quinta-feira, 24 de março de 2011

“Folha” descobriu que Kassab é Kassab!





Kassab, na época em que era um "gerentão"; antes de virar o "macunaíma" da Folha

por Rodrigo Vianna

Não tenho simpatia alguma por Gilberto Kassab. Fruto do marketing (lembram dos bonecos do “Kassabão” na campanha para a Prefeitura, em 2008?) e de espertezas urdidas nos bastidores da política, ele virou prefeito num golpe de sorte – depois de ser escolhido vice de Serra.
Kassab tem trajetória parecida à de Sarney: o ex-presidente era um líder de segunda linha no antigo PDS. Ajudou a criar a dissidência que daria origem ao PFL  (apesar de não ter entrado no PFL, mas ido diretamente ao PMDB), e assim virou o vice de Tancredo. Com a morte de Tancredo, virou presidente. Estava no lugar certo, na hora certa. Sarney sobrevive, desde então, como uma espécie de camaleão que sabe fazer as escolhas corretas nas horas exatas: apoiou FHC, depois apoiou Lula.
Kassab parece ter escolhido caminho semelhante. O que não chega a ser novidade na política brasileira. O engraçado é o desespero da imprensa serrista. Enquanto Kassab mantinha-se fiel ao bloco PDSB/DEM, era tratado como um “gerentão”, como um prefeito bom de trabalho, o prefeito da “Cidade Limpa” (que,diga-se, é um bom projeto). Tratado sempre com a condescendência merecida, já que era um protegido de Serra. Nada da pancadaria sofrida por Erundina ou Marta.
Agora, que resolveu migrar rumo à base lulista, Kassab virou um pária. Um colunista da “Folha” escreveu essa semana: “Serra levou Kassab aonde ele jamais imaginaria chegar”.
Hehe. Está dado o recado: “Kassab, seu ingrato, Serra abriu o caminho para você. E agora você trai o nosso chefe?”
Kassab queria chamar seu “novo” partido de PDB. Foi logo carimbado de “Partido Da Boquinha”. Ok. Mas quando a boquinha é pra ser vice de um tucano, aí pode?
Hehe. Essa “Folha”… Cada vez mais óbvia. A história é a seguinte: Kassab é apenas um político conservador, que tenta sobreviver. Vai aprender que a vida, longe da proteção oferecida pela mídia serrista, não é fácil. Kassab apanha sem parar desde que anunciou o movimento de aproximação com a base lulista. O mesmo colunista da “Folha” (o diário extra-oficial do serrismo) agora carimbou o partido do prefeito de “partido comercial”. Isso por agregar muitas lideranças ligadas às associações comerciais que tradiconalmente apóiam Afif – isso desde que ele foi candidato a presidente em 89. A “Folha” ainda chamou o prefeito de “macunaímico”. E disse que o PSD de Kassab é “filho do pragmatismo maroto”.
Ou seja: a “Folha” descobriu que Kassab é Kassab! Mas só descobriu agora, quando ele rompeu com o condomínio PSDB/DEM. E olhe que ele nem rompeu oficialmente com Serra. Mas ameaça costear o alambrado…
A “Folha” também só descobriu agora que Afif tem ligações sólidas com associações comerciais de todo o Brasil? Quando Afif  foi eleito vice-governador de Alckmin isso não importava, certo? Boquinha e associação comercial, quando se trata de fazer aliança com os tucanos, são bemvindas.
Verdade que Kassab expõe-se ao ridículo com a tentativa de “resgatar a memória de JK”. Kassab não tem nada de JK. Isso soa falso, estranho. Até a neta de Juscelino já apareceu pra reclamar, como eu li no IG.  
Quando resolveu apoiar Lula, especialmente após a crise de 2005, Sarney passou a ser tratado pela velha mídia brasileira como um “oligarca do Maranhão”. Ok. Isso ele já era há muito tempo. Mas enquanto esteve à disposição dos tucanos, o oligarca era um “estadista”.
Nesse ponto, parece-me que Sarney é muito mais esperto, e muito mais bem preparado do que Kassab. Sarney nunca tentou ser o que não era. Sarney nunca tentou  apresentar-se como “herdeiro de Juscelino”. Se Kassab assumisse que é apenas um típico político conservador de São Paulo, mas disposto a dialogar com a base lulista, seria levado mais a sério. Pelo eleitor, pelas lideranças da sociedade.
Não pela “Folha” – porque essa escolheu o caminho do serrismo. Em todas as “operações jornalísticas” que interessam a Serra, está o dedo da “Folha”: na defesa do Ferreira Pinto (secretário de Segurança filmado a confratermnizar com jornalista da “Folha”), nos ataques ao presidente da Assembléa Legislativa de Saão Paulo Barros Munhoz (um tucano que bandeou-se mais pro lado de Alckmin, irritando Serra), e agora nos ataques contra Kassab.
 Kassab merece apanhar. Mas a “Folha” – que o bajulou e protegeu enquanto esteve no serrismo – não tem moral para o ataque.  Curioso como o jornal aceita um papel cada vez menor. Já foi o “jornal das diretas”. Depois, assumiu o papel de jornal a serviço dos tucanos. Agora, aceitou um papel ainda mais “recuado”: o de defender uma das facções do tucanato que lutam para manter o controle do PSDB de São Paulo.
Essa é a escolha da “Folha”. Por isso, Kassab vai apanhar da “Folha”. “Serra levou Kassab aonde ele jamais imaginaria chegar” – disse o colunista. Agora, o jornal pretende devolver Kassab ao lugar de onde não deveria ter saído. Falta combinar com a realidade.

