quinta-feira, 19 de maio de 2011

Por que o banco central é uma enorme máquina de falsificação



por Robert P. Murphy







Um antiquado monarca com uma impressora



Antes de examinarmos as operações do banco central, vamos começar com algo mais simples. Suponha que há um poderoso monarca reinando sobre um país grande e industrializado. O monarca conseguiu fazer com que seus súditos parassem de utilizar um dinheiro commodity, como o ouro ou a prata, obrigando-as agora a usar cédulas fiduciárias e sem qualquer lastro, meros pedaços retangulares de papel que ostentam a sua foto. O monarca tem uma impressora à sua disposição, a qual dá a ele a capacidade ilimitada de imprimir mais pedaços de papel com os quais ele pode sair comprando bens por todo o seu reino.



A princípio, poderíamos pensar que nosso hipotético rei tem uma riqueza infinita. Porém, se refletirmos melhor, veremos que na verdade há limites pragmáticos sobre a quantidade de dinheiro que ele irá imprimir a cada ano. É verdade que não há restrições legais sobre a quantidade de cédulas que ele pode criar; porém, quanto mais inflação monetária ele provocar, maior será a inflação de preços que ele vai provocar.



No longo prazo, o monarca iria acabar empobrecendo a si próprio em decorrência de ter utilizado excessivamente a impressora no presente. Por exemplo, se em um ano ele duplicar o estoque de dinheiro, a inflação de preços resultante iria desestabilizar a economia do seu reino e provocar um desnecessário consumo de capital (afinal, expectativas inflacionárias fazem com que as pessoas corram para comprar bens o mais rápido possível, para se antecipar a um futuro aumento de preços).



Seus súditos estariam menos dispostos a investir em seus negócios e a fazer planos de aposentadoria, pois sabem que ele poderá efetivamente confiscar suas poupanças novamente por meio de impressões maciças de mais dinheiro (a inflação monetária, por fazer aumentar os preços, corroi e destroi a poupança das pessoas, sendo portanto equivalente a um confisco). Os investidores estrangeiros também ficariam receosos de se expor nesse país caso o rei tornasse sua moeda extremamente volátil.



Por causa dessas considerações, o monarca indubitavelmente iria imprimir dinheiro a cada ano, mas ele não iria exagerar. Ele iria determinar uma meta moderada de inflação de preços anual, com o poder de compra de sua moeda fiduciária diminuindo lentamente ao longo do tempo, de maneira previsível. A cada ano, esse novo influxo de dinheiro para a economia iria representar uma transferência de riqueza: por ter o privilégio de criar dinheiro e ser o primeiro a utilizá-lo, o rei poderia se apropriar de mais bens a preços ainda inalterados, ganhando assim uma vantagem desproporcional sobre os cidadãos. Portanto, riqueza foi roubada de todos os outros usuários da moeda e transferida para o rei.



Mas e se nosso monarca fosse realmente um perdulário? E se ele quisesse gastar mais dinheiro do que toda a receita de tributos que ele arrecada como monarca, além de toda a quantidade de dinheiro que ele ousa criar a cada ano com sua impressora? Nesse caso, o monarca ainda poderia recorrer ao antigo método de pedir empréstimos. Desta forma, em um ano qualquer, o monarca poderá gastar apenas aquilo que ele coleta como impostos, que ele obtém como empréstimos e que ele cria por meio da impressão monetária.



A falsificação moderna, ao estilo do banco central



À primeira vista, o atual sistema monetário em nada se parecer com a simples fábula de um rei e sua impressora. Em primeiro lugar porque o Ministério da Fazenda é uma entidade distinta do Banco Central. Quando o governo federal incorre em um déficit orçamentário, ele não pode simplesmente fazer com que o Banco Central imprima cédulas de $100 em quantidade suficiente para cobrir esse déficit. Não, a Fazenda (no caso, a Secretaria do Tesouro) sempre cobre seus déficits emitindo títulos públicos. Esses títulos são vendidos pelo Tesouro para investidores (pessoas físicas ou jurídicas) que emprestam dinheiro ao Tesouro hoje na esperança de serem restituídos com juros no futuro.



Mas calma, ainda há mais. Um dos principais compradores dessa dívida emitida pelo Tesouro é o próprio Banco Central. É verdade que o Banco Central não comparece aos leilões do Tesouro para comprar diretamente os novos títulos emitidos; porém os dealers primários aceitam pagar preços mais altos por esses títulos justamente porque sabem que o Banco Central irá entrar em cena mais tarde e recomprar deles (dos dealers) esses títulos.



