco de perder a transmissão do futebol. É que, até hoje, a Globo sempre teve direito de “cobrir” a proposta apresentada por qualquer concorrente. Dessa vez, seria diferente: envelopes fechados seriam apresentados com as propostas. Para transmitir jogos na TV aberta, o lance mínimo seria 500 milhões de reais. Direitos da TV fechada, internet e pay-per-view (quando o telespectador paga pra ter direito a transmissão de jogos específicos): tudo isso seria negociado à parte.



A Globo corria risco sério. Alguns clubes alegavam que, mesmo com valor um pouco menor, valeria a pena aceitar a proposta da Globo, por causa do “tradição” da emissora, da “capilaridade da rede” (a Globo, de fato, tem uma rede bem montada e estruturada em todo o país). O Clube dos Treze, então, estabeleceu uma cláusula razoável: para vencer a Globo, os concorrentes teriam que oferecer ao menos 10% mais do que a emissora da família Marinho. Mas as ofertas seriam feitas no escuro, sem privilégios.



Se a Record oferecesse 650 milhões de reais e a Globo 600 milhões, a transmissão ficaria com a Globo. Mas se a Record oferecesse 800 milhões e a Globo 600 milhões de reais, aí a emissora de Edir Macedo ganharia a disputa.



A situação não era confortável para a TV Globo. Teria que jogar, e tentar ganhar “na bola”. Sem ajuda do juiz. O que fez o Andrez Sanches? Tirou o time de campo. Agiu sozinho? Não. Com ele estariam saindo do Clube dos 13 Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo. Grêmio também poderia seguir esse caminho.



Ou seja: o Clube dos 13 (que, apesar do nome, representa duas dezenas de clubes) está em decomposição. E ele é que tem o direito de negociar as transmissões em nome dos clubes.



A barafunda está criada! Os cinco ou seis dissidentes vão negociar à parte com a Globo? E se os outros fecharem com a Record?



Como disse um jornalista amigo meu: aos 44 do segundo tempo, o jogo estava zero a zero. Pênalti pra Record. Aí alguém apaga a luz do estádio. “Alguém”! Quem seria? Andres apagou a luz sozinho?



Os espertalhões mexicanos normalmente atuam em parceria com um sócio rico do outro lado da fronteira.



Andres conseguiu (será?) o estádio para o Corinthians. A CBF (que é parceira da Globo, e não se dá tão bem com a atual dioreção don Clube dos 13) tirou o Morumbi da Copa. Retaliação contra o São Paulo F. C. O time do Morumbi não aceita cartas marcadas na negociação. Queria entregar os direitos a quem pagasse mais. Seria a decisão “capitalista”.



Mas o Brasil é terra de “capitalistas de araque”. Capitalismo sem concorrência.



A Globo perdeu o direito às Olimpíadas porque lá vale o óbvio: quem paga mais leva. No futebol brasileiro, valem os arranjos dos poderosos de outros tempos com os espertalhões fajutos.



O futebol é algo tão sério para o brasileiro que o governo federal deveria intervir nessa história. Intervir, não: “arbitrar”. Já que a concorrência não vale, deixemos o Estado cuidar disso.



Não digo que precisemos imitar a Argentina, com jogos transmitidos pela TV pública. Mas que tal a TV pública brasileira entrar na disputa, montar um pacote razoável de horários, e depois vender cada horário para uma emissora privada?



Seria o fim do monopólio. E o fim dos espertalhões.



Mas quem acredita nisso…



O mais provável é que se estabeleça a confusão. Isso a 3 anos da Copa.



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P.S.:



- aqui um link com mais informações sobre o esquema de transmissão na Argentina.



-e aqui um trecho esclarecedor do mesmo text, publicado no site “Futebol Portenho”



Até meados de 2009 o grupo Clarín, em parceria com a TyC Sports detinham o monopólio do campeonato nacional. O canal TSC possuía exclusividade, obrigando os hinchas a pagarem duplamente para ver futebol nacional (pelo pacote de TV a cabo, e pelo canal). Mesmo assim não havia garantia de ver o jogo do seu time, já que nem todos os jogos eram transmitidos.



E havia mais. Além das partidas, ver os gols também não era tarefa simples. Os detentores dos direitos só liberavam os veículos para mostrarem qualquer imagem das partidas após a exibição do programa “Futbol de Primera”, no canal 13 (do grupo Clarín). Como o programa só passava nas noites de domingo, era só aí que os gols eram vistos pelos que não pagavam duplamente (eram apenas 800 mil assinantes, em um país de 40 milhões de habitantes).





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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O que falar de Dilma?






Por Marcos Coimbra.


Pelo que parece, a “grande imprensa” vai passar quatro anos a se remoer. Achava que a presidenta seria cópia piorada de Lula. Dá-se o caso que, neste início de governo, ela surpreendeu a mídia. Exatamente no que menos

se esperava: está fazendo, desde o primeiro momento, o governo dela



É engraçado ler nossa “grande imprensa” nos dias que passam. Seus colunistas e comentaristas vivem momentos difíceis, dos quais tentam escapar com saídas cômicas.



A raiz de seus problemas é que não sabem como lidar com Dilma Rousseff. Talvez achassem que seu governo seria óbvio. Que ela seria uma personagem que conseguiriam explicar com meia dúzia de ideias prontas.



Imaginavam, talvez, que o compromisso que ela assumiu com a continuidade do trabalho de Lula faria com que ficasse de mãos atadas. E, quando ela confirmou vários ministros e auxiliares do ex-presidente na sua equipe, devem ter tido certeza de que suas expectativas se confirmariam.



Achavam que Dilma seria uma cópia carbono de Lula. Piorada, naturalmente, pois sem sua facilidade de comunicação e carisma. Estava pronta a interpretação do novo governo: na melhor das hipóteses, uma repetição sem brilho das coisas que conhecíamos. Para quem, como nossos bravos homens e mulheres da “grande imprensa”, achou que o governo Lula havia sido uma tragédia, o de Dilma seria uma farsa. Como dizia o velho Karl Marx, quando a história se repete, é isso que acontece.



Dá-se o caso que, neste início de governo, Dilma os surpreendeu. Exatamente naquilo que menos esperavam: está fazendo, desde o primeiro momento, o governo dela.



Não há sinal mais evidente que a mudança que experimentou a parcela do ministério que manteve. Ficaram parecidos com os novos. São ministros dela e não ex-ministros de Lula.



Na verdade, esse é apenas um sintoma de que, em pouco mais de um mês, o governo Lula virou passado. Algo que era difícil antever aí está. Em grande parte, porque Dilma ocupou seu lugar, deixando claro que não é igual ao antecessor.

A “grande imprensa” brasileira estava preparada para essa hipótese, mesmo que a achasse improvável. Era o cenário da crise entre criador e criatura, tão frequente na política, que vem na hora em que o “poste” se rebela contra quem lhe deu vida. Não era pequena a torcida em favor desse desfecho: Dilma desentendendo-se com Lula, este aborrecido, ela enciumada, ele se sentindo traído, ela sozinha no Planalto.



Não é isso o que está ocorrendo. Lula não parece achar errado que Dilma tenha se sentado na cadeira que ele ocupou por oito anos e começado a governar desde o primeiro dia.



A frustração de perceber que quase nada do que imaginava está se verificando tem levado a “grande imprensa” a atitudes patéticas. Não há maior que a recusa em aceitar a decisão de Dilma de ser tratada como presidenta.



A insistência dos “grandes veículos” em só designá-la como presidente é pueril. Na língua portuguesa, as duas palavras existem, o que faz com que qualquer uma possa ser empregada. Se Dilma escolheu uma, que argumento justificaria negar-lhe o direito de usá-la?



É provável que os historiadores do futuro achem graça da implicância de nossos “grandes jornais”. Seu consolo acabou sendo pequeno: o que lhes resta é pirraçar, bater pé e chamá-la “presidente”. Um dia, quem sabe, farão como os jornalões argentinos, que acabaram respeitando a mesma opção de Cristina Kirchner (os jornais chilenos, mais educados, nunca recusaram a prerrogativa a Michelle Bachelet).



Nesta semana, nossos vibrantes “grandes jornais” passaram a achar ruim que Dilma houvesse feito uma foto colorida para acrescentar à galeria dos presidentes da República. Queriam que fosse em branco e preto, talvez por picuinha. Sugeriram que ela quer “aparecer demais”.



E assim vamos. Pelo que parece, a “grande imprensa” vai passar quatro anos se remoendo.






Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi. Também é colunista do Correio

Da Carta Capital.

Por Marcos Coimbra


Não há partidos ou movimentos políticos exclusivamente bons ou unicamente ruins, se os considerarmos em seu tempo e lugar. Na vida real das sociedades, eles são uma mistura de coisas boas e más, de acertos e erros (salvo, é claro, exceções como o nazismo).




Tudo é uma questão de proporção, do peso que o lado ruim tem em relação ao bom. São bons os movimentos políticos e os partidos (bem como as tendências que existem no interior de alguns), cuja atuação tende a ser mais positiva para o País, seus cidadãos e instituições. São os opostos aqueles que fazem o inverso, que agem, na maior parte das vezes, de maneira negativa.



