quarta-feira, 13 de julho de 2011

EUA criam desculpas e atrasam a recuperação econômica

 



Paul Krugman 12/07/2011 - 01h27


Se o estímulo econômico parece ter fracassado nos EUA, isso ocorreu porque nunca se tentou de fato implementá-lo

Quem ficou chocado com o relatório sobre o nível de emprego nos Estados Unidos, divulgado na última sexta-feira, e quem acreditava que nós estávamos indo bem e ficou desanimado com as más notícias, não estava prestando atenção no que está acontecendo. O fato é que a economia dos Estados Unidos está presa em um buraco há um ano e meio.

Mas uma passividade destrutiva tomou conta do nosso discurso. Quem ligar a televisão verá imediatamente algum especialista que gosta de se iludir declarando que não se pode fazer muita coisa em relação aos problemas de curto prazo enfrentados pela economia (um lembrete: esse “curto prazo” já está no seu quarto ano), e que nós deveríamos nos concentrar no longo prazo.

Mas esta é exatamente a opinião errada. A verdade é que a criação de empregos em uma economia deprimida é algo que o governo poderia e deveria estar fazendo. Sim, há enormes obstáculos políticos para que sejam implementadas ações – especialmente o fato de a Câmara dos Deputados estar controlada por um partido que se beneficia da debilidade da economia. Mas impasse político é algo que não deveria se misturar à realidade econômica.

O nosso fracasso em criar empregos é uma escolha, e não uma necessidade – uma escolha racionalizada por um conjunto de desculpas que está sempre mudando de forma.

Desculpa número um: há um arco-íris no céu logo ali na esquina.

Vocês se lembram dos “brotos verdes”? E do “verão da recuperação”? As autoridades do governo continuam declarando que a economia está se recuperando – e Lucy continua roubando a bola de futebol do campo. Mas as ilusões de recuperação têm sido uma desculpa para não se fazer nada enquanto a crise do desemprego aumenta.

Desculpa número dois: tenham medo do mercado de ações.

Dois anos atrás, o jornal “The Wall Street Journal” declarou que as taxas de juros da dívida dos Estados Unidos em breve disparariam, a menos que Washington deixasse de lutar contra a recessão econômica. Desde então, advertências de um ataque iminente dos “vigilantes das ações” têm sido usadas para atacar quaisquer gastos com a criação de empregos.

Mas a teoria econômica básica diz que as taxas de juros permanecerão baixas enquanto a economia estiver deprimida – e a teoria econômica básica está certa. A taxa de juros sobre títulos de dez anos era de 3,7% quando o “Wall Street Journal” fez a advertência; no final da semana passada ela estava em 3,03%.

Como foi que os suspeitos de sempre responderam? Inventando a sua própria realidade. Na semana passada, o deputado Paul Ryan, o homem responsável pelo plano do Partido Republicano para acabar com o Medicare, declarou que nós devemos acabar com os gastos do governo para “aliviarmos a pressão sobre as taxas de juros” - a mesma pressão, suponho eu, que empurrou essas taxas para um patamar tão baixo que se constitui quase em um recorde.

Desculpa número três: a culpa é dos trabalhadores.

O desemprego disparou durante a crise financeira e no período que a ela se seguiu. Assim, parece bizarro argumentar que o problema real está nos trabalhadores – que os milhões de norte-americanos que estavam trabalhando quatro anos atrás mas que agora não estão carecem, de alguma forma, das qualificações das quais a economia necessita.

Mas é isso o que se ouve de vários especialistas nos dias de hoje: o desemprego elevado é “estrutural”, dizem eles, e exige soluções de longo prazo (o que, na prática, significa não fazer nada).

Bem, se existisse de fato uma discrepância entre os trabalhadores que nós possuímos e aqueles dos quais necessitamos, os trabalhadores que contassem com as qualificações certas, e que fossem portanto capazes de encontrar empregos, deveriam estar recebendo salários maiores. Mas eles não estão. Na verdade, os salários médios caíram no mês passado.

Desculpa número quatro: nós tentamos estimular a economia, mas a tentativa não deu resultado.

Todo mundo sabe que o presidente Barack Obama tentou estimular a economia com um aumento enorme dos gastos do governo, e que isso não funcionou. Mas isso que todo mundo sabe não é a verdade.

Pensem só: onde estão os grandes projetos de obras públicas? Onde estão os exércitos de funcionários do governo? Atualmente há na verdade meio milhão de funcionários do governo a menos do que quando Obama assumiu a presidência.

Sendo assim, o que aconteceu com o estímulo? Grande parte dele consistiu de cortes de impostos, e não de aumento de gastos. E a maior parte do restante consistiu de auxílio a famílias em dificuldades ou a Estados e municípios que enfrentavam problemas sérios. Esse auxílio pode ter amenizado a crise, mas ele não foi aquele tipo de programa de geração de empregos do qual nós precisávamos e que deveríamos ter implementado. Não estou fazendo aqui uma análise fácil do passado: alguns indivíduos advertiram desde o início que os cortes de impostos seriam inefetivos e que os gastos propostos eram terrivelmente inadequados. E os fatos mostraram que eles tinham razão.

Vale a pena observar que em uma outra área na qual o governo poderia fazer uma grande diferença – ajuda aos donos de imóveis que estão em dificuldades – quase nada foi feito. O programa de alívio de hipotecas do governo Obama não chegou a lugar algum: dos US$ 46 bilhões alocados para ajudar famílias a permanecer em suas casas, menos de US$ 2 bilhões foram de fato dispendidos.

Resumindo, a economia não está consertando a si própria. E tampouco existem obstáculos reais a ações do governo: tanto os vigilantes das ações quanto o desemprego estrutural só existem na imaginação dos especialistas. E se o estímulo econômico parece ter fracassado, isso ocorreu porque nunca se tentou de fato implementá-lo.

Quem escutar o que pessoas supostamente sérias dizem a respeito da economia acreditará que o problema é: “não, nós não podemos”. Mas a realidade é: “não, nós não faremos”. E todo especialista que reforça tal mensagem é parte do problema.


Paul Krugman


http://redecastorphoto.blogspot.com/2011/07/eua-criam-desculpas-e-atrasam.html
Paul Krugman é professor de Princeton e colunista do New York Times desde 1999; Krugman recebeu o prêmio Nobel de economia em 2008
enviado por MVM <==> News
Artigo original, em inglês, em: No, We Can’t? Or Won’t?
Esta tradução está na Folha de São Paulo

Talibã acertam terrível martelada na OTAN

 



14/7/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu




Ver também, já traduzido:
12/6/2011, “Militares paquistaneses ‘enquadram’ os EUA”, M K Bhadrakumar, Indian Punchline

Jornalistas e jornais de repetição em todo o mundo, de Washington a Bruxelas e Cabul, têm pela frente muitas noites em claro. A opinião pública mundial tem sido manobrada, a golpes de ‘choque e pavor’, para crer na quimera de que os EUA e a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) estariam ‘vencendo’ a guerra-pacote de Obama no Af-Pak. OK. Agora, então, vamos aos fatos.

Imediatamente depois que o governo dos EUA decidiu “suspender” a ajuda de 800 milhões de dólares ao exército do Paquistão, o ministro da Defesa do Paquistão, Ahmed Mukhtar, disse ao canal local da Express TV, que “Se as coisas ficarem realmente difíceis, retiramos todas as nossas forças” – sugerindo que desapareceriam os soldados de Islamabad que combatem os guerrilheiros da maioria pashtun nas áreas tribais.

Mukhtar não poderia ser mais claro: “Se os EUA recusam-se a nos pagar, OK. Não temos como manter nossos soldados nas montanhas por período tão longo.”