Nesse ponto, vale a pena relembrarmos o que acontece exatamente quando o Banco Central compra os títulos da dívida em posse dos dealers. Digamos que o Banco Central quer comprar $1 milhão em títulos que estão em posse de João da Silva. Assim, o BC irá dar um cheque de $1 milhão para João, cheque esse que é sacado da conta do próprio BC. Nessa transação, João entrega ao BC os títulos que estavam em sua posse, os quais entram no balancete do BC como 'ativos'. Ato contínuo, João deposita o cheque que recebeu do BC em sua conta-corrente pessoal, que aumenta em $1 milhão.



Portanto, até o momento, o Banco Central aumentou a oferta monetária em $1 milhão. Em tempos normais, por causa do sistema bancário de reservas fracionárias, o banco de João iria emprestar por volta de $900.000 (dependendo do nível do compulsório) desse novo dinheiro depositado para um outro cliente, o que faria com que a oferta monetária crescesse ainda mais. Mas esse processo específico de criação de dinheiro não é o que nos interessa nesse artigo, portanto vamos abandonar aqui essa linha de raciocínio.



O que realmente nos interessa aqui é o efeito que as compras realizadas pelo BC exercem sobre os títulos do Tesouro. Quando o BC entra no mercado para comprar títulos do Tesouro (com dinheiro criado do nada), ele joga pra cima o preço desses títulos. Isso obviamente significa que o rendimento deles cai. Assim, por exemplo, se o Tesouro emite um título que promete pagar ao portador $10.000 em 12 meses, então o preço do leilão vai determinar quanto de dinheiro o Tesouro realmente vai receber emprestado hoje em troca dessa promessa de pagar $10.000 dali a um ano. Se a demanda for tal que as pessoas aceitem pagar $9.901 por cada título com um valor de face de $10.000, então o Tesouro está conseguindo um empréstimo de um ano a uma taxa de juros de 1%.



Aqui já dá pra ver por que o pessoal do Tesouro adora quando o Banco Central começa a diminuir os juros por meio da criação de mais dinheiro. Afinal, para diminuir os juros, o BC cria dinheiro do nada e sai comprando títulos públicos em posse dos bancos. No mínimo, essa volumosa compra de títulos públicos joga pra cima o preço de leilão dos outros títulos públicos que ainda serão vendidos, o que significa que o governo federal pode agora pegar empréstimos a taxas de juros menores.



Entretanto, se isso fosse tudo, a história certamente seria suspeita, porém nem de longe tão ruim quanto a do nosso hipotético monarca e sua impressora. Sim, é verdade que o BC iria criar dinheiro (o que iria aumentar os preços dos bens e serviços) com o intuito de manter baixo o custo dos empréstimos contraídos pelo Tesouro. Porém, ainda assim, o Tesouro teria de pagar algum juro sobre sua dívida, especialmente para as dívidas de prazo maior e de rentabilidade mais alta, como os títulos de 10 anos. Portanto, embora o mecanismo que acabamos de descrever de fato estimule o Tesouro a incorrer em maiores déficits - o que claramente prejudicaria o cidadão comum, que iria sofrer com a inflação de preços -, as coisas não parecem nem de longe tão fraudulentas quanto eram no caso do nosso monarca.



Ah, mas ainda não acabou. Essa compra e consequente acumulação de títulos do Tesouro feita pelo BC não apenas faz diminuir a taxa de juros; há um outro fato que não pode ser negligenciado: o BC devolve ao Tesouro todo o pagamento de juros que recebeu sobre esses títulos! Afinal, é com os juros que o BC ganha dinheiro. Ele cria dinheiro do nada para comprar ativos, e então obtém juros e (em alguns casos) ganhos de capital sobre esses ativos (como quando os vende por um preço maior do que aquele por que os comprou). Porém, após o BC utilizar esses ganhos para pagar seus empregados, pagar sua conta de luz e fazer a festinha de Natal para toda a equipe, ele remete todos os ganhos em excesso de volta para o Tesouro.



Para enfatizar, grande parte desse dinheiro remetido ao Tesouro consiste nos juros que o próprio Tesouro pagou aos portadores dos títulos - sendo que o BC calhou de ser o portador da maioria deles. Portanto, não apenas a taxa básica de juros pode ser artificialmente diminuída pelo BC - por meio de sua criação monetária e da subsequente compra de títulos -, como também os juros pagos sobre esses títulos são em grande parte restituídos ao Tesouro, pelo fato de o BC ser a entidade que acaba em posse de boa parte dos títulos.