Tome-se o serrismo, um fenômeno pequeno, do ponto de vista de sua inserção popular, mas relevante no plano político. Afinal, não se pode subestimar uma tendência tucana que conseguiu aprisionar o conjunto de seus correligionários, mesmo aqueles que não concordavam com ela (e que eram maioria), e os levou a uma aventura tão fadada ao insucesso quanto a recente candidatura presidencial do ex-governador José Serra. E que tem, além disso, tamanha super-representação na mídia, com simpatizantes espalhados nas redações de nossos maiores veículos.

Por menor que seja sua base social e inexpressiva sua bancada parlamentar, o serrismo existe. E atrapalha. Muito mais atrapalha que ajuda.



Neste começo de governo Dilma, recém-completada sua primeira quinzena, o serrismo já mostra o que é e como se comportará nos próximos anos. Os sinais são de que será um problema para todos, seja no governo, seja na própria oposição.



Vem da grande imprensa paulista (uma insuspeita fonte na matéria), a informação de que seus integrantes estão revoltados com a trégua que outras correntes do PSDB estariam dispostas a oferecer à presidenta. Em vez da “colaboração federativa” buscada pelos governadores tucanos e as bancadas afinadas com eles, os serristas querem “partir para o pau”.



O senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), expoente máximo da tropa de elite serrista, dá o mote, ao afirmar que o PSDB deveria ser duro contra Dilma desde já, de forma a ser uma referência oposicionista no futuro. O pano de fundo do que propõe, percebe-se com facilidade, é posicionar o serrismo (de novo!) para a sucessão de Dilma.

Segundo as informações disponíveis, a primeira meta do grupo de José Serra (cujo tamanho, diga-se de passagem, é ignorado) é aproveitar-se da tragédia das chuvas na região serrana do Rio para golpear a presidenta, responsabilizando-a pela ocupação caótica de encostas e outras áreas de risco nas cidades atingidas. Para esses personagens, seria a incompetência de Dilma, à frente do PAC, a causa de tantas mortes e sofrimento. Ou seja, vão tentar vender a versão de que, se ela fosse melhor gerente, nada teria acontecido.



Em nossa permissiva cultura política, não há surpresa no oportunismo da proposta. Ninguém se espanta que alguém faça um jogo como esse, que queira tirar dividendos de uma catástrofe e que, para isso, torça fatos e procure­ enganar os incautos. Todos nos acostumamos com essa falta de seriedade.



Mas até os mais céticos ficam perplexos com o contraste entre o que dizem agora os serristas e o que foi a campanha que fizeram na eleição de 2010.



Ou será que ninguém ouviu José Serra se apresentar como “verdadeiro continuador” de Lula? Que não viu Serra evitar qualquer crítica ao ex-presidente, dizendo que concordava com ele e que nada mudaria em seu governo (a não ser aumentar o salário mínimo para 600 reais e conceder uma 13ª parcela do Bolsa Família aos beneficiários)?

Derrotado, o serrismo virou oposição intransigente, e quer levar os grupos vitoriosos de seu partido com ele. Enquanto esteve à frente do governo de São Paulo, buscou a boa convivência e a colaboração com o Planalto, avaliando que, ao agir dessa maneira, aumentava suas­ chances na sucessão de Lula. Agora que não tem escolha, se exime de qualquer compromisso e parte para o pau.



É pouco provável, no entanto, que consiga arrastar o restante do PSDB e os demais partidos de oposição para a radicalização anti-Dilma. No fundo, o serrismo apenas tenta preservar algum espaço em um cenário cada vez mais desfavorável para seus propósitos.



É só se tudo der errado, seja para a presidenta, seja para as novas forças oposicionistas, que o serrismo tem sobrevida. Sua aposta é o fracasso de todos.



Um tucano depenado na tribuna da ditadura.

José Serra, que adora um vice-campeonato (não deve desanimar, porque Lula foi tri-vice e acabou chegando lá), usou, neste fim de semana, o jornal que tem nome de biscoito de praia pra cobrar de Dilma Rousseff grandes realizações em dois meses de governo.




Com sua choradeira extemporânea, Serra mostra que ainda não assimilou a derrota nas urnas. Deve vagar à noite pela casa, arrastando correntes e dizendo:



_ No próximo debate eu viro o jogo. No próximo debate eu viro o jogo...



Além de perder para o "poste" com uma performance constrangedoramente mitômana nos debates, Serra ficou sem espaço no PSDB para Aécio Neves e até para o picolé de giló que governa São Paulo.



Aí, aparece a tribuna do golpe e do monopólio para dar voz ao zumbi político paulistano. Quem deu voz à ditadura militar não daria a Serra contra Dilma?



Se Satanás bater na porta da redação da Rua Irineu Marinho disposto a meter o pau no PT, a chefia imediatamente mandará descer um repórter e um fotógrafo com tridentes nas mãos e boné de chifrinho.



E ainda vão dizer que foi coincidência, porque é Carnaval, coisa e tal...



E o tucano depenado veio com o seu trololó requentado. Falou em "rigor fiscal"...



Ricor fiscal pra mim é festa black tie na sede da Receita Federal.



E o novo mínimo?



Quando era oposição, o PT queria o mínimo estratosférico, diziam os governistas do PDS, PFL e depois do PSDB. Pois agora é o PSDB que assume o papel inconsequente. O problema é que o povo já mostrou gostar mais do mínimo petista do que daquele mínimo tucano.



Serra também falou em "herança maldita" deixada por Lula como razão para o "descontrole de gastos".



Acho que a herança que o sapo barbudo deixou foi o descontrole tucano.





Média:

domingo, 20 de fevereiro de 2011

A mídia, Globo na frente, não dá trégua ao ex-presidente.




Um império contra um operário



A mídia, Globo na frente, não dá trégua ao ex-presidente. Por Mauricio Dias



Nunca foram boas as relações entre a mídia brasileira e o torneiro mecânico Lula, desde que, nos anos 1970, ele emergiu no comando das jornadas sindicais no ABC paulista, onde estão algumas das empresas do moderno, mas ainda incipiente capitalismo brasileiro. Em consequência, quase natural, o operário não foi recebido com entusiasmo quando, após três fracassos, venceu a disputa para a Presidência da República, em 2002.

Os desentendimentos se sucederam entre o novo governo e o chamado “quarto poder” e culminaram com a crise de 2005 quando televisões, jornais, rádios e revistas viraram porta-vozes da oposição que se esforçava para apear Lula do poder. Inicialmente, com a tentativa de impeachment. Posteriormente, após esse processo que não chegou a se consumar, armou-se um “golpe branco” em forma de pressão para o presidente desistir da reeleição, em 2006.



Lula ganhou e, em 2010, fez o sucessor. No caso, sucessora. Dilma Rousseff sofreu quase todos os tipos de constrangimentos políticos. Ela tomou posse e, no dia seguinte, foi saudada por deselegante manchete do jornal O Globo, do Rio de Janeiro: “Lula elege Dilma e aliados preparam sua volta em 2014”.



A reportagem era um blefe político. Uma “cascata” no jargão jornalístico. O jornal O Globo, núcleo do império da família Marinho, tornou-se a ponta de lança da reação conservadora da mídia e adotou, desde a posse de Lula, um jornalismo de combate onde a maior vítima, como sempre ocorre nesses casos, é o fato. Sem o fato abre-se uma avenida para suspeitas versões.

O comportamento inicial da presidenta, mar­ca­do por discrição e austeridade, foi uma surpresa para todos. O Globo inclusive. Não há sinais de que seja uma capitulação ao poder dos donos da mídia com os quais Dilma tem travado discretos diálogos. Armou-se circunstancialmente um clima de armistício. Na prática, significou um fogo mais brando, a provocar um visível recuo de comentaristas que eram mais agressivos com Lula. Soltam, porém, elogios hesitantes por não saberem até onde poderão seguir.



Esse armistício se sustenta numa visão de que as situações não são iguais. Dilma não é Lula. É claro que há diferenças entre o governo de ontem e o de hoje. No entanto, o carimbo pessoal da presidenta na administração do País faz a imprensa engolir a propaganda de que ela era um “poste”. Essa contradição se aguça na sequência dessa história. Dilma passou a ser elogiada e Lula criticado.



Alguns casos, colhidos da primeira página de O Globo ao longo de uma semana, expressam o que ocorre, em geral, em toda a mídia:

Atos de Dilma afastam governo do estilo Lula (6/2) – críticas ao ex no elogio ao governo Dilma.

Por qué no te callas? (8/2) – crítica atribuída a um sindicalista, mantido no anonimato, sobre apoio de Lula ao salário mínimo proposto por Dilma.



A fatura da gastança eleitoral (10/2) – a respeito de despesas do governo Lula com suposta intenção eleitoral.

Dilma aposenta slogan de Lula (11/2) – sobre a frase “Brasil, um país de todos”.



Herança fiscal de Lula limita o começo do governo Dilma – (13/2) – crítica a Lula ao corte no Orçamento proposto por Dilma.



Ela recebe afagos e ele, pedradas. Procura-se, sem muito disfarce, cavar um fosso entre o ex e a presidenta. Situação que levou Lula, na festa de aniversário do PT, a reagir: “Minha relação com Dilma é indissociável”.

