domingo, 17 de abril de 2011

Conselheiros do TCE aliviam para aprovar contas de Aécio

O que os técnicos do TCE apontaram como irregularidade passou no julgamento dos conselheiros da corte






Amália Goulart - Repórter - 11/04/2011 - 10:06





GERALDO MAGELA/AG.SENADO





Aécio Neves é hoje um dos três senadores por Minas Gerais



Reza a lei que a fiscalização rigorosa das contas do Governo estadual é a atribuição maior do Tribunal de Contas do Estado (TCE). No entanto, o trabalho feito pelo corpo técnico do órgão esbarra constantemente na indulgência dos conselheiros, responsáveis por dar a palavra final sobre os números fiscalizados. É o caso do julgamento das contas de 2009 do ex- governador Aécio Neves (PSDB).





Relatório técnico assinado por 10 profissionais do TCE, que deveria servir de base para a apreciação das contas do governador pelos conselheiros e pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais, revela que parte considerável dos R$ 6,1 bilhões gastos com Educação e R$ 3,7 bilhões despendidos com Saúde, em 2009, não foram efetivamente investidos em ações para estes setores. No entanto, os conselheiros amenizaram as irregularidades e aprovaram as contas.





Não é muito difícil encontrar a razão para a divergência. Enquanto os auditores responsáveis pelo exame técnico da contas são admitidos em disputados concursos públicos, os conselheiros, geralmente ex-parlamentares, são conduzidos ao cargo vitalício por escolha política do governador ou da Assembleia. Além disso, o TCE precisa de apoio do Legislativo e do Executivo para aprovar as dotações orçamentárias da corte de contas.





O documento dos auditores do TCE refere-se ao último ano da gestão do hoje senador Aécio Neves como governador. Tem 576 páginas e é o último elaborado sobre a prestação das contas da administração estadual. O relatório se baseou em documentos encaminhados pelo próprio governo e em informações colhidas nos sistemas Integrado de Administração Financeira (Siafi) e de Informações Gerenciais e de Planejamento (Sigplan) – este da administração estadual.





Depois de se debruçarem sobre as contas das áreas de Saúde e Educação, os profissionais chegaram à conclusão de que o Estado não cumpriu o piso legal de investimentos estabelecido na Constituição Federal.





O maior problema é na Educação, em que a Constituição prevê a destinação mínima de 25% da receita estadual. Em Minas, foi constatado um malabarismo na contabilidade que possibilitou à gestão tucana chegar ao índice de investimento de 28,1% da receita na área. Mas, se forem mensurados os valores reais despendidos com ações práticas no setor, o índice cai para 20,21%, abaixo do piso constitucional. “Mister ressaltar que, expurgando-se os valores mencionados (considerados irregulares), o Estado se torna inadimplente com a área da Educação, despendendo 20,15% dos seus recursos nessa área, abaixo, portanto, do mínimo constitucional determinado para os Estados”, destacam auditores do Tribunal de Contas.





Em Minas, lei foi 'ajustada'





No caso dos investimentos do Estado em Educação, a maquiagem das despesas se deu de duas formas: incluindo gastos com aposentados e pensionistas nas ações da área e contabilizando os já incluídos em outros setores.





O primeiro exemplo é o de valor mais expressivo. O Estado declarou, em 2009, que gastou R$ 1,7 bilhão com as despesas relativas a benefícios previdenciários de inativos da Secretaria de Estado da Educação, da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), da Universidade Estadual de Montes Claros e da Fundação Helena Antipoff.





De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, não pode ser computado esse tipo de gasto como despesas em Educação, para o fim de atingir o mínimo constitucional de investimentos. O artigo 71 da referida lei, utilizado como um dos argumentos dos técnicos do TCE, diz que não podem entrar na contabilidade as despesas com “pessoal docente e demais trabalhadores da Educação, quando em desvio de função ou em atividade alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino”. Para dar suporte à legislação, a Secretaria do Tesouro Nacional emitiu uma circular com a mesma determinação. Além disso, as normas do Fundo Nacional da Educação Básica (Fundeb) proíbem a prática.





“Para fins do limite constitucional com MDE (educação), a componente ‘remuneração’ deve se restringir às despesas correspondentes ao pagamento do pessoal efetivo, que se encontra exercendo cargo, emprego ou função na atividade do ensino, excluindo-se, portanto, as despesas com inativos e pensionistas”, ressalta o documento dos auditores do TCE.





Em Minas, as coisas são diferentes. O entendimento da legislação pode ser local ou nacional, dependendo das circunstâncias. Os conselheiros do TCE, que já haviam se pronunciado pelo cumprimento das leis federais, resolveram dar uma “colher de chá” para as contas do ex-governador Aécio Neves.





