segunda-feira, 25 de abril de 2011

Veja ataca honra de prefeita de Fortaleza.




A revista Veja tem se caracterizado como panfleto partidário que há muito deixou de fazer jornalismo para especializar-se em atacar a honra alheia, desconstruir a imagem de governantes sérios e basear suas matérias em fruticas de comadres.

A edição de 29/04/2011 traz pseudo reportagem sobre a administração de Luizianne Lins no velho estilo de fuzilar reputações, entrar na vida pessoal da prefeita, trazendo ao conhecimento público um suposto caso amoroso que teria rendido ao amante benefícios a custa do dinheiro público, semelhante ao que costumava fazer quando ainda podia arriscar a credibilidade que tinha.

Como hoje o que diz a veja em suas reporcagens vale tanto como uma cédula de 3 reais, a instrumentalização política de suas páginas são facilmente desmontadas.

Abaixo a íntegra da matéria e depois a nota da prefeitura de Fortaleza desmontando a farsa do panfleto da Abril.

"A CASA DA MÃE JOANINHA




Uma sucessão de vexames públicos, escândalos administrativos, protestos populares e ondas de boatos corroem o já minguado capital político da prefeita de Fortaleza



Luizianne Lins, do PT, é desde o ano passado a detentora do título de a prefeita mais mal avaliada do país, segundo o Datafolha. Os últimos acontecimentos mostram que ela não deve perder o trono tão cedo. Em fevereiro, a prefeita tirou uma licença médica de dez dias. Voltou ao grito de Carnaval, envergando uma fantasia de joaninha, com direito a antenas e microssaia de bolinhas. Assim trajada, abriu a folia de Fortaleza, para, logo em seguida, bater asas para Salvador, onde curtiu a folia no camarote da cantora Daniela Mercury. Há duas semanas, decidiu retribuir a hospitalidade da artista contratando-a para cantar no aniversário de 285 anos da capital. Luzianne novamente surpreendeu a população: escalou uma atriz para discursar em seu lugar e evitou, assim, as vaias com as quais a oposição pretendia ofuscar a apresentação da baiana. O show de Daniela Mercury custou 385.000 reais. Pegou mal. O valor é maior do que a dívida da prefeitura com um dos principais fornecedores de material cirúrgico da rede municipal de saúde. A falta de pagamento causou a suspensão das entregas do material na semana passada. “Ela pagou para o povo pular e beber cachaça em vez de cumprir suas obrigações com a saúde”, diz José Frota Neto, um dos credores.



Não foi a primeira vez que a prefeita usou o dinheiro público para demonstrar todo o seu apreço pelos cantores baianos, presença garantida nos réveillons de Fortaleza. Quatro dessas festas terminaram em pendengas jurídicas. Em todas, o motivo foi o mesmo: ausência de licitação e pagamentos de serviços não comprovados. Por exemplo, Luizianne declarou ter pago 715.000 reais de cachê a Caetano Veloso na última celebração. Alegou que o valor cobriu as passagens, as diárias e o transporte de equipamentos dos músicos que acompanhavam o cantor. O detalhe desconfortável é que Caetano havia feito um show-solo. À VEJA, o músico acusou a prefeitura de ter pago as despesas que ele não fez, nem cobrou.



Mesmo quando consegue comprovar suas despesas, a petista encontra problemas para justificá-las. O Tribunal de Contas do Ceará descobriu que, em 2007, ela usou o cartão corporativo pago pela prefeitura em uma loja de eletrônicos da Itália. Em 2008, Luizianne reincidiu. Mãe de um menino de 11 anos, foi flagrada passando o cartão em uma loja de brinquedos de Fortaleza. Aperreada com a repercussão do caso, requereu segredo de Justiça sobre os papéis. Sua mãe, a suplente de deputada estadual Luiza Lins, é outra fonte de problemas. Luiza não só construiu uma casa no meio de uma reserva ambiental como a está ampliando. Para não ser flagrada, pôs a obra em nome de um laranja. Só voltou atrás quando a ilegalidade foi descoberta pelo Mnistério Público Federal. Diante da casa em que mora, doze guardas municipais costumavam ficar postados até o Ministério Público estrilar. Apesar da proibição legal, Luizianne saiu em defesa da medida, alegando que ela visa à segurança do seu filho, que passa os dias com a avó.



Tantas são as reinações da petista em Fortaleza que acabaram inspirando a oposição a usar a internet para organizar manifestações públicas contra ela – no Ceará assim como no Egito. O movimento é liderado pelo dono de uma loja de manutenção de computadores, Tarsis Rocha. Ele conectou 7000 eleitores em redes sociais nas quais são divulgadas críticas e notícias sobre a prefeita. No dia 1° de abril, Rocha tentou converter a Rua São José, sede da prefeitura, em uma versão cariri da Praça Tahir, que sediou o movimento responsável pela queda do ditador Hosni Mubarak. Na ocasião, Rocha não conseguiu reunir mais do que 250 revoltosos. Espera ter mais sucesso na segunda passeata, marcada para o fim deste mês.



Solteira, alegre e jovial aos 42 anos, Luizianne não faz segredo de que mantém uma forte amizade com o empreiteiro Carlos Fujita. Os rumores de que os dois teriam um romance aumentaram de volume quando a prefeita ergueu (com dinheiro público, claro) um jardim japonês na orla de Fortaleza, em frente ao prédio onde mora Fujita. Recém-inaugurada, a obra homenageia o avô de Fujita e sua execuação coube a uma prima do empresário. Luizianne disse que o jardim não foi feito para agradar ao nipo-namorado, mas para homenagear a comunidade japonesa de Fortaleza. São 300 famílias."

http://www.cnews.com.br/poderepolitica/?p=432


http://virtual.diariodonordeste.com.br/eds/2011/04/25/A/paginas/pdf/A7.pdf


O último a sair por favor apague a luz.