Aécio e as leis delegadas

Aécio e as leis delegadas



Do blog os amigos do presidente Lula.


O senador Aécio Neves (PSDB-MG) disse ontem à Folha do PSDB que o governo Dilma começou de forma “autoritária” sua relação com o Congresso Nacional..”É lamentável que um governo comece sua relação tentando solapar uma prerrogativa constitucional do Legislativo”





Oras, oras. Aécio foi o governador que mais utilizou as Leis Delegadas. Recorde histórico no Brasil. Agora Aécio fala em respeito ao Legislativo?





Aécio é até agora o recordista na emissão de leis delegadas em Minas, na comparação com os seus antecessores desde 1985. Ele editou 130 leis com as duas delegações dadas pela Assembleia Legislativa. Foram 63 leis delegadas editadas no início de 2003 e 67 em janeiro de 2007.





Minas Gerais é dirigida por oligarquia da República Velha, do tempo do “café-com-leite”. Aécio, que aparece posando de “democrata”, governou sob “estado de exceção”, através das tais leis delegadas. É uma gente que não suporta o debate público. A imprensa em Minas está amordaçada: Qualquer jornalista que abre a boca é escorraçado do estado. Controlam tudo com mão de ferro: dos jornais aos times de futebol! É uma oligarquia total.Este é o PSDB,que chamam os outros partidos de ditadores



Por Helena.

O golpe do voto distrital











Sempre que necessário a direita brasileira recorre a seus alfarrábios coloniais para vender seu peixe. Neste momento em que se começa a debater uma reforma política para aperfeiçoar nossa democracia, os conservadores recorrem a uma mistificação em torno das supostas virtudes do voto distrital e tenta nos vender o sistema eleitoral falido da Inglaterra – na expressão utilizada pelo Primeiro Ministro Gordon Brown, em 10 de maio de 2010 -; como a última panacéia democrática.



Um dos princípios básicos da democracia consiste em garantir que a cada eleitor corresponda um voto. Para as eleições legislativas o sistema que pode garantir o princípio a cada eleitor um voto é o sistema proporcional e este sistema é quem também pode garantir a pluralidade que se espera de qualquer legislativo que se respeite.



O sistema de voto majoritário é próprio para a escolha democrática de dirigentes do executivo (prefeitos, governadores e presidentes) e pode, sem prejuízo para a democracia, dispor de um segundo turno para dar maior legitimidade ao governante escolhido pelo povo, como ocorre no Brasil.



Mas todos sabem que não há nenhuma obra humana que não seja passível de adulteração. Aqui no Brasil, o voto proporcional que é um sistema virtuoso e garante pluralidade tem sofrido deformações que prejudicam seu bom funcionamento. A Emenda Constitucional nº 8, parte do Pacote de abril de 1977, iniciou uma grave distorção. A ditadura tentava evitar uma derrota anunciada para 1978. O parágrafo 2º do Artigo 39 daquela emenda estabelecia um piso mínimo de deputados por Estado: seis. E o teto de 55. O § 3º do mesmo Artigo 39 estabelecia que cada Território, com exceção de Fernando de Noronha, elegeria dois deputados.



Os constituintes de 1988 radicalizaram o processo de deformação do sistema proporcional, estabeleceram um piso de oito deputados por unidade da federação (Artigo 45, § 1º da atual Constituição). O argumento de que esta deformação decorre da necessidade da manutenção do equilíbrio federativa não procede. O equilíbrio federativo é dado pelo Senado, onde cada Estado está igualitariamente representado por três senadores. A ditadura e a constituinte causaram danos ao nosso sistema proporcional. Uma reforma política democrática requer uma revisão rigorosa do dispositivo constitucional acima citado.



Antes de falar do sistema majoritário aplicado a eleições legislativas, que é uma orgia perpétua muito comum no mundo anglo-saxônico, é bom lembrar os percalços do funcionamento da votação majoritária americana para a eleição do presidente da República.



Lá, o voto popular tem um filtro. Antes de ir diretamente para o candidato escolhido pelo eleitor, ele vai servir para eleger uma delegação a um colégio eleitoral que realmente elegerá o Presidente. Para um desavisado, pareceria óbvio que cada candidato a presidente teria um número de delegados proporcional ao número de votos populares que obteve. Quem teve 30% dos votos populares, levaria 30% dos delegados. Mas não é assim.



Estes resquícios de um federalismo obsoleto e de um paroquialismo distrital contaminam o sistema eleitoral americano e produzem deformações. Cito Jairo Nicolau (Sistemas Eleitorais): “Nos Estados Unidos, o presidente não é eleito diretamente, mas por um colégio eleitoral. Os delegados do Colégio Eleitoral são eleitos em cada estado por intermédio de um sistema de maioria simples na sua versão de voto em bloco partidário, ou seja, em cada estado, o candidato mais votado elege todos os representantes. O estado da Califórnia, por exemplo, tem 47 delegados no Colégio Eleitoral. O partido do candidato presidencial mais votado na Califórnia elege todos os delegados.

Essa é a razão da discrepância quando se compara o percentual de votos recebidos pelos candidatos nas eleições e no Colégio Eleitoral. No pleito de 1992, por exemplo, Bill Clinton obteve 43% dos votos nas eleições, mas recebeu o apoio de 69% dos membros do Colégio Eleitoral”.



Vale também mencionar as eleições presidenciais americanas de 2.000, quando Al Gore obteve mais votos populares do que George W. Bush, mas perdeu no Colégio Eleitoral numa disputa acirrada pelos votos da Florida decidida a favor de Bush por 500 votos e depois de muitas denúncias de fraude.



Esses dois exemplos mostram que a cultura distrital prejudica o bom funcionamento da democracia até nas eleições para cargos executivos. A aplicação deste sistema nas eleições legislativas tem se revelado ainda mais danosa.



A primeira vítima do sistema distrital é a pluralidade. Este sistema tende a privar de representação parlamentar as minorias, por mais expressivas que elas sejam; cria condições para que minorias sociais se transformem em maiorias parlamentares; tende a impor um bi-partidarismo que seguramente está longe de refletir a complexidade das sociedades modernas e elimina completamente a oportunidade de fazer com que a cada cidadão corresponda um voto, como deve ser nas democracias.



No sistema distrital, o voto é majoritário. Numa disputa entre dois candidatos de um determinado distrito, o candidato que conquistar um voto a mais que o adversário leva tudo. Aquele candidato que obtiver um voto a menos perde tudo. O voto majoritário, repita-se, é democrático para a escolha de candidatos a cargos executivos, prefeito, governador, presidente. Nestes casos, só existe uma vaga a ser preenchida, é normal que aquele que tenha conquistado um voto a mais seja declarado vencedor. Outra coisa é uma eleição para o legislativo, onde existem várias vagas. Aí o normal é que as cadeiras da assembléia sejam distribuídas proporcionalmente ao número de votos obtidos por cada partido.



Mas no sistema distrital não é assim. A votação de cada partido não expressa necessariamente o número de vagas que ele obterá no parlamento. Vejamos alguns exemplos. Tratando de eleições realizadas no Canadá em 1993, Jairo Nicolau (Sistemas Eleitorais – pg. 18) informa: “O Partido Conservador, que obteve 16,0% dos votos espalhados pelo território, elegeu apenas dois deputados, enquanto o Bloco de Quebec, com votação concentrada (13,5%), elegeu 54 deputados. O Partido da Nova Democracia, com apenas 6,9% dos votos, elegeu nove deputados”. Uma evidente deformação.



Discutindo as eleições de 1996 na Austrália, Jairo Nicolau (op. Citada. Pg. 26) registra: “Os Trabalhistas, que receberam 38,8% dos votos, ficaram com 33,1% das cadeiras, enquanto os Liberais, com 38,7% dos votos, obtiveram 51,3% da representação parlamentar.” É minoria social assumindo o papel de maioria parlamentar por artes de um sistema eleitoral caduco.



As últimas eleições realizadas no Reino Unido, 6 de maio de 2010, também produziram resultados extravagantes. O Partido Trabalhista obteve 29,0% dos votos e com esta votação conquistou 39,69% das cadeiras. Já o Partido Liberal Democrático obteve 23,1% dos votos para conquistar apenas 8,76%. É importante registrar que estes resultados incongruentes não são uma novidade.



Essa é uma situação que perdura desde as eleições de 1948, quando o voto distrital passou a ser o único sistema aplicado no Reino Unido.



O Partido Liberal Democrático foi prejudicado em todos os pleitos do pós-segunda guerra no Reino Unido. Ao longo deste período obteve em média 12,4% dos votos populares e apenas 1,9% das cadeiras do parlamento. Só agora, em 2010, quando ajudou os conservadores a formar um governo de coalizão, obteve a promessa de uma revisão do absurdo e obsoleto sistema eleitoral vigente na Grã-Bretanha. O primeiro ato desta reforma política vai acontecer em maio próximo quando a população vai ser consultada sobre a conveniência de uma reforma do sistema para introduzir nele elementos de proporcionalidade que podem finalmente introduzir a pluralidade no parlamento britânico.



Enquanto os britânicos em maio irão às urnas para conquistar a pluralidade, aqui precisamos estar atentos para defender e ampliar a nossa pluralidade das ameaças da parte da direita que tem dificuldade para conviver com a democracia e, por isso mesmo, está preparando o engodo do voto distrital ou de suas variações.



