sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A quem pertence um jornal?


Por Benoît Hervieu*





O assunto suscitou alguma discussão no Brasil, mas teve pouca repercussão fora do país. É algo a se lamentar, pois levanta questão importante sobre ‘a quem pertence um jornal’. Seria a seus leitores, seus editores ou seus acionistas? A resposta deveria ser óbvia, sobretudo em tempos de Internet e de jornalismo cidadão, quando ninguém mais contesta o fato de que a informação deve pertencer a todos.



No mês de outubro, contudo, o grupo Edson Queiroz – um dos maiores conglomerados empresariais do país –, proprietário do Diário do Nordeste, confrontado com essa questão após a publicação, pelo jornal, de um caderno especial centrado na presença do filósofo e sociólogo Michael Löwy na capital cearense, preferiu ignorá-la. E de que maneira!



Estudioso dos movimentos políticos e sociais, militante de esquerda, Michael Löwy morou muitos anos no Brasil antes de se fixar na França. Em outubro passado, a convite da professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) Adelaide Gonçalves, voltou ao país que o viu crescer para uma série de conferências. Na ocasião, os editores do Diário do Nordeste, de Fortaleza, decidiram abrir um amplo espaço em suas páginas para o convidado da UFC, com a produção de um caderno de seis páginas, intitulado “Revoluções ontem e hoje”.



O ambicioso projeto reúne, então, autores diversos, entre nomes de peso, como o próprio Michael Löwy, a professora Adelaide Gonçalves, três outros docentes colegas de Adelaide, e o crítico literário Roberto Schwarz. Para a entrevista, que deverá ocupar papel central no suplemento, o jornal destaca os jornalistas Dalwton Moura e Síria Mapurunga. Acertados os detalhes, fica difícil imaginar que o Diário do Nordeste possa levar adiante tamanha empreitada sem o aval de sua direção. Tudo parece caminhar dentro do habitual procedimento para a produção de reportagens especiais já que o editor chefe Ildefonso Rodrigues dá sinal verde à realização do projeto. O material é publicado no dia 17 de outubro de 2010.



“Subversivo”, “panfletário”, “inoportuno no momento atual”. Temos a impressão de ouvir os censores da época da ditadura militar no Brasil. Os editores do Diário do Nordeste acreditavam possuir liberdade editorial? Ela está equivocada. A publicação do caderno “Revoluções ontem e hoje” e o espaço, de página inteira, concedido a Michael Löwy, não agradam ao grupo Edson Queiroz. Na sede do oligopólio, o evento provoca mal-estar, troca de acusações, antes de partir a ordem para que alguém seja responsabilizado, demitido. O escolhido é Dalwton Moura, culpado de ter conduzido a entrevista com Michael Löwy, a pedido de seus superiores. Se a entrevista não ocupa todas as páginas do caderno, isso pouco importa. Dalwton é demitido sem “justa causa”. Ao anunciar a demissão, o editor-chefe Ildefonso Rodrigues informa a Dalwton de que a publicação do caderno, solicitada por ele mesmo, foi o motivo para o desligamento do jornalista, que trabalhava no Diário do Nordeste havia nove anos, e desde o ano passado como editor do “Caderno 3”, chefiando uma equipe de oito jornalistas.



Sobre Michael Löwy, o editor argumenta que o sociólogo é “subversivo”, “panfletário” e “inoportuno no momento atual” (em que outro momento Michael Löwy poderia ser “oportuno”?). Dalwton deixa o jornal. Neste mês de janeiro, sua colega e co-autora da entrevista, Síria Mapurunga, decide deixar o jornal. No Diário do Nordeste, silêncio sobre o caso. Vamos aos fatos.