O.K., então sabemos que o BC (a) pode diminuir a taxa de juros sobre a dívida do Tesouro e (b) restitui ao Tesouro virtualmente todos os juros pagos (pelo próprio Tesouro) sobre os títulos da dívida que estão em sua posse. E lembre-se que a maneira como o BC faz isso é criando dinheiro do nada para comprar os títulos do Tesouro em posse dos investidores originais que emprestaram dinheiro ao Tesouro. Portanto, o BC claramente ajuda a gastança deficitária do governo à custa de todos os outros indivíduos que possuem ativos denominados na moeda corrente, que é corroída pela inflação.



Contudo, ainda há um obstáculo que impede o governo de agir com total temeridade: ele ainda tem de pagar o principal de seus títulos quando eles maturarem. Em outras palavras, tudo o que mostramos até aqui é que o BC permite que o Tesouro incorra em déficits a juros muito menores do que aqueles que seriam cobrados caso não existisse um BC - juros esses que chegam a virtualmente zero quando a dívida está em posse do BC. Mas ainda assim estamos longe do nosso hipotético monarca, que podia cobrir toda a sua dívida, ano após ano, simplesmente utilizando sua impressora.



Lamento informar, mas o nosso sistema monetário padece do mesmo mal. Quando os títulos do Tesouro em posse do BC maturam - de modo que o Tesouro tem de pagar o seu valor de face (o principal) -, o BC simplesmente rola a dívida (a dívida vincenda é trocada por outra maior e de prazo mais longo. No final desse processo, como já descrevemos, esse título que o Tesouro acabou de emitir irá naturalmente parar nas mãos do BC).



Com o tempo, o valor nominal de mercado da dívida do Tesouro em posse do BC aumenta continuamente. A menos que haja uma reversão súbita nessa política, o Tesouro sabe que nunca terá de pagar sua dívida. Para todos os propósitos práticos, qualquer dívida do Tesouro que termine em posse do BC é economicamente equivalente ao nosso monarca utilizando sua impressora de dinheiro para pagar suas contas (pois na prática não há juros a pagar).[1]



Só mais uma consideração: até agora vimos que um governo moderno, com seu complexo sistema de banco central e moeda fiduciária, opera essencialmente como um rei que possui uma simples impressora de dinheiro, no sentido de que o BC está disposto a acumular quantias cada vez maiores de títulos da dívida do Tesouro. Mas o que determina o quanto o BC está disposto a acumular? Em que ponto o BC iria decidir relaxar suas operações de mercado aberto e parar de criar dinheiro que será (indiretamente) entregue ao governo?



A derradeira restrição às operações do BC é a mesma que nosso hipotético rei tem de enfrentar: a reação adversa dos investidores e dos cidadãos ao aumento dos preços. Ou seja, o BC pode absorver apenas uma determinada quantidade de títulos da dívida a cada ano, pois uma criação de dinheiro em excesso levaria a uma inflação de preços excepcionalmente alta. Portanto, um governo perdulário, como nosso hipotético monarca, tem de financiar parte de sua gastança por meio de empréstimos tradicionais, obtidos de cidadãos privados e de outros governos.



Conclusão



Despido de sua pomposa terminologia e de sua confusa mecânica, um banco central moderno fica reduzido apenas àquilo que ele é: uma operação de contrafação legalizada. Se houvesse repentinamente um protesto generalizado contra esse crime, pode apostar que o monarca iria mobilizar todos os seus aliados na mídia para que eles desacreditassem as pessoas que estivessem ameaçando sua fonte de receitas. Sob esse prisma, podemos prever qual será a reação das autoridades quando as pessoas entenderem o que se passa e começaram a clamar pela abolição do banco central.



Link : http://migre.me/4zRiS







Sexo, poder e justiça americana



















Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu



Por Pepe Escobar

Pois fato é que, afinal, Osama bin Laden não será o personagem principal no julgamento do século. Uma piscadela do destino e o papel caberá a Dominique Strauss-Khan (DSK), o todo-poderoso diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI), que agora medita na ilha Rikers “Alcatraz” em Nova York.



