domingo, 14 de agosto de 2011

Brizola na globo



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O que há de real na crise

 

O planeta tremeu nos últimos dias. Os problemas enfrentados por Estados Unidos e alguns países da Europa derrubaram bolsas no mundo todo. Até que ponto os prognósticos apocalípticos são verdadeiros? O planeta está realmente em risco?


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TENSÃO
Obama enfrenta uma crise política que pode colocar em risco a
saúde financeira dos Estados Unidos e de parte da Europa
BRASIL
Novos indicadores confirmaram para a presidente Dilma que o
Brasil continua acelerando e será pouco afetado pela crise global
Na semana passada, o cientista político Jean-Claude Trichet, um francês de 67 anos com mais de quatro décadas de experiência no mercado financeiro, declarou que a atual crise econômica é a pior desde a Segunda Guerra Mundial. Isso nada significaria, se ele não fosse o presidente do Banco Central Europeu – e por isso suas afirmações reverberaram com a força de um tsunami. Dias antes, a agência Standard & Poor’s também havia espalhado pânico ao rebaixar a avaliação de risco dos Estados Unidos da categoria AAA para AA+. De acordo com a S&P, o país deixou de ser 100% confiável em termos financeiros, diagnóstico suficiente para provocar histeria nos investidores e desencadear perdas gigantescas nas principais bolsas de valores globais. Mas não foi só. Na lógica insana do mercado, essa entidade quase etérea que se manifesta com força máxima nos momentos de crise, o mundo estaria prestes a assistir ao início da derrocada americana. A recessão planetária seria uma questão de tempo. Além de Estados Unidos e Europa, nações emergentes como o Brasil ficariam seriamente expostas à hecatombe econômica global. Em resumo: uma tragédia anunciada e provavelmente sem antídotos para combatê-la.
Seria ingênuo afirmar que não existe crise, mas não é exagero dizer que ela certamente não é tão feia quanto parece. Basta dar uma espiada no que andam dizendo algumas das vozes mais lúcidas da área financeira. Prêmio Nobel de Economia, o americano Paul Krugman, um crítico moderado do governo Obama, chamou de “cara de pau” a iniciativa da S&P. Para quem não se lembra, essa agência foi uma das responsáveis pela crise do subprime de 2008, ao respaldar instituições que estavam à beira da falência. Ou seja, credibilidade não é um atributo que deva ser associado a empresas como a S&P. Professor da Fundação Getulio Vargas e ex-ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser Pereira define assim a decisão da agência: “A S&P agiu de forma tresloucada”, disse ele à ISTOÉ. A presidente Dilma Rousseff classificou o rebaixamento de “precipitado e incorreto” e não foram poucos os artigos publicados nos principais jornais do mundo com críticas ferozes à redução da nota.
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PROTESTOS
Cenas cada vez mais comuns nos EUA: manifestação de opositores de
Obama (acima) e passeata em prol de empregos em Los Angeles (abaixo)
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Krugman toca em um ponto crucial para colocar a crise em seu devido lugar. “Não é a matemática orçamentária que está fazendo com que os Estados Unidos pareçam pouco confiáveis, e sim a política”, escreveu ele em sua coluna no “The New York Times”. Que a situação financeira dos Estados Unidos inspira cuidados, não é novidade. Na última década, o país sofreu uma série de turbulências, desde o estouro da bolha das empresas de internet em 2001 à concordata do centenário banco de investimentos Lehman Brothers, em 2008. O brutal aumento da dívida pública, o PIB em marcha lenta e a redução do volume de investimentos agravaram o quadro enfrentado pelo presidente democrata Barack Obama, mas o caos não tem a dimensão projetada pelos opositores ultraconservadores abrigados no Partido Republicano.

