quarta-feira, 27 de julho de 2011

Não sorria nunca de um preconceito


 



Publicado em 27/07/2011 por Urariano Mota

Se alguém algum dia disser que Karl Marx roubou o socialismo dos nazistas, creio que diante de tamanho absurdo a maioria de nós não conseguiria conter um sorriso, ou mesmo a mais ruidosa gargalhada. E se esse mesmo alguém dissesse que haveria uma escala, uma hierarquia entre as raças, de tal modo que lá num pódio de muitos níveis, em primeiríssimo lugar estivesse a raça, vale dizer, a ariana, e lá no fim, no último dos últimos, estivessem os ciganos, os negros e os judeus, creio que talvez olhássemos o profundo ignorante à procura de um sinal de loucura. Antes, é claro, da mais estrepitosa risada.

No entanto, os motivos cômicos logo sofreriam um abalo se um mais avisado nos lembrasse que tais “piadas” foram ditas por Hitler e pelos nazistas. Ah, diante da lembrança do genocídio, do sofrimento e infâmia que tais cômicos impuseram ao mundo, toda a sua sangrenta palhaçada deixaria de ser motivo de riso. Pois o cômico, assim como a felicidade, a raiva, o amor, o ódio, toda manifestação legítima de humanidade, sempre se dá em um contexto de vidas e significados. E deles, um dos que merecem mais cuidados talvez seja o do preconceito, por mais cômico, absurdo e de irresistível comicidade pareça. Pois as caveiras também mostram os dentes, mas nunca são dignas de um sorriso.

Essas curtas reflexões nos vêm quando lemos as notícias do terrorista de extrema-direita na Noruega. Notem que ele, ou melhor, eles, porque o bravo rapaz não agiu só nem é uma exceção de loucura em um mar de sanidade, notem que à sua maneira ele atualiza – se é possível atualizá-las, em vez de retirá-las das tumbas - as ideias nazistas. Excertos de um seu comunicado dizem:

“Nós, a livre população nativa da Europa, por este meio declaramos uma guerra preventiva contra todas as elites marxistas/ multiculturalistas da Europa Ocidental... Sabemos quem vocês são, onde moram e vamos atrás de vocês. Estamos no processo de apontar cada traidor multiculturalista na Europa Ocidental. Vocês serão punidos por cada ato de traição contra a Europa e os europeus. Com o objetivo de romper com sucesso a censura da mídia marxista/ multiculturalista, somos forçados a empregar operações mais brutais e de tirar o fôlego, que resultarão em baixas.”

Qual de nós, se visse essas linhas em um texto ou em um vídeo, qual de nós as acharia dignas de uma resposta fundada, fundamentada e, mais que isso, responderia a elas com as armas da razão, e da artilharia para melhor defesa? Poucos, nenhum, ninguém, a julgar pelas medidas e reações tomadas quando o criminoso as tornou públicas na web. E vem muito ao caso dizer que tais “ideias” na Noruega, na Europa hoje, e até no Brasil, com a devida tradução, não são incomuns nem, pior, expressam uma louca exceção.

Há um certo tempo aqui e ali na Noruega, Inglaterra, e noutros mais puros, olhares atravessados e comentários resmungados falam algo parecido dos imigrantes não-brancos. Mas uma coisa é um olhar, dizemo-nos, uma coisa é um murmúrio, completamos, outra bem distinta é um massacre com bala dundum. Dessa última vez contra iguais em raça, porque estariam maculados pelo pensamento de aceitação para os diferentes.

No comunicado antes dos crimes o porta-voz dos seus iguais à direita falou as mais velhas piadas, que não mereciam o mínimo esforço para uma rápida contestação. Aquela coisa antiga de raça, “população nativa da Europa”... mas que raça pura?, nos perguntávamos. Risos, com muitos risos respondíamos. Aquela coisa absurda de “elites marxistas/ multiculturalistas da Europa Ocidental”. Putz, que é que é isso? Elite marxista, paradoxo, e multicultural, como se o mundo não fosse em si uma multicultura. Quá-quá-quá, esse cara é um humorista. E este: “sabemos quem vocês são, onde moram e vamos atrás de vocês. Estamos no processo de apontar cada traidor multiculturalista na Europa Ocidental. Vocês serão punidos por cada ato de traição contra a Europa e os europeus”? Por favor, pelamordedeus, esse viking estaria mais para Hagar, o horrível.

E no entanto, vimos depois que o piadista devia ter sido tomado a sério e recebido de volta contra ele e assemelhados uma luta encarniçada, sem quartel, sem hora nem descanso. De todas as maneiras, modos e pensamentos, pela escrita, pelo verbo, por atos e ações. Da desgraça fica um alerta. Se continuarmos a julgar como piada os mais bobos preconceitos contra sexos, raças, em resumo, contra gentes, depois não seremos dignos sequer de pena.

A nova e profunda depressão econômica, que não se aproxima lá, pois já começou, deveria redobrar a nossos cuidados.

Uma primeira providência, de um ponto de vista intelectual, creio, seria não sorrir nunca mais de todo, do mais ridículo e risível preconceito. Pois preconceitos são muito graves. Eles sempre matam pessoas.

Urariano Mota é pernambucano, jornalista e autor de “Soledad no Recife”, recriação dos últimos dias de Soledad Barret, mulher do cabo Anselmo, executada pela equipe do Delegado Fleury com o auxílio de Anselmo.

Frente ao horror dos ataques, Noruega promete 'mais tolerância'

 

Do prefeito de Oslo ao rei Harald, autoridades pedem que os cidadãos não se deixem influenciar pela mensagem de ódio propagada pelo atirador

AFP

000_Par6414991.jpg


“Juntos puniremos o assassino. E seu castigo será mais generosidade, mais tolerância, mais democracia”. Em uníssono com o prefeito de Oslo, Fabian Stang, a Noruega se nega a mudar seus valores após o massacre provocado por um suspeito de extrema-direita na sexta-feira, que deixou 76 mortos no país. Desde Stang até o rei Harald, passando por cidadãos anônimos, a mensagem é a mesma: transparência, abertura, proximidade, democracia. Virtudes que para eles devem seguir constituindo a identidade do país.

De acordo com Harald Stanghelle, articulista do jornal Aftenposten, a Noruega seguirá sendo a mesma no futuro. A questão da segurança vai adquirir maior relevância, mas não será onipresente, acredita ele. "Tanto os políticos como as demais autoridades e a imprensa dizem que é indispensável ter cuidado para não ficamos obcecados com a questão da segurança, que o país não deve se fechar em si mesmo e viver angustiado", afirmou Stanghelle à AFP. "Por outro lado, a Noruega é um país inocente e parte desta inocência foi embora", acrescentou.

Ele acredita que um dos efeitos imediatos poderia ser uma simpatia maior pelos imigrantes na sociedade norueguesa que, segundo ele, "até agora associava o terrorismo unicamente ao islamismo", considera. Saudado por sua ação humana mas firme após os atentados, o primeiro-ministro trabalhista Jens Stoltenberg orienta seus concidadãos a "conservar seus valores".

"A Noruega se divide agora em antes e depois de 22 de julho. Somos nós mesmos quem devemos decidir como será o país daqui para frente", observou o chefe de Governo na segunda-feira, quando mais de 100 mil pessoas se reuniram à noite em homenagem às vítimas dos ataques. Em nenhum momento durante as homenagens, ocorreram reações de ódio à tragédia que viveu o país. "O mal pode matar uma pessoa, mas não pode matar um país", bradou Stoltenberg na ocasião.

Nas ruas predomina o mesmo sentimento: os noruegueses estão assustados, mas se mostram pacíficos. As rosas são onipresentes e ultimamente surgiram camisas estampadas com a palavra "Oslove", uma junção das palavras Oslo e "love" (amor, em inglês). "Temos que responder com um espírito mais aberto, dando mais ouvidos aos outros, sendo um país livre para não dar a Breivik o que ele quer", opinou Per Gunnar Gulstuen, de 52 anos, referindo-se a Anders Behring Breivik, acusado pelo massacre que em um longo manifesto escrito ao longo dos anos se apresentou como um "cruzado" comprometido com a luta contra o islamismo e o marxismo.

"Não façamos como os Estados Unidos, que depois do 11 de setembro colocou polícia e controle por todas as partes", acrescentou Gulstuen. "O primeiro-ministro tem razão ao decidir que a resposta é mais abertura. Ele respondeu de forma humana, inteligente", disse Astrid Gunby, uma norueguesa de 55 anos moradora do bairro onde se localiza o prédio-sede do Governo, destruído por uma bomba.
Até mesmo o rei Harald, habitualmente discreto, pediu que os ataques não provoquem uma mudança no país. "Mantenho-me fiel às minhas convicções de que a liberdade é mais forte que o medo. Mantenho-me fiel a minha fé em uma democracia norueguesa aberta", manifestou.

Dólar encerra sequência negativa e tem maior alta em 1 ano

 


A moeda americana voltou a subir depois que o governo anunciou medidas para conter a especulação

Do Portal Terra


dreamstimefree_3424360.jpg

Medidas mais duras do governo para frear a queda do dólar surtiram efeito nesta quarta-feira, intensificando um movimento global de recuperação da moeda e interrompendo uma série de seis baixas seguidas. O dólar à vista fechou em alta de 1,35%, a R$ 1,5595 para venda. É a maior valorização diária desde 29 de junho de 2010. A alta tirou o dólar das mínimas em mais de 12 anos. Na terça, a taxa de câmbio fechou a R$ 1,5388.