O inusitado neste inicio de governo Dilma é a distensão política, o clima mais arejado e respirável que permite a presidenta nos poucos mais de 100 dias que está à frente do cargo de maior importância da república tocar em silêncio estratégico a continuidade a que se propôs imprimir a administração que sucedeu, impulsionando os projetos gestados ainda no governo Lula ao tempo que define um estilo pessoal que a diferencia do ex-presidente, muito mais afeito a uma interlocução direta com o destinatário das ações que desenvolveu enquanto liderava a nação em busca de um país mais justo, capaz de permitir oportunidades a tantos quantos fosse possível. Um ideal que precisa ser perseguido com tenacidade e que está além de um horizonte imediato.



A maior obra de Lula não foi eleger Dilma. Teria colocado um sucessor no lugar que ocupou por 8 anos independentemente do nome que apontasse, desde Marina a Ciro Gomes, Eduardo Campos, Mercadante, Marta ou Eduardo Suplicy. Uns com mais outros com menos dificuldades.

Passadas as eleições presidenciais que entrarão definitivamente na história como as mais sujas já disputadas no Brasil, fica a percepção de que a escolha que Lula fez foi quase um tiro no próprio pé, apesar das qualidades técnicas que o nome de Dilma reune,

reiteradamente desconstruido na tentativa de desqualificá-la pelo passado político militante de uma organização que combateu a ditadura, mulher, divorciada, sem jamais haver disputado uma eleição e dona de opiniões próprias que chocaram parte da sociedade brasileira,

por natureza conservadora e de perfil religioso, confrontado pelas idiossincrásias de um candidato extremamente duro e desleal que fez aflorar o sentimento de repulsa em segmentos relevantes que formam uma significativa parcela da opinião pública.



A obra maior de Lula foi deixar a oposição em frangalhos, sem bandeiras, esfacelada e brigando entre si. Desde que assumiu o governo de São Paulo, Alckmin não tem feito outra coisa que não seja eliminar qualquer vestígio do governo Serra,

acabando com programas criados pelo ex-governador, negando espaços a aliados e vazando informações sensíveis a imprensa amiga que comprometem a imagem de bom gestor de José Serra,

tais como a divulgação de que as enchentes que castigaram a capital paulista no ano em curso foi resultado direto da falta de investimentos na limpeza da calha do rio Tietê, bem como a interrupção das obras dos piçinões.



Alckmin também mandou fazer uma devassa em todos contratos celebrados pelo governo Serra e se empenhou pessoalmente em tomar para a si o controle do PSDB de São Paulo em retaliação ao apoio dado por Serra a Kassab, o que culminou com a saida do partido de seis vereadores, além de Walter Feldman um dos fundadores do PSDB que saiu disparando pra todos os lados.



A nau da oposição está desgovernada. Prova disso é a criação do PSD pelo prefeito paulistano Gilberto Kassab que esminliguiu os já definhados DEM e PPS dos quais vários deputados ensaiam uma debandada em direção a nova sigla, cuja orientação ideológica é o adesismo oportunista à base do governo Dilma. Até a estriônica Kátia Abreu uma das opositoras mais aguerridas ao governo Lula no senado federal ao lado de Marisa Serrano, agora muda o discurso e sinaliza que acompanhará Kassab em sua nova legenda.



E não fica por aí. Pelo menos 4 vices governadores e o governador de Santa Catarina estão definindo seu futuro político em direção ao partido de Kassab. Partido que segundo o próprio fundador não é nem de direita, nem de esquerda e nem de centro. Um bom entendedor definiria o partido de Kassab como adesista e fisiológico. Quem os elegeu o fez para que ficassem na oposição, fiscalizando o governo Dilma, fazendo o contraponto, apresentando alternativa.



O Brasil não precisa de uma oposição virulenta, incendiária e golpista do tipo que existiu durante todo o governo Lula. Mas um governo sem oposição, enfraquece a democracia, relaxa o governante e leva alguns a confundirem o público com o privado. Precisamos urgentemente de uma reforma política que dê consistência programática aos partidos e que acabe com essa indecência que desrespeita o eleitor, o menos que importa para essa corja de políticos oportunistas.

Um país de duas caras.







por Fábio Konder Comparato



Na cerimônia de conclusão do curso do Instituto Rio Branco, de preparação à carreira diplomática, a presidente Dilma Roussef declarou que o tema dos direitos humanos será promovido e defendido “em todas as instâncias internacionais sem concessões, sem discriminações e sem seletividade”.



A declaração foi acolhida com aplausos de todos os lados, muito embora ela nada mais represente do que o cumprimento de um expresso dever constitucional. A Constituição Federal, em seu art. 4º, inciso II, determina que o Estado brasileiro deve reger-se, nas suas relações internacionais, pelo princípio da “prevalência dos direitos humanos”.



Acontece que nessa matéria o Estado brasileiro – e não apenas este ou aquele governo – segue invariavelmente a regra dos dois pesos e duas medidas. A presidente da República corre o sério risco de passar à História como seguidora da máxima: Façam o que eu digo, mas não o que faço!



Em 24 de novembro de 2010, o Brasil foi condenado por unanimidade pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em razão de crimes de Estado cometidos durante a chamada “Guerrilha do Araguaia”. Até agora, passados cinco meses dessa decisão internacional, nenhum dos nossos (mal chamados) Poderes Públicos fez um gesto sequer para iniciar a execução dessa sentença condenatória. Ressalte-se que, além de declarar que a decisão do Supremo Tribunal Federal de admitir a anistia dos torturadores e assassinos do regime militar “carece de efeitos jurídicos”, a Corte Interamericana de Direitos Humanos exigiu, entre outras medidas, que se implementasse um curso “obrigatório e permanente de direitos humanos, dirigido a todos os níveis hierárquicos das Forças Armadas”. Escusa dizer que tal curso não pode ser coordenado nem pelo Sr. Nelson Jobim nem pelo deputado Jair Bolsonaro.