O chefão com nome de sopa de letrinhas posto à frente do juiz, muito contrariado; o Departamento de Polícia de Nova York mundialmente conhecido pelos seriados de televisão, mostrando serviço real e ao vivo; a captura-suspense, na cabine da primeira classe, no último momento, antes da partida do avião para voo transcontinental; a cerimônia da identificação entre suspeitos assemelhados e a exibição para a mídia, do acusado algemado [1], são, todos, ingredientes do mais recente escândalo sociopolítico global.



No mundo dos tabloides nova-iorquinos, quase sempre nauseabundo, foi difícil resistir à metáfora que, de tão clara, cintilava: o FMI – que tem reputação de ferrar sistematicamente os pobres do mundo –, apanhado pela polícia, precisamente, quando tentava aplicar à força um ajuste estrutural, numa suíte de hotel em Manhattan, contra uma discreta viúva africana, muçulmana e imigrada que vive no Bronx com a filha adolescente. O linchamento pela mídia jamais seria menos cruel ou violento, que o fato.



Pelo que já se viu, DSK tem muito mais sorte que o líder líbio coronel Muammar Gaddafi, porque só terá de enfrentar um júri nova-iorquino, não a Corte Internacional de Justiça [ing. International Criminal Court (ICC)] em Haia. Diferente de Gaddafi, DSK – pelo menos em teoria – é inocente até que se prove o contrário, embora já tenha sido condenado pela imprensa marrom.



Muito menos visíveis dos dois lados do Atlântico, são os intelectos sãos que tanto trabalham para mostrar que os escroques de Wall Street roubaram trilhões de dólares do cidadão comum; que os executivos da British Petroleum estão destruindo o Golfo do México; e que, de fato, o governo de George W Bush levou os EUA à bancarrota ao lançar uma guerra que matou mais de um milhão de iraquianos. Nenhum desses foi pré-condenado nem mereceu, sequer, ser exibido em algemas.



Só uma coisa é certa, indiscutível: no que tenha a ver com “a justiça norte-americana”, são zero as chances de alguém ver algemados o governo Bush ou os perpetradores do “golpe Goldman Sachs”.



Escândalo, sexo e gritaria



Acompanhar em detalhe a histeria da imprensa dos dois lados do Atlântico foi mais fascinante que viagem a Marte. Na França, era absolutamente garantido que DSK seria eleito presidente nas eleições de 2012, depois de derrotar o naufragante Nicolas Sarkozy, libertador neonapoleônico da Líbia. DSK – arma de escolha dos poderes financeiros que rastejam por trás do trono – deveria anunciar sua candidatura ainda em maio.



O tom dominante na grande imprensa francesa – em vasta medida subserviente a Sarzoky e seus lacaios – é que os norte-americanos, confirmando todos os velhos preconceitos e estereótipos anti-França, humilharam a nação, ao exibir DSK algemado e conduzido por policiais ante câmeras de televisão antes de ser julgado (o que é proibido por lei, na França) e ao negar-lhe o direito à liberdade sob fiança (de US$1 milhão).



A justiça norte-americana ao estilo do seriado “Law and Order” está sendo arrastada pela lama, atrelada ao puritanismo dos norte-americanos. Simultaneamente, entre simpatizantes catatônicos do Partido Socialista, circulam as inevitáveis teorias de conspiração.



Pelo menos parte da França parece dar por certo que a camareira do hotel Sofitel, nascida na Guiné, não era nenhuma Mata Hari. Mas talvez seja agente da CIA. E há também o maldito twitter – amplificado por um lacaio de Sarkozy – noticiando que DSK teria sido “preso” antes de a polícia de Nova York dar o primeiro pio: invenção que se espalhou pelo planeta. Nada menos que 57% dos eleitores franceses e 70% dos socialistas acreditam que DSK foi vítima de conspiração.



Cui Bono [quem se beneficia], no caso de ter havido conspiração? Sarkozy, com certeza, ganha alguma coisa; ganham também os que ganhem na campanha eleitoral e na reeleição, além dos contatos ultraconservadores que Sarkozy cultiva nos EUA; também ganham os neofascistas da Frente Nacional francesa, cuja candidata, a empresarial Marine Le Pen, mantém boa chance de chegar ao segundo turno em 2012; e ganham todos os tubarões das finanças globais, aos quais muito infelicitava a posição mais “liberalizante” do FMI de DSK.



O ultra carismático DSK é socialista suave, à Moet & Chandon. Fosse banco, DSK estaria na categoria “grande demais para falir”. Está falido. Mas não é banco.