É praticamente prova fotográfica de que, mais uma vez, o exército paquistanês joga – relutantemente – o jogo do contraterrorismo/contraguerrilha de Washington nas áreas tribais. Por mais que Islamabad tema o nacionalismo pashtun, o exército sabe que tem de andar com cautela extrema, ou terá pela frente rebelião tribal em massa dos pashtuns, o que clamará aos quatro ventos o supremo tabu: a consolidação de um Pashtunistão, que destruirá o Paquistão que conhecemos hoje.

Cai o senhor-da-guerra

E houve também o presidente Hamid Karzai, o fantoche que, reza o folclore local, mal controla o próprio trono em Kabul, falando em conferência de imprensa ao lado do libertador da Líbia, o neonapoleônico presidente Nicolas Sarkozy da França, que visitava o Afeganistão.

Karzai disse: “Dentro de cada lar do povo afegão todos sofremos a mesma dor. Nossa esperança é que, se Deus quiser, chegarão ao fim a dor e o sofrimento do povo afegão e se implementarão a paz e a segurança.”

Mas é discutível que muitos afegãos sintam muita dor e sofram muito ao serem informados do assassinato de Ahmad Wali Karzai, meio-irmão do presidente, grande traficante de drogas, nome sempre presente na folha de pagamentos da CIA-EUA e o maior agente de negócios na alta cúpula do governo em Kandahar, onde preside o conselho provincial.

Considerando que os Talibã controlam atualmente cerca de 70% do Afeganistão, o assassinato vale troféu de ouro. Os Talibã já se declararam devidamente responsáveis, falando por seu porta-voz Usuf Ahmadi: “Foi das nossas mais importantes realizações desde o início das operações de primavera. Recentemente, Sardar Mohammad recebeu a incumbência de matá-lo. Sardar Mohammad é nosso mártir.”

O contradiscurso oficial em Kandahar insiste em que Sardar Mohammad, comandante em que Karzai confiava, nascidos ambos na mesma tribo Popolzai, teria matado Ahmed Wali com dois tiros na cabeça “por questões de drogas” e motivos pessoais.

Mas os Talibã já estão vencendo a disputa pela opinião pública. Desde a primavera de 2010, os Talibã já conseguiram assassinar o chefe da polícia provincial de Kandahar, o vice-governador, o chefe de distrito de Arghandab e o vice-prefeito de Kandahar City.

Agora, se livraram de Ahmed Wali Karzai, o mais importante personagem pró-Washington, não só de Kandahar mas de todo o sul do Afeganistão – onde está OTAN, sem outra tarefa além de esmagar os Talibã no seu próprio lar espiritual e território preferido. O assassinato de Ahmed Wali reduz a cacos a narrativa segundo a qual “a OTAN está vencendo”.

O rei de Kandahar

Passei uma longa tarde com Ahmad Wali em Quetta, capital da província do Baloquistão no Paquistão, quando os EUA bombardeavam os Talibã no outono de 2001 – semanas antes de que Ahmad e seu meio irmão se convertessem, de “vendedores dekebab” (como se ouvia pelas ruas), em peso-pesados da política.

Ahmad Wali já trabalhava para a CIA – naquele momento, os EUA estavam ocupadíssimos fazendo Hamid Karzai desembarcar de paraquedas no topo da política afegã – e era grande contrabandista de ópio, além de líder tribal e personalidade muito mais assertiva que seu meio-irmão.

Ao longo dos anos 2000s, Ahmad Wali conservou todas essas funções e papéis, além de ser dono de hotéis, terras, imóveis e até de uma loja de revenda da Toyota, mas, sobretudo, trabalhava para “conter” Kandahar, sempre pesadamente talibanizada, como comandante da “Kandahar Strike Force” – unidade privada paramilitar, linha duríssima, que auxiliava as Forças Especiais dos EUA e a CIA no serviço de “assassinatos predeterminados” [ing. targeted assassinations] dos altos comandantes Talibã.

Era o governador de facto, popularmente conhecido como “Rei de Kandahar” – muito mais poderoso que o governador e que o conselho provincial desdentados.

A lição que tadjiques, uzbeques, hazaras e pashtuns seculares extraem hoje do assassinato de Ahmad Wali é que o governo Karzai não passa de saco de gatos (OK, a maioria dos afegãos já sabia) – incapaz de proteger, sequer, o mais poderoso dos Karzais. Quanto à ficção de que a OTAN estaria conquistando corações e mentes afegãs e conseguindo que os afegãos caiam de amores pelo governo central em Kabul... Quem quiser, que tente contar essa a algum daqueles rostos de pedra, no Hindu Kush.
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O mesmo vale para a “vitória” da OTAN no Afeganistão.

Quanto à “vitória” dos EUA nas áreas tribais do Paquistão, basta considerar o que pensam o poderoso chefe do exército general Ashfaq Parvez Kiani – queridinho do Pentágono – e o chefe do serviço secreto paquistanês (Inter-Services Intelligence, ISI), tenente-general Ahmed Shuja Pasha. Por porta-vozes e subalternos já disseram que se podem safar perfeitamente bem sem os 800 milhões de dólares de Washington. E também podem pedir ajuda à China, “amiga de sempre, faça chuva faça sol”.

Segundo o coronel David Lapan, porta-voz do Pentágono, Islamabad pode facilmente pôr as mãos nos 800 milhões: basta que emita muitos e muitos vistos de entrada no país para, essencialmente, espiões norte-americanos, e reinstitua o treinamento em larga escala em táticas de contraterrorismo e contraguerrilha, de soldados paquistaneses. Islamabad – que já enfrenta a guerra dos aviões-robôs-drones dos EUA nas áreas tribais – não está interessada.

“Vencedor” nesse caso, realmente, só a al-Qaeda, que usou os Talibã paquistaneses num confronto com o exército paquistanês nas áreas tribais como tática diversionista – ao mesmo tempo em que trabalha para disseminar sua agenda pró-califato na direção da Ásia Central.

Mas... Como?! Os EUA não estavam “vencendo” a al-Qaeda? Foi, pelo menos, o que disse o general David Petraeus – que está agora de mudança, de principal comandante no Afeganistão, para a direção-geral da CIA: “Causamos danos enormes à al-Qaeda nas áreas tribais de administração federal... E há em prospectiva a possibilidade de derrota realmente estratégica” [para a al-Qaeda].

Quer dizer... Não, não há. A menos que você bombardeie as áreas tribais, com aviões-robôs-drones, até que por lá não reste um único ser vivo, até o Juízo Final.
 

A Primavera Árabe vista de Teerã (parte 1/2)

 



Trita Parsi e Reza Marashi, The Cairo Global Affairs, Universidade Americana do Cairo
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


O Oriente Médio passa pela mais dinâmica transformação desde a 1ª Guerra Mundial, quando Mark Sykes e Georges Picot dividiram a região em esferas colonizadas de influência, depois do colapso do Império Otomano. Quase um século depois, a derrubada de Hosni Mubarak no Egito e Zine El-Abidine Ben Ali na Tunísia, e com lutas ainda em andamento no Iêmen, Síria, Líbia e Bahrain, todos os estados na região – ou envolvido na região – foram forçados a reavaliar suas políticas e alianças.