Pior ainda. Inconformado com a decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que mandou suspender as obras de construção da Usina de Belo Monte, em razão do desrespeito aos direitos fundamentais dos indígenas que de lá foram expulsos, o governo da presidente Dilma Roussef, amuado, resolveu retirar a candidatura do ex-ministro Paulo de Tarso Vannuchi para ocupar justamente o posto de membro daquela Comissão, em substituição a Paulo Sérgio Pinheiro. Ou seja, “já que é assim, não brinco mais”.



Para dizer a verdade, essa duplicidade do Estado brasileiro em matéria de direitos humanos – o que se faz aqui dentro nada tem a ver com o que se prega lá fora – não é de hoje.



Durante todo o período imperial, a escravidão de africanos e seus descendentes tinha duas faces: uma civilizada e benigna perante os europeus civilizados, outra brutal e irresponsável cá dentro.



Em 1831 o governo do Regente Diogo Feijó promulgou uma lei que submetia a processo-crime por pirataria e contrabando, não só os traficantes de escravos africanos, mas também os seus importadores no território nacional. A mesma lei determinou que os africanos aqui desembarcados seriam de pleno direito considerados livres. No entanto, até 1850, como denunciou o grande advogado negro Luiz Gama, “os carregamentos eram desembarcados publicamente, em pontos escolhidos das costas do Brasil, diante das fortalezas, à vista da polícia, sem recato nem mistério; eram os africanos, sem embaraço algum, levados pelas estradas, vendidos nas povoações, nas fazendas, e batizados como escravos pelos reverendos, pelos escrupulosos párocos”.



Na verdade, a Lei Eusébio de Queiroz de 1850, que extinguiu efetivamente o tráfico negreiro, só foi aplicada porque a armada inglesa, autorizada pelo Bill Aberdeen de 1845, passou a apresar os barcos negreiros, até mesmo dentro dos nossos portos.



Pois bem, uma vez extinto o comércio infame de seres humanos, o governo imperial passou a sofrer a pressão internacional para abolir a escravidão. Na conferência de Paris de 1867, convocada para tratar do assunto, as nossas autoridades não hesitaram em declarar que “os escravos são tratados com humanidade e são em geral bem alojados e alimentados… O seu trabalho é hoje moderado… ao entardecer e às noites eles repousam, praticam a religião ou vários divertimentos”. Só faltou dizer que os brancos pobres se acotovelavam na entrada das fazendas, para serem admitidos como escravos…



Como combater essa duplicidade de conduta tradicional entre nós, em matéria de direitos humanos?



Só há uma maneira: denunciar abertamente os verdadeiros autores desses crimes, perante o único juiz legítimo, que é o povo brasileiro.



É indispensável, antes de mais nada, mostrar que essa reprovável duplicidade de caráter é um defeito específico das falsas elites que compõem a nossa oligarquia.



É preciso, porém, fazer essa denúncia diretamente perante o povo, pois em uma democracia autêntica é ele, não os governantes eleitos, quem deve exercer a soberania.



Acontece que, numa sociedade de massas, uma denúncia dessas há de ser feita, necessariamente, através dos meios de comunicação de massas. Ora, há muito tempo estes se acham submetidos à dominação de um oligopólio empresarial, cujos membros integram o núcleo oligárquico, que controla o Estado brasileiro.



Chegamos, assim, à raiz de todas as formas de duplicidade que embaralham a vida pública neste país: tudo é feito em nome do povo, mas este é impedido de tomar qualquer decisão por si mesmo. O soberano constitucional acha-se em estado de permanente tutela.

Governos fantoches e elites locais subordinadas, a força que alimentava o império agora em declínio.


O império de Washington subiu no telhado

“Em mundo multipolar de novas potências, com Pequim, Nova Delhi, Moscou, Ancara e Brasília”…



O ‘império’ dos EUA, de autocratas, aristocratas e ditadores militares, subiu no telhado



24/4/2011, Alfred W. McCoy e Brett Reilly, no TomDispatch



Tradução do Coletivo da Vila Vudu



Num dos mais bem-vindos movimentos das forças da história, a justaposição de dois extraordinários eventos deixou a nu a arquitetura do poder global dos EUA, e todos afinal podem vê-la. Em novembro do ano passado, WikiLeaks fez chover sobre o mundo quantidades diluvianas de telegramas diplomáticos, recheados dos mais abusivos comentários formulados por diplomatas dos EUA sobre governantes de todo o planeta, da Argentina ao Zimbabwe, e estampados nas primeiras páginas dos jornais. Em seguida, poucas semanas depois, o Oriente Médio explodiu em manifestações pró-democracia e contra ditadores, muitos dos quais aliados íntimos dos EUA, alianças sobre as quais os telegramas publicados por WikiLeaks não deixam dúvidas.



De repente, viu-se o esqueleto da ordem mundial construída pelos EUA e que depende significativamente de líderes nacionais que são “elites subordinadas” fiéis a Washington, mas que, de fato, não passam de bando sortido de autocratas, aristocratas e militares ditadores. Quando se viram os aliados, viu-se também a lógica mais ampla, que quem não visse jamais conseguiria explicar, que preside todas as decisões de política exterior dos EUA ao longo de meio século.



Por que a CIA se arriscaria, em 1965, no auge da Guerra Fria, em operações como derrubar líder prestigiado como Sukarno na Indonésia, ou por que encorajaria o assassinato do católico Ngo Dinh Diem em Saigon em 1963? A resposta – à qual afinal se chega agora, graças às publicações de WikiLeaks e ao “despertar árabe” – é que nos dois casos tratava-se de subordinados selecionados por Washington, os quais, de repente, se insubordinaram e tornaram-se descartáveis.



Por que, meio século depois, Washington trairia todos os seus princípios democráticos declarados e apoiaria o presidente do Egito Hosni Mubarak contra milhões de egípcios nas ruas, só para, quando já não havia como mantê-lo no comando, indicar para substituí-lo, pelo menos no primeiro momento, o seu chefe de segurança Omar Suleiman, conhecido como chefe dos serviços de tortura que eram arrendados aos serviços de tortura de Washington? A resposta é que os dois eram também subordinados selecionados por Washington, que serviam bem aos interesses dos EUA em estado considerado chave no Oriente Médio.