Ricardo Berzoini é deputado federal pelo PT-SP e ex-presidente nacional do PT

Athos Pereira é assessor político da Liderança do PT na Câmara





quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

CartaCapital:De quem é o PSDB?

por Leandro Fortes e Sergio Lirio, em CartaCapital




A posse dos novos deputados federais e senadores, em 1º de fevereiro, marcou também o fim das férias da oposição. Iludiu-se, porém, quem esperava a apresentação de uma agenda de contraposição ao governo Dilma Roussef. Em vez disso, a plateia assistiu a um bate-boca entre os grupos que disputam a hegemonia no PSDB e em seu satélite, o DEM. Alguns lances poderiam ser confundidos com brigas familiares no subúrbio, o que levou um gaiato e experiente senador a sugerir a CartaCapital que, por trás das cenas explícitas de descortesia, talvez esteja uma estratégia das legendas de se aproximar das massas.



Rodrigo Maia, presidente do DEM, chegou a comparar a situação atual de José Serra, derrotado nas eleições presidenciais do ano passado, à do ditador egípcio Hosni Mubarak: “O projeto presidencial de 2010 tem de entender que já passou e está como o governo do Egito: caiu e só falta desocupar o espaço”. Senador eleito por São Paulo e um dos poucos serristas que têm coragem de se expor, Aloysio Nunes Ferreira atacou a coleta de assinaturas de apoio à manutenção de Sérgio Guerra no comando do PSDB, cargo cobiçado por Serra: “É um método odioso para qualquer tipo de indicação partidária, ainda mais para o presidente nacional do partido”. Nunes Ferreira ainda desdenhou de Aécio ao dizer que sua candidatura à Presidência da República não era “natural” e que havia outros nomes.



A contenda parece totalmente favorável a Aécio. Enquanto Serra conta com Nunes Ferreira e a velha simpatia da mídia, em especial a paulista, o senador mineiro acumula cada vez mais força no tucanato, tem a preferência inconteste das lideranças que hoje importam no DEM e transita bem em alas do governismo – PSB, PDT e PP apreciam seu estilo. Além disso, unidos pela aversão a Serra, Aécio e o governador paulista Geraldo Alckmin teriam feito um acordo: trabalhar em conjunto para enterrar o serrismo e dividir o comando da legenda. Antes desconfortável no PSDB, a ponto de discutir no ano passado sua desfiliação, o neto de Tancredo parece ter o ninho à sua inteira disposição. Tanto que a boataria sobre quem poderia deixar o partido se inverteu. Agora é Serra quem teria cogitado sair, espalha-se na praça. O mais provável, no entanto, é que os boatos tenham surgido de uma meia-verdade somado a um raciocínio tortuoso. O ex-governador paulista tenta evitar que seu aliado Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, troque o DEM pelo PMDB. Se a permanência de Kassab no Democratas for impossível, Serra preferiria que o amigo fundasse uma nova agremiação – tanto para evitar que o prefeito caia na órbita dilmista quanto para deixar uma porta aberta, caso não encontre mais espaço entre os tucanos.



Há quem dê como certa a filiação de Kassab ao PMDB, com as bênçãos do vice-presidente Michel Temer. No núcleo serrista e mesmo entre tucanos paulistas não alinhados ao candidato presidencial derrotado, essa migração não parece tão clara. Não se descarta, inclusive, a permanência de Kassab onde sempre esteve ou, hipótese mais remota, seu ingresso no PSB, no qual se tornaria realmente a grande liderança do partido em São Paulo (no PMDB, ao contrário do que o próprio Kassab imagina, não seria tão fácil herdar os votos e a máquina do quercismo ou mesmo virar o principal cacique).



O jogo é mais complexo para o grupo aecista porque os eventos não têm ocorrido exatamente como relata a mídia. Se existe uma aliança entre o mineiro e Geraldo Alckmin, ela é mais circunstancial do que se imagina. O governador paulista preferiria se manter equidistante na disputa. Alckmin irritou-se, ante a coleta de assinaturas a favor da permanência de Guerra na presidência do PSDB, por ter sido obrigado a manifestar apoio a Serra em nome das conveniências locais. Também reclama de uma parte da herança “maldita” herdada no estado. Os serristas entregaram as contas públicas equilibradas, mas a boa contabilidade foi obtida graças às concessões e vendas do patrimônio estatal (o mais sintomático, a venda da Nossa Caixa ao Banco do Brasil). Com o projeto presidencial em mente, Serra procurou capitalizar os cofres estaduais para investir nos últimos anos de mandato. Em consequência, Alckmin ficou sem ter o que privatizar, à exceção da complicada Cesp, estatal de energia, que não pode ser vendida enquanto o governo federal não decidir sobre a renovação das concessões no setor. Resumo: suas chances de encher os cofres, fazer investimentos e mostrar serviço ficaram sensivelmente limitadas. Sua equipe econômica será obrigada a mágicas. Além disso, Alckmin considera ter Serra extrapolado no confronto com os professores estaduais – sua intenção é reconquistar parte da categoria com aumento de salários, mais contratações e melhores condições de trabalho.



Ainda assim, Alckmin e Serra se falam ao menos de três em três dias – embora a iniciativa parta quase sempre do ex-governador. O contato com Aécio é esporádico, quando não inexistente. Quem conhece Alckmin interpreta sua estratégia: mesmo se perder a disputa interna agora e para sempre, Serra e o recall dos 44 milhões de votos obtidos em 2010 não poderão ser simplesmente ignorados. Sua posição terá peso e o governador de São Paulo, apesar de cultivar o estilo provinciano, acalenta o projeto de disputar novamente a Presidência. Há limites, portanto, na suposta aliança café-com-leite.



É nessas nuances que Serra deposita esperanças. Na quarta-feira 9, diante das sucessivas notícias desfavoráveis a suas pretensões de presidir o PSDB, desembarcou em Brasília no seu velho estilo. Nos bastidores, reclamou e ameaçou a bancada do partido. Diante das câmeras, mostrou-se cândido, como se a disputa pelo comando da legenda não o consumisse nas madrugadas em que passa acordado. Com a modéstia peculiar (ele que, na campanha, praticamente se apresentou como o descobridor do Brasil e o mentor da República), propôs um 11º mandamento: “Não atacarás o seu companheiro de partido para não servir ao adversário”. E ofereceu até uma versão apropriada ao Twitter: “Tucano não fala mal de tucano”. Anotou, Moisés?



Aécio, que tinha um compromisso fora do Congresso, achou por bem cancelá-lo para não faltar ao almoço e evitar a impressão de desfeita. Serra foi tratado com respeito e deferência, mas não angariou uma mísera nova simpatia no Parlamento. Nem conseguiu reverter o ânimo das bancadas em optar por Guerra e não por ele no comando do PSDB. Os dois lados andam no fio da navalha, pois experts em Serra afirmam que ele seria capaz de levar o tucanato à ruína final se assim lhe convier. A ver.



Mineiro e paulista não se viam desde o fim das eleições de 2010. Em janeiro, Aécio saiu de férias. Na volta, enfiou-se em reuniões com aliados de Minas Gerais sem se preocupar com os destinos nacionais da legenda. Em recentes encontros partidários, disse estranhar a reação do correligionário à manifestação dos deputados em prol da reeleição de Guerra. Explica-se: em novembro de 2010, menos de uma semana após a vitória de Dilma Rousseff, Serra participou em São Paulo de uma reunião de tucanos na casa de Andrea Matarazzo, ex-secretário estadual de Cultura, na qual teria apoiado de forma eloquente a permanência de Guerra. À luz dos últimos acontecimentos, interpretam os aecistas, a intenção seria interditar a possibilidade de o colega mineiro se credenciar para a vaga. Erro fatal.



Aécio nunca quis presidir o partido. Seus olhos miram algo bem maior e produtivo a seus planos: liderar a oposição no Congresso. Ao apoiar Guerra na casa de Matarazzo, Serra conseguiu, ainda sem saber, dar força a um aliado de Aécio no partido e cavar a própria cova. Não bastasse, o tucano paulista, preocupado com os próprios botões, descuidou-se do DEM e viu o mineiro levar outra: o baiano ACM Neto foi eleito o líder demista na Câmara. A conta da derrota deve ser creditada ainda ao desafeto Rodrigo Maia, que atuou na operação com prazer indisfarçável.



Surgido das entranhas do PMDB, o tucanato sofre de decrepitude precoce pelo fato de ser um partido que se pretende defensor da social-democracia, mas não possui base social. As duas vitórias eleitorais de Fernando Henrique Cardoso, ancoradas no Plano Real, criaram a falsa ilusão de consistência, expressa no projeto de 20 anos no poder de Sérgio Motta. A tripla derrota para Lula mostrou o quanto a legenda se resume a um amontoado de caciques rumo à aposentadoria. As exceções são Aécio e o paranaense Beto Richa, mas este é um político de expressão regional. Portanto, as opções na mesa não opõem apenas os projetos pessoais do mineiro e de Serra. Trata-se da sobrevivência da legenda – ou de uma ideia – no momento em que o futuro aponta para uma profunda reconfiguração do quadro partidário brasileiro. No momento, a beligerância serrista soa menos promissora que a oposição propositiva defendida por Aécio.