Estudantes iranianos numa demonstração contra os EUA e o "imperialismo mundial," Teerã,
04 de novembro de 2010. Foto: Abedin Taherkenareh / EPA / Corbis

Esses desenvolvimentos também estraçalharam os quadros nos quais diferentes governos entendiam, ou apresentavam o Oriente Médio. A luta definitiva não se trava entre “moderados” e “radicais”, ou não, pelo menos, se por “moderados” se entendem os governos aliados aos EUA e que vivam em virtual paz com Israel. Os ditadores depostos no Cairo e em Túnis, enquadram-se ambos nessa falsa definição de “moderados”. Tampouco a luta definitiva é a que se trava entre forças islâmicas e seculares. As multidões que protestam nas ruas clamam por democracia e dignidade, não por Islã ou sharia. E, se os protestos no Bahrain assumiram tom sectário, pode-se dizer que aconteceu por esforços da família real Al-Khalifa e seu protetor saudita – ambos ditos “moderados” pelo parâmetro anterior.

Mais que religião ou ideologia, são a geopolítica e a disputa pela hegemonia que aparecem como fatores centrais a modelar as respostas dos diferentes governos à agitação popular sem precedentes que cresce na Região. Em nenhum outro lugar isso é mais evidente que no Irã. Para a República Islâmica, os recentes acontecimentos sacudiram não só os sistemas políticos existentes (inclusive o seu), mas também a disputa por influência regional entre aqueles sistemas políticos e Israel, Arábia Saudita e os EUA por um lado, e a Turquia, como um terceiro vértice no que se pode descrever como uma “competição triangular” que começa a configurar-se. Para os iranianos, esse choque antes altera do que tende a pôr fim à rivalidade. E cria desafios e oportunidades para todos os lados.

Acima de tudo, a estratégia geopolítica do Irã visa a consolidar a República Islâmica como potência regional. Os pontos focais dessa estratégia são: (1) Melhorar ou, pelo menos, conseguir administrar, as relações com países vizinhos e países islâmicos chaves. Relações com – e vis-à-vis – Turquia e Arábia Saudita são crucialmente importantes para o posicionamento regional do Irã para ganhar influência no Iraque, Líbano, Palestina e outros pontos. (2) Consolidar a presença do Irã como destaque regional mediante capacidades técnicas locais. O programa nuclear iraniano, os testes de mísseis e o lançamento de satélites são faces dessa via estratégica. E (3) Fazer frente ao ocidente. Nas palavras do Supremo Líder Aiatolá Ali Khamenei, o Irã prepara-se para “não ceder” à pressão ocidental. O modo como o Irã encaminha o impasse nuclear é bom exemplo dessa linha estratégica.

Precedentes históricos sugerem ao Irã que as potências ocidentais tendem a aceitar a existência de potências regionais que alcancem formidável poder: China, Índia e Brasil são exemplos sempre citados. A República Islâmica conta com que, eventualmente, ela também venha a ser aceita. A virtude crucial, do ponto de vista do Irã, é a paciência. As lideranças em Teerã sabem que sua estratégia implica pagar alto preço – sanções, isolamento e conflitos não são sofrimento que se possam ignorar –, mas entendem que o Irã tem de chegar à posição de potência regional aceita. Por mais que o Ocidente insista em trabalhar para conter o Irã com pressões, sobre tudo pelo programa nuclear, pelo apoio ao Hezbollah e ao Hamás, e por violações de direitos humanos, a estratégia iraniana prosseguirá, animada de paciência e de uma firme convicção de que pode eventualmente dar certo, no longo prazo. Se para nada mais servir, essa atitude é como alerta discreto aos rivais, de que Teerã não recuará no atual impasse. O Irã entende que, se a República Islâmica não retroceder, mais cedo ou mais tarde o outro lado retrocederá.

Enquanto essa rivalidade vai-se configurando, as mudanças no cenário político mostraram tanto a importância da rua árabe, quanto a capacidade dessa rua para assumir papel decisivo no futuro da região – dois pontos sobre os quais o Irã sempre insistiu, opondo-se ao status quo regional. Assim, o Irã vê uma continuação da onda árabe democrática como desafio, não só às potências do status quoque investem numa ordem que não considera a rua árabe, mas, também como desafio às potências que se apresentam como seus ‘representantes’ ou ‘paladinos’.

Teerã identificou aí uma nova linha demarcatória na região, que estará sob pressão sempre crescente, à medida que cada um dos lados do ‘triângulo competitivo’ tenha de reposicionar-se para ocupar o vácuo criado pelo declínio do status quo comandado por EUA-Israel-Sauditas. No passado, essa rivalidade foi disputada nas duas arenas: na arena do poder hard (bélico) e na arena do podersoft (político e diplomático). Mas, quanto mais avançarem os levantes populares, menos será possível considerar alternativas bélicas na região, por causa do risco de exacerbar a instabilidade. Nesses termos, os líderes em Teerã concluem que não há real ameaça de guerras no horizonte; que o futuro é do soft power – da batalha de ideias, da batalha para conquistar corações e mentes.

Nesse quadro, o Irã enfrenta um problema. Se o principal instrumento do Irã para chegar à liderança regional tem sido seu soft powerexercido entre as populações da região – ancorado no movimento das populações de rejeitar o status quo de EUA-Israel-Sauditas; e combinado com investimento financeiro e político em grupos políticos em toda a região – , será que as mudanças regionais admitirão que a República Islâmica explore a seu favor as vitórias populares? Ou a emergência de uma rua árabe com mais poderes minará as bases do soft power iraniano, o que poderia criar situação em que os adversários do Irã venham a alcançar influência ainda maior que a atual?

Com a Primavera Árabe chegando ao sexto mês, a estratégia de Teerã – cautelosa e reativa, por problemas internos e pela paralisia da elite, e sempre pensada para explorar as limitações dos adversários – foi obrigada a fechar o foco.

O Status Quo

Questão central é saber como o Irã considera o vértice EUA-Israel-Sauditas, que luta para ajustar-se a uma região em fluxo. Há muito tempo Teerã entende que essa ‘aliança’ é força em declínio na região, e as mudanças no cenário político árabe só confirmaram essa percepção. A relutância do governo iraniano a negociar com os EUA não radica necessariamente na oposição ideológica à ideia de conversar ou ter melhores relações com Washington. Os mais ortodoxos em Teerã temem que qualquer relacionamento com os EUA exigirá a aquiescência, do Irã, às políticas regionais do status quo – o que roubaria do Irã a própria independência e o forçaria a seguir as políticas que investem nas ditaduras, nunca na rua árabe.

Desde os primeiros passos, a República Islâmica trabalha com a hipótese de que a rua árabe acabaria por derrubar as ditaduras pró-EUA e o equilíbrio de forças a favor de Israel. Todo o projeto iraniano de segurança regional de longo prazo baseia-se em apoiar a rua árabe e rejeitar qualquer engajamento com Washington – que sempre ressuscitaria, inevitavelmente, a velha imagem do Irã como aliado subalterno dos EUA. Os estrategistas iranianos não encontram, em toda a história presente e passada do Oriente Médio, exemplo de caso em que os EUA tenham construído relações de igualdade, na região. O que sempre se viram foram relações de mandante/subordinado – e essas relações são hoje, além de inconvenientes, extremamente impopulares no mundo árabe.

Os estrategistas e líderes políticos em Teerã entendem hoje que Israel e a Arábia Saudita enfrentam graves dificuldades estratégicas – o que, simultaneamente, limita a flexibilidade dos EUA para enfrentar os levantes regionais.

Só no último ano, Israel viu os interesses de dois de seus mais importantes aliados regionais separarem-se dramaticamente dos seus, talvez de modo irreparável. Os laços entre Turquia e Israel chegaram ao ponto mais baixo de todos os tempos, logo depois do ataque de Israel a Gaza em 2008 e, em 2010, depois de Israel atacar a Flotilha da Liberdade. Para vários analistas, as relações entre Israel e Turquia são já irremediáveis. Em 2011, com a queda da ditadura de Mubarak no Egito, Israel perdeu seu mais antigo e mais estrategicamente importante parceiro árabe – e até agora nada sugere que futuros governos no Cairo se interessarão por recompor aqueles laços. Telegramas diplomáticos dos EUA publicados por WikiLeaks mostraram a extensão da colaboração entre Israel e o Egito de Mubarak, contra o Irã.