Em todo o Grande Oriente Médio, da Tunísia e Egito ao Bahrain e Iêmen, manifestantes democráticos, nas ruas ameaçam varrer do mapa todas as elites subordinadas, consideradas crucialmente necessárias para manter o poder dos EUA. Sempre foi assim: todos os impérios modernos dependeram de delegados que traduzissem o poder global em termos de controles locais. Mas, quando aquelas elites locais começaram a dar sinais de interesse em implantar agendas próprias, o colapso dos impérios começou a aparecer nas cartas.



Assim como as “revoluções de veludo” que varreram o leste europeu em 1989 tocaram as trombetas do fim do império soviético, assim também as “revoluções do jasmim” que se espalham pelo Oriente Médio podem bem estar sinalizando o começo do fim do poder global dos EUA.



Militares no comando



Para entender a importância das elites locais, é preciso considerar os primeiros dias da Guerra Fria, quando uma Casa Branca desesperada procurava alguma coisa, qualquer coisa, que tivesse qualquer mínima chance de deter o que Washington via como sentimento pró-comunistas e antiamericano no mundo. Em dezembro de 1954, o Conselho de Segurança Nacional reuniu-se na Casa Branca e traçou uma estratégia para domar todas as forças nacionalistas mais poderosas que se constituíam, naquele momento, em todo o mundo.



Na Ásia e na África, meia dúzia de impérios europeus que até então haviam garantido a estabilidade da ordem global por mais de um século estavam-se pulverizando, dando origem a cem novas nações, muitas das quais – do ponto de vista de Washington – suscetíveis de serem cooptadas pela “subversão comunista”. Na América Latina, o problema era o avanço da oposição de esquerda, entre as massas urbanas que não paravam de crescer e entre os camponeses sem terra.



Depois de examinar as “ameaças” que se formavam contra os EUA na América Latina, o influente Secretário do Tesouro George Humphrey declarou aos seus colegas do Conselho de Segurança Nacional que todos parassem “de falar tanto em democracia” e cuidassem, imediatamente, de “apoiar ditaduras de direita que tivessem políticas pró-EUA”. Foi quando, em momento de brilhante insight estratégico, Dwight Eisenhower interrompeu, para observar que Humphrey dizia, de fato, que todos passassem a raciocinar em temos de “Tudo bem, se for o nosso filho da puta”.



É momento histórico para nunca esquecer, porque o presidente dos EUA acabava de articular, com clareza cristalina, o princípio constitutivo do sistema de dominação global que Washington implementaria daquele dia em diante e pelos 50 anos seguintes: trocar qualquer princípio democrático por uma dura realpolitik de apoiar qualquer líder que apoiasse os EUA. E assim se construiu uma rede planetária de líderes nacionais (muitas vezes também nacionalistas) dispostos a por as necessidades de Washington acima de qualquer necessidade local.



Durante a Guerra Fria, os EUA favoreceram ditadores militares na América Latina, ditadores aristocráticos no Oriente Médio e uma mistura de democratas e ditadores na Ásia. Em 1958, golpes militares na Tailândia e no Iraque repentinamente viraram os holofotes para os militares do Terceiro Mundo, exibindo-os como forças às quais os EUA poderiam recorrer e com as quais poderiam contar. Foi quando o governo Eisenhower decidiu trazer líderes militares estrangeiros para treiná-los nos EUA e, assim, facilitar “o gerenciamento” das forças de mudança geradas pelo desenvolvimento daquelas nações emergentes. Dali em diante, Washington faria jorrar ajuda militar para cultivar os exércitos dos aliados e possíveis aliados em todo o planeta, ao mesmo tempo em que “missões de treinamento” seriam usadas para construir laços cruciais entre militares dos EUA e oficiais dos exércitos em todo o mundo; e, onde as elites subordinadas não parecessem suficientemente subordinadas, para ajudar a identificar líderes alternativos.



Nos casos em que presidentes civis se insubordinassem, entraria em ação a CIA, promovendo golpes que poriam no poder governos militares confiáveis – substituindo o primeiro-ministro do Irã Mohammad Mossadeq, que tentou nacionalizar o petróleo iraniano, pelo general Fazlollah Zahedi (então o jovem Xá) em 1953; o presidente Sukarno, pelo general Suharto na Indonésia na década seguinte; e, claro, o presidente Salvador Allende pelo general Augusto Pinochet no Chile em 1973, para citar apenas esses três casos.



Nos primeiros anos do século 21, a confiança de Washington nos militares nos seus estados-clientes só aumentou. Os EUA entregavam 1,3 bilhões de dólares ao ano ao Egito, como ajuda militar, e investiam só 250 milhões de dólares em programas de desenvolvimento econômico do país. Resultado disso, quando as manifestações populares sacudiram as bases do regime no Cairo em janeiro passado, os EUA imediatamente pensaram em uma “transição pacífica” com troca de generais. Nas palavras do New York Times, “investimento de 30 anos que rendeu bons dividendos, quando generais dos EUA e agentes de inteligência conheciam todos os nomes cogitados para formar um novo governo, amigos e colegas com os quais trabalharam e serviram”. “Transição pacífica”, no Egito, com apoio do exército, para manter a ditadura militar.



Em outros locais no Oriente Médio, Washington, desde os anos 1950s, sempre acompanhou a preferência britânica por aristocratas árabes, cultivando aliados como um Xá (no Irã), vários sultões (Abu Dhabi, Oman), vários emires (Bahrain, Kuwait, Qatar, Dubai), vários reis (Arábia Saudita, Jordânia, Marrocos). Em toda essa região vasta e volátil, do Marrocos ao Irã, Washington cortejou regimes monárquicos aos quais ofereceu alianças militares, sistemas de armas norte-americanos, apoio da CIA para a segurança local, paraíso seguro nos EUA para o dinheiro daquelas monarquias, e favores especiais às elites locais, entre as quais estudo e formação acadêmicas para os príncipes e nobres, com livre acesso às universidades norte-americanas ou escolas de formação de militares do Departamento de Defesa em todo o planeta.



