HABEAS CORPUS Nº 149.250 - SP (2009/0192565-8) (f)
VOTO-VISTA
O EXMO. SR. MINISTRO GILSON DIPP:
O paciente foi denunciado perante a Justiça Federal pela atribuída prática do
crime de corrupção ativa, previsto no art. 333, caput, combinado com o art. 29, caput do
Código Penal. A ação penal que se instaurou terminou pela condenação do paciente, pendente
ainda o julgamento da apelação apresentada contra a mesma sentença.
Entrementes, com respeito aos procedimentos de investigação prévios à ação
penal, foi impetrado junto ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região pedido de habeascorpus
(HC 34.848/SP–TRF3ª) buscando livrar o paciente de alegada insanável nulidade da
sentença, haja vista a atuação da ABIN na investigação preparatória, de natureza policial
penal. Em face disso, alegaram mais: todas as provas colhidas ao longo da operação
correspondente deveriam ser consideradas ilícitas e portanto inadmissíveis e ineficazes, sendo
destituídas de valor jurídico.
A ordem contudo foi denegada pelo Regional ao fundamento de que o
magistrado apontado como coator e a autoridade policial negavam esse fato e porque não
havia nos autos documentos capazes de evidenciá-lo, resumindo-se a prova das supostas
arguições a recortes de jornal.
Disse o Tribunal que, mesmo quando tivesse havido a colaboração da Agência,
esta se deu de forma secundária sendo todas as medidas de apuração promovidas pela
autoridade policial e, conforme o caso, deferidas pela autoridade judicial.
Além disso, assentou a Corte local, o compartilhamento de informações é
medida rotineira entre diversas instituições e a Polícia Federal (v.g. IBAMA, INSS, BACEN,
CVM, Receita Federal, e outros estaduais ou municipais).
Em resumo, a 5ª Turma do TRF/3ª Região considerou a inexistência de
ilegalidade ou abuso de poder na sentença proferida pela autoridade tida por coatora, o Juiz
Federal da 6ª Vara Federal de São Paulo.
Eis a ementa do julgado, que foi confirmado por embargos declaratórios:
“HABEAS CORPUS” – PENAL E PROCESSO PENAL –
PARTICIPAÇÃO DE SERVIDORES DA AGÊNCIA BRASILEIRA DE
INFORMAÇÃO (ABIN) EM INQUÉRITO CONDUZIDO PELA POLÍCIA
FEDERAL – AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA – LEI 9.883/99
QUE PERMITE COMPARTILHAMENTO DE DADOS ENTRE ÓRGÃOS
INTEGRANTES DO SISTEMA BRASILEIRO DE INTELIGÊNCIA –
NULIDADES VERIFICADAS NA FASE PRÉ-PROCESSUAL NÃO
CONTAMINAM FUTURA AÇÃO PENAL – ORDEMDENEGADA.
1. Os impetrantes não instruíram o “writ” com elementos de
prova suficientes para que esta Corte, neste passo, emita juízo de valor sobre a
participação, ou não, de servidores vinculados à Agência Brasileira de
Informação (ABIN) nos procedimentos investigatórios, relacionados com a
denominada “Operação Satiagraha”. E mesmo que, por hipótese, se
prestassem a permitir uma conclusão positiva, tais documentos não
esclarecem em que medida se deu essa participação, a ponto de autorizar, já
neste momento, um exame da sua legalidade.
2. A autoridade impetrada nega a participação de agentes da
ABIN na persecução penal nº 2008.61.81.008291-3, amparando-se, inclusive,
em declaração da própria autoridade policial que presidiu as investigações
que culminaram na denúncia formulada pelo Ministério Público Federal. À
míngua de quaisquer outros elementos de convicção, robustos o suficiente
para provar o contrário, é medida de rigor prestigiar as informações
apresentadas pela autoridade impetrada, pois é aquela que se encontra em
contato mais direto
com os fatos.