Fosse político norte-americano, seria uma espécie de Bill Clinton – com quedinha para misturar sexo e mídia e tudo. Clinton só por um triz não foi derrubado da presidência por uma gangue de puritanos, e só por causa daquilo na Casa Branca. Mas o circuito Paris de coquetéis jamais acreditará que DSK, mulherengo conhecido, cometeria a loucura, a imbecilidade, de trocar a presidência da França por uma faxineira africana muçulmana que fala francês em Nova York.



Assim sendo, a ideia dominante é que tudo não passou de mal-entendido. DSK estava à espera de uma prostituta “de classe” à moda Nova York, quando a camareira entrou descuidadamente na toca do leão e colidiu com o leão que esperava por outra (e armado).



Essa íntima colisão entre o FMI e uma economia subsaariana em desenvolvimento não implica que DSK seja defensor dos pobres ou da classe trabalhadora. Longe de ser socialista, DSK é parceiro íntimo das elites financeiras globais e do capital transnacional. Mas há detalhes a considerar.



Um dos detalhes lamentáveis de todo esse negócio sórdido é que DSK estava, de fato, tentando reformar o FMI – tentando empurrá-lo para linha mais progressista. Foi muito elogiado por esse trabalho. Seu substituto interino é o norte-americano John Lipsky – ex-vice-presidente do JP Morgan. Por falar em retrocesso...



DSK estava empenhado em afastar o FMI do papel nefando que teve durante a crise financeira asiática. Naquele momento, em 1997, os remédios amarguíssimos inspirados pelo Departamento do Tesouro, que o FMI prescrevia, apesar de terem gerado ganhos imensos para os credores, quase destruíram economias inteiras, da Tailândia à Indonésia. Brasil e Rússia também sofreram.



Depois, seria a hora de “domar” a Argentina – mas a Argentina quebrou no final de 2001. O FMI fez o que pôde para sabotar o país, mas a economia argentina estabilizou-se; e o país voltou a crescer novamente em 2002.



Os mercados emergentes estão fartos de ver o FMI comandado por europeus. Em 26 dos seus 33 anos de vida, o FMI foi presidido por franceses. A distribuição de poder é medieval: de 24 diretores, nove são europeus; o diretor brasileiro representa nove países, mas seu voto só pesa 2,4%; o voto dos EUA pesa quatro vezes mais que os demais.



Esses 24 diretores executivos vão agora eleger o próximo presidente do FMI. Os europeus já estão envolvidos na mais viciosa batalha de vale-tudo – não querem entregar a palma. Mas as apostas indicam que o escolhido será Kemal Dervis, da Turquia; ou candidatos da Índia e África do Sul. A China ainda está pensando se sobe ao ringue.



Caso aconteça de a demissão de DSK abrir a porta para que um representante de país emergente chegue à presidência do FMI – e que espetacular justiça poética! – terá sido graças a uma africana, muçulmana, imigrante e mulher.



A iminência da terceira intifada na Palestina.



por Mel Frykberg, da IPS






Qalandia, Cisjordânia, 17/5/2011 – Israel calculou mal. Acreditou que manteria sob controle o dia da Nakba (catástrofe), comemorada com três dias de mobilizações que culminaram com a Grande Marcha, para recordar o deslocamento maciço de palestinos que há 63 anos marcou o nascimento do Estado judeu. Milhares de refugiados palestinos desarmados marcharam pelas fronteiras de Israel da Cisjordânia, Gaza, Líbano, Síria, Jordânia e Egito.



Na Síria, dezenas se juntaram para escalar o muro fronteiriço e cruzar rumo às colinas de Golan, anexadas por Israel. O Exército israelense matou a tiros 14 manifestantes do Líbano e da Síria, acusando as forças libanesas de serem responsáveis pelas mortes de seus compatriotas. Estas passagens de fronteira pegaram de surpresa funcionários de inteligência e de segurança de Israel. Esperando manifestações maciças dentro dos territórios ocupados e inclusive de Israel, milhares de policiais antidistúrbios foram colocados em alerta máximo em áreas onde poderia haver enfrentamentos. Poucos soldados se encarregaram das fronteiras ao Norte.



Forças de segurança do Egito e da Jordânia impediram que centenas de simpatizantes pró-palestinos cruzassem para Israel. A polícia egípcia usou métodos de dispersão contra milhares de manifestantes que, em Alejandria e no Cairo, protestavam fora da embaixada e do consulado de Israel. Enquanto isso, milhares de palestinos ficaram feridos na Cisjordânia e em Gaza. Soldados israelenses apontaram suas metralhadoras contra centenas de palestinos desarmados, muitos deles mulheres e crianças, quando se aproximaram da passagem de Erez, no Norte da Faixa da Gaza. Um palestino morreu e houve dezenas de feridos graves.