Em 2005, a secretária de Estado Condoleezza Rice fez patético resumo de todo esse trabalho: “Há 60 anos, os EUA procuram a estabilidade à custa da democracia no Oriente Médio. Não conseguimos nem uma, nem outra”.



Mas, antes, funcionava…



Os EUA não são a primeira potência a construir poder imperial baseado em laços pessoais com líderes locais. Nos séculos 18 e 19, a Grã-Bretanha reinou sobre os oceanos (como os EUA depois reinariam nos céus), mas, em terra, como todos os impérios passados, tudo sempre dependeu de alianças locais que servissem de representantes locais, para o controle direto, local, das sociedades humanas, sempre mais voláteis que céus e mares. Não fosse assim, como, em 1900, uma nação insular, de apenas 40 milhões de almas, com exército de apenas 99 mil soldados, comandaria um império global de 400 milhões de seres humanos, quase um quarto de toda a humanidade?



De 1850 a 1950, a Grã-Bretanha controlou suas colônias formais mediante uma extraordinária rede de aliados locais – dos chefes das ilhas Fiji e sultões da Malásia a maharajas indianos e emires africanos. Simultaneamente, mediante elites subordinadas, os britânicos controlavam um “império informal” ainda mais amplo, que incluía imperadores (de Pequim a Istanbul), reis (de Bangkok ao Cairo) e presidentes (de Buenos Aires a Caracas). No auge, em 1880, o império informal britânico na América Latina, Oriente Médio e China era maior, em população, que as colônias formalmente ligadas à ‘metrópole’ na Índia e na África. Todo esse gigantesco império global, sobre cerca de metade de todos os seres humanos sobre o planeta, dependeu, sempre, de frágeis laços de cooperação com as elites locais.



Mas repentinamente, depois de 400 anos de ininterrupta expansão imperial, os cinco maiores impérios europeus de ultramar foram varridos do mapa, em apenas 25 anos de descolonização. Entre 1947 e 1974, os impérios belga, britânico, holandês, francês e português sumiram da Ásia e da África, dando lugar a uma centena de novas nações, das quais mais de 50 são hoje estados soberanos. À caça de explicação para mudança tão rápida e tão radical, muitos especialistas concordam com Ronald Robinson, historiador do império britânico, autor de famosíssima frase: “quando somem os seus governantes indígenas, os impérios morrem”.



Durante a Guerra Fria que coincidiu com essa era de rápida descolonização, as duas superpotências globais voltaram aos mesmos métodos e usaram com regularidade suas respectivas agências de espionagem para manipular os governos dos novos estados independentes. A KGB da URSS e suas agências delegadas, como a Stasi na Alemanha Oriental e a Securitate na Romênia forçaram uma uniformidade política entre os 14 estados satélites soviéticos na Europa do Leste e desafiaram os EUA, em todos os estados leais aos norte-americanos no Terceiro Mundo. Simultaneamente, a CIA monitorou de perto a lealdade de seus presidentes, autocratas e ditadores nos quatro continentes, com golpes, suborno e penetração nos serviços de segurança nacionais e, sempre que necessário, derrubaram governos inconvenientes.



Numa era de sentimento nacionalista, contudo, a lealdade das elites locais mostrou-se assunto mais complexo do que se esperava. Muitas daquelas elites eram arrastadas por lealdades conflitivas e muitas vezes por sentimentos arraigados de nacionalismo, o que obrigava os EUA a vigiá-las de perto. Aquelas elites eram tão criticamente importantes e qualquer insubordinação implicava questões tão amplas, que a CIA passou a trabalhar rotineiramente em operações clandestinas para ‘mantê-las em rota’, operações que geraram algumas das maiores crises da Guerra Fria.



Ante o crescimento da crise em seu sistema global de controle no mundo de depois da II Guerra Mundial, restaram poucas alternativas a Washington, além de trabalhar com fantoches locais os quais – mesmo que em posições mais fracas – ainda tentavam maximizar o que viam como interesse nacional de suas nações (tanto quanto viam como seu interesse mais diretamente pessoal). Mesmo no auge do poder global dos EUA, nos anos 1950s, quando a dominação norte-americana ainda não enfrentava desafios graves, Washington foi forçada a barganhar com alguns líderes locais, como, por exemplo, Raymond Magsaysay nas Filipinas, o ditador sul-coreano Syngman Rhee e com Ngo Dinh Diem no Vietnã do Sul.



Na Coreia do Sul, nos anos 1960s, por exemplo, o general Park Chung Hee, então presidente, condicionou o uso de tropas de seu país a bilhões de dólares para investimento – primeiro passo do que seria depois o “milagre” econômico sul-coreano. No processo, Washington pagou e obteve o que mais queria: 50 mil soldados e mercenários coreanos, para sua guerra no Vietnã, cada dia mais impopular.



No mundo pós-Guerra Fria



Depois de derrubado o Muro de Berlim em 1989, o que marcou o fim oficial da Guerra Fria, Moscou rapidamente perdeu seus estados-satélites, da Estônia ao Azerbaidjão, à medida que estados leais aos soviéticos saltavam do barco imperial que naufragava. Para Washington, que se sentiu “vitoriosa” e já se preparava para ocupar o lugar de “única superpotência” no planeta, começaria ali processo idêntico, mas um pouco mais lento.



Ao longo das duas décadas seguintes, a globalização gerou um sistema multipolar de potências emergentes em Pequim, Nova Delhi, Moscou, Ancara e Brasília – ao mesmo tempo em que um poder desnacionalizado e corporativo reduzia a dependência das economias em desenvolvimento, que deixavam cada dia mais de depender de um único estado, por mais ‘imperial’ que quisesse ser. Com sua capacidade para controlar elites pelo mundo cada dia menos efetiva, Washington teve, então de encarar a concorrência política e ideológica do fundamentalismo islâmico, dos sistemas de regulação da União Europeia, do capitalismo de Estado chinês e de uma onda crescente de nacionalismo econômico na América Latina.