“Desse embate virá uma nova posição do PSDB em relação ao governo Dilma”, analisa o cientista política Murillo de Aragão. Segundo ele, o perfil de oposicionista puro de Serra, adotado pelo partido desde a crise do chamado “mensalão”, em 2005, deixou a sigla escrava de uma única circunstância: esperar os escândalos aparecerem no governo federal para, então, crescer com o apoio da mídia. “O PSDB passou a viver dessas migalhas de escândalos, erros e desacertos do governo alheio.” A única saída possível, diz, é abandonar a discussão centrada em nomes e, antes que seja tarde, pensar em como reestruturar a agremiação de modo a redefinir o seu papel.



Na visão dos aecistas, ao tentar impedir a recondução de Guerra à presidência da legenda, Serra acabou por criar uma divisão onde antes havia consenso. Discretamente, o senador mineiro tenta forçar o ex-governador paulista a abrir mão do personalismo baseado no poder do núcleo paulista e, generosamente (o que seria surpreendente), ouvir as demandas nacionais. Sem isso, avaliam, o partido caminharia para, talvez, a derradeira derrota eleitoral em 2014. Aécio, dizem seus apoiadores, teria se apresentado como candidato em 2010 não por voluntarismo, mas para agregar ao PSDB uma disposição maior ao diálogo, alternativa à política de enfrentamento nutrida em uma pretensa “excepcionalidade” paulista. Queria abrir canais de diálogo com o PSB do pernambucano Eduardo Campos e com o PMDB. O mineiro também se vê em melhores condições de atrair o PDT e o PP, hoje aliados do governo. “Qualquer aproximação com o PSDB só será possível com Aécio Neves à frente”, afirma o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF). “O estilo de Serra é o do confronto.”



Um dos sensos comuns diz que se colhe o que se planta. De qualquer maneira, surpreende o atual estado de abandono de Serra – e a total falta de constrangimento de seus correligionários em lançar tomates sobre ele. A começar por Fernando Henrique Cardoso. Em entrevista ao jornalista Kennedy Alencar, da Rede TV!, exibida no domingo 6, FHC criticou o uso do tema aborto na campanha eleitoral. Segundo o ex-presidente, a exploração política do assunto causou-lhe desconforto. Para quem não se lembra, o assunto, fomentado pela campanha serrista, frequentou a mídia com assiduidade até que uma ex-aluna revelou que Mônica Serra, mulher do candidato, havia confidenciado a um pequeno grupo de estudantes ter se submetido a um aborto durante o exílio. Após a revelação, o assunto desapareceu como por encanto – passou do topo das “preocupações nacionais” à quase completa irrelevância. Quatro dias antes, FHC, escanteado no debate eleitoral de 2010, fora reabilitado no programa partidário exibido nas tevês e rádios. Já Serra, o derrotado, nem sequer foi mencionado.



A exclusão de Fernando Henrique da campanha eleitoral e a vergonha de Serra de defender as privatizações realizadas entre 1994 e 2002, quando o partido estava no Palácio do Planalto, foram outros fatores fundamentais para alimentar as divergências do ex-governador paulista com seu colega mineiro. Passadas as eleições, Aécio buscou se aproximar de FHC (seria a entrevista à Rede TV! resultado dessa aproximação?). E obteve reciprocidade: o ex-presidente, que defende a antecipação da escolha do candidato do partido para 2012, tem dito ser o senador a melhor opção.



Se ficar sem a presidência do PSDB, o mais provável, Serra terá de arrumar uma forma de se viabilizar politicamente e se manter forte na bolsa de apostas nos próximos anos. Tanto pior se o governo Dilma for bem-sucedido. Em entrevistas recentes, ele negou a intenção de se candidatar à prefeitura de São Paulo. Seu cálculo está correto: disputar a eleição municipal, em geral desconectada da presidencial, seria abrir mão de liderar a oposição nacionalmente e admitir a aposentadoria. Mas Alckmin está dispoto a convencê-lo do contrário. Para o governador, Serra é não só o melhor, mas o único nome tucano. Com a possibilidade de Kassab engrossar as hostes dilmistas no estado, a posição do PSDB na capital ficará bem frágil. Ninguém duvida que o PT apostará alto na disputa de 2012. Conquistar a prefeitura – sozinho ou, eventualmente, em parceria com Kassab – permitiria aos petistas sonhar com o que parece impossível atualmente: lançar um nome competitivo ao governo paulista, último bastião de resistência do tucanato nas últimas duas décadas.



Resta uma última pergunta: nessa altura, Serra move-se por alguma fidelidade partidária ou seu projeto pessoal é a única coisa que interessa?



Colaborou Celso Calheiros, do Recife



Lucas Figueiredo: Serra caiu no conto dos mineiros

Do blog de Lucas Figueiredo.

José Serra não aprende. Não bastasse o isolamento numa fatia grande do PSDB, operação armada pelo senador Aécio Neves, seu colega-adversário, Serra caiu numa armadilha montada por Itamar Franco (PPS-MG), senador redivivo na última eleição justamente pelas mãos de Aécio.

Nos últimos dias, Itamar, o imprevisível, saiu pelos corredores e pelo plenário do Senado a defender a convocação de Serra à Casa. Itamar advogava que Serra deveria ser chamado para defender publicamente a proposta que apresentara na campanha presidencial de elevar o salário mínimo a R$ 600 ainda neste ano.

O objetivo de Itamar, segundo o próprio, seria ampliar o debate sobre o tema, até então dominado pela proposta do governo, de R$ 545. Muito bom, muito bem, não fosse o fato de que, até a eleição de 2010, quando ao menos tecnicamente estiveram no mesmo lado, Itamar alimentou por Serra um desprezo colossal.

(Nesse caso, não valia a máxima de que mineiro não briga, mas também não perdoa, já que um dos esportes preferidos de Itamar sempre foi falar mal de Serra.)

Noves fora os desentendimentos do passado, o certo é que, do Senado, Itamar lançava um tapete vermelho na direção de Serra – e o gestou encontrou ressonância. Dando gás ao plano, o jornal Estado de Minas, porta-voz dos interesses de Aécio, replicou o convite: “Itamar quer convocar Serra para explicar mínimo de R$ 600”.

Parecia armadilha – e era. Mas Serra pagou para ver.

Ontem, Serra foi a Brasília. Não falou no Senado, mas em reunião com deputados e senadores tucanos, o candidato derrotado à Presidência defendeu o salário mínimo de R$ 600. “É factível”, disse ele. No mesmo dia, o governador de São Paulo, o também tucano Geraldo Alckmin, anunciou que o valor do salário mínimo no Estado será de R$ 600. Por algumas horas, alguns jornalistas, eu inclusive, enxergamos na fala sincronizada de Serra e Alckmin uma inusitada harmonia no ninho tucano. Cheguei a postar no twitter (@_lucasfigueired) que Itamar tinha servido de escada para Serra. Qual o quê. Em Minas, nada é o que parece.


Leio hoje na coluna Painel da Folha de S.Paulo, usada por Aécio para mandar recados, a seguinte nota:
“Água e óleo – Até o salário mínimo divide José Serra e Aécio Neves. Enquanto o primeiro foi a Brasília tentar convencer a bancada tucana a abraçar os R$ 600 defendidos por ele na campanha, aecistas argumentaram que a oposição soará oportunista se bater o pé por esse valor, especialmente se as centrais sindicais aceitarem algo mais modesto, como tudo indica que irá acontecer.”

Não foi a única lambada que Serra levou. Ontem, o Estado de Minas – o mesmo que noticiara com destaque o inusitado interesse de Itamar em convocar Serra ao Senado – noticiou na capa: “Serra defende R$ 600, mas prefeitos tucanos refutam”.

Buscando a luz, fugindo do fracasso da eleição e da perseguição de seus pares tucanos, Serra acreditou que ia se dar bem com o aceno de Itamar. Não sabia ele que Minas é a Calábria do Brasil.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Tunganos privatizam setor elétrico e sugerem que paulistas comprem geradores.




Por Elio Gaspari

Depois da privataria o "microgato"

O tucanato vendeu o patrimônio da Viúva e agora sugere que a patuleia compre geradores de energia





O secretário de Energia do governo de São Paulo, José Aníbal (PSDB-SP), anunciou que shoppings centers, empreendimentos comerciais e conjuntos habitacionais "vão ter que ter" geração própria para evitar apagões. Nas suas palavras:"Nos momentos de pico, eles saem da rede e fazem geração própria. Vai ter que trabalhar nisso. Isso não é só saudável do ponto de vista do conjunto do sistema, como é prudente do ponto de vista das insuficiências da transmissão da empresa que está aí. Vamos estimular".





O que o doutor propõe é um salto para o século 19, com a criação de um sistema avulso de geração de energia elétrica, o "macrogato". Um absurdo ambiental, porque os geradores queimam óleo diesel; econômico, porque o equipamento de um edifício residencial custa algumas dezenas de milhares de reais; e financeiro, porque o freguês gastará com a manutenção da máquina enquanto ela estiver parada.