A valorização do dólar foi mais intensa no Brasil do que em outros países. Em relação a uma cesta com as principais moedas, o dólar subia 0,81%, devolvendo parte da queda dos últimos dias mas ainda mostrando volatilidade por causa da preocupação com a dívida americana.

O mercado local reagiu à imposição de um imposto de 1% sobre operações com derivativos cambiais que resultem em um aumento das posições líquidas vendidas. Uma fonte do governo já havia mencionado há duas semanas que uma ação nos derivativos cambiais estava sendo preparada.
"As medidas cambiais anunciadas pelo governo devem, no curtíssimo prazo, reduzir drasticamente a componente especulativa da apreciação do real frente ao dólar", afirmou Luciano Rostagno, estrategista-chefe da CM Capital Markets.

O novo imposto sobre derivativos afeta principalmente as posições vendidas dos estrangeiros na BM&FBovespa, que chegaram ao recorde de quase US$ 25 bilhões em contratos futuros e de cupom cambial (DDI). Essas posições podem servir tanto como uma proteção quanto como uma aposta na queda do dólar.

A liquidez no mercado de câmbio diminuiu, especialmente no começo do pregão, enquanto os operadores analisavam as medidas. Mas, no fim do dia, o volume de contratos negociados no mercado futuro já estava dentro da média recente, com 321 mil papéis negociados no vencimento mais curto até as 16h40.

A maioria dos comentários convergiu no sentido de que as operações de câmbio ficarão mais caras no Brasil, incentivando negócios no mercado de balcão no exterior. "A medida provavelmente vai tirar liquidez da bolsa local, com uma mudança provável para o mercado de NDF (contratos a termo sem entrega física, mais negociados no exterior) e para outras bolsas, como a CME (de Chicago)", escreveu o analista Paulo Leme, do Goldman Sachs, ecoando opinião do presidente da BM&FBovespa, Edemir Pinto, em entrevista há duas semanas. "Na mesma linha, a diferença entre o mercado local e o mercado 'offshore' deve se ampliar", afirmou Leme.

A medida foi considerada pela Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB) como a "mais eficaz" já tomada até agora pelo governo para frear a queda do dólar e, para muitos analistas, a mera possibilidade de que o governo adote novas restrições deve ser suficiente para sustentar a moeda acima de US$ 1,55 nas próximas semanas.

"O anúncio de hoje indica uma intolerância maior do governo com o nível do real e pode aumentar a preocupação dos investidores a respeito de controles futuros", afirmou Henrique Caldeira, analista do Barclays. Alguns, no entanto, ainda trabalham com a previsão de que o real continuará a se valorizar. "Medidas desse tipo não devem afetar o equilíbrio de longo prazo da taxa de câmbio real", afirmou Leme, do Goldman Sachs. A taxa Ptax, calculada pelo Banco Central (BC) e usada como referência para derivativos e contratos futuros, teve alta de 1,92%, a R$ 1,5639 para venda.

O BC fez um leilão de swap cambial reverso, mas não efetuou a rolagem de todos os contratos em vencimento na virada do mês. O lote que expira no fim de julho é de cerca de US$ 1,3 bilhão, mas o BC vendeu apenas US$ 499 milhões. O BC fez ainda dois leilões de compra de dólares no mercado à vista. No Rio de Janeiro, o presidente da instituição, Alexandre Tombini, disse que a política de atuação do BC não muda após o novo imposto sobre derivativos.

Fifa anuncia datas da Copa e abranda críticas ao Brasil

 

Mundial do futebol será realizado entre os dias 12 de junho e 13 de julho

Do Portal Terra

000_Mvd1627205.jpg


Depois de fazer críticas veementes e duras no fim de março, afirmando que o Brasil está atrás da África do Sul na organização da Copa do Mundo, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, amenizou as reclamações e mostrou uma postura muito mais tranquila com relação ao Mundial de 2014, em entrevista realizada nesta quarta-feira (27) , na Marina da Glória, no Rio de Janeiro.

O dirigente ressaltou que ainda há muito a se fazer, mas afirmou que está confiante. "Vamos ser realistas, ainda há muito trabalho a se fazer. Mas estamos confiantes e acreditando no Brasil. A presidente Dilma Rousseff e o ministro dos Esportes (Orlando Silva Jr.) estão confiantes e é baseado nessa confiança que acreditamos nisso", disse.

"O Brasil é um país que mais cresceu economicamente...Nos primeiros passos do futebol internacional, sempre disseram que os maiores atletas jogavam no brasil. Agora não estão mais no Brasil, por conta da situação financeira da Europa. Mas tenho certeza que esta será uma grande Copa, técnica e taticamente falando. Esperamos grandes emoções".

Questionado por qual motivo mudou de discurso com relação as críticas feitas em março, Blatter afirmou que uma reunião realizada ontem entre o secretário-geral da Fifa, Jerome Valcke, e o Comitê Organizador Local (COL) aumentou a confiança de uma evolução nas obras. "O trabalho da Fifa é o de cobrar e chamar a atenção para que a Copa do Mundo saia direito. Mas sempre mostramos confiança e acreditamos que o Mundial será um sucesso", disse Blatter. "A reunião de ontem [terça] mostrou que temos uma relação forte com o COL", completou Valcke.

Datas

A Fifa confirmou as datas da abertura e da final da Copa do Mundo de 2014. O secretário geral da entidade, Jérome Valcke, afirmou que o Mundial terá início em 12 de junho. Já a final ocorre em 13 de julho. Em outubro, a Fifa irá confirmar os locais dos dois jogos.

Valcke ainda afirmou que a Copa das Confederações, que também ocorre no Brasil em 2013, será realizada entre 15 e 30 de junho de 2013. Oito seleções participam do torneio: além da Seleção Brasileira, Japão, Uruguai, México e Espanha já estão confirmados na competição.

Valcke também comentou a respeito da possibilidade de o estádio corintiano, cujas obras foram iniciadas recentemente em São Paulo, abrir o Mundial. "Tivemos uma reunião ontem [terça] com o COL (Comitê Organizador Local) para tratar dessas questões. A confiança é que São Paulo terá um estádio, mas tudo que se fala sobre abertura no Mundial não é verdade. A decisão será em outubro", afirmou o dirigente. "Não estamos falando de abertura, que ainda não foi decidido e acontecerá em outubro. O número de sedes da Copa das Confederações e quais serão também só será definido em outubro", acrescentou Valcke.

Clubes europeus haviam solicitado à Fifa que a Copa do Mundo tivesse seu início antecipado, o que facilitaria a realização das pré-temporadas. Com a confirmação da abertura para 12 de junho, a entidade também negou atender o desejo das equipes.

Sorteio das eliminatórias da Copa-14 bancado com dinheiro público

O lucro privado com o dinheiro público

Conta da megafesta do sorteio das eliminatórias da Copa-14, bancada com dinheiro público, era para ser paga, segundo contrato, pelo Comitê Organizador

RODRIGO MATTOS

ENVIADO ESPECIAL AO RIO

SÉRGIO RANGEL
DO RIO

na Folha
Ao pagarem pela organização do Sorteio Preliminar da Copa de 2014, que ocorre sábado às 15h, Prefeitura e governo do Rio assumiram função que deveria ser do COL (Comitê Organizador Local).
É o que diz o Acordo para Sediar, contrato entre comitê e Fifa para o Mundial.

Segundo o COL, os custos do evento atingiram R$ 30 milhões, divididos entre governo e prefeitura, por conta de exigências da entidade máxima do futebol.

Não há controle sobre esses gastos, apesar de o dinheiro ser público. Isso porque os recursos foram investidos como patrocínio, o que evita, por exemplo, contratações por meio de licitações.

A Prefeitura do Rio informou ter adotado essa opção por ser a única possível no modelo da Fifa. Ou seja: não poderia assumir a organização do evento porque esse tem de estar sob responsabilidade do comitê local.

De fato, pelo artigo 10.4 do Acordo para Sediar, “a organização do Sorteio Preliminar pelo COL será feita às custas do COL”. O texto prevê 13 obrigações, entre aluguel, estrutura, equipamentos, acomodação e escritórios para membros da Fifa.

Presidido por Ricardo Teixeira, também à frente da CBF, o COL tem orçamento previsto de R$ 856 milhões para organizar o Mundial, dinheiro vindo da Fifa.

“Contratamos a Geo Eventos [empresa da Globo], que foi atrás de patrocinadores e conseguiu prefeitura e Estado”, disse a diretora-executiva do COL, Joana Havelange.

A Folha apurou com a Geo que outras cidades lutavam para sediar o evento e também estavam dispostas a patrociná-lo com dinheiro público. São Paulo e Brasília eram duas das interessadas.
Os recursos do Rio servirão para bancar instalações provisórias em toda a Marina da Glória, na zona sul do Rio, local escolhido para o sorteio.

Há um salão de festas de 7.600 m2, mais salas provisórias de imprensa, de credenciamento e de logística.