WikiLeaks: Há menos de dois anos, Gaddafi “trocou gentilezas” com o gen. Ward, comandante do AFRICOM


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Excerto do item SECRETO do telegrama 09TRIPOLI417
A íntegra do telegrama não está disponível.
Tradução de trabalho, não oficial, para finalidades didáticas.
[cabeçalho aqui omitido]
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
 
ASSUNTO: AL-QADHAFI JÁ NÃO RELUTA EM ENGAJAR-SE COM O AFRICOM

1. (S) RESUMO. O líder líbio Muammar al-Qadhafi disse ao comandande do AFRICOM [Comando dos EUA na África] general William Ward, que o visitava, que a Líbia apoiou o estabelecimento de instituições africanas comuns, como um Ministério de Defesa Africano. Disse esperar que o governo Obama não insistirá numa política de intervenção na África; e que sentia que uma presença militar dos EUA na África poderia servir de gatilho para o terrorismo.  Al-Qadhafi disse esperar que o presidente Obama possa visitar a Líbia no início de julho para falar na cúpula da União Africana, e espera encontrar o presidente Obama também na conferência do G-8 na Itália mais tarde, no mesmo mês. Al-Qadhafi expressou desejo de cooperar com o AFRICOM nos campos do contraterrorismo e contrapirataria. O general Ward também se reuniu com o Ministro de Relações Exteriores da Líbia Musa Kusa [objeto de outro tel.] FIM DO SUMÁRIO. 

2. (S) Na tarde do dia 21/5/2009, Muammar al-Qadhafi recebeu o comandante do Comando dos EUA na África, AFRICOM, General William "Kip"  Ward (Gen. Ward) em sua tenda no complexo Bab al-Aziziyah em Trípoli, para reunião que durou pouco mais de uma hora. Também participaram da reunião o Secretário do Comitê Geral do Povo para Ligação e Cooperação Internacional da Líbia [ing. GPCFLIC) Musa Kusa, o Secretário Líbio para Assuntos dos EUA Dr. Ahmad  Fituri, esse embaixador, o ataché de Defesa dos EUA e um membro do staff do gen. Ward. 

3. (S) Depois de trocarem gentilezas, al-Qadhafi observou que em viagem anterior do Gen. Ward à Líbia, ele [Gaddafi] estava ausente, em visita à Mauritânia, onde se desenrolava uma crise política. “Cada vez que apagamos um incêndio na África, começa outro. Antigamente, dizíamos que sempre era conspiração dos EUA, mas hoje já não dizemos.” Al-Qadhafi iniciou então um longo monólogo no qual relatou os estágios da governança na África desde os movimentos de libertação nacional até as ditaduras, as eleições multipartidárias e concluiu que era tempo de estabelecerem-se instituições africanas comuns, como um Ministério da Defesa, que mais bem representaria os interesses africanos frente ao mundo. 