3. No que diz respeito aos demais procedimentos investigatórios
verifica-se que, em relação a eles, também não foram apresentados a esta
Corte, elementos de convicção suficientes o bastante para que seja avaliada a
participação e eventual ilegalidade dessa atividade, por parte dos agentes da
ABIN. A impetração não indica um único fato específico, concreto, no qual
houve a participação de agentes da ABIN. As informações prestadas pela
autoridade impetrada indicam que, se houve participação de agentes da ABIN
nos demais procedimentos investigatórios que integram a operação em
apreço, esta deu-se de forma secundária, incapaz de justificar qualquer
alegação de nulidade de prova, especialmente porque ausente demonstração
concreta de prejuízo, conforme se viu do trecho das informações já transcritas
nesta decisão. Há que se ter em mente que é premissa básica do processo
penal a regra segundo a qual não se declara nenhuma nulidade sem a
demonstração do prejuízo. O artigo 563 do Código de Processo Penal é firme
nesse sentido.
4. Não há prova acerca de um prejuízo concreto experimentado
pelo paciente, pelo fato de servidores da Agência Brasileira de Informação,
hipoteticamente, terem conhecido do conteúdo de conversas telefônicas
interceptadas. É certo que esse fato pode até vir a gerar a responsabilização
funcional daquela autoridade que eventualmente violou o seu dever de sigilo,
contudo, tal violação, não possui o condão de macular a prova como um todo.
5. A Lei 9.883/99 – que instituiu o Sistema Brasileiro de
Inteligência – indica a possibilidade de órgãos componentes do aludido
sistema, compartilharem informações e dados relativos a situações nas quais
haja interesse do estado brasileiro. Tanto a Polícia Federal
como a ABIN, integram o Sistema Brasileiro de Inteligência, como se infere
dos incisos III e IV do artigo 4º do Decreto nº 4.376/02, que regulamenta a Lei
9.883/99.
6. O compartilhamento de dados e informações sigilosos entre
os órgãos encarregados da persecução penal e outros órgãos integrantes do
Estado, não é novidade. Basta lembrar que, ordinariamente, IBAMA (Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Receita
Federal, INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), BACEN (Banco Central
do Brasil) e CVM (Comissão de Valores Mobiliários), os quais cita-se apenas
a título de exemplo, compartilham dados com a Polícia Federal e o Ministério
Público Federal, visando o aprofundamento das apurações criminais, e isso
nunca causou perplexidade ou surpresa.
7. Eventuais nulidades da fase pré-processual não possuem o
condão de contaminar a ação penal. O Código de Processo Penal consagra a
dispensabilidade do Inquérito Policial (artigo 39, § 5º), o que, também, robora
o raciocínio de que eventuais nulidades verificadas naquele âmbito não
contaminam a ação penal, que lhe é posterior e ontologicamente distinta.
8.Ordem denegada.”
A propósito, vale registrar que na discussão dos embargos declaratórios foi
suscitada questão relacionada com o oferecimento de provas pelos impetrantes na véspera do
julgamento do habeas-corpus, as quais, contidas em CD-ROM, cuja leitura teria sido então
inviável, deixaram de ser consideradas pelo Desembargador Relator.
Sustentou-se nos declaratórios essa omissão, mas o argumento não prosperou
pela razão antes indicada.
Contra esse acórdão em habeas-corpus, que não acolheu as arguições contra a
sentença condenatória, os impetrantes oferecem agora o presente habeas-corpus -- como se
fosse originário.
O acórdão local transitou em julgado em 28.08.2009, e esta impetração --
entrada no STJ em 30.09.2009 -- revela-se assim substitutiva de possível recurso ordinário
naqueloutro habeas-corpus, por sua vez concomitante com a apelação ainda pendente de
julgamento no TRF/3ª Região (Processo 0010136-40.2008.4.03.6181).