“A Fifa fez os requerimentos em relação ao tamanho do palco e outras especificações. O orçamento foi feito com base nesses requerimentos”, declarou Joana.

Segundo ela, o projeto se desenvolveu por mais de um ano e serve para demonstrar ao mundo que o Brasil está pronto para fazer a Copa.

“Temos a oportunidade de mostrar um país organizado”, afirmou a dirigente.

Até o fim do Mundial, o COL também será responsável por fazer outros eventos, como o Sorteio Final da Copa, seminários técnicos e o Congresso da Fifa. A entidade mundial fica só com custos menores nesses casos -os maiores são do comitê.

O próximo sorteio, que definirá os grupos da Copa, não deve ser no Rio. Isso porque, nos últimos três Mundiais, foram usadas cidades diferentes para cada festa.

A Secretaria de Esporte do Estado do Rio não respondeu às ligações da reportagem para falar do assunto.

PS do Viomundo: A certa altura do aclamado perfil de Ricardo Teixeira, publicado pela revista Piaui, a repórter escreveu “Ao contrário do Comitê Olímpico Brasileiro, cujas verbas são públicas, na CBF não há dinheiro do Estado”. Faltou apenas dizer que a CBF só tem faturamento privado, de patrocinadores, por se utilizar de um símbolo nacional — portanto, do Estado brasileiro –, que é a seleção. E, com o duplo poder de presidente da CBF e do Comitê Organizador Local (COL) da Copa 2014, Ricardo Teixeira extrai dinheiro público (como se vê acima, ou aqui) para financiar o lucro privado (da CBF e da FIFA).

Os milhões de Arruda

Como é bom fazer negócios com o dinheiro público

Rússia: O que acontecerá depois de Gaddafi?

 



26/7/2011, Yevgeny Primakov [entrevista a Matthias Schepp e Bernhard Zand] Spiegel
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
Yevgeny Primakov, 81, é ex-Primeiro-Ministro, Ministro da Relações Exteriores
e Chefe do Serviço de Inteligência da Rússia
Recado da Vila Vudu
Spiegel é uma revista (não)VEJA em alemão – o que se percebe pelo tom arrogante metido a besta, dos jornalistas entrevistadores. Mas é melhorzinha que a revista (não) VEJA (pior não há, no mundo!). E o entrevistado é interessante (motivo pelo qual nunca seria entrevistado pela revista (não)VEJA).

Spiegel: Sr. Primakov, qual o país árabe que atualmente mais o preocupa?

PRIMAKOV: Líbia. A tentativa da coalizão ocidental de derrubar a bombas o regime de Gaddafi não foi autorizada pela Resolução n. 1.973 da ONU – e foi mal concebida, em termos estratégicos. É mais que hora de encontrarmos uma solução política para a crise da Líbia.

Spiegel: O ministro Sergey Lavrov, das Relações Exteriores da Rússia, reuniu-se com o ministro líbio das Relações Exteriores, semana passada, em Moscou. E diplomatas franceses e americanos também já iniciaram contatos com representantes do governo de Gaddafi.

PRIMAKOV: A verdade é que a OTAN meteu-se num beco sem saída. Ninguém dá sinais de interesse em propor as questões realmente importantes, como, dentre outras: Para onde essa guerra os está levando? E o que acontecerá depois de Gaddafi? Será que todos já esquecemos o que houve no Iraque? Oito anos de caos! Bombardeios diários, mortes diárias. Será que alguém ainda acredita que isso seja “estabilidade”?

Spiegel: O senhor esteve várias vezes com o coronel Gaddafi. Como devemos tratá-lo?

PRIMAKOV: Não sou dos que idealiza o coronel Gaddafi. Longe disso. Há quarenta anos, quando derrubou o rei Idris, Gaddafi tinha contato com o presidente Gamal Abdel Nasser do Egito. Gaddafi supunha que, se bem pago, Nasser o ajudaria a conseguir que a União Soviética lhe vendesse uma bomba atômica. Gaddafi pensava exatamente como um beduíno.

Spiegel: E hoje?

PRIMAKOV: Está mais velho e muito mais experiente, mas a Líbia ainda é uma ditadura – embora seja apoiada por parte da população. Muita gente oferece-se para proteger, como escudos humanos, os locais onde Gaddafi pernoita. São voluntários.

Spiegel: O que o senhor propõe, como solução para a crise da Líbia?

PRIMAKOV: Não se pode nem falar de missão de mediação, porque já está decidido que tentarão levar Gaddafi a julgamento na Corte Internacional de Justiça em Haia. Mas a Rússia não quer que a Líbia naufrague no caos. A única possibilidade é tentar uma reaproximação entre os dois lados que estão em conflito.

Spiegel: Como uma mediação dos russos poderia ser bem sucedida?

PRIMAKOV: Porque tentamos manter uma posição de equilíbrio entre os dois lados. A OTAN está, de fato, alinhada a um dos lados, nessa guerra civil. Nessas circunstâncias, a OTAN nada poder mediar.

Spiegel: Pouco depois de o primeiro-ministro russo Vladimir Putin criticar as resoluções sobre a Líbia como “convocação para uma Cruzada”, o presidente Dmitry Medvedev declarou que aquelas palavras seriam “inaceitáveis”. Há diferentes vozes em Moscou?

PRIMAKOV: Putin não quis vetar a resolução da ONU. E Medvedev, como ele, disse que a resolução não autorizou os ataques da OTAN. As posições de ambos são praticamente iguais; as diferenças são mínimas.

Spiegel: Afinal, a Rússia absteve-se de votar, como Brasil, China, Alemanha e Índia. O senhor acredita que a Rússia deveria ter vetado as resoluções da ONU?

PRIMAKOV: Não. Se as tropas líbias continuassem a atacar por mais dois, três dias, Gaddafi teria tomado Benghazi. Haveria um banho de sangue. A Resolução n. 1.973 é, sem dúvida, excessivamente vaga; mas uma zona aérea de exclusão significa exclusivamente destruir ou incapacitar toda a força área e as defesas aéreas de Gaddafi. Mas a OTAN pôs-se a bombardear grupos de soldados, refinarias de petróleo, os palácios de Gaddafi e até civis. Não há qualquer tipo de autorização legal para esses ataques. (...)

Spiegel: O senhor interpreta a abstenção, no caso da Alemanha, como dar as costas ao ocidente?

PRIMAKOV: Sou realista. As relações entre a Alemanha e os EUA permanecem intactas. Não suponha que os russos nos pomos a festejar, no instante em que Alemanha e EUA discordam. Não sejamos primitivos.

Spiegel: De qualquer modo, o senhor não parece considerar excelentes as políticas da OTAN para o Oriente Médio.

PRIMAKOV: Vejo uma tendência explosiva: a OTAN deseja deslocar e substituir a ONU. Sempre apoiei que a ONU pudesse delegar missões de paz, para alianças regionais. Mas a OTAN age independentemente, não se subordina à ONU – e age em todo o planeta.

Spiegel: Em que diferem as políticas russas para o Oriente Médio e as políticas ocidentais?

PRIMAKOV: A principal diferença é que estamos convencidos de que é impossível impor decisões a estados soberanos. Tampouco gostamos do que está acontecendo no Oriente Médio. Mas não acreditamos que alguém consiga resolver com bombas, seus problemas políticos. Os russos conhecemos e entendemos o Oriente Médio melhor que muitos países ocidentais. Sabemos que é indispensável considerar a história, as mentalidades, as tradições. Não acredito que alguma democracia baseada em modelo europeu seja viável nos países da Primavera Árabe.

Spiegel: O senhor acha que uma “democracia guiada” pelo modelo russo funcionaria melhor no Oriente Médio?

PRIMAKOV: Em geral sou contra prescrições e recomendações. Os países árabes têm de decidir, eles mesmos, como desejam ser governados.

Spiegel: Os russos previram os levantes populares no mundo árabe?

PRIMAKOV: Não. Como o ocidente, supusemos que só os movimentos islâmicos conseguiriam levar ao colapso os regimes autoritários pós-coloniais. Agora, vemos que há outras forças também ativas. Subestimamos a influência da globalização e da modernização, especialmente o poder da televisão e da internet. Seja como for, a verdade é que a crise no Oriente Médio tem sida apresentada de modo muito simplório.

Spiegel: O que o senhor quer dizer?

PRIMAKOV: A cobertura pelos jornais e televisão é enviesada e, simultaneamente, exagerada. Por exemplo, alguém viu alguma prova exibida na CNN e na Al-Jazeera, de que Gaddafi estaria cometendo genocídio? Há atrocidades dos dois lados, mas a cobertura de imprensa vária vezes pesou excessivamente a favor de um lado e sempre a favor do mesmo lado.

Spiegel: Por que a Rússia teria direito de criticar as políticas imperiais dos EUA? Se os EUA têm uma base militar no Bahrain, o Kremlin tem uma base militar na Síria...

PRIMAKOV: Há uma sutil diferença. Os 2 mil soldados e policiais sauditas sunitas dos Emirados Árabes que invadiram o Bahrain para sufocar as manifestações populares jamais o fariam sem as bênçãos dos EUA. E os russos em nenhum caso apoiaremos qualquer tipo de intervenção na Síria.