¶4. (S) Al-Qadhafi falou sobre o envolvimento dos EUA e da China no continente, caracterizando a abordagem dos chineses como “soft” [suave] e a dos EUA como “hard” [dura]. Previu que os chineses prevalecerão, porque a China não interfere em assuntos internos dos países. Criticou o que disse que seria uma tendência dos EUA de plantar bases militares junto às fontes de energia. Observou que os EUA fizeram isso no Golfo da Guiné e que esse movimento dispararia reações de terrorismo.

Sobre a questão palestina, al-Qadhafi questionou o que caracterizou como apoio dos EUA a Israel à custa da Palestina. Aconselhou os EUA que, em nome dos interesses dos EUA, deveriam apoiar os palestinos. Advertiu contra dar ouvidos aos conselhos de líderes árabes no Golfo e no Levante e ofereceu-se para desempenhar papel de mediador na Região, se interessasse aos EUA. O líder líbio concluiu seus comentários manifestando desejo de que o presidente Obama compareça à cúpula da União Africana na Líbia em julho e que se reúna com Gaddafi na Itália, durante conferência do G-8.  

5. (S) Em resposta à manifestação de respeito, enunciada pelo Gen. Ward, à soberania dos países africanos, al-Qadhafi disse que entendia a posição dos EUA, mas questionava a presença militar dos EUA no Djibouti; observou que o poder militar será usado pelos extremistas para justificar o terror. Identificou duas fontes de terrorismo: o wahabismo e a Suíça. Qadhafi disse que o sistema bancário suíço foi usado para financiar terroristas e propôs que a Suíça fosse dividida e os territórios distribuídos aos países vizinhos, conforme o idioma. 

6. (S) Sobre o tema da pirataria somaliana, al-Qadhafi disse que “entidades estrangeiras” violaram as águas territoriais da Somália. Solução para a pirataria somaliana será portanto um acordo entre os países que exploram as águas da Somália e os piratas. Al-Qadhafi ofereceu-se para identificar um porta-voz dos piratas e construir esse acordo. 

7. (S) Al-Qadhafi enfatizou que a Líbia, atualmente, preside a União Africana e há uma possibilidade de cooperar com o AFRICOM no combate ao terrorismo no Sahara e à pirataria; Disse que poderia “negociar sem reservas com a nova América”, agora que os EUA estão sendo governados por “um novo espírito de mudança”. 

8. (U) Esse telegrama foi lido e liberado pelo AFRICOM. [assina] CRETZ 

Uma Impostura Criminosa.

por Danilo Zolo [*]

Mesmo uma leitura rápida da resolução 1973 de 17 de Março, com a qual foi decidida a "zona de interdição de voo" contra a Líbia, é suficiente para encontrar uma violação gravíssima da Carta das Nações Unidas, além da do direito internacional geral.

Locais bombardeados no litoral e interior da Líbia

O vento de revolta que sopra sobre os países do Maghreb e do Mashrek, da Tunísia à Líbia, ao Egito, ao Iêmen e ao Bahrain, não anuncia uma nova Primavera para as populações árabe-muçulmanas. A liberdade, a democracia, a justiça, um mínimo de bem-estar são um sonho ainda muito longínquo. Os seus inimigos são poderosos. A guerra que desencadearam anteontem, os aliados europeus, França e Grã-Bretanha, com os Estados Unidos contra a Líbia é a prova da sua vontade de por sob o seu controle a área mediterrânea, todo o Golfo e, em perspectiva, a África.

A exaltação dos direitos humanos, a garantia da segurança e da paz, são pura retórica, uma enésima impostura sanguinária após as agressões trágicas contra o Iraque e o Afeganistão e após os massacres que o Estado de Israel – aliado muito estreito dos EUA – efetua e continua a efetuar contra o povo palestino.

Os Estados Unidos, desta vez numa confusão aberta com seus aliados e provavelmente no interior da sua própria administração, tentam com grandes esforços esconder a sua vocação neocolonial e neoimperial sob o hábito da enésima intervenção humanitária. A violação desenvolta da Carta das Nações Unidas e a utilização oportunista do Conselho de Segurança das Nações Unidas são a prova da sua irreprimível vontade de poder. Repete-se, à letra, o modelo da agressão criminosa da OTAN contra a Sérvia em 1999, desejada pelo presidente Clinton para a “libertação” do Kosovo. Tratou-se de uma intervenção “humanitária” que massacrou, a partir do céu, milhares de pessoas inocentes.