Dois jornalistas da redação pagam por um “erro” de seus superiores (que nunca serão questionados), os mesmos superiores que optaram pela publicação do caderno de seis páginas, mesmo quando puderam retirá-lo do jornal e ler tudo que estava para ser publicado. Os editores estão bem conscientes de que a “culpa” não é de seus jornalistas – na verdade, de ninguém –, mas precisam oferecer uma ação “tranquilizadora” aos proprietários do grupo Edson Queiroz, que, por sua vez, nada têm contra os jornalistas, mas que apenas não concordam com as idéias de Michael Löwy. Pode-se objetar ao grupo Edson Queiroz o fato de que dar a palavra a um convidado não significa, de modo algum, que o Diário do Nordeste deva converter-se a suas idéias. Seguindo esta lógica absurda, seria mais “oportuno”, então, que o Diário do Nordeste exercesse um controle rigoroso sobre as opiniões daqueles que entrevista. E, “melhor” ainda, a direção de redação deveria, sem meias medidas, desaparecer para dar lugar aos diretores do grupo Edson Queiroz, que poderiam, dessa forma, decidir o que vai e o que não vai nas páginas de seu jornal. Dessa forma, não haveria chance de “subversão”.



Este episódio, é preciso lembrar, está longe de ser um evento isolado. Menos ainda nesta região do Brasil, onde os políticos e as empresas de comunicação, concentradas em mãos de poucos, não temem o conflito de interesses – e isso mesmo quando um e outro não estão do mesmo lado do balcão. Mas diante da resposta dada pelo grupo Edson Queiroz à nossa pergunta – ‘a quem pertence um jornal?’ (neste caso, unicamente a seus agentes financeiros) –, a liberdade editorial e o direito do trabalho foram jogados no lixo. Deixados à margem do assunto, os jornalistas e leitores do Diário do Nordeste devem esquecer para que servem, em primeiro lugar, os meios de comunicação: um espaço de debate democrático e plural.



* Chefe da seção “Américas” de Repórteres Sem Fronteiras



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China transforma a África em seu "faroeste"













Álvaro de Cózar

Em Madri (Espanha)



Ninguém mais se surpreende com a glutonaria chinesa na África. Desde os anos 1980, mas especialmente na última década, o país asiático demonstrou um enorme apetite pelas matérias-primas do continente; petróleo e gás, mas também madeira, produtos agrícolas e minérios necessários para fazer aparelhos eletrônicos. Os números já conhecidos, os únicos disponíveis, do FMI, falam de relações comerciais que cresceram nos últimos anos em média 30% e que provavelmente ultrapassaram os US$ 100 bilhões em 2010.



Mas a China não parece ter ido à África para fazer negócios e sair correndo, e sim para ficar. O governo chinês animou seus cidadãos a ir para o continente e ali construir seu "oeste distante" - o "faroeste" dos americanos.



cerca de 500 mil chineses - segundo dados da Associação de Amizade dos Povos Chinês e Africano, citados no livro "China en África" (ed. Alianza, 2009) - emigraram para a África para trabalhar e ganhar mais dinheiro que em seu país de origem. E sujaram as mãos para consegui-lo. Na África, o ocidental se queixa de quase tudo. Da necessidade de subornar para fazer negócios, da quantidade de papéis que é preciso entregar para abrir uma empresa, do calor, das doenças, dos mosquitos e da corrupção generalizada.



Os chineses trabalham. Construíram represas, oleodutos e redes de fibra óptica. Revolucionaram o transporte com suas motos de baixo custo, utilizadas como táxis para movimentar-se por todo o continente; montaram hotéis e karaokês. E tudo sem reclamar, em um ritmo lento e silencioso.



Quando o Ocidente percebeu, era tarde demais. Os africanos haviam preferido a humildade chinesa para fazer negócios ao paternalismo ocidental e todos os seus valores. Sem nada disso, sem falar nem uma palavra dos idiomas autóctones, sem misturar-se demais com a população, mas muitas vezes vivendo nas mesmas condições, a China fez negócios com a única linguagem que conhece, a da cor do dinheiro. A África aplaude essa nova concorrência que combate os tradicionais monopólios das colônias. Embora isso não signifique que as coisas melhorem para a população.



A maioria dos países onde há presença chinesa teve índices de crescimento superiores a 4%, mas a pobreza e o desemprego continuam sendo extremos neles. O modelo de crescimento chinês casou com os interesses de muitos governantes africanos, que não viram seus cargos ameaçados por exigências de mais democracia. Parte do futuro, mais que nunca, passa pela África e os dirigentes sabem disso. O ex-presidente da Nigéria, Olusegun Obasanjo, preparava assim seu país para a nova ordem mundial: "Gostaríamos que a China dirigisse o mundo, e quando isso ocorrer queremos estar logo atrás de vocês".