Em 26 de abril de 2006, o colegiado do TCE decidiu que as regras atuais não valeriam mais para o tucano. “Há um documento, emitido pelo Gabinete da Presidência deste Tribunal, em 26/04/06, assinado por todos os conselheiros, então em exercício, endereçado às diretorias desta Casa, aceitando o cômputo de tais valores nos gastos com MDE (educação), até que os fundos previdenciários dos entes (Estados e municípios) sejam capitalizados”, admitem os técnicos do TCE, no relatório sobre as contas de Aécio.





Governo dá sua versão





Os gastos de pensionistas e inativos somam-se a um verdadeiro malabarismo na contabilidade estadual para justificar o investimento mínimo exigido de 25% da receita em Educação. Técnicos do TCE verificaram que uma mesma despesa foi computada em duplicidade como gasto em Saúde e Educação para que fosse alcançado o limite legal.





Assessores do senador Aécio Neves (PSDB), então governador em 2009, informaram que o Governo iria responder aos questionamentos da reportagem sobre seu último ano à frente do Executivo.





O Governo de Minas, por meio da assessoria de Imprensa, rebateu as informações dos técnicos do TCE. A principal argumentação foi a de que as contas de Aécio foram aprovadas pelos conselheiros da Casa. Sobre os gastos com aposentados e inativos da Educação, a argumentação é a de que os conselheiros têm o entendimento de que as despesas podem ser computadas nos gastos da área.





Quanto aos gastos duplicados, no mesmo setor, a informação é a de que o Estado segue manual de despesas que orienta a União. Também alega que “este item da prestação de contas não mereceu este ou qualquer outro apontamento do conselherio relator do TCE na abertura de vista ao então governador por considerar que não houve qualquer irregularidade por parte do Estado”.





Na área da Saúde, a assessoria diz que “a Constituição Federal define saneamento como ação de saúde pública” e que “o mesmo entendimento tem o Governo federal, que, na sua prestação de contas, também inclui saneamento básico como investimento em saúde”. Sobre gastos com aposentados e inativos computados como investimentos em Saúde, a justificativa é a de que os recursos fazem parte das despesas elegíveis pelo Estado dentro da política estadual da Saúde e não comprometem o cumprimento do índice constitucional”. “Quanto às despesas da PMMG, Ipsemg e IPSM, consideradas para fins do cômputo do índice de Saúde, estas são consideradas pelo Estado, tendo em vista que se o serviço não fosse prestado por aqueles institutos, os beneficiários migrariam para o Sistema Único de Saúde”.





Procurado, o TCE não se manifestou. Por três dias, a assessoria de Imprensa disse que encaminharia uma resposta aos questionamentos, o que não aconteceu até o fechamento desta edição.





.

Líbia: cessar-fogo ou fuzilaria



Pepe Escobar


14/4/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online 
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

O chamado “grupo de contato da Líbia” – esse eufemismo que designa a ínfima “coalizão de vontades” do ocidente plus emirados do Golfo – reúne-se em Doha, Qatar, antes dos encontros de ministros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em Berlin, em clima de a mais completa farsa. 

O ex-ministro líbio das relações exteriores e atual desertor Moussa Koussa é um dos pilares da reunião no Qatar, tentando convencer os “rebeldes” do Conselho Nacional Provisório [ing. Interim National Council (INC)] de que a única solução possível no momento implica o coronel Muammar Gaddafi permanecer no poder. 

É exatamente, aliás, o que a Turquia, mediadora, também diz. Não surpreende que os “rebeldes” e seus patrocinadores – o audaz e varonil libertador de árabes, presidente Nicolas Sarkozy, e o primeiro-ministro David Cameron – estejam soltando fogo pelas ventas, e sem entender nada. 

O chefe da missão da União Africana à Líbia, presidente Jacob Zuma da África do Sul – cujo país é o único do grupo BRICS que apoiou a Resolução n. 1.973 do Conselho de Segurança da ONU (Brasil, Rússia, Índia e China abstiveram-se de votar) – estava convencido de que Gaddafi aceitara o mapa do caminho proposto pela União Africana, que começava por um cessar-fogo. Mas até agora, ninguém cessou-fogo. O muro de desconfiança que separa Gaddafi e o grupo “rebeldes”/OTAN já alcançou proporções de Himalaia. O secretário-geral da OTAN, general Anders Fogh Rasmussen só faz repetir que Gaddafi “não cumpre o que promete”. Gaddafi não é suficientemente doido, para cessar-fogo enquanto a OTAN não parar de bombardeá-lo. 

Quanto aos EUA, a secretária de Estado Hillary Clinton – a qual, com suas guerreiras amazonas, a enviada à ONU Susan Rice e a assessora do Conselho de Segurança Nacional Samantha Power, impingiu essa lamentável aventura a uma Casa Branca relutante – agora só fala do cessar-fogo (mas que sempre carrega, embutida, a “mudança de regime”). 

