sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A traição do PT

Política

Mino Carta

Editorial




Dizia um velho e caro amigo que a corrupção é igual à graxa das engrenagens: nas doses medidas põe o engenho a funcionar, quando é demais o emperra de vez. Falava com algum cinismo e muita ironia. Está claro que a corrupção é inaceitável in limine, mas, em matéria, no Brasil passamos da conta.

Permito-me outra comparação. A corrupção à brasileira é como o solo de Roma: basta cavar um pouco e descobrimos ruínas. No caso de Roma, antigos, gloriosos testemunhos de uma grande civilização. Infelizmente, o terreno da política nativa esconde outro gênero de ruínas, mostra as entranhas de uma forma de patrimonialismo elevado à enésima potência.


Constatação. Apresentamos o verdadeiro relator da CPI do Cachoeira. Foto: Monique Renne/ D.A Press

A deliberada confusão entre público e privado vem de longe na terra da casa-grande e da senzala e é doloroso verificar que, se o País cresce, o equívoco fatal se acentua. A corrupção cresce com ele. Mais doloroso ainda é que as provas da contaminação até os escalões inferiores da administração governamental confirmem o triste destino do PT. No poder, porta-se como os demais, nos quais a mazela é implacável tradição.

Assisti ao nascimento do Partido dos Trabalhadores ainda à sombra da ditadura. Vinha de uma ideia de Luiz Inácio da Silva, dito Lula, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo até ser alvejado por uma chamada lei de segurança nacional. A segurança da casa-grande, obviamente.
Era o PT uma agremiação de nítida ideo­logia esquerdista. O tempo sugeriu retoques à plataforma inicial e a perspectiva do poder, enfim ao alcance, propôs cautelas e resguardos plausíveis. Mantinha-se, porém, a lisura dos comportamentos, a limpidez das ações. E isso tudo configurava um partido autêntico, ao contrário dos nossos habituais clubes recreativos.

O PT atual perdeu a linha, no sentido mais amplo. Demoliu seu passado honrado. Abandonou-se ao vírus da corrupção, agora a corroê-lo como se dá, desde sempre com absoluta naturalidade, com aqueles que partidos nunca foram. Seu maior líder, ao se tornar simplesmente Lula, fez um bom governo, e com justiça ganhou a condição de presidente mais popular da história do Brasil. Dilma segue-lhe os passos, com personalidade e firmeza. CartaCapital apoia a presidenta, bem como apoiou Lula. Entende, no entanto, que uma intervenção profunda e enérgica se faça necessária PT adentro.

Tempo perdido deitar esperança em relação a alguma mudança positiva em relação ao principal aliado da base governista, o PMDB de Michel Temer e José Sarney. E mesmo ao PDT de Miro Teixeira, o homem da Globo, a qual sempre há de ter um representante no governo, ou nas cercanias. Quanto ao PT, seria preciso recuperar a fé e os ideais perdidos.

Cabe dizer aqui que nunca me filiei ao PT como, de resto, a partido algum. Outro excelente amigo me define como anarcossocialista. De minha parte, considero-me combatente da igualdade, influenciado pelas lições de Antonio Gramsci, donde “meu ceticismo na inteligência e meu otimismo na ação”. Na minha visão, um partido de esquerda adequado ao presente, nosso e do mundo, seria de infinda serventia para este País, e não ouso afirmar social-democrático para que não pensem tucano.

O PT não é o que prometia ser. Foi envolvido antes por oportunistas audaciosos, depois por incompetentes covardes. Neste exato instante a exibição de velhacaria proporcionada pelo relator da CPI do Cachoeira, o deputado petista Odair Cunha, é algo magistral no seu gênero. Leiam nesta edição como se deu que ele entregasse a alma ao demônio da pusilanimidade. Ou ele não acredita mesmo no que faz, ou deveria fazer?

Há heróis indiscutíveis na trajetória da esquerda brasileira, poucos, a bem da sacrossanta verdade factual. No mais, há inúmeros fanfarrões exibicionistas, arrivistas hipócritas e radical-chiques enfatuados. Nem todos pareceram assim de saída, alguns enganaram crédulos e nem tanto. Na hora azada, mostraram a que vieram. E se prestaram a figurar no deprimente espetáculo que o PT proporciona hoje, igualado aos herdeiros traidores do partido do doutor Ulysses, ou do partido do engenheiro Leonel Brizola, ­obrigados, certamente, a não descansar em paz.

Seria preciso pôr ordem nesta orgia, como recomendaria o Marquês de Sade, sem descurar do fato que algo de sadomasoquista vibra no espetáculo. Não basta mandar para casa este ou aquele funcionário subalterno. Outros hão de ser o rigor, a determinação, a severidade. Para deixar, inclusive, de oferecer de graça munição tão preciosa aos predadores da casa-grande.

http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-traicao-do-pt/

ONU reconhece a Palestina como Estado observador. O que isso muda?

Internacional

José Antonio Lima




O chefe da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas (o segundo da direita para a esquerda) e a delegação palestina aplaudem a decisão. Foto: Stan Honda / AFP

A Assembleia-Geral das Nações Unidas reconheceu nesta quinta-feira 29 a Palestina como Estado observador não-membro, uma elevação de status que, espera a liderança palestina, poderá levar ao estabelecimento do país de fato e de direito. A votação, realizada na sede da ONU, em Nova York, foi encerrada de forma acachapante: 138 países votaram a favor do reconhecimento, enquanto nove foram contra (Israel, Estados Unidos, Canadá, República Tcheca, Panamá, Palau, Ilhas Marshall, Micronésia, Nauru) e 41 se abstiveram.