Buscam os impetrantes, aqui, especificamente seja declarado ilegal o ato de
julgamento do habeas-corpus anterior da 5ª Turma do TRF/3ª Região que deixou de
reconhecer a nulidade dos procedimentos 2007.61.81.010208-7 (monitoramento telefônico),
2007.61.81.011419-3 (monitoramento telemático), e 2008.61.81.008291-3 (ação controlada)
os quais teriam subsidiado a ação penal 2008.61.81010136-1 e o inquérito policial
2008.61.81.009002-8.
Para tanto, afirmam que as investigações da chamada “Operação
Satiagraha/Quero-Quero” promovida pela autoridade policial com a colaboração da Agência
Brasileira e Inteligência - ABIN teria incorrido em inúmeras ilegalidades adiante resumidas.
O inquérito policial respectivo, segundo afirmam, iniciou-se formalmente em
25.06.2008, mas as diligências ter-se-iam estendido clandestinamente desde fevereiro de 2007
a julho de 2008, dando origem aos procedimentos de monitoramento mencionados antes da
instauração do inquérito, e assim com desatenção à Lei nº 9.296/99.
Nesse trabalho, o Delegado de Policia Federal, Protógenes Queiróz, serviu-se
para as ações de monitoramento entre 75 e 100 servidores da ABIN sem o conhecimento do
Juiz e do Ministério Público consoante demonstrado extensamente no IPL
2008.61.81.011893-2 (que é base da ação penal contra o mesmo delegado e que resultou na
sua condenação por violação de sigilo funcional).
Argumentam ainda os impetrantes que a suposta atividade de colaboração da
ABIN, além de ofensiva a direitos e garantias individuais padece da falta de fundamento
jurídico, pois as prerrogativas da atividade policial (art. 144, § 1º, IV CF) não lhe são
extensivas, sendo exorbitante das tarefas institucionais próprias de subsidiar o Presidente da
República nos assuntos de interesse e segurança nacional consoante a Lei nº 9.883/99.
E mesmo, dizem, o eventual compartilhamento de informações colhidas só é
admitido entre a ABIN e o Departamento de Inteligência do DPF, e não a qualquer autoridade
policial.
Todas as atividades de natureza policial praticadas pela ABIN portanto
constituiriam usurpação ilegal de atribuições policiais, daí resultando nulidade e ilicitude da
prova.
Por essas razões, os impetrantes pediram a nulidade dos procedimentos acima
referidos (2007.61.81.010208-7 monitoramento telefônico, 2007.61.81.011419-3
monitoramento telemático, e 2008.61.81.008291-3 ação controlada), para que verbis
“ulteriormente se possa avaliar sobre a derivação da nulidade a investigações e/ou ações
penais decorrentes de tais procedimentos” inclusive a sentença editada na ação penal
(2008.61.81.010136-1).
Recusadas nas informações do impetrado todas as alegações da impetração, o
parecer do Ministério Público Federal, inobstante, manifestou-se pela concessão de ofício da
ordem para anular desde o início a ação penal, ou pela anulação do acórdão do Tribunal
impetrado para que seja proferido outro com a apreciação das provas não examinadas no
julgamento anterior constantes de um CD entregue pelos impetrantes no dia do julgamento e
que contém a íntegra da ação penal que culminou com a condenação do Delegado Protógenes.
O Ministro Relator concedeu a ordem para anular, “desde o início, a ação
penal na esteira do parecer do MPF”, forte em “que existe uma grande quantidade de provas
aptas a confirmar, cabalmente ... a participação indevida e flagrantemente ilegal da ABIN e
do investigador particular contratado pelo Delegado Protógenes Queiroz”.
Para tanto, considerou que a participação de agentes estranhos à autoridade
policial que tem a exclusividade da investigação constituiria violação do art. 144, § 1º, IV da
CF, da Lei nº 9.883/99 e do art. 4º do CPP e particularmente aos preceitos do estado
democrático de direito.
Assinalou também, como fato relevante, a edição de sentença condenatória do
policial referido por crime de violação de sigilo profissional e fraude processual (AP nº
2008.61.81.011893-2, 7ª Vara Federal SP, atualmente convertida na Ação Penal nº 563/SP,
Rel. Ministro Ayres Britto, junto ao STF).