Spiegel: Mas os russos também querem preservar ali o status quo...

PRIMAKOV: Depois da experiência com a Resolução para a Líbia, é recomendável que todos cuidemos de pensar melhor. Ninguém no ocidente, até agora, dedicou-se a saber quem, de fato, está fazendo oposição a Assad. Há, claro, alguns democratas genuínos, mas também há grupos islâmicos e da ‘franquia’ da Al-Qaeda. É difícil saber quem é maioria. A Fraternidade Muçulmana na Síria é diferente da egípcia. No Egito, hoje, os irmãos da Fraternidade Muçulmana já admitem cristãos no partido.

Spiegel: Em 2007, o senhor disse que Assad continuava a ser “homem de profunda visão estratégica”. O senhor mantém, hoje, a mesma avaliação?

PRIMAKOV: Assad é previsível. Sejamos honestos: o ocidente não está, de modo algum, preocupado com alguma democracia. A única coisa que realmente preocupa o ocidente é a proximidade entre a Síria e o Irã. Encontrei-me várias vezes com o pai de Assad, Hafez – que me disse, certa vez, que o que mais desejava evitar, por todos os modos, seria um confronto com os israelenses, no qual a Síria estivesse sozinha. Hoje, o conflito entre Israel e palestinos é que força a Síria a manter-se unida ao Irã.

Spiegel: EUA e todo o ocidente consideram vital a estabilidade da região do Golfo e, especialmente, da Arábia Saudita. O senhor concorda?

PRIMAKOV: Ninguém deseja uma Arábia Saudita instável. Nem nós desejamos, nem o rei Abdullah deseja. Ele rapidamente distribuiu $36 bilhões de dólares [25 bilhões de euros] ao povo, depois do início das revoluções na Tunísia e no Egito. Quer dizer... Se o rei permitir que as mulheres dirijam... logo florescerá ali a mais bela democracia (risos).

Spiegel: O islamismo militante, ou “jihadismo”, teve grande expansão sob autocratas como Nasser, Assad e Saddam Hussein – e todos contaram com o apoio da União Soviética. Que parte cabe a Moscou, da culpa pela atual situação no mundo árabe?

PRIMAKOV: E, do outro lado, o ocidente apoiava os ditadores na Tunísia e no Egito. Que parte cabe ao ocidente, pelo que se vê agora?

Spiegel: O senhor está dizendo que os dois lados são culpados?

PRIMAKOV: Não, tampouco diria isso. Fui das primeiras vozes a reagir contra a ideia, que se ouviu em Moscou, de que o ocidente estaria fomentando as revoluções árabes. Os EUA foram apanhados de surpresa. Afinal, Mubarak foi, por muitos anos, parceiro do ocidente na luta contra o terrorismo.

Spiegel: Será que ultrapassamos a era dos líderes autoritários no Oriente Médio?

PRIMAKOV: Não. Creio que teremos lá governos mais democráticos que antes, mas nos quais ainda haverá traços autoritários.

Spiegel: Hillary Clinton diz que os líderes chineses temem que as revoltas árabes respinguem na China. O Kremlin também está nervoso ante a fúria dos jovens russos?

PRIMAKOV: Temos nossas contradições. Mas os eventos árabes não têm qualquer influência nos processos internos na Rússia. Por mais que respeite Hillary, discordo de seus juízos sobre a China.

Spiegel: O Oriente Médio foi, durante décadas, cenário da Guerra Fria. A China, agora, está assumindo o papel que coube à Rússia, como principal adversário na Região?

PRIMAKOV: A história não se repete, e esse tipo de jogo de soma-zero é coisa do passado. Já não há superpotências.

Spiegel: O senhor está dizendo que a China não será superpotência?

PRIMAKOV: Com certeza não será. A China crescerá, os chineses são ambiciosos. Já é a segunda maior economia do mundo. Mas, hoje, vivemos em mundo multipolar, com relações difíceis entre os pólos.

Spiegel: Que papel a Rússia desempenhará?

PRIMAKOV: Seremos um pólo, entre vários outros. E nossa força dependerá de conseguirmos, ou não, modernizar nossa economia.

“Murdoch falava MUITO MAIS com seus editores, do que diz”

 



Oliver Wright

27/7/2011, Oliver Wright, The Independent, UK
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu




Excerto da discussão de pauta, na Vila Vudu:
Vam traduzi isso aí, sim. Taí o caso Murdoch, prá prová comé o negócio.
Os nossos ministros dos nossos governos Lula-Dilma têm de pará coesse papim-fraco de dar entrevista pro grupo GAFE (Globo-Abril-Folha-Estadão) do desjornalismo brasileiro.
Um dia, a casa cai prôs murdochs do grupo GAFE Brasil-2011, os carin lá vai tudo pará na cadeia... e comé kefica quem vivia em convescotes com eles?!
Já não basta a presepada dos mervais e miogosdainardis e goldembergs e cerras & tucanaria udenista golpista, em lambeção de bota côs sub-dos-subs da embaixada dos EUA, como WikiLeaks noticiou?!
Se, no Brasil os jornalistas são “idiotas que perderam a modéstia” (e são!), por que, diabos, o Jobim vive a dar entrevistas por aí, prôs mesmos idiotas arrogantes do grupo GAFE?
Deu pá entendê, ministro Jobim... OU A GENTE VAI TÊ QUE DESENHÁ?!

Rupert Murdoch mantinha contato muito mais próximo e mais frequente com os editores de seus jornais londrinos do que admitiu no depoimento a deputados do Parlamento inglês, semana passada –, disse ontem seu biógrafo.

Michael Wolff, que gravou mais de 60 horas de entrevista com Rupert Murdoch para sua biografia semiautorizada, disse que o presidente e principal executivo da empresa News Corp passava “mais da metade do dia, todos os dias” envolvido com os jornais e conversava regularmente com os editores sediados em Londres sobre matérias a serem publicadas.

Semana passada, em depoimento ao Parlamento, Rupert Murdoch declarou que “só muito raramente” conversava com seus editores em Londres, e acrescentou: “Vocês não fazem ideia da quantidade de assuntos de que tenho de tratar diariamente. Acabei por perder de vista o The News of the World, talvez porque era pequeno demais, praticamente insignificante no contexto geral de minha empresa”.

Mas em entrevista ao Independent, Mr. Wolff, que teve o mais irrestrito acesso à intimidade da família Murdoch quando escreviaThe Man Who Owns the News publicado em 2008, disse que Rupert Murdoch sempre foi proprietário muito mais presente e ativo do que agora admite.

“O envolvimento [de Murdoch] com os jornais sempre foi total” – disse Wolff. “Rupert foi chamado a depor, e seus advogados disseram ‘Você tem de dizer que não se envolvia com os jornais’. E ele foi e mentiu.”

E acrescentou: “Estive com ele durante horas e horas. Todas as vezes em que trabalhamos, ele atendia, pelo menos, um telefonema e muitas vezes atendia vários telefonemas, de Londres. Sempre eram os editores – James [Murdoch] e Rebekah [Brooks].

“Pelas minhas contas, ele passava metade do dia envolvido diretamente no dia a dia dos jornais. Ele trabalha assim. Ele telefona – e pergunta sobre as manchetes. Quer saber o que está sendo preparado. Quer saber de onde vieram as matérias. É sempre muito preciso quando fala de uma ou outra matéria, quando pensa sobre uma matéria, ao analisar a substância da história: se é boa, ou se é fraca.”

Mr. Wolff lançou dúvidas sobre as declarações de que a empresa News Corp nada teria tido a ver com a indicação de Andy Coulson para trabalhar com David Cameron. Disse que acredita que tenha sido parte de uma estratégia construída por Rebekkah Brooks e James Murdoch, para conseguir que Rupert decidisse apoiar o então líder da oposição.

“Em 2007, quando eu estava preparando o livro, Rupert não tolerava Cameron” – disse Mr. Wolff. “Falava abertamente contra ele, sempre com desdém. Depois, começou a dizer “meu filho gosta dele e vou ter de confiar no que meu filho diz. A decisão será do meu filho.”

“Rebekkah fez campanha, se não para obter o apoio de Rupert a Cameron, pelo menos para reduzir a antipatia que Cameron lhe inspirava. Parte dessa campanha foi a indicação de Andy Coulson. Pessoalmente, não tenho dúvidas que houve uma barganha: para atrair Rupert na direção de Cameron. Rebekkah incluiu Andy no processo, como alguma espécie de garantia, para convencer Rupert a apoiar Cameron.”

Na opinião de Mr. Wolff, que rompeu espetacularmente com Rupert Murdoch depois da publicação do livro, o papel crucialmente decisivo que Murdoch desempenhava na empresa está hoje gravemente comprometido.

“Agora, estamos diante de um fato consumado. Não há como voltar atrás. É impossível meter a pasta de dente de volta no tubo” – diz ele.

Encontros com ministros...

George Osborne [desde maio de 2010, é Ministro da Fazenda do Reino Unido, Chancellor of the Exchequer]

Teve dois encontros com Rupert Murdoch depois da eleição de maio de 2010; quatro com seu filho, James Murdoch; cinco com a ex-editora executiva de Murdoch na empresa News International, depois de presa, acusada de participação no crime de grampeamento ilegal de telefones; e um encontro com Elisabeth Murdoch. Convidou Elisabeth Murdoch para sua festa de aniversário.