Divergências entre democratas e republicanos permeiam a história americana. Mas agora há uma diferença notável: é a primeira vez que os Estados Unidos se apresentam divididos em questões de âmbito internacional. Durante todo o século XX e nos primeiros anos do século XXI, querelas em assuntos internos (a ampliação dos direitos civis de minorias, benefícios previdenciários, punições a criminosos, para citar alguns exemplos) se tornaram rotina na política do país. As decisões que transcendiam o aspecto local, porém, sempre foram tomadas com a concordância de democratas e republicanos. Em 1999, embora sofresse forte oposição, o democrata Bill Clinton conseguiu a aprovação de seus rivais na política para bombardear a ex-Iugoslávia. Hoje parece difícil de acreditar, mas foi isso mesmo. Clinton teve apoio irrestrito para lançar foguetes contra uma nação encravada no coração da Europa. Também amparado por oponentes, o republicano George W. Bush invadiu o Iraque em 2003. No governo Obama, a guerra política pode provocar estragos duradouros na economia global. Essa é a diferença em comparação à crise de 2008. Antes, tratava-se apenas de um problema financeiro. Agora, o que está em jogo é um embate pautado por tensões pré-eleitorais. “Nossos problemas são causados por um único lado – mais especificamente, pela ascensão de uma direita extremista que prefere criar crises a ceder um único centímetro nas suas exigências”, escreveu Krugman.
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QUE CRISE?
A usina de Santo Antônio vai receber investimentos
de R$ 15 bilhões e gerar 25 mil empregos
Obama carrega o peso de não ter articulado apoios fiéis no Congresso e no Senado, equívoco que seus antecessores não cometeram. Se essas questões não provocassem danos além das fronteiras americanas, o mundo não estaria tão atento ao acirramento das diferenças entre democratas e republicanos. O problema é que, enquanto os Estados Unidos estiverem fracos, muitas nações serão atingidas. Na Europa, a crise enfrentada por países sensíveis a qualquer turbulência, como Grécia, Espanha, Itália, Portugal e Irlanda, tende a se intensificar. Na semana passada, especulou-se sobre a possibilidade de as agências rebaixarem a avaliação de risco da França, a exemplo do que a Standard & Poor’s fez com os Estados Unidos. O motivo? Se os Estados Unidos não são nota AAA, por que economias menos pujantes seriam?

O mesmo raciocínio vale para países emergentes como o Brasil. Até que ponto a economia brasileira, que nos últimos anos tem dado sinais de vitalidade, será afetada pela crise dos Estados Unidos? Em um artigo publicado na semana passada no jornal “Valor Econômico”, o ex-ministro da Fazenda Antônio Delfim Netto usou uma imagem divertida para traduzir o efeito cascata nas bolsas mundiais. Segundo ele, a racionalidade do mercado é a mesma dos carneiros de Panurge, célebre personagem criado pelo escritor francês François Rabelais. Assim que um dos carneiros foi arremessado ao mar, os outros fielmente o seguiram. “O mercado é a manada”, escreveu Delfim. “É o contágio. Todos seguem todos, supondo que o vizinho sabe o que está fazendo.” Diante dos indicadores econômicos positivos, que até agora não deram sinais de declínio, não faz sentido apostar que o Brasil passará sufoco no futuro próximo, como acreditaram nos últimos dias os carneiros suicidas do mercado financeiro. Especialistas ouvidos por ISTOÉ concordam que o País está preparado para enfrentar o fantasma da recessão americana. “A crise vai impactar menos o Brasil do que em qualquer outro momento”, diz Carlos de Freitas Gomes Filho, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio. “Temos a grande vantagem de possuir gordura para queimar.” Segundo José Augusto Castro, presidente da Associação dos Exportadores Brasileiros, o pessimismo está fora de cogitação. “O peso agora é mais psicológico do que econômico.” Ex-presidente do Banco Central, Carlos Geraldo Langoni faz sua análise baseada em números. “O Brasil provavelmente continuará crescendo em torno de 4% em 2011 e 2012”, diz. “Será um resultado muito melhor do que a queda de 0,6% obtida em 2009.” Colunista de ISTOÉ, o economista Ricardo Amorim afirma que o Brasil não passará ileso, por ser impossível isolar o País do cenário internacional. Ele, porém, concorda que seremos menos afetados. “Temos munição para diminuir a taxa de juros e, assim, estimular a atividade econômica e a expansão do crédito.” No governo, o discurso otimista também está presente. “Não há motivo para desespero”, disse à ISTOÉ o ministro da Fazenda, Guido Mantega (leia entrevista).
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No setor privado, a confiança não foi abalada. “O mercado brasileiro é sólido, temos renda e demanda”, afirma José Drummond Júnior, presidente da Whirpool para a América Latina. Homem mais rico do País, Eike Batista apareceu com destaque nos jornais depois de perder alguns bilhões de reais com a queda disparatada das ações. “Não perdi o sono”, diz Eike. “Há uma lista enorme de empresas que pretendem colocar seu dinheiro no Brasil.” De acordo com o relatório World Investiment Report 2011, apresentado recentemente pela ONU, o Brasil ocupa a quinta posição entre os países que mais recebem investimentos estrangeiros. E tudo indica que a trajetória continuará ascendente. Neste ano, os ingressos de recursos diretos vindos do Exterior e voltados para o setor produtivo atingiram no primeiro semestre a marca recorde de US$ 32,5 bilhões, o melhor resultado desde o início da série histórica do Banco Central iniciada em 1947. Apenas a indústria automotiva deve despejar US$ 15 bilhões no País nos próximos cinco anos. Na área de infraestrutura, os números surpreendem. O Estaleiro Atlântico Sul, no complexo industrial de Suape, em Pernambuco, deve receber R$ 35 bilhões de investimentos até 2020 e gerar até lá 30 mil empregos diretos.