 Mesmo uma leitura rápida da resolução 1973 de 17 de Março, com a qual foi decidida a “zona de interdição de vôo” contra a Líbia, é suficiente para encontrar uma violação gravíssima da Carta das Nações Unidas, além da do direito internacional geral. A violação da Carta é evidente se se pensa que a cláusula 7 do artigo 2 estipula que “nenhuma disposição do presente Estatuto autoriza as Nações Unidas a intervirem em questões que pertencem à competência interna de um Estado”. É, portanto, indiscutível que a “guerra civil” da competência interna da Líbia não é um acontecimento de que o Conselho de Segurança se possa ocupar militarmente.

Além disso, o artigo 39 da Carta das Nações Unidas prevê que o Conselho de Segurança pode autorizar a utilização da força militar só após ter verificado a existência de uma ameaça internacional à paz, uma violação da paz ou um ato de agressão (da parte de um Estado contra outro Estado).

Trata-se, portanto, de uma segunda razão, absoluta, que torna criminoso o massacre de pessoas inocentes que os voluntaristas aliados europeus e os Estados Unidos se preparam para fazer na Líbia. E cobre de vergonha o governo italiano empenhado, com as suas bases e seus aviões militares, em contribuir para derramar o sangue de povo de que ele enfaticamente declarava-se amigo até às últimas semanas.

Já não há qualquer sentido em servir-se – como o faz em várias ocasiões a resolução 1973 do Conselho de Segurança – da dita “responsabilidade de proteger” (Responsability to protect). Trata-se da muito contestada resolução 1674 de 28 de Abril do Conselho de Segurança. Em caso de violação grave confirmada dos direitos humanos por parte de um Estado, o Conselho de Segurança – sustenta-se – pode declarar que se trata de uma ameaça à paz e à segurança internacional. E pode assim adotar todas as medidas militares que julgar oportunas.

Não há necessidade de gastar muitas palavras para argumentar que o Conselho de Segurança não é competente para dar origem a novas normas de direito internacional. E também é evidente que a “guerra civil” interna na Líbia não representava e não representa uma ameaça à paz e à segurança internacional, como de resto cinco membros do Conselho de Segurança (Alemanha, Rússia, Índia, China e Brasil) sustentaram implicitamente ao recusar votar a favor da resolução. Além disso, estes deploraram a agressão que a França, Inglaterra e Estados Unidos desencadearam contra a população líbia em nome da vigilância sobre os direitos humanos. Assim como a Liga Árabe que sustentou que, de qualquer modo, seu objetivo é “salvar os civis e não matar outros”. Doravante é evidente que outras vias podiam ser tomadas para a busca de uma mediação e para uma solução do conflito.

Até há pouco tempo estávamos convencidos de que os Estados Unidos haviam mudado de rosto graças ao novo presidente Barack Obama. Mas atualmente estamos certos de que o rosto não basta e que pode mesmo servir de máscara, como mostram a continuidade da guerra no Afeganistão, o silêncio aquiescente sobre o desastre do povo palestino, o encerramento falhado – apesar de prometido – de Guantánamo. Tudo a propósito de direitos humanos.

Nada mudou na estratégia hegemônica dos Estados Unidos e isso terá consequências muito graves exatamente em relação ao povo líbio que pareceu querer salvar-se da violência de um ditador.

É fácil prever que a guerra não cessará enquanto Kadafi não for feito prisioneiro ou morto (tal como o líder iraquiano Saddam Hussein foi enforcado pela vontade do presidente dos Estados Unidos George W. Bush). E também é fácil prever que, acaba a guerra, os Estados Unidos exercerão o seu poder para garantir o controle da Líbia – ou do “Estado” da Cirenáica, tal como controlam hoje militarmente e estrategicamente o Kosovo – para explorar seus recursos energéticos muito ricos, tal como ocorreu no Iraque.

Esta é, e será, a “guerra justa” do Mediterrâneo de Barack Obama e da “falcoa” Hillary Clinton. 

[*] Professor de filosofia do direito internacional na Universidade de Florença e diretor do Jura Gentium Journal, Rivista di filosofia del diritto internazionale e della politica globale.
O original em italiano, encontra-se em: il manifesto , edição de 22/Março/2011. 
A versão em francês em: Une imposture criminelle
Esta tradução encontra-se em: Resistir.