Jeremy Hunt [Secretário de Estado da Cultura, Jogos Olímpicos, Mídia e Esportes]

Teve dois encontros em janeiro de 2011 com James Murdoch para “delinear o processo da fusão da BSkyB”. Jantou com Rupert Murdoch dias depois da eleição geral.

Michael Gove [Secretário de Estado da Educação]

Rupert Murdoch almoçou ou jantou seis vezes com Michael Gove a partir das eleições, mais do que com qualquer outro ministro do Gabinete. Gove reuniu-se uma vez com James Murdoch.

Liam Fox [Secretário da Defesa do Reino Unido]

Três reuniões com executivos da empresa News International, nas quais o ministro passou-lhes informes da Defesa (em agosto do ano passado e em março e junho de 2011). Rebekkah Brooks esteve presente às três reuniões; James Murdoch participou de duas; e Rupert Murdoch, de uma.

Ministro de Dilma, Jobim diz que votou em Serra em 2010

O ministro da Defesa, Nelson Jobim (PMDB), participou da estreia do programa "Poder e Política - Entrevista", conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues no estúdio do Grupo Folha em Brasília. O projeto é uma parceria do UOL e da Folha.



Leia abaixo a íntegra da entrevista e veja o vídeo.







Folha/UOL: Olá internauta. Este é o primeiro "Poder e Política - Entrevista" produzido em parceira pela Folha de S.Paulo, pela Folha.com e pelo UOL. O programa é realizado no estúdio do Grupo Folha em Brasília. O entrevistado de hoje é o ministro da Defesa, Nelson Jobim.

Jobim é gaúcho de Santa Maria. Nasceu em 1946 e tem 65 anos completados agora em abril. Estudou direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Em 1987 tomou posse como deputado federal, em seu primeiro mandato. Ficou na Câmara dos Deputados até 1995. Participou ativamente do Congresso Constituinte de 1988.

Depois, Jobim foi ministro da Justiça de 1995 a 1997, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Da Justiça foi para o Supremo Tribunal Federal, corte que presidiu de 2004 a 2005. Antes, de 2001 a 2003, presidiu o Tribunal Superior Eleitoral.

No governo Lula, já fora do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim foi nomeado ministro da Defesa. E com a eleição de Dilma Rousseff permaneceu no cargo.

Olá ministro Nelson Jobim. O senhor foi ministro de três governos sucessivos. Com quem é mais fácil trabalhar: Fernando Henrique, Lula ou Dilma?

Nelson Jobim: Todos são fáceis de trabalhar. Cada um tem o seu estilo. A questão não é fazer comparações. Se você for fazer comparações, não dá solução e só cria problema. O Fernando [Henrique] tinha um estilo. O Lula tinha outro estilo. A presidente Dilma tem outro estilo. Mas são estilos absolutamente razoáveis. Pelo menos comigo as relações são absolutamente extraordinárias.

Folha/UOL: O senhor falava mais cotidianamente com Fernando Henrique, com Lula ou com Dilma?

Nelson Jobim: Com os três. Tendo em vista as relações do PMDB eu tinha uma grande integração com o Fernando [Henrique]. Trabalhei com o Fernando também, na Constituinte. Servi como uma espécie de assessor. Porque era advogado, tinha formação jurídica. Então eu tinha boa relação com o Fernando, tinha uma amizade mais íntima com o Fernando. Com o presidente Lula a mesma coisa, com menos intimidade. Eu frequentava a casa do Fernando e aquela fazenda que ele tinha aqui perto [de Brasília], aos finais de semana. Com o Lula tinha uma intimidade muito boa, sem nenhuma dificuldade. E a mesma coisa se passa com a presidente Dilma.

Folha/UOL: O senhor sempre foi do PMDB. Nessa época do Fernando Henrique, era do PMDB na Constituinte. Foi passando o tempo e o grupo que era próximo ao senhor foi para o PSDB. Não é novidade para ninguém que o senhor era muito amigo do deputado José Serra na Constituinte. Durante o ano de 2010, vários ministros fizeram campanha para a candidata do governo, Dilma Rousseff, que acabou vencendo. O senhor ficou meio afastado. Na eleição do ano passado, o senhor votou na presidente Dilma ou no candidato Serra?

Nelson Jobim: Fernando, eu não fiquei pouco afastado. Eu fiquei totalmente afastado. Ocorreu o seguinte: o ministro [Alexandre] Padilha, que à época era ministro das Relações Institucionais, distribuiu um ofício aos ministros do presidente Lula, para que gravassem alguma coisa para a televisão, para o programa da candidata do presidente.

Em uma reunião de articulação do governo, da qual eu participava, eu levantei o seguinte problema. Eu disse: "Olha presidente [Lula], eu estou com um problema. De um lado, por razões pessoais eu não tenho condições de fazer campanha para a ministra Dilma, uma vez que sou amigo íntimo do Serra. O Serra foi meu padrinho de casamento, eu morei com ele algum tempo aqui em Brasília. Quando vou a São Paulo normalmente eu janto com ele, vou ao Palácio [dos Bandeirantes] com minha mulher, nos damos muito bem. Por outro lado eu tenho também um impedimento de natureza institucional de fazer campanha para o Serra. Porque o governo do qual eu participo tem um candidato que é a ministra Dilma". Aí o Lula disse: "Olha Jobim, fique fora disso. Eu sei claramente das suas relações com o Serra. Sei que você tem uma amizade íntima com o Serra de muitos anos". E avisou ao Padilha: "Olha, não envolvam o Jobim na campanha". E eu votei no Serra.

Folha/UOL: O senhor contou para ela [para a candidata Dilma Rousseff] que o senhor iria votar no Serra?

Nelson Jobim: Ela sabia.

Folha/UOL: E isso nunca foi razão para que azedasse um pouco a relação? Até porque o senhor foi mantido no Ministério.

Nelson Jobim: Não. Azeda quando você esconde. Quando você não esconde, quando você é transparente, não tem como azedar. Tem como se resolver. O problema é quando você esconde, fica fazendo dissimulações. Daí dá problema. Eu não costumo fazer dissimulações, então não tenho dificuldades.

Folha/UOL: A presidente brinca com o senhor a respeito disso?

Nelson Jobim: Não, não se toca no assunto.

Folha/UOL: Sua manutenção no Ministério da Defesa foi muito atribuída ao presidente Lula. Ele dizia que era muito importante sua permanência porque gostava muito do seu desempenho no Ministério da Defesa. O senhor acha que a presidente Dilma resolveu mantê-lo no cargo e hoje tem segurança a respeito da sua permanência para consolidar o Ministério da Defesa que está completando 12 anos?

Nelson Jobim: Bom isso seria uma pergunta a ser dirigida a ela, não a mim. O que aconteceu com o presidente Lula foi que eu ingressei no Ministério da Defesa em 2007, em face àquela crise da aviação civil. Lembra-se daquela crise? O caos aéreo etc etc.

Folha/UOL: O senhor acaba de completar quatro anos no Ministério.

Nelson Jobim: [Completei] ontem. Em 25 de julho de 2007 que eu assumi [o cargo de ministro da Defesa]. E o objetivo inicial era exatamente compor aquele problema da crise aérea. Nós trabalhamos naquele assunto, reduziu-se imensamente a crise aérea. O primeiro objetivo meu, naquele momento, era tirar a crise aérea da mesa do presidente, porque estava na mesa do presidente naquele momento.

Depois que baixou a temperatura da crise aérea, eu decidi me dedicar ao Ministério da Defesa stricto sensu, a parte das Forças [Armadas]. E tive uma sorte muito grande, porque estava aqui no governo o Mangabeira Unger, que era secretário de Assuntos Estratégicos [da Presidência da República].

Conversando com o Mangabeira, que era meu amigo, nós bolamos o início de um trabalho amplo de reforma completa e transformação das Forças que iniciou com a elaboração da estratégia nacional da defesa. Foi uma longa discussão, que se fez internamente com as Forças e houve um grande programa. Um programa que se completou no ano passado, em 2010, quando se aprovou a alteração da legislação relativa ao Ministério da Defesa. E consolida-se juridicamente e institucionalmente o Ministério da Defesa.

Mas uma coisa é você ter o desenho institucional. Outra coisa é você ter a eficácia. Havia uma série de ações a serem desenvolvidas. Então eu tinha o plano diretor, desde 2010, depois da aprovação dessa legislação, que era a implementação disso. Que era o plano que eu submeti à presidente Dilma quando ela me convidou para continuar. Disse: "olha, isso aqui é o que a gente tem que fazer".

Folha/UOL: O senhor acha que depois de 12 anos da existência do Ministério da Defesa, já está pacificado nas Forças Armadas o fato de que eles sempre serão comandados por um civil no Ministério da Defesa? E os militares já se acostumaram a serem obedientes a esse comando civil?