Tudo isso e mais a pontual conta de uma energia que às vezes vem, mas pode não vir. Há 12 anos, quando o tucanato vendeu a Eletropaulo, prometiam-se rios de mel. Os novos donos fariam investimentos, o sistema melhoraria e todo mundo ficaria feliz, até porque a estatal se tornara um ninho de espertalhões.





Em 1998, a Eletropaulo foi vendida pelo preço mínimo porque um dos arrematantes, a AES, tinha um contrato de gaveta com o consórcio rival da Enron. O BNDES financiou os compradores e, já no governo petista, a AES não pagou uma dívida de US$ 336 milhões. Resolveu-se o calote espichando-se o prazo do empréstimo. (Entre 1998 e 2001, a AES remeteu aos seus acionistas internacionais US$ 318 milhões.)





A privataria tucana transformou-se na privataria petista, subordinando o Ministério de Minas e Energia, bem como a Aneel, ao aparelho dos companheiros-empresários.Por conta da decadência do sistema elétrico ("o melhor do mundo", para o ministro Edison Lobão), pode-se estimar que haja em São Paulo algo como 20 mil geradores instalados até mesmo em restaurantes e edifícios residenciais. No Rio podem ser 5.000. Essa gambiarra degenera o sistema, remunera a inépcia e derruba a produtividade da economia. Num país onde os cidadãos pagam duas vezes pela educação e pela saúde (uma para a Receita e outra para a rede privada), o doutor José Aníbal apresenta a matriz energética do "gato". Vale lembrar que o atual governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, era o presidente do Conselho Diretor do Programa de Desestatização do Estado quando a Eletropaulo foi vendida.





O sistema elétrico brasileiro, como o ferroviário e o de telefonia, já foi privado, passou para a Viúva e retornou ao mercado. Em tese, o empresário presta o serviço, recebe tarifas, investe e remunera-se. Na prática, uma relação incestuosa entre os operadores e o Estado resulta no desestímulo aos investimentos e na degradação dos serviços. Nessa hora, se a empresa é pública, privatiza-se. Se é privada, estatiza-se. Na ida ou na volta, alguns maganos fazem a festa.





Quando o secretário de Energia de São Paulo sugere a criação de um "gato" de geradores, pode-se suspeitar que a estatização passou a ser vista como um bom negócio pelos concessionários beneficiados pela privataria.(Elio Gaspari - Folha)

Cidades receberão R$ 18 bi do PAC II para investir na melhoria do transporte

Saiu no Blog do Planalto:








Grandes cidades receberão R$ 18 bi do PAC II para investir na melhoria do transporte



As 24 maiores cidades brasileiras receberão R$ 18 bilhões para melhoria do sistema de transporte público por meio do PAC Mobilidade Grandes Cidades, projeto integrante da segunda etapa do Programa de Aceleração do Crescimento. O anúncio será feito nesta quarta-feira (16/2) pelos ministros do Planejamento, Miriam Belchior, e das Cidades, Mário Negromonte, em cerimônia do Palácio do Planalto que marcará a abertura do processo de seleção dos projetos.



Os projetos devem obrigatoriamente ser destinados a ampliar a capacidade de locomoção e melhorar a infraestrutura do transporte público coletivo. O investimento do governo federal — R$ 6 bilhões diretos da União e R$ 12 bilhões por meio de financiamento – beneficiarão 39% da população do país que vive em regiões metropolitanas. Os projetos podem incluir sistemas de transporte sobre pneus, como corredores de ônibus exclusivos e de Veículos Leves sobre Pneus (VLP/BRT), e também sistemas sobre trilhos, como trens urbanos, metrôs e Veículos Leves sobre Trilhos (VLT).



“O governo está estruturando uma política pública de mobilidade urbana para o país, que atende o direcionamento da presidenta Dilma Rousseff, de apresentar soluções para os gargalos de mobilidade dos grandes centros urbanos, num esforço para melhorar a qualidade de vida de milhares de cidadãos, priorizando o transporte público”, afirmou o ministro Mário Negromonte.



Por sua vez, a ministra Miriam Belchior defende que o PAC Mobilidade “reforça o compromisso do governo federal em melhorar a qualidade de vida da população nas grandes cidades do Brasil, enfrentando um dos mais graves problemas do país”.



Os projetos devem ser apresentados pelos estados e/ou municípios seguindo critérios pré-estabelecidos para enquadramento, como, por exemplo, a garantia de sustentabilidade operacional dos sistemas, a compatibilidade entre a demanda e os modais propostos, bem como a adequação às normas de acessibilidade. Além desses critérios, se dará prioridade para os projetos que beneficiem áreas com população de baixa renda, que já contem com projeto básico pronto e que tenham situação fundiária regularizada. A partir do próximo dia 21 de fevereiro as inscrições poderão ser feitas no site do ministério das Cidades.



Um dos projetos que serão inscritos no PAC Mobilidade Grandes Cidades será o do metrô de Porto Alegre (RS). O prefeito da cidade, José Fortunati, conversou com o Blog do Planalto sobre o projeto e os benefícios que ele trará ao município. Veja abaixo:

Os 24 municípios do PAC Mobilidade foram divididos em três grupos:




MOB 1: esse grupo é formado por capitais de regiões metropolitanas com mais de três milhões de habitantes e corresponde a 31% da população brasileira. As nove cidades desse grupo são: Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Brasília, Recife, Fortaleza, Salvador e Curitiba.



MOB 2: inclui municípios com população entre um e três milhões de habitantes e corresponde a 4% da população do país. Nesse grupo estão seis cidades: Manaus, Belém, Goiânia, Guarulhos, Campinas, e São Luís.



MOB 3: é voltado para cidades de 700 mil a um milhão de habitantes e também corresponde a 4% da população brasileira. Fazem parte, os seguintes municípios: Maceió, Teresina, Natal, Campo Grande, João Pessoa, São Gonçalo, Duque de Caxias, Nova Iguaçu e São Bernardo do Campo.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Juiza que baniu homem da cidade em que nasceu, explica decisão que tomou.

Sob o título "O juiz no banco dos réus", o texto a seguir é de autoria da juíza Lisandre Figueira, mestre pela Universidade Federal de Santa Maria, especialista em Direito Tributário e ex-docente na UFSM e na UNIPAC (Direito Civil e Processo Civil), e foi publicada no site "Espaço Vital", de Porto Alegre (*):




Virei manchete do Fantástico. Que ironia. Eu, gaúcha da fronteira, vim parar no Sertão de Minas Gerais, com tanta pobreza e carências de recursos, com todas as dificuldades que uma comarca de vara única me impõem, e acabo virando manchete em rede nacional.



Depois de cinco anos de advocacia no Rio Grande do Sul, optei pela magistratura mineira. Assim, há quase sete anos, aceito a vida meio sacerdotal do juiz, que nos exige trabalhar mais de 12 horas por dia, sabendo que ao voltar no dia seguinte, novos processos virão.



Todos os dias revivo o mito de Sísifo. Subo a montanha de processos, todavia, resigno-me a ver a pedra rolar novamente. É um recomeçar sem fim.



Não assisti a reportagem do Fantástico, veiculada no último domingo, sobre o “homem que foi impedido de voltar para a sua cidade”, embora eu fosse uma de suas protagonistas. Por que? Porque conheço o caso e as razões do meu decidir. Nada do que seria dito alteraria a realidade fática e processual.



Dei a entrevista em razão de o tema ter tomado tamanha dimensão e por entender que toda a autoridade pública deve dar transparência aos seus atos. O fiz em respeito à comunidade de Buritis-MG, que conhece meu trabalho há cinco anos e sabe da lisura e imparcialidade dos meus julgamentos.



Por mais que tenha dado uma versão clara dos fatos ao nobre entrevistador, já previa que a tônica da reportagem seria colocar “a juíza” na posição de vilã na história.



Nada que me impressione. Basta fazer uma consulta na Internet sobre reportagens a respeito de juízes e se verá que a imensa maioria tem a finalidade de questionar a validade e a legalidade de suas decisões. Não me recordo de alguma notícia de grande alcance nacional que tenha divulgado o bom trabalho desenvolvido por algum colega. É uma pena. Talvez não venda a matéria.



Dos relatos que me chegam, fico com a seguinte impressão: alguém tomou um livro nas mãos, leu o título e a orelha de capa e tirou suas conclusões. Podemos chamar isso de leitura? Conhecer-se-á a história em seus meandros? O por quê dos acontecimentos finais? Nunca. Jamais.



Princípio básico de processo: para julgar é preciso conhecer o processo. E digo-lhes: eu o conheço. Segundo: o juiz decide com base no que está no processo.



No caso, tinha em minha mesa um comunicado de prisão em flagrante por ameaça de morte à irmã e um pedido de liberdade provisória.



Embora mulher, não presumo que em todos os casos em que há a incidência da Lei Maria da Penha a vítima esteja sempre com razão. Desse modo, adoto por praxe forense a designação de audiência para ouvir o acautelado, com a finalidade de verificar a imprescindibilidade da manutenção da prisão. Na lição de Luigi Ferrajoli, a prisão sempre deve ser a ultima ratio.