Na medida em que o poder de influência dos EUA declinava, as tentativas de Washington para controlar suas elites subordinadas locais pelo mundo começaram a falhar, algumas vezes espetacularmente. O caso mais espetacular de fracasso desse tipo foi o golpe tentado para depor Hugo Chavez da Venezuela, fracasso, de fato, retumbante, em 2002. Outro caso, a tentativa de tirar da órbita soviética a Georgia do aliado Mikheil Saakashvili em 2008. E, isso, sem falar na nêmesis de Washington, Mahmoud Ahmadinejad, que enfrentou tentativa de golpe nas eleições de 2009 no Irã e lá continua, até hoje. Onde, antes, sempre bastaram os golpes da CIA ou muito dinheiro, foi necessário, no governo Bush, toda uma massiva invasão militar, com guerra, para tirar do posto um único adversário, ditador ex-aliado que, de repente, começara a criar problemas, Saddam Hussein. E mesmo assim, os EUA viram bloqueados seus planos para “troca de regime” na Síria e no Irã, quando esses dois estados contribuíram para criar uma guerrilha devastadora contra as forças dos EUA, dentro do Iraque.



Do mesmo modo, apesar dos bilhões de dólares consumidos em ajuda externa, Washington ainda não conseguiu controlar o presidente que os próprios norte-americanos puseram no poder no Afeganistão, Hamid Karzai, que, em resposta memorável aos enviados norte-americanos que não lhe davam sossego, disse que “Se querem um fantoche para chamar de parceiro, nada feito. Se querem um parceiro, sim, podemos conversar.”



Depois, no final de 2010, WikiLeaks começou a publicar aqueles milhares de telegramas diplomáticos dos EUA que abrem via ampla, sem qualquer controle ou censura, para que se veja, ‘ao vivo’, o enfraquecimento do poder de Washington, que já não domina o sistema de poder delegado que construiu e no qual muito investiu durante 50 anos. Ao ler aqueles documentos, o jornalista israelense Aluf Benn do jornal Haaretz, viu “a queda do império americano, o declínio de uma superpotência que comandou o mundo com seu exército e supremacia econômica.” Nunca mais, escreveu ele “os embaixadores dos EUA serão recebidos nas capitais do planeta como ‘altos comissários’. São vistos hoje como o que hoje são: burocratas cansados, que consomem seus dias ouvindo tediosamente o que não querem ouvir, cada interlocutor empenhado em seu discurso próprio, sem jamais conseguirem convencer os interlocutores locais sobre quem é a superpotência e quem é o estado-cliente.”



É verdade. O que os documentos publicados por WikiLeaks mostram é um Departamento de Estado que labuta para manter um sistema global indisciplinável, de elites locais cada dia mais insubordinadas; um Departamento de Estado que usa de todos os meios – que se serve da mais pura intriga tentando recolher informação e inteligência, de gestos de amizade para tentar obter alguma solidariedade, de ameaças para obrigar a cooperar e que desperdiça bilhões de dólares para comprar uma influência que nunca é suficiente. No início de 2009, por exemplo, o Departamento de Estado instruiu suas embaixadas em todo o mundo a agir como polícia imperial para recolher informação sobre líderes locais, inclusive “endereços de e-mail, números de telefones e faxes, impressões digitais, fotos, DNA e imagens SCAN da íris”.



Não há evidência mais clara de que, como qualquer subgovernador de colônia periférica, o Departamento de Estado depende hoje de informação de algibeira para incriminar adversários, do que a ordem, do Departamento de Estado à embaixada do Bahrain, para que reunisse detalhes sórdidos sobre os príncipes coroados do reino, que os comprometessem aos olhos de uma sociedade islâmica. Textualmente: “O que sabemos que incrimine os príncipes? Algum deles bebe álcool? Usa drogas?”



Com arrogância de quem foi enviado do império até anteontem, os diplomatas dos EUA ainda se autoconsideram senhores de todo o poder e descartam “os turcos neo-otomanos que aparecem pelo Oriente Médio e os Bálcãs”. Ou supõem que conheçam todas as fraquezas das elites subordinadas, como, por exemplo, “a loura voluptuosa que presta serviços de enfermagem ao coronel Muammar Gaddafi”, ou o “medo pânico” que os golpes militares inspiram ao presidente do Paquistão Asif Ali Zardari, ou sobre os 52 milhões de dólares “de fundos roubados” na conta do vice-presidente Ahmad Zia Massoud, do Afeganistão.



Mas, à medida que sua influência declina, Washington está descobrindo que muitos de seus aliados selecionados a dedo nas elites locais ou se tornam cada vez menos controláveis ou cada vez mais irrelevantes, sobretudo no estratégico Oriente Médio. Em meados de 2009, por exemplo, o embaixador dos EUA na Tunísia relata que “o presidente Ben Ali… e seu governo perderam qualquer contato com o povo tunisiano” e dependem “da polícia para controlar o povo”, ao mesmo tempo em que “a corrupção cresce nos círculos mais íntimos do poder” e “aumentam os riscos de instabilidade do regime, para o longo prazo”. Pois mesmo assim, o enviado dos EUA só recomenda que Washington “desconsidere a crítica popular” e passe a confiar “na sinceridade das informações que se obtêm nos altos círculos” – exatamente a mesma política que não produziu reforma alguma, até que as ruas derrubaram o ditador, apenas 18 meses depois dessa informação ‘de inteligência’.