A partir daí, reconhecendo a ilicitude das provas assim reunidas (art. 157, §§
CPP), concluiu o Ministro Relator pela nulidade do processo e da sentença, na linha da
jurisprudência.
Acompanhou o voto do Ministro Relator o Ministro Napoleão Nunes Maia
Filho.
Pedi vista para melhor exame.
A primeira consideração que merece a atenção deste colegiado é a
circunstância de coexistirem perante o mesmo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, sobre
o mesmo tema e de iniciativa do paciente, uma apelação ordinária contra a sentença que o
condenou por corrupção e um habeas-corpus com, pelo menos na parte aqui discutida, a
mesma alegação destinada a anular a sentença.
E, agora, esta outra impetração contra o insucesso do habeas-corpus perante o
Superior Tribunal de Justiça.
Por oportuno, relembro as observações que já fiz assinalar em julgamentos
semelhantes, pois estou certo de que esse expediente de medidas concomitantes e substitutivas
de recursos ordinários é logicamente incompatível com a ordem processual ao expor
diferentes órgãos judiciais que vão examinar o mesmo caso concreto a possível ambiguidade,
contradição ou equívoco.
A sobreposição deliberada de impetração, sobre apelação, a meu ver, revela
inescondível desprestígio das instâncias ordinárias e seus órgãos, a meu ver, com inevitável
violação da organização jurisdicional que também tem fundamento constitucional
Em outras palavras, aqui se pede ao STJ que julgue tema sujeito à competência
do TRF da 3ª Região antes da manifestação daquele colegiado regional e com risco de
invasão ou usurpação da competência jurisdicional local.
Aliás, levado ao extremo o uso do habeas-corpus substitutivo de recurso
ordinário implicaria inclusive na possível preclusão dos recursos ordinários, pois ao apreciar o
presente habeas-corpus, o STJ poderá vir a decidir de modo a acolher ou recusar o pedido
com reflexo nas pretensões da outra parte no recurso ordinário cujo interesse seria alcançado
sem a devida oportunidade de defesa e contraditório.
Feita essa ressalva, vale registrar que o pedido nesta impetração limita-se a
reclamar a manifestação do STJ exclusivamente com relação aos procedimentos
investigatórios de monitoramento, os quais teriam sido fundamento da convicção do Juiz e
que, tendo sido supostamente ilícitos, seriam nulos.
É que os impetrantes não pediram a nulidade da sentença (como o deferiu o
voto do Ministro Relator), mas apenas o reconhecimento da nulidade dos mencionados
procedimentos preparatórios para, só após, avaliar a eventual nulidade da sentença.
Quanto ao pedido, o fundamento da pretensão dos impetrantes é que as
investigações correspondentes a esse procedimentos foram realizadas por servidores não
integrantes da Polícia Federal, daí resultando violação formal da exclusividade constitucional
(art. 144, § 1º, IV CF), a dizer que a prova apurada via da atuação desses agentes não policiais
constituiria prova ilícita.
É fora de dúvida que a ABIN se rege por legislação especial e que sua vocação
institucional efetivamente orienta-se ao assessoramento e subsídio ao Presidente da República
em matéria de interesse ou segurança da sociedade e do Estado. Mas tal não afasta a possível
participação de seus agentes, nessa ou noutra atividade relacionada com seus propósitos
institucionais, a relacionar-se com outras instituições.
Por isso, toda a questão relacionada a essa suscitação, apesar das reconhecidas
limitações legais legitimamente alegadas pelos impetrantes, é bom que se registre desde logo,
diz respeito a matéria naturalmente sujeita à discussão mediante produção ou avaliação fática
da prova.