Compulsando os autos, verifiquei que a fundamentação do pedido de liberdade provisória lastreava-se essencialmente no fato de que o réu era domiciliado no Distrito Federal e que sofria de problemas de saúde, motivo pelo qual necessitava retornar a sua residência. E, de fato, tais argumentos encontravam eco na documentação anexada aos autos. Portanto, conforme o que constava nos autos o réu não morava em Buritis.



Durante a audiência, com a concordância de sua advogada constituída e do Ministério Público, entendi que não havia motivos para manter o réu preso, porém, considerando que os confrontos familiares eram frequentes, especialmente quando este vinha a Buritis, lhe deferi o benefício de liberdade provisória, mediante condições, nos termos da Lei nº 11.340/06.



Optei pelo “caminho do meio”, devolvi-lhe a liberdade, o direito de ir e vir, porém mediante condições que garantissem segurança à vítima, nos termos da Lei Maria da Penha, art. 22, II e III, “c”. Dei-lhe a oportunidade de voltar ao seu domicílio efetivo em Brasília, de tratar dos seus problemas de saúde - conforme pleiteado nos autos -, estabelecendo um prazo para que os ânimos tão acirrados se acalmassem. Quem sabe assim, o diálogo familiar se tornasse possível em outra oportunidade.



Pergunto-lhes: seria melhor tê-lo deixado preso? Seu direito de ir e vir já não estava restringido, ante o fato de que se encontrar encarcerado, autuado em flagrante por grave ameaça de morte à irmã? Alguém ousaria afirmar que prisão em flagrante não é constitucionalmente admitida, ante o disposto no art. 5º, LXI, da Constituição da República? Quantas são as decisões judiciais que, com fundamento na Lei Maria de Penha, decretam a prisão preventiva dos supostos agressores, objetivando a proteção física e psicológica da vítima?



Neste momento cabe questionar: a circunstância de a decisão ser “inédita”, a torna ilegal ou inconstitucional? O juiz deve ser apenas e tão somente aquele sujeito que “copia e cola” a jurisprudência majoritária ou a melhor doutrina? Não. Definitivamente, não. A realidade dos fatos nos exige atuação pronta e célere na aplicação do Direito e, para isso, devemos fazer uma leitura do texto legal do modo mais adequado a cada caso.



Na hipótese em comento, o interesse de ambas as partes foi alcançado. Primeiro, porque aquilo que a douta Defesa pleiteava foi deferido, i.e., a liberdade do réu. Segundo: a segurança física e psicológica da vítima foi garantida. Terceiro: A Lei Maria da Penha, no seu art. 22, II e II, “c” não estabelece limites máximos de distanciamento do agressor da vítima. Quarto: Se houvesse qualquer descontentamento com a polêmica decisão judicial, poderia o réu ter se valido dos recursos legalmente previstos ou da interposição de habeas corpus, o que não o fez.



Por tudo isso, deito a cabeça no travesseiro e durmo, com o sentimento de dever cumprido, pois talvez tenha evitado um mal maior. Evitei conflitos familiares que traziam tanta dor e sofrimento a ambas as partes. Lamentaria uma vida inteira se algo de pior acontecesse com qualquer dos envolvidos.

Já ouvi tanta coisa. “Rasgou a Constituição Federal!”. “É só mais uma menininha que passou num concurso!” “Não conhece a pirâmide kelseniana!”. “Crime de banimento!” etc, etc.



Mas, confesso, recebo as críticas desses especialistas com carinho e respeito, sejam positivas ou negativas, afinal, vivemos numa democracia.



Que fique bem claro, não tenho pretensão de unanimidade. Em cada processo, 50% das partes serão desagradadas, sairão descontentes com a minha decisão. E o Direito é assim mesmo, dialético, relativo, tantas são as opiniões divergentes sobre o mesmo tema, amparadas por doutrina e jurisprudências tão variadas.



No dia em que eu for unanimidade, mudo de profissão.”



(*) www.espacovital.com.br

Homem é banido da cidade em que nasceu com base na lei Maria da Penha.

Sob o título "Homem é proibido de entrar na sua cidade após ameaçar a irmã", o texto a seguir foi reproduzido no site Ordem dos Advogados do Brasil (*):




Brasília, 07/02/2011 - No começo, era uma desavença entre o agricultor Leonardo Durães e a irmã. Após ameaçar Sandra, ele ficou impedido de entrar em Buritis. Uma história curiosa vem do interior de Minas Gerais e mais parece uma história dos velhos filmes de bangue-bangue. Um homem está proibido de entrar na própria cidade. O agricultor Leonardo Durães não pode cruzar a divisa. "Se eu der um passo para lá, eu estou fora da lei", revela. Se pisar no município mineiro de Buritis, Leonardo estará descumprindo uma ordem judicial. "Eu me sinto no Velho Oeste, tipo um bandido, expulso da minha cidade", lamenta.



No começo era só uma desavença de família, uma rixa com a irmã, a funcionária pública Sandra Durães. "Ela costuma pisar nas pessoas", diz o agricultor. "Ele sempre foi custoso, sempre foi agressivo", ressalta a irmã. Mas a briga ficou feia, e o bate-boca parou na Justiça. "A minha irmã é bruta, está sempre querendo ser melhor do que todos", declara Leonardo. "Quando ele implica com uma pessoa, ele implica para valer", aponta Sandra. Até o dia em que ele ameaçou a irmã. "Ela se alterou comigo, eu me alterei com ela. Veio a convulsão em mim. Aí, eu não vi nada", conta o agricultor. A irmã chamou a polícia, e Leonardo foi preso.



A juíza de Buritis, Lisandre Figueira, mandou soltá-lo, mas, baseada na Lei Maria da Penha, de proteção à mulher, o proibiu de frequentar o município durante seis meses. "Imediatamente, no outro dia, eu sai para Brasília, porque eles me pressionaram para sair do município", revela Leonardo.



"Foi uma decisão correta, porque, até então, o período em que eu tive um sossego, uma paz, foi esse período em que o Leonardo ficou afastado da cidade", declara a funcionária pública Sandra Durães.



Leonardo e a irmã Sandra não viviam na mesma casa. Ela mora na cidade. E ele, no campo, a sete quilômetros do centro de Buritis. Mesmo assim, ele teve que ir embora, porque a casa dele fica dentro dos limites do município. Com medo de ser preso, trancou tudo e nunca mais pisou no local.



Leonardo hoje mora perto de Brasília em Planaltina de Goiás, a 200 quilômetros de Buritis. Ele tem epilepsia e recebe R$ 600 de auxílio-saúde do governo de Minas Gerais, dos quais reserva R$ 180 para pagar o aluguel de um quartinho. O agricultor não se conforma de ter que gastar o dinheiro dos remédios. "A dona da cidade é a população, e não a juíza, porque ela é uma juíza, mas nós somos todos iguais", critica o agricultor.



Será que a decisão da juíza tem base legal? Para o presidente nacional da Ordem de Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, não. "Na verdade, isso significa o crime de banimento que já foi abolido do nosso ordenamento jurídico na época da colônia. Uma decisão dessa natureza é tão absurda que, se a corregedoria local não corrigir, é necessário que o Conselho Nacional de Justiça corrija", afirma.



O Fantástico perguntou a dois importantes juristas se eles já tinham visto decisão parecida. "Definitivamente, não", afirma o advogado José Gerardo Grossi. "Nunca tive conhecimento de decisão semelhante",



Para o advogado José Gerardo Grossi, o precedente é grave. "A juíza hoje resolve afastar um cidadão do seu município. Amanhã, por que não afastá-lo do seu estado e posteriormente até do seu país, se dermos a essa juíza essa amplitude que ela tomou para aplicar medidas restritivas e pessoais?", critica.



O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso acha apenas que a juíza levou a Lei Maria da Penha ao pé da letra. "Sobre o ponto de vista legal, a decisão está correta. A juíza tem razão. A lei autoriza. Agora, é preciso verificar se esse dispositivo está conforme a Constituição", declara.



Para Velloso, há um exagero que viola o direito de ir e vir. A decisão poderia ter fixado um limite de afastamento entre os irmãos. "Podia ser 500 metros, um quilômetro, jamais, entretanto, determinar que ele passe a residir em outro município", destaca.



A juíza de Buritis argumenta que interpretou a lei para proteger a vítima. "A Lei Maria da Penha não estabelece qual a distância. O meu papel como juíza acima de tudo é a pacificação social. E foi com esse norte que eu decidi pelo afastamento do réu da comarca de Buritis", justifica a juíza Lisandre Figueira.



Como o endereço que consta nos autos é de Brasília, na verdade, a casa de uma prima, onde Leonardo se hospeda, quando trata da saúde, a juíza entende que ele vinha pouco a Buritis. "Os confrontos aconteciam quando ele vinha a Buritis. Então, para evitar isso, um prazo mínimo de seis meses. Eu acredito que a decisão tenha sido razoável", diz.



Leonardo não recorreu. Deixou passar o prazo de seis meses que expira nesta segunda-feira (7). Na semana que vem, ele vai pedir a um parente que vá ao Fórum e pergunte à juíza se ele já pode voltar. "Eu me sinto muito magoado com isso. É uma mágoa terrível dentro de mim. Uma discussão de irmãos me afastar do meu local, de dentro da minha cidade, criado desde a minha infância, onde eu cuidei dos meus avós, que foram os pioneiros de lá, até quando os dois se foram. Eu pretendo procurar a minha indenização de danos morais e ficar em paz no meu local lá", afirma o agricultor.