O desafio que a Arábia Saudita tem de enfrentar configurou-se quando a Casa de Saud traçou uma linha-limite na areia, no momento em que os protestos chegaram ao vizinho Bahrain. A oposição dos sauditas ao apoio que os EUA queriam dar às revoltas na Tunísia e no Egito não recebeu a atenção que os sauditas esperavam que recebesse, e Riad passou a temer que a ‘traição’ dos norte-americanos acabaria por ameaçar todo o Golfo Persa. A possibilidade de uma monarquia sunita ser derrubada praticamente à porta dos sauditas, ou, mesmo, de que chegasse a ter de fazer algum acordo com partilha do poder; e de haver comunidades xiitas próximas ou no poder, ali tão perto, levou os estrategistas políticos sauditas a rejeitar absoluta e completamente todos os esforços dos EUA para negociar alguma reforma pacífica no Bahrain. A Arábia Saudita, então, ignorou todos os conselhos e pedidos de calma dos EUA e invadiu a nação vizinha liderada por minoria sunita, com o consentimento da família reinante do Bahrain; e esmagou, com violência extrema, um levante popular.

Por tudo isso, o Irã prevê um período extraordinariamente longo de tensões entre Washington e seus aliados, como mais um dos desafios que surgiram para o vértice EUA-Israel-Arábia Saudita. Se, por um lado, os EUA já reconheceram que o status quo regional é insustentável e tentam equilibrar seus valores (a democratização) e seus interesses estratégicos (apoio a Israel, acesso seguro a fontes de energia), por outro lado Israel e a Arábia Saudita interpretam de modo muito diferente os mesmos desenvolvimentos regionais.

Martin Kramer, do centro Shalem Center, de israelenses conservadores, indicou com total clareza o ponto central da discórdia, na “2011 Herzliya Conference”, em fevereiro passado. Depois de questionar a conclusão dos EUA, de que o status quo seria insustentável, Kramer disse: “Nós, em Israel, somos a favor do status quo. Entendemos que é sustentável. E mais: também entendemos que o trabalho de sustentá-lo cabe aos EUA.”

A preocupação e o tom de desafio também são palpáveis em Riad. O New York Times noticiou que, segundo funcionário árabe que foi informado das conversações entre o presidente Barack Obama e o rei Abdullah bin Abdulaziz Al-Saud, o monarca saudita mostrou-se absolutamente inflexível: “O rei Abdullah disse claramente que em nenhum caso, nunca, a Arábia Saudita admitirá governo xiita no Bahrain. Nunca.”

Parece estar definitivamente implantada a percepção, dos iranianos, de que o vértice EUA-Israel-Sauditas já é potência regional em declínio, incapaz de modificar suas políticas conforme uma nova distribuição do poder. Apesar de os proverbiais parafusos terem sido apertados, mediante sanções duríssimas, para aumentar o isolamento político e econômico do Irã no mundo, a República Islâmica, hoje, se vê como menos isolada do que antes, na região. Essa confiança aumentou com a queda dos dois autocratas pró-EUA no Egito e na Tunísia. A volatilidade na região, que desestabilizou muitos outros estados regionais, fez aumentar o poder de grupos políticos pró-Irã no Iraque e no Líbano. E o Irã entende que lhe cabe papel indispensável em qualquer solução de longo prazo que consiga estabilizar os interesses da segurança nacional dos EUA no que tenha a ver com não proliferação nuclear, combate ao terrorismo, segurança no campo da energia, no Afeganistão, no Iraque e, também, no conflito Israel-palestinos.

Desde o início do governo Obama, os estrategistas políticos em Teerã vêm repetindo que mudanças táticas na postura dos EUA não bastariam para realinhar as relações entre os dois países. Para o governo do Irã, para superar o impasse Irã-EUA é preciso que os EUA operem mudança na estratégia. Essa mudança não parece provável, impedida, como já está sendo, pelo movimento reacionário coordenado entre Israel, o Congresso dos EUA e os sauditas. Nesse quadro, o Irã vê como mais interessante, no curto prazo, engavetar qualquer noção de reaproximação com os EUA, que reformistas iranianos acalentaram; e entende que melhor fará se insistir no objetivo estratégico de forçar a rápida retirada, da região, dos soldados norte-americanos.

Dado que não se antevê qualquer possibilidade de aumento na flexibilidade estratégica dos EUA, os iranianos de linha-dura buscam uma situação de “rivalidade codificada”. Nessa situação, o Irã poderá continuar a acumular soft power a partir da rua árabe, manejando o próprio papel na região como principal crítico de EUA e Israel, mas de tal modo que a rivalidade nunca se aproxime de aberta confrontação militar. No contexto de uma rivalidade codificada, pode acontecer de aumentar o interesse de Teerã em colaborar taticamente com Washington, na medida em que se firmar a convicção de que o vértice EUA-Israel-Sauditas está realmente declinante.

As sanções – as medidas do Conselho de Segurança da ONU e as “medidas nacionais coordenadas” lideradas pelos EUA – feriram muito profundamente a saúde econômica do Irã. Mesmo assim, os estrategistas políticos em Teerã não alteraram a postura de não negociar sob pressão. Depois de todas aquelas sanções não terem provocado mudança alguma no plano estratégico do Irã, a República Islâmica entende que sua posição vis-à-vis os EUA foi fortalecida. A firmeza da posição iraniana devolveu a bola para a quadra norte-americana, como se o Irã perguntasse aos EUA: “E agora? O que mais inventarão?”

O Irã estimou corretamente que Rússia e China não aceitariam a imposição de novas sanções, no curto e médio prazos. Consequentemente, a estratégica dos EUA e da União Europeia visará a ampliar as “medidas nacionais coordenadas”, ou sanções por uma “coalizão de vontades”, no esforço de mostrar ao Irã o custo de suas políticas. Entretanto, convencer um conjunto de aliados já hesitantes, todos com antigos e duradouros laços comerciais com o Irã – inclusive Japão, Coreia do Sul, Índia e África do Sul – a aprovar outra rodada de sanções unilaterais exigirá, inescapavelmente, que os EUA aceitem ‘trocas’ diplomáticas e revigorem a diplomacia direta com o Irã. Não é tarefa fácil, dadas as dificuldades domésticas que o governo dos EUA encontrará, vindas de seu Congresso hostil.

Nesse quadro, os estrategistas em Teerã estão trabalhando a favor de uma narrativa pública que apresente os recentes levantes populares no Oriente Médio como inspirados pelo Islã/Irã. Privadamente, Teerã reconhece que a dinâmica regional é muito mais complexa do que sua narrativa pública sugere. Acreditam contudo que funcionará contra um status quo que por muito tempo só favoreceu os interesses dos EUA. O governo iraniano vê a crescente instabilidade em toda a região como modo de desviar a pressão e explorar as fissuras que há na comunidade internacional. A posição mais rígida do Irã em relação aos EUA é sinal de o quanto um grupo chave de estrategistas políticos em Teerã começa a sentir-se cautelosamente mais forte e legitimado na cena internacional, do que o sugerido pela narrativa dos EUA – com suas sanções, seu vírus Stuxnet contra computadores iranianos e seus assassinatos predefinidos.