Assim também , no final de 2008, a embaixada dos EUA no Cairo temia que “a democracia egípcia e os esforços de defesa dos direitos humanos estão sendo sufocados”. Mas, como disse a própria embaixada, “nada parece sugerir que se venha a assistir a complicações para os interesses regionais dos EUA, no caso de os laços entre EUA e Egito virem a ser gravemente enfraquecidos”. Quando, poucos meses depois, Mubarak visitou Washington, a Embaixada do Cairo insistiu para que a Casa Branca “restaure o senso de calorosa amizade que tradicionalmente caracterizou a parceria EUA-Egito”. E por isso, em junho de 2009, apenas 18 meses antes de Mubarak ser derrubado, o presidente Obama saudou seu ditador tão útil como “aliado confiável, um pilar de estabilidade e bonança na Região”.



Enquanto a crise na praça Tahrir no Cairo só fazia crescer, um respeitado líder da oposição, Mohamed ElBaradei, reclamava amargamente que Washington “está empurrando todo o mundo árabe na direção da radicalização, com essa política inábil de apoiar a repressão”. Depois de 40 anos de domínio dos EUA, o Oriente Médio, disse ele, não passava de “um punhado de estados fracassados que nada acrescentam à humanidade ou à ciência” porque “as pessoas são ensinadas a não pensar nem agir e, consistentemente, recebem educação inferior.”



Dado que não há guerra global capaz de simplesmente varrer do mundo um império, o declínio de uma grande potência sempre é lento, doloroso processo de esgotamento. Além das duas guerras dos EUA no Iraque e no Afeganistão, que se aproximam de alguma coisa que mais parece derrota que vitória, o capital do império vê-se atacado por grave crise fiscal, a moeda do reino perde valor de troca, e aliados de muito tempo constroem laços econômicos e até militares com a rival China. A tudo isso, impossível não acrescentar a possível perda de leais delegados em todo o Oriente Médio.



Há mais de 50 anos, Washington aproveita-se de um sistema global de poder baseado em elites locais subordinadas. Esse sistema facilitou a expansão da influência norte-americana por todo o mundo, com surpreendente eficácia e (em termos relativos) satisfatória economia de forças. Hoje, esses aliados leais já mais se parecem império desconexo, ou estados abertamente insubordinados. Make no mistake, como gosta de dizer o presidente Obama, que ninguém se engane: o fim de meio século de laços do velho tipo, indica, claramente, que Washington subiu no telhado.



Em muitas partes do mundo há resistência em congelar fundos líbios.

24/4/2011, Paul Richter, Los Angeles Times (de Washington)Attempt to freeze Moammar Kadafi’s assaets hits resistanceTraduzido e comentado pelo pessoal da Vila Vudu





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Os planos para congelar os bens do regime líbio têm encontrado feroz resistência em muitas partes do mundo, o que tem permitido que Moammar Gaddafi continue a ter acesso a quantidades gigantescas de dinheiro, o que o tem ajudado a resistir contra o avanço dos grupos que se opõem a seu governo.



Apesar de EUA e União Europeia terem bloqueado o acesso do proprietário a mais de 60 bilhões de dólares depositados em contas bancárias e em bancos de investimentos do ocidente, outras nações nada têm feito para congelar outras dezenas de bilhões de dólares que Gaddafi e sua família espalharam pelo planeta ao longo da última década, segundo agentes dos EUA, Europa e ONU que trabalham no mapeamento do patrimônio da Líbia em todo o mundo.



Gaddafi não parou de repatriar bilhões de dólares para Trípoli desde o início da rebelião em meados de fevereiro, dizem aqueles agentes. Não se conhece o total, em parte porque Gaddafi, como outros grandes investidores, tem sua identidade preservada nos contratos com instituições financeiras.



A habilidade com que Gaddafi tem sabido escapar às sanções econômicas continua a minar as tentativas do governo Obama para derrubá-lo do poder. E o acesso que assegurou ao próprio dinheiro mina também todos os esforços dos serviços secretos para convencer seus principais assessores e comandantes militares a desertar, reconhecem os mesmos agentes.



O “caso Gaddafi” é bom alerta sobre os limites das sanções econômicas como instrumento de política exterior. Faz lembrar os movimentos de Saddam Hussein, no Iraque, bem sucedido, também, na luta contra sanções econômicas, além do que se vê hoje no Irã, que continua a desafiar as sanções impostas pela ONU, mediante laços bem construídos com aliados do Terceiro Mundo.



Muitos países desenvolveram fortes laços de relacionamento econômico com a Líbia, entre os quais a Turquia e o Quênia, além de inúmeras outras nações africanas, que protestaram quando da aprovação das resoluções do Conselho de Segurança da ONU em fevereiro e março – sempre segundo declarações daqueles agentes.



Três das maiores economias do mundo – Índia, China e Rússia – têm resistido aos esforços de EUA e União Europeia para ampliar as sanções econômicas contra a Líbia. Todos fazem referência aos riscos que aquelas sanções criariam para seus próprios interesses nacionais, aos pagamentos que esperam da Líbia, a seus fornecedores e cidadãos que operam na Líbia.



Outros países, sem laços políticos ou econômicos aparentes com a Líbia não têm colaborado nos esforços para identificar ou bloquear bens líbios, dizem aqueles agentes. Em alguns casos, entende-se que os governos não tenham meios técnicos suficientes para o rastreamento.



Até aqui, “menos de meia dúzia” de governos já responderam ao comitê do Conselho de Segurança que trabalha para rastrear os bens da Líbia pelo mundo e supervisiona a implantação de sanções, e bloquearam o acesso aos bens, segundo diplomata do Conselho de Segurança da ONU que pediu para não ser identificado, dada a “alta sensibilidade” da questão.



“Temos feito o que podemos”, disse o diplomata. “Mas quando se enfrenta adversário sofisticado como Gaddafi, cujos interesses comerciais espalharam-se, beneficiados pela globalização, nosso trabalho é como empurrar pedra montanha acima. Tem sido muito, muito difícil.”



Segundo as regras da ONU, os governos não são obrigados a relatar o que façam para implantar as sanções por 120 dias. Esse prazo acaba no final de junho. No momento, organiza-se um painel na ONU, que começará a “nomear e repreender” os governos que não tenham atendido às determinações da ONU.