Com efeito, a extensão, intensidade, modo, grau de autonomia ou desenvoltura,
e, sobretudo, grau e intensidade do suposto desvio de suas finalidades institucionais, da
colaboração da ABIN com a Polícia Federal, por certo reclamam o esquadrinhamento e a
demonstração das ditas ações com ampla discussão dos personagens, objetivos e
principalmente dos resultados das atividades assim caracterizadas para neles verificar a
pretensa ilicitude.
Em outras palavras, para saber se, em face da exclusividade da atuação de
polícia judiciária pela Polícia Federal, a atividade da ABIN em colaboração excedeu os
limites constitucionais seria necessário avaliá-la e cotejá-la miudamente.
Assim, porque -- e os impetrantes admitem que a colaboração com a polícia
judiciária não é inédita por parte de outros organismos estatais -- a despeito da expressa
finalidade da ABIN não é impossível a cessão de seus servidores, técnicos, material ou
recursos tecnológicos e respectivos operadores para atuação conjunta com a polícia judiciária.
E nem seria compreensível uma vedação radical ao modo sustentado pelos
impetrantes, quando ambas as instituições orientam-se naturalmente pela preservação do
interesse e bem públicos.
O que as distingue institucionalmente, é bem de ver, é a racionalidade
funcional que responde à discricionariedade administrativa de cada qual, embora sempre
respeitada a responsabilidade da autoridade policial quando em estrita exclusividade como
polícia judiciária, para o que, parece intuitivo, será preciso examinar detidamente a prova
correspondente.
Até mesmo a contratação, designação ou credenciamento de terceiros, exfuncionários
ou não, da administração pública ou não, não constituem, em si, motivo de
violação das prerrogativas da polícia judiciária exclusiva da Polícia Federal enquanto
submetidos à orientação, controle ou direção do responsável pelo inquérito.
E para saber se nisso teria havido excesso e ou desvio ilegal seria, mais uma
vez, necessário sindicar o teor e importância da atuação e desempenho desses servidores ou
terceiros e, principalmente, se estavam ou não sendo orientados ou controlados pelo dirigente
do inquérito, pois apenas na falta provada dessa certeza caracterizar-se-ia situação de objetiva
ilicitude capaz de redundar em prova ilícita.
Daí, que a definição com a suficiente clareza que justificasse a repressão a essa
colaboração afrontosa da Constituição demandaria tanto um improvável esforço probatório no
habeas-corpus, quanto para tanto a largueza investigatória seria incompatível com a via
mandamental.
Mais, admitido por suposto o possível excedimento pelos agentes de
inteligência dos limites da colaboração sugerida ou mesmo a eventual invasão de atribuições
policiais por seus integrantes, isso só seria formalmente valorizado quando inequívoca e
objetivamente demonstrado, a ponto de não remanescer dúvidas.
Ao contrário, porém, o que existe nestes autos é uma grande quantidade de
cópias de documentos, referências, ilações, suscitações ou questionamentos apenas sugerindo
que agentes da ABIN teriam vulnerado os limites da atuação de polícia judiciária de modo
ilegal.
Conquanto de fato existam outras indicações, a maioria revelada por
depoimentos recolhidos nos autos de outro Inquérito Policial e subsequente outra ação penal,
esta movida contra o Delegado Protógenes (a quem se atribui os crimes de violação de sigilo
funcional e fraude processual quando no exercício da apuração dos fatos relacionados com o
caso ora em exame), e portanto como prova produzida em outra instrução penal, o suposto
prevalecimento dessa prova emprestada (como o admitiu o voto do Ministro Relator sem
reservas) pressupõe a discussão por ambas as partes do seu teor e credibilidade, o que não
ocorreu.
Aliás, o fundamento principal desta impetração está na alegada afirmação de
que a prova dos monitoramentos impugnados de ilícitos teria sido, na maior parte, produzida
por agentes de inteligência em usurpação de atividade exclusiva da Polícia Federal, mas essa
afirmação dos impetrantes se baseia fundamentalmente na prova mostrada no inquérito para
apuração dos delitos atribuídos ao delegado.