Irã e autopercepção

Apesar de os estrategistas políticos em Teerã verem a agitação popular na região (com exceção da Síria) como fator que favorece o Irã no curto prazo, eles continuam cautelosos quando à sua própria capacidade para extrair vantagens de longo prazo da queda de ditaduras pró-EUA. Do ponto de vista do Irã, o vértice EUA-Israel-sauditas está em declínio desde a invasão do Iraque, o que se vê bem claro nos vastos protestos pela região, o que criou um vácuo de poder e liderança políticas que a República Islâmica procura ocupar. Mas, apesar de esse momento ter sido previsto há muito tempo pelo Irã, o Irã sabe que há outras forças disputando o mesmo poder. O Irã também entende que sua ambição pode ser frustrada, tanto pela natureza do vácuo político que se criou como pela própria posição do Irã na região.

Sendo o único estado de maioria xiita e persa na região dominada por sunitas e/ou árabes, o Irã sofreu sempre, historicamente, de um agudo complexo de solidão estratégica: o Irã não vê nenhum de seus aliados regionais como aliado ‘natural’; e a experiência que teve com superpotências extrarregionais acabou de convencer os estrategistas iranianos de que a segurança, no caso do Irã, depende da autossuficiência. A ideia de que o Irã estaria destinado a ser primus inter pares (o primeiro, entre iguais) nos processos regionais de tomada de decisões está profundamente implantado na identidade iraniana, seja qual for o sistema de governo ou liderança política num dado momento. O Irã vê-se como um estranho numa região, na qual, mesmo assim, ele aspira a liderar.

A história moderna ensinou ao Irã que o hard power [poder bélico], só ele, não facilita o caminho até a liderança regional. Mesmo quando os vizinhos árabes de Teerã reconheceram sua superioridade militar nos anos 70, o Xá acabou entendendo que não podia nem alcançar nem manter posição proeminente no Golfo Persa só pelas armas e petróleo; o Irã precisava ser visto como poder legítimo também pela rua árabe. O Xá também aprendeu que não poderia tratar os árabes como inimigos para sempre, mantidos à distância graças ao poderio militar do Irã. Era necessário mais que só uma política mais conciliatória, para conquistar a legitimidade da dominação iraniana; o modo mais eficiente de garantir a segurança de longo prazo do Irã seria tornar-se amigo dos árabes. Em meados dos anos 1970s, o Irã estava no auge. Aproximara-se amigavelmente do Egito, neutralizara o Iraque, quadruplicara os ganhos do petróleo e estabelecera sua posição de liderança regional. Mas o Xá ainda não conseguira superar as divisões entre sunitas e xiitas e entre persas e árabes. Para isso, seria indispensável o soft power [poder diplomático, mídia, universidades], item que, contudo, não existia no arsenal do Xá.

Os revolucionários iranianos que tomaram o poder em 1979 reconheceram tudo isso e trataram de criar pontes sobre as divisões entre persas e árabes mediante a ideologia do “Islã político”. Apesar de essa estratégia ter sido fracasso retumbante entre as elites árabes, que temiam ainda mais a força ideológica dos clérigos e intelectuais islâmicos que os exércitos do Xá, a promoção do Islã político, com seu conteúdo profundamente anti-imperialista, conquistou o respeito da rua árabe.

Por tudo isso, a percepção que o Irã tem dele mesmo, como potência regional, absolutamente não depende de superioridade militar, mas de seu investimento político e financeiro em vários movimentos regionais e de sua capacidade para explorar a seu favor a frustração da rua árabe em relação às questões de política doméstica miúda e às injustiças – como, por exemplo, o conflito entre Israel e palestinos.

[Continua]
 

José Serra e Abilio Diniz: a onipotência derrotada

Por Vera Passos

Do Balaio do Kotscho


 a onipotência derrotada

No final da noite de terça-feira (12), ao ler o noticiário sobre o fracasso de Abilio Diniz, 71 anos, na tentativa de fusão do Pão de Açucar com o Carrefour no Brasil e o artigo "A ética do vale-tudo" publicado por José Serra, 69 anos, na página de opinião de O Globo, apareceu-me na cabeça uma palavra pouco usual para definir os dois personagens: onipotência. Neste caso, a onipotência derrotada.

Duas definições que encontrei com a ajuda do dr. Google:

* No Dicionário Informal _ onipotência: s.f. todo poder, poder absoluto, todo-poderoso.
* No Dicionário Web _ onipotência: s.f poder supremo ou absoluto; o poder de fazer tudo.

Os dois achavam que nasceram para ser os maiorais, cada um em sua área. Filhos de pequenos comerciantes - Serra, de um feirante; Diniz, de um padeiro - eles acreditaram no destino e jogaram suas vidas para alcançar os mais altos objetivos.

Desde pequeno, José Serra já dizia às suas tias que queria ser presidente da República. Abilio Diniz em algum momento da vida achou que poderia transformar a padaria e confeitaria do pai no ponto de partida para dominar o comércio varejista mundial de alimentos.

Serra optou pelo mundo acadêmico e, antes de se tornar um político profissional, engajou-se na luta contra a ditadura que o levou a um longo exílio. Abilio sempre foi empresário e dedicou todo seu tempo a alastrar seu império de lojas para se tornar o maior supermercadista do país, depois de uma longa disputa familiar, e da conquista, sempre por meios beligerantes, dos seus principais concorrentes.

O político elegeu-se deputado federal, senador, prefeito e governador do Estado de São Paulo, sempre abandonando os mandatos pelo meio para chegar mais rapidamente ao seu objetivo maior, a Presidência da República. Foi também ministro do Planejamento e da Saúde no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Perdeu sua primeira eleição presidencial para Lula, em 2002; a segunda, para Dilma Rousseff, apoiada por Lula, em 2010.

O empresário, que quase faliu no final dos anos 1990 do século passado, salvou-se ao se associar ao grupo francês Casino. Em 2005, vendeu ao grupo francês o controle acionário do Pão de Açucar, que entregaria em 2012, mas nunca se conformou em perder o comando. Diniz veio daquele mundo em que só há dois tipos de gente: quem manda e quem é mandado.

Por isso, resolveu dar o grande golpe de mestre da sua vida: reaver o controle do Pão de Açucar-Casino com a compra do Carrefour, utilizando para isso U$ 4 bilhões do BNDES, quer dizer, de um banco público.

Apresentados desta forma rápida e singela os dois personagens deste texto sobre a onipotência, vamos ver o que aconteceu na fatídica terça-feira, 12 de setembro de 2011, em que ambos, após tantas conquistas, bateram no fundo do poço.

Vamos começar pelo ex-governador de São Paulo. Os amigos de José Serra, se é que ele ainda os tem, deveriam ficar preocupados com o artigo que ele escreveu no jornal O Globo. No tijolaço que ocupa de alto a baixo o lado esquerdo da página 7, no mesmo estilo tucano-barroco de um acadêmico que escreve todo dia no jornal, Serra joga a toalha.

Mais parece o epitáfio de um político perdedor. Da primeira à última linha, o velho político é incapaz de lançar uma proposta original para o país, qualquer ideia nova, uma utopia, um sonho que seja, como fez Marina Silva na semana passada, ao deixar o PV.

É só porrada em Lula, em Dilma, nos governos e práticas do PT num texto pobre em conteúdo e capenga na forma (repete duas vezes a palavra "malfeitos" nos três primeiros parágrafos), em que repete os mesmos argumentos da sua derrotada campanha de 2010.

Vou dar um exemplo. Só José Serra entre os tucanos ainda é capaz de escrever coisas como no parágrafo reproduzido abaixo:

"Depois de um ano da primeira eleição de Lula (leia-se: e da minha primeira derrota para Lula), analisando o que já se delineava como estilo de governo, qualifiquei o esquema partidário petista como uma espécie de bolchevismo sem utopia, em que a ética do indivíduo é substituída pela ética do partido".