A demora de quatro meses, para cumprir as determinações da ONU que ordenavam as sanções “é um dos pontos mais fracos de todo o sistema”, disse o diplomata. “E Gaddafi, desde o início das sanções, sabe perfeitamente como tudo funciona”.



Procurado ontem, sábado, porta-voz da Casa Branca não quis se pronunciar sobre o assunto. Mas é evidente que a falta de ação coordenada compromete todo o esforço da comunidade internacional cujo sucesso foi, de início, dado por assegurado.



Imediatamente depois do início das agitações na Líbia, funcionários dos EUA encontraram 34 bilhões em depósitos da Líbia num único banco norte-americano. O presidente Obama imediatamente ordenou, por medida do Executivo, que os fundos fossem congelados, citando um “grave risco” de que Gaddafi, membros de sua família ou de seu governo se apropriassem indevidamente daqueles valores. Funcionários da União Européia, na mesma época, encontraram e congelaram cerca de outros 30 bilhões de dólares líbios. Mas, depois disso, o processo não avançou.



“O que realmente interessa é que a Líbia continua com acesso livre ao dinheiro depositado em vários bancos que não estão ao alcance das medidas impostas por EUA e União Europeia e alguns outros poucos países que bloquearam os fundos líbios” – disse Victor Comras, um dos principais agentes encarregados de localizar os fundos líbios até 2001 no Departamento de Estado e depois, até 2004, na ONU.



Gaddafi foi tratado como pária global durante décadas, acusado de envolvimento em ataques terroristas. As sanções da ONU foram suspensas, afinal, em 2003, e as sanções dos EUA um ano depois, quando Gaddafi formalmente desistiu de um então nascente programa de armas nucleares.



Dali em diante, Gaddafi cuidou atentamente de construir reservas nacionais em moeda e ouro, guardadas na Líbia. O Fundo Monetário Internacional noticiou em fevereiro que a Líbia teria $104, 5 bilhões de reservas estrangeiras, suficientes para pagar suas importações durante três anos.



Depois de iniciado o levante dos “rebeldes” líbios, Gaddafi moveu as reservas depositadas em contas nacionais, de modo que a oposição armada ao seu governo não tivesse acesso aos depósitos em bancos do leste da Líbia. Essa é uma das razões pelas quais o Conselho Nacional de Transição que controla militarmente algumas áreas do leste do país, teve de pedir ao ocidente que tornasse disponíveis os fundos líbios congelados no ocidente.



Nos últimos anos, Gaddafi reestruturou seus investimentos internacionais de modo a torná-los facilmente acessíveis, dizem agentes e analistas de finanças. Os encarregados de rastrear os fundos líbios distribuídos pelo planeta ainda lutam com graves dificuldades para desatar os nós de uma vasta e complexa rede global de investimentos líbios, que cobre todo o planeta.



Alguns foram relativamente mais fáceis de encontrar. O fundo soberano do país, administrado pela Libyan Investment Authority, foi depositado em grandes bancos europeus e investido em inúmeras empresas, dentre as quais o Banco Fortis holandês-belga, o gigante UniCredit italiano, o império de mídia britânico Pearson, a Finmeccanica, gigante de Defesa, italiana, e num acordo de produção de petróleo firmado com a British Petroleum. Uma parte foi, inclusive, investida num time de futebol italiano, a Juventus.



Parte significativa da riqueza líbia está distribuída pelo sudeste da Ásia e do Golfo Persa: a Líbia controla 60% do Arab Banking Corp, do Bahrain. Mas outros investimentos mostraram-se muito mais difíceis de rastrear e de congelar.



Investigadores têm dito que Gaddafi tem investidos pelo menos 5 bilhões de dólares, a partir de 2006, em empresas africanas de petróleo, oleodutos, empresas de telecomunicações, hotéis, refinarias e bens imobiliários.



São investimentos motivados em parte por um “desejo de promover objetivos específicos da política externa líbia, ou por interesses pessoais e objetivos financeiros da família Gaddafi”, disse Ronald Bruce St. John, veterano analista de questões da Líbia, que vive no New Mexico.



No Quênia, o governo congelou bens líbios, entre os quais os investimentos feitos na Libya Oil Kenya Ltd., gigante distribuidora de petróleo e gás, e no hotel Laico Regency Hotel, em Nairobi.



No Zimbabwe, governado por antigo aliado de Gaddafi, Robert Mugabe, ninguém espera qualquer atenção às ordens de congelamento da ONU, disse um diplomata europeu. Gaddafi tem grandes investimentos no Commercial Bank of Zimbabwe, além de investimentos em turismo e propriedades imobiliárias e sempre apoiou o regime de Mugabe, dizem analistas.



A Turquia tem apoiado (com reservas, e só com assistência humanitária: Erdogan disse que em nenhum caso soldados turcos seriam mandados atirar contra árabes (NTs]) a coalizão internacional contra Gaddafi (...). Mas a Turquia tem cerca de 17 bilhões de dólares privados investidos na economia líbia, que Gaddafi poderia facilmente confiscar. A Turquia “deseja preservar todos esses interesses econômicos”, disse Bulent Aliriza, especialista em questões turcas no Center for Strategic and International Studies, think tank não partidário, com sede em Washington.



Rússia e China congelaram alguns investimentos líbios. Mas os dois estados protestaram contra a iniciativa ocidental, no Conselho de Segurança, de incluir mais indivíduos e organizações líbias na lista dos que poderiam ter seus bens congelados. A iniciativa permitiria que se congelassem bens de empresas líbias que têm laços financeiros com empresas desses dois países.



Diplomatas dizem que a resistência de Índia, Moscou e Pequim deve-se em parte a preocupações econômicas, mas manifesta também dúvidas no campo político, sobre a viabilidade da rebelião apoiada por OTAN-EUA contra Gaddafi. As três nações abstiveram-se de votar nas reuniões do Conselho de Segurança que aprovaram sanções contra a Líbia.