Nelson Jobim: Veja, tem que compreender o processo histórico. Tem que voltar para 1987, 1988, quando começou o processo constituinte. Na verdade, a elite civil da época, os deputados, a parte política da época, não queria saber de defesa. A discussão de defesa era algo que todo mundo passava ao largo. Tanto defesa quanto segurança. Porque havia no imaginário de todos, oriundos de esquerda, ou de centro-esquerda, ou liberais democráticos, todos confundiam em seu imaginário a defesa e a segurança com repressão política. Então o assunto não era discutido.

A única discussão que tivemos em 1987 e 1988 foi a função das Forças Armadas. Foi a primeira manifestação constitucional de subordinação efetiva das Forcas Militares ao poder civil: quando autoriza e determina intervenção das Forcas Armadas para garantir a lei da ordem, desde que determinado pelos poderes constituídos.

Depois veio o Ministério da Defesa, com dificuldades. Eu no início participei das discussões, no governo Fernando Henrique, para criação do Ministério da Defesa. Era um processo complicado. Você tinha na época quatro ministros militares: o ministro do Exército, o ministro da Marinha, o ministro da Aeronáutica e o ministro-chefe do Estado Maior das Forças Armadas. E ainda tinha o ministro que era general de duas estrelas que era o chefe da Casa Militar. Eram na verdade cinco ministros militares. Mas esses quatro seriam substituídos por um civil. Então houve um processo de transição na legislação de 1999 que foi feita dentro das condições políticas de então.

E depois de 1999 começou um processo de, digamos, de institucionalização efetiva do Ministério da Defesa. Não vou falar na época do governo Fernando Henrique, mas no governo Lula eu inclusive fiz uma análise sobre essas coisas. Eu creio que nós tivemos um primeiro momento do governo Lula, com o ministro [José] Viegas, em que houve um reformismo moderado. Ou seja, o ministro Viegas tentou estabelecer o reformismo dentro do Ministério da Defesa. Depois, com as crises que se deram com o ministro Viegas, ele acabou se afastando. E o presidente [Lula] convida Zé Alencar, que era o vice-presidente, bonachão, mineiro simpático, agradável. Eu chamei esse período do Zé Alencar como um período de acomodação estratégica. Porque o ambiente estava tenso. Superado esse ambiente veio o momento do ministro Valdir Pires e o coitado do Valdir veio a ser sufocado por algo com o que ele não tinha nada a ver, que foi exatamente crise aérea. Foi um momento de turbulência.

Eu divido minha tarefa num primeiro momento que durou até outubro de 2010, com a aprovação da legislação a que me referi, como um freio de arrumação. Tinha que mexer na aviação civil, mexemos. E tínhamos que começar a mexer também nas Forças.

Folha/UOL: O senhor falou de aviação civil. O Ministério da Defesa não tem mais que cuidar da aviação civil, porque foi criada a Secretaria de Aviação Civil. Isso representou, em certa medida, uma perda de poder para a Força Aérea Brasileira e para o ministério da Defesa. Alguém se recente disso na área militar?

Nelson Jobim: Vamos deixar bem claro que a aviação civil ficou no Ministério da Defesa por uma questão de tradição. Porque a aviação civil se formou junto com a força aérea Foi A Força Aérea Brasileira que criou a aviação civil e ela acabou ficando. A Infraero era da Força Aérea, o controle de espaço aéreo continua sendo da Força Aérea. Não havia agência de regulação.

Na época do Fernando Henrique, transfere-se a Infraero para o setor civil. E aí fica no Ministério da Defesa a aviação civil. Quando baixamos a temperatura do caos aéreo na época, sugeri ao presidente Lula que transferisse a aviação civil para o Ministério do Transportes, já que o Ministério dos Transportes era, teoricamente aquele que seria adequado.

Em dezembro [de 2010], quando a presidente Dilma me convidou, eu sugeri a ela que fizesse a mesma coisa. Ela resolveu então fazer a Secretaria da Aviação Civil. Só que demorou um pouco porque a pessoa que ela pretendia que fosse o ministro da Aviação Civil teria possibilidades de ingressar só no fim de fevereiro. Mas depois não pôde e, enfim, se criou.

Mas não houve perda. Poderia você dizer: "ah, houve perda de poder. Você deixou de controlar um setor do governo". Isso é bobagem. O Ministério da Defesa tem sua função específica.

Folha/UOL: Mas de parte da Força Aérea Brasileira, algum ressentimento?

Nelson Jobim: Não nenhum. Ela já não tinha mais a regulação, que era da Anac. Já não tinha mais a infraestrutura aeroportuária, que era da Infraero, que era Civil. Somente tinha e continua tendo o controle do espaço aéreo com o Decea [Departamento de Controle do Espaço Aéreo]. A presidenta não pretende, pelo menos naquele momento em que conversamos, não pretende tornar civil, ter um controle de espaço aéreo civil e outro militar. Continuará o Decea que é o Departamento de Controle do Espaço Aéreo.

Folha/UOL: O senhor tem falado que certos documentos do passado do país, relacionados à área militar foram destruídos e que é muito difícil encontrá-los. Não seria possível abrir uma espécie de sindicância, um inquérito para saber como foi essa destruição?

Nelson Jobim: Isso tudo já foi feito. Veja, antes mesmo de [eu] entrar no Ministério da Defesa, na época a presidente Dilma era ministra da Casa Civil e tinha determinado criar uma comissão sobre documentos. Ela foi presidente [da comissão]. E enviou ao então ministro, o Zé Alencar, para determinar aos militares a entrega desses documentos. Foram encaminhados aos comandantes de Força os avisos. A Força Aérea inclusive colocou à disposição alguns documentos que ela havia encontrado nos seus arquivos. Mas o Exército e a Marinha disseram que não havia mais nenhum documento. Haviam sido incinerados há algum tempo.

Depois, essa comissão [presidida por Dilma Rousseff] determinou que o Ministério da Defesa abrisse um inquérito. Na época, [o ministro] era o Valdir [Pires]. O Valdir acabou atrapalhado com o problema da aviação civil e não tomou providências. Eu tomei providências nesse sentido. Mandei abrir os inquéritos. Vieram então as respostas das três Forças. A Força Aérea informou que tinha aqueles documentos que tinha posto à disposição. Entregou os documentos. Os demais informaram que os documentos tinham sido incinerados. E quando eles tinham informado que tinham sido incinerados, a ministra Dilma pediu então que se apresentasse o termo de incineração. Só que o termo de incineração, pela legislação vigente, exigia que os documentos fossem sigilosos. Eles informaram que não eram sigilosos e que foram incinerados normalmente.

Folha/UOL: O Senhor acha que ainda há como descobrir mais sobre esse processo? Há como responsabilizar alguém por esse fato?

Nelson Jobim: Internamente não. Não tem como. Como você não tem formalização do processo de incineração, você não tem como identificar de quem partiu o ato.

Folha/UOL: E os responsáveis, à época, pelos que acabaram incinerando?

Nelson Jobim: Pode eventualmente ocorrer pelos trabalhos da comissão da verdade que deverá ser criado pelo Congresso. Deverá ser aprovada agora em agosto. Aí poderá ser objeto, inclusive, de um estudo da Comissão da Verdade. Agora, documentos dentro das Forças não têm mais. Poderá eventualmente aparecer algum documento nas mães de terceiros, de alguns que guardaram. Mas eu espero que agora a Comissão da Verdade possa fazer um levantamento global de tudo isso.

Folha/UOL: O senhor nesse tema de acesso às informações públicas ajudou nos últimos dias a trabalhar um pouco no Congresso a aprovação da lei de acesso a informações públicas. Qual é sua expectativa no início agora do segundo semestre de que essa lei seja aprovada tal qual veio da Câmara dos Deputados encerrando aquele dispositivo de renovações sucessivas do sigilo?

Nelson Jobim: Houve uma objeção inicial. Vamos ser transparentes também sobre o processo histórico. Esse projeto que a imprensa carimbou de sigilo eterno que era aquela renovação sucessiva [do sigilo] dos documentos classificados em ultrassecretos. Tinham período de 25 anos e podia ser renovado indefinidamente. Essa renovação foi carimbada como sigilo eterno. Na verdade não é.

Folha/UOL: Por que não?

Nelson Jobim: Porque era uma comissão que a cada 25 anos iria examinar isso.

Folha/UOL: Poderia ser eterno...

Nelson Jobim: Poderia ser eterno. Mas não era carimbado como tal de forma absoluta. Poderia ser relativamente eterno em relação a algum, um ou outro documento.

Mas o fato é o seguinte: quando se discutiu isso no governo Lula, eu participei dessa discussão como ministro da Defesa. E de outro lado participou o secretário geral do Itamaraty, o Samuel Pereira Guimarães.

O Samuel sustentava, e eu acabei acompanhando ele nisso, aquele modelo que acabou sendo o projeto. Ou seja: que os ultrassecretos possam ser renovados de 25 em 25 anos. Qual é a preocupação? Minha preocupação eram os documentos relativos às nossas tecnologias sensíveis. Pesquisadas pelas Forças Armadas.

De outro lado, tinha a corrente que era liderada pela ministra Dilma, chefe da Casa Civil, e pelo Franklin Martins, que era da Secom [Secretaria de Comunicação Social da Presidência]. Os dois sustentavam que 25 anos ou 50 anos já eram suficientes, podia renovar só uma vez.