Há exemplos de empreendimentos bilionários em diversas regiões do Brasil. Segundo dados do Ministério do Trabalho, o campeão na geração de empregos é o Estado de Rondônia, onde estão sendo construídas no Rio Madeira as usinas de Jirau e Santo Antônio, que vão consumidor juntas R$ 22 bilhões. Na hidrelétrica de Santo Antônio, trabalham diretamente 20 mil pessoas, número que deve subir para 25 mil nos próximos meses.

A produção industrial, um dos principais indicadores do vigor econômico de um país, também está em alta. Setores como o de tecnologia da informação, farmacêutico e automobilístico apresentaram crescimento acima de 6% no primeiro semestre. Para efeito de comparação, nos Estados Unidos a indústria automotiva se manteve estagnada no mesmo período. O que impulsiona esse movimento é o aumento brutal da massa de consumidores. Nos últimos dois anos, 13,3 milhões de pessoas foram incoporadas ao mercado consumidor, fenônemo que causa uma cadeia de efeitos positivos. Entre abril de 2010 e abril de 2011, o faturamento do varejo brasileiro subiu mais de 10%.
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Enquanto o mundo continuava febril, uma série de novos indicadores confirmou nos últimos dias a recém-conquistada força econômica do Brasil. Na quinta-feira 11, o Banco Central anunciou que as reservas internacionais superaram pela primeira vez a marca de US$ 350 milhões. O dinheiro funciona como uma espécie de escudo protetor, blindando a moeda brasileira e evitando que o País seja arrastado pela instabilidade nos Estados Unidos e na Europa. “Com essas reservas, o País pode navegar com tranquilidade”, diz o empresário Jorge Gerdau, presidente do Conselho de Política de Gestão, órgão instituído no governo Dilma. Também na quinta-feira, a agência japonesa de classificação de risco R&I elevou a nota do Brasil para a categoria BBB. Segundo a empresa, a classificação subiu graças principalmente ao “impressionante fortalecimento do mercado interno.” Informações como essas são exemplos precisos de mudanças no tabuleiro de forças da economia global. Nestes novos tempos, os emergentes caminham para ocupar espaços até então reservados aos países ricos. Especialmente para nações como Brasil e China, o apocalipse está muito longe de acontecer.
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