É útil comparar a abordagem da União Africana – construída pela África do Sul, Uganda, Mali, Mauritânia e Congo-Brazzaville – e a abordagem da OTAN. Desde que se obtenha um cessar-fogo que os dois lados respeitem, será possível criar corredores de ajuda humanitária; será possível proteger civis, locais e estrangeiros (sobretudo os trabalhadores africanos migrantes); e será possível iniciar um diálogo nacional, que “atenda as legítimas aspirações do povo líbio, por democracia”. 

Os “rebeldes” do governo provisório não estão em posição de impor condições a Gaddafi. Há risco de que algum cessar-fogo que se alcance depois do impasse atual leve à balkanização da Líbia – dividida em duas, leste e oeste. Mas praticamente nenhum líbio quer correr esse risco. A União Africana está sendo pragmática. A Líbia – com Argélia, Egito, Nigéria e África do Sul – financia 75% do orçamento da União Africana. 

Gaddafi mantém boas relações com a maioria dos 53 membros da União Africana; Mauritânia, Mali e Congo-Brazzaville, por exemplo, recebem imensos investimentos da Líbia (de fato, nada menos que 31 países africanos recebem investimentos líbios). 

Além do mais, os mediadores são africanos – não são europeus neocolonialistas. Zuma, da África do Sul, seria o primeiro a repudiar visceralmente a ideia de uma Líbia dominada por franceses e britânicos. Houve muita desconfiança sobre os motivos que teriam levado Zuma a empurrar a África do Sul na direção de aprovar a Resolução n. 1973 do CSONU. Seja como for, o fato é que Zuma diz agora o que os outros quatro BRICS mais a Alemanha já diziam antes de votar: a Resolução redigida por franceses e ingleses é aberta demais. E abre as portas para que o ocidente ponha-se, doravante, a derrubar qualquer líder africano que queiram, quando queiram. 

O presidente de Uganda, Yoweri Museveni, também tem trabalhado nessa mediação. Entende que Gaddafi seja nacionalista autêntico – opinião partilhada por seus pares africanos, para não falar de todo o Oriente Médio e dos membros do Movimento dos Não Alinhados no mundo em desenvolvimento, todos sempre a favor de líderes nacionalistas que se oponham a fantoches à moda dos “rebeldes” do Governo Provisório em Benghazi. 

Valores comunitários 

A mediação da União Africana, afinal, destrói o mito da “comunidade internacional” em combate contra a sempre mesma figura de “ditador do mal” demonizado, hoje encarnada em Gaddafi. A menos que alguém entenda que “comunidade internacional” sejam sete, dos 28 membros da OTAN (só França, Grã-Bretanha, Bélgica, Dinamarca, Noruega, Canadá e os EUA), plus aqueles dois exemplos de superior democracia que há no Golfo Persa – o Qatar e os Emirados Árabes Unidos. 

A “mudança de regime” (que não existe na Resolução do CSONU) não tem qualquer apoio. Todos os apoiadores da “mudança de regime” vivem em Washington, Londres, Paris e Benghazi. 

Comparem agora o realismo da posição da União Africana – semelhante ao da Turquia – e esse patético discursismo de franceses, britânicos e OTAN. Londres e Paris querem que a OTAN continue e amplie o mais frenético bombardeio – como se as bombas da OTAN pudessem ser programadas para só matar líbios pró-Gaddafi. 

A ideia nem surpreende, vinda de duas insignificâncias políticas como os ministros das Relações Exteriores de França e Reino Unido, respectivamente William Hague e Alain Juppé. Por sua vez, o brigadeiro-general da OTAN Mark van Uhm esforça-se para fazer-ver, em Bruxelas, com muita razão, que as forças de Gaddafi adaptaram-se aos ataques aéreos e adotaram “táticas de agilidade, atacar e sair, com colunas motorizadas de caminhões, que visam mais a desgastar as forças adversárias do que a ganhar terreno”. 

Com o que, afinal, se pode concluir que a OTAN já sabe que não conseguirá “apavorar e chocar” o inimigo, sem cometer um genocídio. Os africanos fazem bela figura nesse quadro – e, sim, trouxeram proposta viável para por fim ao impasse na Líbia. Só Paris, Roma e Doha reconheceram o governo provisório de Benghazi. Impossível não lembrar que só Arábia Saudita, Paquistão e os Emirados Árabes reconheceram o governo dos Talibã. 

Chama a atenção que Washington, pelo menos, tem sido mais realista. Resta esperar que os “rebeldes” – pessoal da CIA, oportunistas de vários matizes e muita gente marginalmente ligada à al-Qaeda – e seus patrocinadores anglo-franceses acordem e sintam o perfume do café Arabica.