(*) Segundo informa a OAB, a matéria foi veiculada neste último domingo, dia 6, no Programa Fantástico, da TV Globo.

Enquanto Supremo Debate Furto de Galinhas, Dantas Continua Impune.

Furto de galinhas que chegou ao STF provoca debate

reportagem sobre o furto de galinhas que chegou ao Supremo Tribunal Federal, publicada na Folha em 1/2 e reproduzida no Blog, foi tema de debates nos dias seguintes neste espaço, com destaque para os seguintes aspectos: a) o fato de a ação penal "mobilizar a máquina custosa" do Judiciário, como reconheceu o ministro Ayres Britto, relator do processo do STF (*); b) a controvérsia sobre o princípio da insignificância e c) o risco de interpretações equivocadas devido ao destaque dado a essa tramitação inusitada.




No dia 30 de setembro de 2002, o caseiro gaúcho “Garnisé” aproveitou a pouca vigilância do patrão e furtou da propriedade, em Porto Alegre, cinco galinhas e dois sacos de ração. Embora tenha devolvido as aves e a ração, nos oito anos seguintes o fato mobilizaria o aparato do moroso Judiciário brasileiro".



A ação penal contra “Garnisé” somente veio a ser trancada em novembro último pelo Supremo.



"O caso, em si, é de uma irrelevância a toda prova, não há dúvida disso. E, por conta dela, não faz sentido chegar ao Supremo", diz o jurista Sérgio Renault, ex-secretário da Reforma do Judiciário, ouvido pelo Blog. Embora ressaltando não conhecer detalhes do processo, ele teme avaliações equivocadas.



"Por trás do caso pode haver a discussão de um direito importante, uma questão constitucional, como o direito de defesa. É importante que ele seja remetido ao STF, porque pode se estabelecer uma jurisprudência, um precedente que possa valer para outros casos análogos", diz Renault.



"Como é um caso isolado, chama a atenção. Fica parecendo que o STF se dedica muito a esse tipo de coisa, o que não é verdade." Segundo o jurista, também não é verdade que a demora dos processos se deva ao fato de o Supremo estar julgando muitos casos irrelevantes.



"Fica parecendo que o Supremo deve ser responsável por decidir questões de valores financeiros muito altos, que envolvem interesses de banqueiros, empreiteiras, pessoas ricas etc. E não é isso", diz Renault.



"Há uma utilização muitas vezes predatória do Poder Judiciário, mas não por essas pessoas [como "Garnisé"] e não é pelo questionamento de casos como esse. Ao contrário, existem processos demais por pessoas que se valem do Judiciário para obter um ganho financeiro. A utilização indevida do Judiciário é feita muito mais por parte das grandes empresas e dos ricos do que propriamente por pessoas individuais, num caso como esse".



O ex-secretário lembra que, "para recorrer nas instâncias superiores do Poder Judiciário, você tem que pagar custas" [despesas previstas com atos judiciais]. "O valor das custas muitas vezes inviabiliza que as pessoas questionem os seus direitos, porque fica tão caro que não vale a pena".



"Acho muito relevante que a Defensoria Pública faça esse papel, porque senão nós vamos entender que o Supremo é o tribunal dos ricos, dos banqueiros. Isso não é verdade. Tem que julgar o banqueiro, mas também tem que julgar o ladrão de galinhas", diz Renault.



Daniel Chiaretti, Defensor Público Federal em São Paulo, observa que, "mesmo com o reconhecimento da importância da Defensoria Pública nesse caso --que só chegou ao STF graças à Defensoria Pública da União-- o Poder Público insiste em não dar a devida atenção à carreira".



A questão do valor envolvido no furto provocou divergências nas várias instâncias. O Superior Tribunal de Justiça entendeu que a conduta de “Garnisé” “não pode ser considerada irrelevante para o direito penal”. Assim também concluiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que viu na rejeição da denúncia o risco de "se incentivar a criminalidade".



Os dois sacos de ração e as cinco galinhas foram avaliados em R$ 286,00. O STJ decidiu que, no caso de furto, “não se pode confundir bem de pequeno valor com o de valor insignificante”.



O TJ-RS também considerou que R$ 286,00 não pode ser tido como valor insignificante, pois, na época do furto, superava o salário mínimo.



O ministro Ayres Britto viu na conduta do caseiro “muito mais a extrema carência material do paciente do que indícios de um estilo de vida em franca aproximação da delituosidade”.



Para decidir que a ação penal deveria ter prosseguimento e que a denúncia não poderia ter sido rejeitada com base no princípio da insignificância, o TJ-RS havia levado em conta que "Garnisé" respondia "a mais um processo, por tentativa de homicídio qualificado, além de outro, também por furto".



"A Justiça erra gravemente ao não adotar como pressuposto da bagatela os bons antecedentes do autor", diz o Promotor de Justiça Artur Forster Giovannini, de Três Pontas (MG). Segundo ele, "preocupa a banalização da bagatela", uma vez que o princípio mal aplicado "deixa desprotegida a sociedade, principal destinatária da atuação da Justiça."



"O princípio da bagatela é um meio eficaz de proceder a realização da verdadeira Justiça, evitando o encarceramento de um furtador de um frasco de shampoo ou de uma fruta, porquanto, nestes casos, é absolutamente indiscutível que o valor da coisa é pífio, irrisório, o que torna totalmente desproporcional qualquer pena a ser aplicada pela Justiça", diz o promotor.



"Não acredito ser viável aplicar a teoria para furtos de pequeno valor em benefício de autor que faz do crime sua profissão e, tampouco, em casos de lesão patrimonial expressiva para a vítima, como, por exemplo, no furto de uma bicicleta de um trabalhador ou na subtração de um botijão de gás de uma família humilde. Inegável, pois, a relevância penal destes atos lesivos".



"Se consideramos apenas o valor da coisa, os carentes, sempre os mais prejudicados pelo Estado em todas as áreas públicas, novamente serão vítimas, mas desta vez da própria Justiça, que, administrada por quem recebe bons salários, se torna insensível ao drama dos mais pobres", diz Giovannini.



O juiz federal Marcello Enes Figueira, do Rio de Janeiro, que atuou por seis anos em varas criminais, acredita que "houve um alargamento da aplicação do princípio da insignificância, por motivo de sobrevivência: como não é possível dar conta de tudo, acaba-se por eliminar o que é, em tese, menos relevante".



"O princípio da insignificância não é uma jabuticaba, é reconhecido em outros países. Apliquei-o inúmeras vezes e acho que tem seu lugar. Contudo, funda-se em que determinados ilícitos são de tal forma inexpressivos que não chegam a lesar o bem jurídico tutelado (no caso, o patrimônio). Assim, por exemplo, o fumante inveterado que subtrai um cigarro não comete crime, porque o patrimônio da vítima não chega a ser afetado pela conduta ilícita. A subtração de cinco galinhas de um pequeno criador, contudo, pode constituir relevante redução patrimonial (em tese, sem conhecer as circunstâncais do fato comentado)".



"Por certo, não deve dar causa a encarceramento. Mas é para essas e outras que existem as medidas despenalizadoras, como a suspensão condicional do processo e as penas restritivas de direito", conclui o magistrado.



A manifestação do Procurador-Geral da República no Recurso Ordinário em Habeas Corpus oferecido pela Defensoria Pública da União [veja a ementa a seguir] foi pelo não conhecimento do recurso e, caso conhecido, pelo desprovimento.



(*) RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS 105.919 (STF)



EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE FURTO SIMPLES. CINCO GALINHAS E DOIS SACOS DE RAÇÃO. INEXPRESSIVIDADE ECONÔMICA E SOCIAL DA CONDUTA. RES FURTIVA DEVOLVIDA À VÍTIMA. IRRELEVÂNCIA PENAL DA CONDUTA. RECURSO PROVIDO.



1. O princípio da insignificância penal é vetor interpretativo do tipo incriminador que exclui da abrangência do Direito Penal condutas provocadoras de ínfima lesão ao bem jurídico por ele tutelado.



2. Essa forma de interpretação visa, para além de uma desnecessária carcerização, ao descongestionamento de uma Justiça Penal que se deve ocupar apenas das infrações tão lesivas a bens jurídicos dessa ou daquela pessoa quanto aos interesses societários em geral.



3. A subtração de cinco galinhas e dois sacos de ração, no caso, não agrediu, materialmente, o tipo penal incriminador do furto simples. Pelo que não é de se mobilizar a máquina custosa, delicada e ao mesmo tempo complexa como é o aparato de poder em que o Judiciário consiste para, afinal, não ter o que substancialmente proteger ou tutelar. Até porque os autos dão conta da total devolução da res furtiva (coisa furtada) à vítima.



4. A inexpressividade econômica e social dos objetos que o acusado subtraiu salta aos olhos. A revelar muito mais a extrema carência material do paciente do que indícios de um estilo de vida em franca aproximação da delituosidade.



5. Recurso ordinário em habeas corpus provido para reconhecer a atipicidade da conduta e, por consequência, determinar o trancamento da ação penal.

Do blog do Frederico Vasconcelos na Folha de São Paulo.