O Lula arbitrou pela solução proposta pelo Samuel e por mim.

Conhecendo o processo legislativo com uma certa profundidade, eu me preocupei em colocar também no texto, na época de que as tecnologias sensíveis não estavam sujeitas a essa lei.

Folha/UOL: Tecnologia sensível seria o quê?

Nelson Jobim: Vou te dar um caso. A técnica de construção brasileira do projeto nuclear. E que você tem uma tecnologia que nós inventamos e que o mundo todo namora essa tecnologia, que é um sistema complexo e de extrema eficácia. E que não pode ser revelado.

Então, com isso, se colocou no texto que essas tecnologias sensíveis não estavam sujeitas à lei. Também não estavam sujeitas à lei as questões relativas aos direito humanos. Ou seja: nenhum documento que envolvesse direitos humanos estava suscetível de classificação em secreto, ultrassecreto etc.

Com isso o presidente Lula mandou o projeto nesses termos. A Câmara alterou. É vitoriosa na Câmara a posição que era defendida pela Dilma e pelo Franklin. Vai para o Senado, onde há manifestação do presidente Collor e do Presidente Sarney e a presidente Dilma me chama para que eu possa conversar com os dois.

Eu conversei com o presidente Sarney no final de junho, no início de julho. Conversei com o presidente Collor e acertamos que agora, na reabertura do Congresso, voltaríamos a conversar para votar.

Eu estou defendendo já o texto que está na Câmara. Ou seja, recuo da minha posição primitiva à época de elaboração do projeto e não vejo nenhuma dificuldade. E tem mais uma coisa, estou me esquecendo. Aquelas matérias que dizem respeito à honra, à intimidade das pessoas, essas têm o sigilo natural de 100 anos no projeto.

Folha/UOL: O senhor acha que o texto tal como está parado no Senado deve ser aprovado?

Nelson Jobim: É absolutamente compatível e razoável. Até porque tem uma coisa, Fernando. Vamos ser práticos. Daqui a 50 anos, se algum governo, que não será nenhum de nós, nem vamos saber por que até lá estaremos mortos... Daqui a 50 anos, se algum governo achar que tem algum documento que vai chegar o momento de ter que revelá-lo porque a lei assim determina, ele poderá alterar a lei. A maioria da época, democrática, vai resolver o problema. Também não vejo documentos que possam ter prejuízos daqui a 50 anos. Isso é bobagem.

Folha/UOL: O seu partido, o PMDB, não tem candidato à Presidência da República há muitos anos. É um partido que tem uma fama péssima, a gente sabe disso. Apoia vários governos, apoia o governo atual, e há vários grupos ali dentro. O senhor mesmo tentou ser presidente e agora tem se reunido com senadores do PMDB e já não está tão distante do vice-presidente da República Michel Temer. Como está hoje sua vida e participação no partido?

Nelson Jobim: Bem, vamos deixar claro: eu sempre fui um outsider. Nunca fui da estrutura do partido, inclusive no Rio Grande [do Sul]. Inclusive na época em que eu terminava o Congresso, em 1994, 1995, eu sustentava que o PMDB era uma grande federação de partidos regionais.

O PMDB do Rio Grande do Sul tinha completas diferenças do PMDB de São Paulo, Recife, Amazonas etc. Você tinha um conjunto de grandes partidos regionais e fortes.

Aliás, lembre-se que o PSDB teve origem de divergências internas do PMDB. O PSDB nasceu por quê?* Porque o José Richa rompe com o Álvaro Dias no Paraná. Pimenta da Veiga rompe com Newton Cardoso em Minas Gerais. Fernando Henrique, Covas, Serra rompem com o Quércia. Aí se forma o PSDB. Nas disposições transitórias da Constituição tem um artigo que foi redigido por mim, a pedido do Pimenta para que possibilitasse a criação do PSDB sem aquelas dificuldades iniciais da legislação ordinária.

Bem, o fato é que o PMDB sempre foi, desde 1989, desde a derrota do dr. Ulysses Guimarães, um partido de grandes posturas regionais, de grandes líderes regionais. Nós não temos líderes nacionais. Não tem um líder nacional, de visibilidade nacional como tem o PT, como tem o PSDB. Tanto tem grande estrutura regional que tem grande participação na Câmara e no Senado.

Agora aconteceu um fato curioso. Eu estava operando na minha área, que nada tem que ver com política, a defesa. Sou chamado, num primeiro momento, em fevereiro ou março, para uma reunião na casa do deputado Osmar Terra, onde eles formavam uma facção. Primeiro uma reunião com deputados, uma corrente que se chama Afirmação de Democrática, do qual participo como um quadro, para discutir questões etc.

De outro lado, fui convidado para um jantar na casa do Luiz Henrique [senador por Santa Catarina], um grande amigo meu. Chega o Luiz e me chama com minha mulher, para jantar. Lá estava o Luiz, o Requião [senador pelo Paraná], o Moka [senador pelo Mato Grosso], o Jarbas Vasconcelos [senador por Pernambuco]. Todos amigos. Mas percebi que era um jantar que tinha sentido político. E aí surge discussão política. O que percebi, ouvindo, com toda cautela, ministro do governo, é que havia alguns discursos de natureza oposicionista de alguns deles.

Depois eu disse o seguinte: "estou percebendo que vocês querem que o PMDB tome sua posição e que vocês tenham um espaço dentro do partido. Para que vocês tenham espaço dentro do partido, vocês não podem se definir por uma oposição ao governo. Porque senão vocês estreitam a possibilidade do crescimento da conquista do partido". Aí o Jarbas Vasconcelos afirmou: "Você tem toda a razão. Não temos nada a ver com o problema do governo, vamos continuar no apoio ao governo, mas vamos disputar internamente o partido que é legítimo. Para tentar retomar uma posição de maioria em relação aos demais".

Esse conjunto depois trouxe a uma reunião, em outro jantar, o presidente do partido, o senador [Valdir] Raupp, e o senador Renan Calheiros, que é líder [do PMDB no Senado]. E exigiram inclusive... Uma Medida Provisória aprovada na Câmara, um projeto de lei de conversão, introduzia um dispositivo que viabilizava a recuperação de bancos quebrados antigos, foi introduzida por um deputado federal do Rio de Janeiro na aprovação na Câmara. Nessa reunião os senadores pediram ao líder no Senado que, aprovando esse projeto de conversão vindo da Câmara, a presidente Dilma vetasse esse dispositivo que consideravam imoral etc. Eu creio que as coisas estão se organizando.

Folha/UOL: O senhor acha que esse grupo do PMDB que era mais dissidente...

Nelson Jobim: Começa a se aproximar. Não faz mais oposição ao governo. Tanto é que votou junto no salário mínimo. Aquele foi um momento importante, para cada um dos deputados individualmente. Tanto o grupo da Câmara quanto o do Senado votaram o salário mínimo no modelo do governo. Então não há dificuldades. Há dificuldades internas do partido. O que eu deixei claro é que você não pode trazer para dentro da disputa da situação nacional, as disputas regionais. Porque, se trouxer isto, vai dar problema. Quem é oposição, quem disputa o governo no Estado do Rio Grande do Sul?* O PT de um lado, o PMDB de outro.

Folha/UOL: O senhor tem mantido uma relação mais próxima com o vice-presidente Michel Temer?

Nelson Jobim: Sim, tenho. Tenho várias reuniões com ele, almoço, conversamos muito, discutimos as questões políticas.

Folha/UOL: Não há ressentimento pelo senhor ter ensaiado uma disputa com ele pela presidência do partido?

Nelson Jobim: Vamos separar um pouquinho. Em política não há ressentimento. Tem uma regra que era do doutor Ulysses: em política, só para amadores [há ressentimento]. Em política, até a raiva é combinada. Não há ressentimento. Processos históricos vão se sucedendo. Há momentos que vão se superando.

Folha/UOL: Por falar em processo histórico, em 2006 o senhor já não tinha nenhum cargo publico, estava apto a disputar a eleição. Chegou-se a dizer que houve um ensaio para que o senhor talvez viesse a compor a chapa do presidente Lula como vice-presidente. O que ocorreu na época? Houve algum tipo de conversa nesse sentido?

Nelson Jobim: Não. Conversa comigo não houve. Houve mera especulação na imprensa. O presidente Lula nunca conversou comigo sobre este assunto.

Folha/UOL: O senhor, no começo do nosso papo, falou claramente que a presidente Dilma conhece claramente suas posições. Hoje, com alguns meses no governo Dilma, acredita que a presidente tem conduzido de maneira correta os problemas políticos que vão aparecendo? Porque ela é sempre apontada como alguém que não tinha muita experiência nessa área. Qual avaliação o senhor faz do manejo das duas crises mais recentes: Antonio Palocci na Casa Civil e Alfredo Nascimento no Ministério dos Transportes? Dilma atua de maneira correta?

Nelson Jobim: Se nós olharmos da perspectiva das ações de correção de governo, é absolutamente correta. Você poderá ter alguma crítica, que não é meu caso, de fazê-la em relação às questões que envolvam a Câmara e o Senado, as estruturas políticas. Mas você tem que fazer uma opção. Ou você se submete às estruturas, às injunções políticas, ou você impõe a essas injunções políticas determinadas posições. E ela tem força para isso. E isto é que pode alterar o tipo de funcionamento da Câmara e do Senado. Se você se acomoda às injunções da Câmara e do Senado, e eu conheço bem isso, você acaba se submetendo a eles. Ela [a presidente Dilma Rousseff] fez a opção contrária e eu acho que está absolutamente correta.