Acho que nem na Albânia se escreve mais essas coisas. É triste. Ao contrário do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que chega aos 80 anos de bem com a vida e ares de vencedor, cercado de amigos e homenagens, o político José Serra ficou falando sozinho. Parece ter envelhecido mal, perdido o bonde no fim do caminho.

Nem o PSDB o leva mais a sério. Depois de perder para Aécio Neves e Tasso Jereissatti todos os cargos que almejou na recente disputa interna dos tucanos, teve que se contentar com a presidência de um até então inexistente Conselho Político que inventaram para ele.

Na semana passada, convocou a primeira reunião em Brasília, e levou pronto um texto desancando Dilma, Lula, o PT e o governo para os outros assinarem. Ninguém concordou, alegando que precisavam consultar primeiro o senador Aécio Neves, ausente da reunião. Serra acabou publicando o texto, muito parecido com o do artigo de O Globo, em seu próprio blog, como se fosse o pensamento oficial do partido.

Em Paris, para onde viajou sozinho e de peito aberto para enfrentar os inimigos franceses do Casino em seu próprio território, Abilio Diniz tomou a maior surra da sua vida: por unanimidade, os conselheiros do grupo francês rejeitaram sua proposta de compra do Carrefour no Brasil.

Antes da reunião, o BNDES, por ordem da presidente Dilma Rousseff, já havia avisado que tiraria qualquer apoio à operação se Diniz não se entendesse com os sócios franceses. Abilio, como Serra, ficou falando sozinho, dependurado na brocha.

Sem perder a pose, segundo o relato da sempre brilhante correspondente Deborah Berlinck, de O Globo, encarou de bom humor os repórteres ao encontrá-los na saída da reunião:
"Não, não estou chorando na calçada. Fizemos uma reunião do conselho e vamos ver o que vai acontecer".

Aconteceu que Abilio Diniz aprendeu tarde demais que ninguém pode achar que pode tudo, nem ele. Talvez pensasse nisso quando o encontrei umas duas semanas atrás na arquibancada de uma festa junina promovida na quadra do Colégio Santa Cruz, onde seus filhos pequenos e minhas netas iriam se apresentar numa dança de quadrilha.

Sentou-se a meu lado com a jovem e bonita mulher. Não conversou com ela, não cumprimentou nem falou com ninguém, não sorriu nenhuma vez. Ficou o tempo todo com o olhar fixo no horizonte. Achei que alguma coisa estranha estava acontecendo com o grande empresário. Vai ver que ele já estava prevendo o desfecho trágico desta história.

Assim como Abilio não virou o dono do mundo, Serra também não será presidente da República do Brasil na marra, xingando os adversários, só porque ele acha que está mais preparado para isso do que os outros _ se é que o PSDB vá cometer o desatino de concorrer novamente com ele.

Em tempo: Se o caro leitor conhecer alguma história semelhante, por favor, escreva para nós. A área de comentários do Balaio está de portas abertas.

Fifa define abertura da Copa do Mundo em Itaquera

Decisão estava tomada desde o segundo semestre do ano passado

AE e Terra

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A Fifa definiu que o futuro estádio do Corinthians, em Itaquera, será o palco da abertura da Copa do Mundo de 2014. Tanto o clube quanto a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) já foram notificados da decisão. A intenção dos dirigentes em Zurique, na Suíça, é oficializar o anúncio ainda nesta quarta, conforme antecipou na terça a coluna Direto da Fonte, no portal estadao.com.br.

A opção pela nova arena corintiana já estava tomada desde o segundo semestre do ano passado. Porém, a entidade presidida por Joseph Blatter aguardava a definição e apresentação das garantias financeiras do projeto, o que foi feito segunda-feira. Um aspecto, porém, ainda preocupa: o fato de representantes do Corinthians e da Odebrecht, construtora encarregada da obra, não terem assinado o contrato.

Apesar da recomendação de manter sigilo sobre o assunto, dirigentes corintianos que transitavam nesta terça pelo Parque São Jorge não conseguiam disfarçar a ansiedade pela oficialização.

O diretor de marketing, Luiz Paulo Rosenberg, disse não saber da notícia, mas se mostrou empolgado. "Não tenho a confirmação, mas que não me surpreenderia, não mesmo", afirmou ao Estado. "Afinal, o projeto é o do sonho deles (Fifa), o cronograma é tranquilo, as obras já estão em andamento em ritmo de Brasil grande e a CNO (Odebrecht) deu garantias financeiras. Por que não aprovar e matar este assunto?".

O presidente do clube, Andrés Sanchez, limitou-se a dizer que o anúncio oficial sobre a sede da abertura poderia sair a qualquer hora, ou qualquer dia.

Prefeitura

O otimismo não contagiou apenas os corintianos. No Twitter, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, demonstrou confiança no desfecho positivo para a cidade na briga pela abertura do Mundial.
Em pelo menos três mensagens, Kassab tratou do tema, deixando informações nas entrelinhas. "Quero mais uma vez registrar a importância que tem para São Paulo a realização do jogo de abertura da Copa de 2014", postou o prefeito, para logo em seguida completar. "Esperamos a confirmação de São Paulo como sede da abertura da Copa, com a certeza de termos cumprido com o nosso dever".

Ronaldo e Neymar

A Fifa confirmou nesta quarta-feira as participações de Ronaldo, Neymar, Zagallo e Zico no sorteio das Eliminatórias da Copa do Mundo de 2014. O evento, considerado o pontapé inicial do Mundial do Brasil, será realizado no dia 30 de julho, na Marina da Glória, no Rio de Janeiro.

Eles terão a companhia de Cafu, Bebeto e dos jovens Lucas, do São Paulo, Fellipe Bastos, do Vasco, Adryan, do Flamengo, e Lucas Piazon, ex-São Paulo. Os dois últimos participaram da campanha brasileira no Mundial Sub-17, no México - a seleção ficou em quarto lugar.

Ídolos e jovens atletas vão formar duplas para auxiliar o secretário-geral da FIFA, Jérôme Valcke, no sorteio de cinco regiões: África, Américas do Norte, Central e Caribe, Ásia, Europa e Oceania. A América do Sul ficará fora do sorteio porque sua eliminatória é disputada em formato de turno e returno.

Neymar e o capitão do pentacampeonato Cafu vão participar da definição da Zona Africana, enquanto Zico e Lucas sortearão a Zona Asiática. Zagallo e Fellipe Bastos ficarão responsáveis pela Zona da Concacaf, Bebeto e Lucas Piazon, pela Oceania, e Ronaldo e Adryan, pela Europa.

Noar divulga lista oficial das vítimas de acidente aéreo em PE

 

Em comunicado, companhia confirma não haver sobreviventes e cancela todos os seus voos

AE e Terra

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A Noar Linhas Aéreas divulgou há pouco nota com a lista oficial das 16 pessoas a bordo da aeronave LET-410, prefixo PR-NOB, que caiu na manhã desta quarta-feira. "Infelizmente não houve sobreviventes", confirmou o comunicado. Todos os voos da Noar foram suspensos e os passageiros com operações marcadas com antecedência estão sendo remanejados para outras companhias.

A empresa anuncia como prioritário o atendimento aos familiares das vítimas, com a disponibilidade de transporte, hospedagem e acompanhamento de equipe de psicólogos, médicos e assistentes sociais.
A Noar garantiu ainda que as habilitações técnicas e os certificados de capacitação física dos pilotos estavam regulares. De acordo com a companhia, o comando da Aeronáutica, a Anac e a autoridade policial estão tratando das investigações sobre o acidente.