A IPS permaneceu durante o dia 15 na passagem de Qalandia, na ocupada Jerusalém oriental. Durante o dia, ambulâncias com sirenes ligadas seguiam de um lado para outro enquanto lutavam para abrir caminho nas ruas, onde cerca de mil palestinos jovens enfrentaram centenas de soldados israelenses, bem como policiais antidistúrbios e à paisana.



A queima de pneus soltava uma fumaça negra que se misturava às nuvens de gás lacrimogêneo. Dezenas de palestinos foram tratadas por complicações causadas pela inalação desse gás, e alguns sofreram ataques enquanto os médicos comentavam a incomum intensidade do gás. Dezenas de outros palestinos foram tratadas pelos ferimentos feitos por balas de aço recobertas por borracha, disparada de curta distância.



Os enfrentamentos em Qalandia, que continuaram até a noite, foram marcados por implacáveis ondas de homens jovens que se aproximaram do posto de controle até que o gás e os disparos os fizessem retroceder. A atmosfera desafiadora se caracterizou pelo que parece ser uma nova unidade de propósito. Um dos manifestantes mascarados, que parou para comer um sanduíche e tomar água, disse à IPS que lutará contra os israelenses até o final. “Querem expulsar meus avós de sua casa em Sheikh Jarrah, em Jerusalém oriental. Por acaso, deveríamos ficar sentados de braços cruzados? Penso que não”, afirmou.



Enquanto observava os enfrentamentos, Yazen, dono de uma loja de para-brisas, disse à IPS que “outro levante palestino (Intifada) está a caminho”. Na primeira Intifada, Yazen passou seis anos em uma prisão israelense. Seu irmão cumpre atualmente condenação de 17 anos por resistência militar à ocupação. Ativistas dos dois principais partidos palestinos, Fatah e Hamas (Movimento de Resistência Islâmica) se mantiveram firmes enquanto ônibus carregados de palestinos de outras cidades e povoados da Cisjordânia uniam-se a eles.



Os comércios localizados ao longo da rua se converteram em improvisadas clínicas, enquanto equipes de médicos palestinos tratavam dos feridos no chão. Os comerciantes, que decidiram não trabalhar nesse dia, permitiram aos manifestantes se abrigar dos disparos e do gás e lhes deram água e lenços. Donas de casa lhes entregavam batata e cebola picada, antídotos contra o gás lacrimogêneo, enquanto os manifestantes iam em ajuda de seus camaradas feridos.



Embora a saturação da cobertura da mídia internacional em Qalandia e outros pontos principais provavelmente tenha garantido que as forças israelenses se contivessem, em outras áreas mais afastadas do olhar da imprensa foram acusadas de usar táticas de intimidação e desejo de vingança ao tratar com os manifestantes. No dia 13, durante protestos contra o muro que separa a Cisjordânia de Israel, na aldeia de Nabi Saleh, perto de Ramalá, uma lata de gás lacrimogêneo lançada de curta distância acertou a cabeça de um cidadão norte-americano.



O fato parece ter sido um ataque deliberado das forças israelenses. A vítima ficou gravemente ferida e foi levada ao hospital. Segundo o direito israelense, estes recipientes de alta velocidade devem ser disparados para cima, formando um arco, a não menos de 40 metros de distância, devido à sua natureza letal. Nos últimos anos, vários outros cidadãos dos Estados Unidos sofreram danos cerebrais e inclusive com perda de um olho devido a ataques semelhantes. Incontáveis palestinos morreram ou ficaram feridos em incidentes idênticos.



Um ativista israelense que quebrou um braço quando soldados israelenses dispararam contra ele, teve de caminhar vários quilômetros por um terreno íngreme para receber tratamento médico depois que o comandante encarregado de Nabi Saleh impediu a chegada de ambulâncias para evacuar os feridos.



A inteligência israelense havia previsto que no dia 15 haveria distúrbios, mas de modo confidencial assinalou que seriam limitados e não fugiriam ao controle. No entanto, parece ter errado. Os especialistas preveem o começo de uma terceira Intifada (as anteriores foram em 1987 e 2000) para setembro, quando a Autoridade Nacional Palestina apresentar sua cobrança de um Estado independente junto à Organização das Nações Unidas. Envolverde/IPS