Folha/UOL: O senhor acha que está sendo bem sucedida essa atuação dela na crise do Palocci e agora na dos Transportes?

Nelson Jobim: Os parlamentares daquelas correntes, digamos, mais antigas, de imposições mais transparentes e com visão nacional, concordam absolutamente nas posições. Tanto na questão Palocci como na questão dos Transportes.

Folha/UOL: Ela não poderia ter evitado um pouco de fricção com esse Partido da República, o PR, que comanda o Ministério dos Transportes?

Nelson Jobim: Essa é aquela opção. Ou seja: se você valoriza não ter ficção, você tem que fazer concessões. Se você valoriza a afirmação de correções, você não pode fazer certas concessões.

Folha/UOL: O senhor faria a mesma coisa?

Nelson Jobim: Faria. Eu sou um estilo meio duro também, né.

Folha/UOL: O senhor acha que o governo Dilma age de forma muito distinta do que agiria um governo Serra se ele tivesse vencido?

Nelson Jobim: Não. Pelo contrário. Eu acho que seria a mesma coisa. O Serra teria também a mesma linha de opção. O Serra sempre foi visto dentro do PSDB, e no PMDB à época, como um articulador muito duro. É o tipo do negócio que você não tem condição de verificação da afirmação que a gente possa fazer. Diziam os analíticos neopositivistas lógicos, que eu estudei muito, diziam que isso é uma pergunta sem sentido porque você não tem como saber se a resposta é verdadeira ou falsa. Porque não tem como verificar. No entanto eu poderia dizer, conhecendo o Serra, que ele teria a mesma posição. Ou seja: absoluta correção na condução do problema.

Folha/UOL: Ou seja, não teria muita diferença o senhor votar em Serra ou Dilma então.

Nelson Jobim: Teria. Porque seria manter a minha coerência histórica com o Serra.

Folha/UOL: Aliás, teve essa polêmica recente, quando o senhor discursou no Senado nos 80 anos do Fernando Henrique. Dizendo que os idiotas perderam a modéstia. Muita gente entendeu que o senhor se referia a alguém no governo e o senhor disse que não, eram jornalistas. É isso mesmo?

Nelson Jobim: A frase tem que ser lida em sua inteireza. Primeiro, a frase não é minha. É de Nelson Rodrigues, que dizia que "hoje os idiotas perderam a modéstia". Eu referia logo a seguir: "perderam a modéstia e continuam escrevendo para o esquecimento". Escrevendo para o esquecimento é do Jorge Luis Borges, que dizia: "Los periodistas escribem para el olvido" e que "los periodicos son museos de minucias efímeras". Estava me referindo exatamente às críticas que eram feitas ao Fernando na época, principalmente as criticas que eu sofri em 1995 quando nos alteramos a questão indígena, o tratamento da do programa de demarcação de terra indígena.

Folha/UOL: A presidente Dilma chegou a perguntar para o senhor o que queria dizer com isso?

Nelson Jobim: Não, não. Ela até riu. Porque no dia seguinte, isso foi numa sexta-feira. Participei da homenagem ao Fernando, de manhã, e depois fui falar com o presidente Collor. No sábado nós tínhamos marcado uma reunião no Palácio [do Planalto] para discutir o problema dessa legislação [de acesso a informações públicas]. Então quando cheguei para a discussão, era de manhã, estava a ministra da Casa Civil [Gleisi Hoffmann], a ministra das Relações Institucionais [Ideli Salvatti], o Luís Eduardo [ministro da Justiça] e a ministra Maria do Rosário [Secretaria dos Direitos Humanos]. Ao entrar, [sem dizer quem falou a frase]: "ué, a imprensa agora acha que estamos brigando?". "É que a imprensa não sabe ler. Continua não sabendo ler" [risos].

Folha/UOL: O senhor assumiu durante a crise aérea. Um dos acidentes marcados pela repercussão foi aquele da Gol em que houve o choque com o jatinho. O senhor achou apropriada a sentença que foi aplicada aos pilotos do jatinho de cumprir trabalhos voluntários em repartição brasileira, sendo que eles estão nos Estados Unidos?

Nelson Jobim: Fernando, eu sou juiz. Eu fui juiz. Sentença não se discute, ou cumpre ou não se cumpre. Quando não se cumpre, se executa.

Folha/UOL: O senhor gostou da sentença?

Nelson Jobim: É a opção do juiz e não me cabe fazer isso. É a mesma coisa de eu discutir, por exemplo, se eu devo ter gostado da sentença da condenação do Brasil na questão do Araguaia. Eu estou cumprindo tudo o que determinou a juíza. Não tenho nenhum juízo a fazer sobre valores. Esse é o processo democrático. Você tem funções e distinções. Na condição de ministro da Defesa eu tenho a obrigação legal de cumprir todas as determinações naquela questão do Araguaia. Não tenho nada que emitir juízo, se a sentença está certa ou está errada, isso é questão ultrapassada. Nós temos é a capacidade de superar esse tipo de debate. O tipo do debate inútil. Quem pode não gostar das coisas são as pessoas diretamente envolvidas. As pessoas institucionalmente comprometidas têm que cumpri-las e pronto.

Folha/UOL: Notícia recente da imprensa agora disse que o ministro Dias Toffoli foi convidado para uma festa de casamento na Itália e as despesas do hotel foram pagas pelo noivo, que vem a ser um advogado, e tem questões no Supremo relatadas pelo próprio ministro Toffoli. O senhor acha apropriado um ministro do Supremo aceitar um convite desses?

Nelson Jobim: Não vejo dificuldades. Qual é a relação que se estabelece em se aceitar um convite? É que esse convite poderia criar facilidades ao advogado. Não é o caso. Com Dias Toffoli não é o caso.

Folha/UOL: Não seria prudente não aceitar?

Nelson Jobim: Não. Eu não vejo... É uma decisão pessoal. Conheço muito bem o Toffoli, ele tem absoluta independência. No Supremo você tem uma coisa curiosa principalmente com relação à imprensa. Você se lembra, quando eu era ministro do Supremo na época do governo Fernando Henrique, a imprensa e, principalmente, o PT me chamavam de líder do governo no Supremo Tribunal Federal. Depois assumiu o Lula. Foi presidente do Tribunal Superior Eleitoral, presidi a eleição de 2002. Assume o presidente Lula. Em quatro ou cinco meses a imprensa já está me chamando de líder do governo Lula no Supremo. Por quê? Porque estava defendendo as questões de Estado e estava criando alguns problemas em relação às vitórias de determinados tipos de advogados que têm honorários que dependem dos resultados. Ou seja: dos resultados positivos. Não vejo problema nenhum. Acho que isso é um exagero de achar que a vida pessoal desse personagem possa causar influência nas decisões.

Folha/UOL: O senhor vai ficar ministro ou deseja ficar no Ministério até o final do governo Dilma?

Nelson Jobim: Olha, eu deixo que as coisas aconteçam. Quando eu sai do Supremo eu copiei aquele verso do Zeca Pagodinho. "Deixa a vida me levar." E se a gente fica tentando marcar prazos e tempos só cria problemas e você não cria soluções. Então deixa as coisas correrem. As coisas vão andando. No momento em que as coisas resolverem sair, sai. Aliás, a minha vida inteira foi assim. A minha avó materna, que era uma pessoa interessante, do partido libertador, maragata, antiga, dizia de mim que eu tinha mais sorte do que juízo. Eu continuo achando que eu tenho mais sorte do que juízo. Eu continuo achando que eu tenho mais sorte que juízo. Então prefiro deixar que a sorte comande, não o juízo.

Folha/UOL: Se for do desejo da presidente Dilma, o senhor gostaria de ficar até o final do governo?

Nelson Jobim: Não existe esse condicionante de gostaria ou deixar de continuar. As coisas vão se dando, as coisas vão acontecendo. O processo histórico não é um processo que depende de eu gostar ou deixar de gostar.

Folha/UOL: o senhor tem 65 anos, está ativo, é ministro é do PMDB. Deseja disputar algum cargo eleitoral novamente?

Nelson Jobim: Não. Esse projeto político já desapareceu. Aliás, alguns me perguntam por que eu sou ministro. Você tem pelo menos três razões para ser ministro. Ou porque você tem um projeto político. Não é meu caso. Ou porque você quer agregar alguma coisa à sua biografia. Também não é meu caso. Ou porque lhe é prazeroso. Que é meu caso. No momento em que a coisas deixar de ser prazerosa eu saio fora. Projeto político não tem mais nenhum, acabou em 1994 quando eu não concorri à reeleição e apoiei inclusive o Fernando Henrique contra o candidato do partido [PMDB] que era o Orestes Quércia.

Folha/UOL: Ministro Nelson Jobim, da Defesa, muito obrigado por sua entrevista aqui no estúdio do Grupo Folha em Brasília.

Nelson Jobim: Obrigado a você.