No entanto, se fosse considerável a alegação dos impetrantes de que naquela
ação penal contra o policial tal prova era irrefutável, a conclusão seria inversa, pois a
denúncia contra Protógenes resumiu-se à violação de sigilo profissional e fraude processual
em virtude do arquivamento dos demais supostos crimes atribuídos ao Delegado relacionados
com a suposta vulneração da exclusividade da polícia judiciária da Polícia Federal, aliás,
justamente o único fundamento desta impetração.
É que, apesar da discordância do Juiz Federal da 7ª Vara Federal Criminal de
São Paulo (juiz do caso contra o delegado), que fez submeter sua objeção de não ter o MPF
denunciado o delegado por esse crime à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério
Público Federal (art. 28, CPP c/c art. 62, IV, LC 75/93) a confirmação do arquivamento fez
produzir a certeza de que na colaboração entre as agências referidas não teria sido excedido o
limite da legalidade que caracterizasse a arguida violação da Constituição.
Em outras palavras, o MPF afirmou naquela investigação policial contra o
Delegado Protógenes que a atuação conjunta da Polícia Federal com a ABIN no caso ora em
apreciação, nos termos apreciados, não caracterizava violação da lei penal.
Por tais razões, os eventuais e até possíveis desvios ou excessos na colaboração
entre essas agências, particularmente diante da magnitude das ações de investigação policial –
e aqui pouco importa se tinha a Direção-Geral inteiro ou parcial conhecimento das
iniciativas ou desenvoltura das ações do delegado condutor, pois isso se circunscreve
naturalmente ao âmbito disciplinar interno da corporação – não levam induvidosamente à
conclusão acolhida pelo Ministro Relator sem detido, meticuloso e criterioso exame dos fatos
e logicamente para além da sua simples valorização jurídica.
A conclusão de que as investigações reunidas nos procedimentos indigitados
são fruto de condutas ilícitas, por essa razão, é incompatível com a via aqui adotada, pois seria
preciso analisar e avaliar o restante da prova para tanto.
Nessa linha, em princípio, as provas ali contidas não são necessariamente
ilícitas nem se poderia dizer em que porção ou importância produziriam a nulidade que se
quer afirmar.
Além do que, estando superada a fase de investigação, pois há denúncia
recebida, sentença de mérito editada pela condenação e apelação oferecida sobre todos os
temas referidos havidos antes da instauração da ação penal, tudo deveria ter sido discutido no
tempo próprio, ou na pior hipótese, no âmbito da apelação. Acaso as supostas nulidades ou
ilicitudes já não estivessem preclusas pela força do disposto na combinação dos arts. 564, III;
566; 571, II; e 573, e §§ do CPP.
De outra parte, nem mesmo há certeza de que as interceptações ou
monitoramentos tidos por ilícitos foram efetivamente realizados à margem de autorização
judicial (o Juiz afirma implicitamente, a validade deles no ato de recebimento da denúncia), e
no limite, insista-se, tendo havido denúncia e instrução penal resultante em condenação do ora
paciente, as possíveis nulidades, mesmo as mais graves, resolvem-se no julgamento da
apelação como preliminar e, sabem os impetrantes, toda a trama revelada pelas interceptações
foi judicialmente confirmada por depoimentos de testemunhas colhidos em contraditório e
respeitada a ampla defesa.
A tardia alegação de nulidade da prova préprocessual, depois majoritariamente
suplantada por depoimentos judiciais não impugnados, cede logicamente ante a produção do
veredicto da sentença que se fundou nas provas produzidas em audiência. Mas também, tal
como indicado na denúncia, em informações obtidas por interceptação telefônica e telemática
e ação controlada devidamente autorizadas pelo Juiz e em datas bem posteriores àquelas
insinuadas pelos impetrantes.
Ante o exposto, com a licença do Ministro Relator e fundado nas considerações
acima, tanto por inviável a discussão do tema nesta via como por inexistência de elementos de
certeza para a conclusão pretendida pelos impetrantes, denego a ordem.
É o voto.