Rivaldo Cardoso (piloto)
Roberto Gonçalves (co-piloto)
André Freitas
Antônia Jalles
Camila Marino
Carla Moreira
Débora Santos
Bruno Albuquerque
Natã Braga da Silva
Marcelo Campelo
Maria da Conceição de Oliveira
Jonhson do Nascimento Pontes
Marcos Ely Soares de Araújo
Breno Faria
Raul Farias
Ivanildo Santos Filho

Acidente

Dezesseis pessoas morreram na queda de um bimotor no início desta manhã na região de Boa Viagem, em Recife (PE). Ninguém sobreviveu ao acidente. Segundo o Corpo de Bombeiros, a aeronave da empresa Noar Linhas Áreas deixou o Aeroporto Internacional dos Guararapes às 6h51, com destino a Natal (RN), com 14 passageiros e dois tripulantes.

A assessoria da Noar Linhas Aéreas, empresa que operava o avião de médio porte que caiu e matou 16 pessoas na manhã desta quarta-feira no Recife, afirmou que está contactando os parentes das vítimas. A empresa prepara uma nota oficial à imprensa desde o momento do acidente, e afirmou que não vai se posicionar antes de comunicá-la. A Noar afirmou que o avião estava em operação há um ano.

O acidente aconteceu em um terreno baldio entre os bairros de Piedade e Boa Viagem. De acordo com a Aeronáutica, após a decolagem o piloto informou à torre de controle que estava com problemas e que faria um pouso forçado na praia de Boa Viagem. Na tentativa, o avião caiu e pegou fogo.

O bimotor foi encontrado por volta das 7 horas e, cerca de 30 minutos depois, equipes dos bombeiros faziam o resfriamento da estrutura do avião. O trabalho durou aproximadamente 1 hora. Por volta das 10 horas, os corpos das vítimas ainda estavam sendo retirados. Equipes do Instituto Médico Legal (IML) permaneciam no local.

O coronel Luiz Gonzaga Dutra, gerente da Defesa Civil de Jaboatão dos Guararapes, disse em entrevista à rádio Estadão/ESPN que possivelmente o piloto da aeronave tentou pousar no mar. A Aeronáutica informou que "iniciou as investigações para apurar os possíveis fatores que contribuíram para o acidente". O laudo ainda não tem prazo para ser concluído.

Governador

O governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), lamentou, na manhã desta quarta-feira, o acidente aéreo que deixou 16 mortos. Campos disse que o local da queda mostra que o piloto utilizou o protocolo da prevenção de acidentes, para reduzir o número de vítimas, uma vez que teria que fazer um pouso forçado. "Ele tentou fazer o que podia", disse Eduardo Campos, em entrevista para a rádio CBN-Recife.

O executivo pernambucano mobiliza os órgãos operativos da Secretaria de Defesa Social para atuarem na tragédia. "Enviamos para o local do acidente o efetivo do Corpo de Bombeiros, Polícia Científica e Polícia Civil", declarou o governador, em nota oficial.

O governo do Estado aguarda a divulgação da lista de passageiros para poder prestar a solidariedade com as famílias da vítimas e evitar especulações sobre nomes que estavam no voo. "Desde a primeira hora estamos correndo atrás da lista. Não só para tranquilizar os que estão ansiosos, nos aeroportos esperando as pessoas que saíram daqui, como também para que a gente possa procurar as famílias e dar o apoio necessário", disse o governador.

O governador designou para a tarefa o secretário de Defesa Social, Wilson Damásio, que já está no Aeroporto Internacional dos Guararapes, atuando junto com a Polícia Federal e a Infraero. Antes de assumir a pasta, Damásio era delegado da Polícia Federal e foi superintendente do órgão em Pernambuco.

Aprovada, fusão Sadia-Perdigão vira o maior caso da história do Cade

 

Segundo conselheiro, processo supera a união de Antarctica e Brahma e a compra da Garoto pela Nestlé

AE

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Hoje, na sessão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que aprovou a fusão entre Sadia e Perdigão por quatro votos a favor e um contra, na sede da autarquia, em Brasília, o conselheiro Olavo Zago Chinaglia afirmou ser este "agora o maior caso da história do órgão". Na leitura de seu voto, que foi favorável, Chinaglia disse que os casos Kolynos, Ambev (união de Antarctica e Brahma) e Garoto (adquirida pela Nestlé) "foram fantasmas durante o processo" da BRF Brasil Foods, empresa nascida da união entre os dois frigoríficos.

Na opinião de Chinaglia, o Cade tomou o cuidado "de não repetir erros anteriores, se é que foram erros". Segundo o conselheiro, o acordo abre espaço para marcas menores crescerem, embora a barreira de entrada seja elevada, "mas não intransponível".

Na opinião de outro conselheiro, Marcos Paulo Veríssimo, a BRF "é a maior intervenção estrutural" no histórico do órgão regulador da concorrência. Segundo ele, o acordo entre o Cade e a empresa, o Termo de Compromisso de Desempenho (TCD) prevê a preservação das exportações, já que enfoca ações para o mercado interno, e proteção ao consumidor.

O único voto contra foi do relator Carlos Ragazzo, que manteve sua posição desfavorável, já manifestada na primeira sessão do Cade sobre a BRF, ocorrida em 8 de junho. Ele iniciou sua fala hoje com críticas ao acordo, afirmando que um dos pontos do TCD, de suspensão da marca Perdigão em vários produtos, poderia gerar concorrência, mas que se trata de "uma decisão heterodoxa; pode ou não dar certo". Como lembrou o conselheiro Ricardo Machado Ruiz, o primeiro a se pronunciar sobre o caso nesta manhã, o voto de Ragazzo serviu de base para o acordo com a BRF.

Por sua vez, Alessandro Serafin Octaviani ressaltou em seu voto que "a solução só foi possível após nova postura das partes". A sessão contou ainda com a fala do procurador do Ministério Público Federal Luiz Augusto Santos Lima, sobre que "as soluções buscaram melhor caminho para concorrência". Na avaliação do MPF, "haverá mais julgamentos como este (da BRF); mas é preciso transparência".
Mais um escândalo do governo Cabral (Reprodução de O Globo)
Mais um escândalo do governo Cabral (Reprodução de O Globo)


Ao ler esta notícia que está no Globo, cheguei a reler porque não conseguia acreditar. Depois de todas as denúncias feitas com relação aos negócios de Cabral com a empreiteira Delta, do seu grande amigo Fernando Cavendish imaginei que daqui pra frente seriam mais cuidadosos. Não que acreditasse em algum momento no falso arrependimento de Cabral ou na conversa fiada de código de ética. Mas sabendo que muita gente passou a ficar de olho nos passos dessa relação público-privada, imaginei que Cabral e Pezão tomariam precauções para não se exporem, mais. Ledo engano.

Está aí o mais novo golpe feito na nossa cara. Vejam o que fizeram. Na segunda-feira desta semana acertaram mais contratos sem licitação, alegando emergência para recuperação da região Serrana. São mais R$ 147 milhões sem licitação, e é claro, entre as empreiteiras beneficiadas está novamente a Delta. Só que o decreto do “Estado de Calamidade” assinado por Cabral terminou sua validade na sexta-feira passada. Ou seja, não poderiam ter feito os novos contratos sem licitação. Para resolver a situação o que fizeram? Adulteraram o Diário Oficial. Publicaram os contratos na segunda-feira com data anterior, alegando que houve um erro administrativo. Continuam se achando espertalhões que tratam todo mundo como otário.

O pior de tudo nessa história é a constatação, de que Cabral e Pezão continuam se achando certos da impunidade, que nada poderá atingi-los e continuam fazendo as mesmas tramóias, maracutaias e negociatas. E se o Ministério Público, o Tribunal de Contas, a Polícia Federal e a ALERJ continuarem na mesma inércia podem imaginar a farra com o dinheiro da Copa e das Olimpíadas.

Infelizmente chegamos a um estado de calamidade e de corrupção generalizada tão grande no governo Cabral, que os R$ 147 milhões sem licitação não são o fato mais significativo, por mais grave que isso seja, e por mais que seja uma montanha de dinheiro. O fato principal que está embutido nessa notícia que O Globo surpreendentemente nos revela é o recado que Cabral e Pezão estão passando à população, depois de todo o mar de lama que finalmente a mídia começou a mostrar. Para mim a mensagem é clara. É como se Cabral e Pezão quisessem dizer que eles que mandam, estão acima do bem, do mal e da lei, e que assim tudo vai continuar na mesma, com eles dando as cartas e que todos se conformem com isso.

Pois se esse é o recado implícito, não custa eu dar aqui o meu. É bom que Cabral e Pezão não se iludam. Os jornais do Rio têm na gaveta incontáveis matérias prontas sobre desvios e corrupção no governo Cabral. Tudo foi abafado, mas está prontinho para ser servido aos leitores. Daqui pra frente vem chumbo grosso, ainda que seja em doses homeopáticas. Cabral e Pezão ainda não viram nada. Resta saber até onde vão agüentar?.

Mais um festival milionário de propaganda para salvar Sérgio Cabral

Extraido do blog do garotinho

Cabral, em desespero, apela para campanha publicitária milionária
Cabral, em desespero, apela para campanha publicitária milionária


O jornal Estado de S.Paulo de hoje, traz matéria mostrando como Cabral pretende escapar da crise de corrupção que se alastrou pelo seu governo. Decidiu mais do que dobrar a verba de publicidade deste ano, de R$ 55 milhões para R$ 120 milhões este ano. E quem liga a televisão, abre um jornal ou uma revista já percebeu a avalanche de anúncios do governo do Estado.

Chega a ser irônico. Cabral é exposto em praça pública por improbidade administrativa, por desvio de dinheiro, por enriquecimento ilícito, tudo às custas do dinheiro público. Para sanar isso o que Cabral decide fazer? Torrar mais dinheiro público para tentar melhorar sua imagem.

Aliás, daqui a pouco vou falar do clima de pânico que já tomou conta de alguns gabinetes no Palácio Guanabara e no Banerjão, o prédio onde ficam quase todas as secretarias e a vice-governadoria. Tem secretário e assessor entrando em desespero. É clima de “Deus nos acuda”. Aguardem!


Reprodução do Estadão
Reprodução do Estadão

O desalento da presidente




Ao falar, ontem, a emissoras do Paraná, a Presidente Dilma Roussef foi sincera e humana: há muitas coisas no governo que a entristecem. Pode estar certa a chefe de Estado que os brasileiros em sua imensa maioria comungam do mesmo desalento. Os cidadãos entendem que o ato de governar é difícil, e que reclama habilidade e paciência, mas não aceitam - salvo os interessados na instabilidade política – as pressões que se fazem à presidente. Depois de ouvir um correligionário irado, que se queixava do tratamento privilegiado a um aliado do governo, Juscelino gastou meia hora tranqüilizando-o. Quando o reclamante saiu, desabafou-se com seu chefe da Casa Civil, Vítor Nunes Leal:


- Aqui, na Presidência, suporto insolência que não agüentaria, se fosse simples prefeito de Diamantina.


Ele não foi prefeito de Diamantina, mas, os que o conheceram prefeito de Belo Horizonte e governador de Minas, se lembram de que ele era rigoroso com seus subordinados, e sabia cobrar as tarefas com energia.


Podemos entender as dificuldades da presidente e não podemos negar-lhe solidariedade e apoio. Não lhe serve de consolo, mas de estímulo, saber que os governantes dos principais países do mundo não se sentem tampouco em plena felicidade nestes últimos meses e anos. Estamos em um daqueles momentos históricos em que a ruptura se anuncia, mas pede líderes sensatos, capazes de criar instrumentos políticos hábeis para vencer a conjuntura perigosa.


Não é seguro que a História se repita, embora os seus movimentos de impaciência sempre se pareçam. O grande fermento das mudanças é a informação, que amplia o entendimento dos homens e suscita idéias novas, nas artes, na filosofia e na política. Isso explica que o Renascimento tenha sido contemporâneo da imprensa, e o Iluminismo, sua continuidade, haja trazido ebulição intelectual que não só deflagraria a Revolução Francesa, mas também estabeleceria os fundamentos científicos da tecnologia contemporânea.


A química de Lavoisier abriu a imensa perspectiva da produção de sucedâneos das matérias naturais e sem ela seria impensável a nanotecnologia, entre outras conquistas da ciência de hoje. Mas o excepcional cientista deixou-se seduzir pela corrupção, ao participar de uma empresa concessionária da cobrança de impostos, que lesou as finanças revolucionárias, e foi guilhotinado. Não são raros os casos de corrupção de homens geniais.


O que está ocorrendo em algumas áreas do governo felizmente não chega a anunciar horas tão trágicas como as vividas na França de há 220 anos – mas incomoda principalmente os que têm muito a elogiar na política econômica e social dos últimos oito anos e seis meses. Não se pode perder uma experiência que reduziu drasticamente a desigualdade e promoveu o desenvolvimento do país, de forma tão marcante, em conseqüência dessa promiscuidade entre setores do governo e do parlamento com empreendedores privados.


Um dos mais audaciosos criminosos dos anos 70, o assaltante Lúcio Flávio, ficou famoso por uma sentença óbvia, ao explicar por que não se envolvia com policiais: polícia é polícia, bandido é bandido. A máxima – reduzida a crueza de sua origem e circunstância – pode ser ampliada: governo é governo, empresas privadas são empresas privadas. A realidade – aqui e em todos os países ocidentais, registre-se – mostra que já não há fronteiras nítidas entre a administração pública e os grandes negócios. Os pequenos empresários se candidatam ao poder municipal, e começam a crescer fazendo negócios com a prefeitura. Em seguida se elegem para os parlamentos estaduais e para o Congresso – onde ampliam sua participação nos recursos públicos: mediante suas próprias empresas, ou se associando a grupos nacionais e internacionais. Em alguns casos, preferem ser apenas intermediários. São lobistas privilegiados, com acesso a todos os níveis de poder.


Estamos chegando aos limites da paciência dos povos. Nos Estados Unidos, Obama não consegue taxar os ricos em favor dos pobres, porque a maioria dos congressistas representa ali os grandes interesses financeiros e industriais, entre eles os dos fabricantes de armas. Na Europa, para salvar o dinheiro dos grandes bancos, os estados nacionais estão indo à falência. A razão é simples: são os ricos que financiam as eleições e a eles os governos prestam obediência.


É interessante relembrar que, na França de 1789, o povo foi às ruas e derrubou a Bastilha em favor de um banqueiro que, na administração das finanças nacionais, corroídas pela ladroagem dos nobres, defendia reformas moralizadoras. Necker teve a lucidez que falta aos banqueiros de hoje – e, por isso mesmo, não perdeu a cabeça naquelas jornadas sangrentas.


A presidente está diante de arriscada oportunidade: a de iniciar o processo de saneamento da administração do Estado. Os observadores sensatos contam com sua paciência diante da protérvia e sua firmeza estratégica. É certo que enfrentará inimigos poderosos, internos e externos, mas, se assim agir, a maioria do povo brasileiro estará ao seu lado, como esteve nas eleições do ano passado.