A votação proporciona dois resultados simbólicos imediatos. Pela primeira vez na história, as fronteiras de 1967 da Palestina (composta pelo território da Cisjordânia e da Faixa de Gaza) é reconhecida como Estado pela ONU e não mais como “entidade”. A partir de agora, ao menos no papel o país chamado Palestina existe, apesar de ainda não ter a mesma forma de existir como a de outras nações reconhecidas como integrantes plenas da ONU. Isso serve para reforçar a chamada “solução de dois Estados”, por meio da qual dois países diferentes, um para os judeus e outro para os palestinos, devem existir.

O segundo peso simbólico da decisão é o impressionante isolamento de Israel na comunidade internacional. O fato de o país ter conseguido apenas nove votos, entre eles de cinco Estados-cliente dos Estados Unidos, seu maior aliado, mostra como as políticas recentes do governo de Benjamin Netanyahu serviram para dissolver quase que por completo o pouco apoio que Israel já desfrutava. A votação é um claro recado da comunidade internacional no sentido de que a situação atual não é tolerável.

Na prática, só o tempo dirá quais serão os efeitos do reconhecimento da Palestina. O novo status permite que os palestinos busquem admissão em outras organizações internacionais, como o Tribunal Penal Internacional. Um avanço deste tipo preocupa muito o governo de Israel, que teme ver alguns de líderes políticos acusados e transformados em réus nesta corte. Buscar admissão nessas instituições, no entanto, não deve ser a prioridade dos palestinos agora. É provável que a liderança palestina aguarde as reações imediatas de Israel.

Na quarta-feira 28, o jornal Israel Hayom afirmou que Netanyahu e seu ministro das Relações Exteriores, Avigdor Lieberman, planejavam um resposta feroz aos palestinos, mas decidiram reagir com moderação. Respostas mais duras só devem ocorrer em 2013. A partir das eleições parlamentares de 22 de janeiro, Netanyahu e Lieberman, políticos de direita e extrema-direita, respectivamente, devem ganhar ainda mais poder no país.

O risco dessa combinação de fatores – o reconhecimento da Palestina e o surgimento de um governo ainda mais extremista em Israel – é que o congelamento do processo de paz se torne ainda mais firme. Está claro que a liderança de Israel segue pelo caminho errado, mas a votação desta quinta não é suficiente para garantir a segurança e a prosperidade para israelenses e palestinos. Isso só será obtido quando os dois lados tiverem líderes prontos a realizar sacrifícios políticos para retomar o processo de paz e obter uma resolução final para o conflito de décadas.

http://www.cartacapital.com.br/internacional/onu-reconhece-a-palestina-como-estado-observador-o-que-isso-muda/

Governo do PT frente aos caminhos perigosos



Caminhos perigosos     
Por Wladimir Pomar, no Correio da Cidadania

À medida que o tempo passa, vão ficando evidentes contradições mais agudas na situação política brasileira. Por um lado, o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma aparecem como favoritos para as eleições presidenciais de 2014. Por outro, na economia, na sociedade e na política se acumulam evidências de que os detentores do poder econômico, dos meios de comunicação e do aparato de Estado estão manobrando com o propósito de reverter a situação em que se encontram.

A queda, mesmo insignificante, da taxa de juros; o aumento, mesmo incompleto, do emprego formal; a redução, mesmo leve, das taxas de eletricidade; o esforço, mesmo parcial, para reduzir os custos das obras públicas; a decisão, mais firme, de combater a corrupção política, através da extinção do financiamento privado das campanhas eleitorais, tudo isso parece haver acendido a luz vermelha nos círculos ideológicos mais influentes daqueles reais detentores do poder, fazendo-os procurar caminhos que lhes permitam acabar com a experiência, mesmo apenas levemente reformista, de governos centrais dirigidos pelo petismo.
O primeiro e mais relevante desses caminhos, como já comentamos antes, consiste naquilo que alguns autores estão chamando de judicialização da política, e eu prefiro chamar de criminalização da política e da ação dos partidos. A política e os partidos passam a ser julgados não mais pelo povo, mas por juízes que, no chamado processo do mensalão, se arrogaram o direito de mudar a natureza do crime cometido, desdenhar provas, atropelar a Constituição e os procedimentos legais instituídos e se colocar acima dos demais poderes republicanos. E se alguém pensa que o STF se contentará em dar um exemplo apenas com esse julgamento, talvez se engane redondamente. Tudo indica que o poder judiciário, sob a tutela da alta corte, se empenhará em substituir o Congresso com normas e leis que intensifiquem a criminalização da política e a paralisia do governo dirigido pelo PT, através do levantamento de novos casos de corrupção, reais ou forjados, que envolvam o ex-presidente Lula, a presidenta Dilma e o PT.

O segundo caminho vem consistindo na multiplicação das derrotas do governo na Câmara e no Senado, derrotas infligidas principalmente por parcelas dos partidos que constituem a base do próprio governo, a exemplo do Código Florestal e da divisão dos royalties do pré-sal. Com a assunção do PMDB à presidência das duas casas do Congresso, cresce a possibilidade de que tais derrotas se intensifiquem, a não ser que Dilma se curve às exigências dos aliados, a exemplo do que já vem ocorrendo na aceitação passiva e na assimilação de que há uma nova classe média no país, que merece atenção prioritária do governo.
O terceiro caminho consiste na paralisia ou redução significativa dos investimentos privados, a pretexto da crise internacional, do alto custo dos salários, da alta carga de impostos, ou de outros motivos secundários, nenhum deles sendo relacionados à redução dos lucros máximos que o poder de monopólio garantia para as grandes corporações financeiras, industriais, agrícolas e comerciais. Como a elevação dos investimentos, especialmente na infraestrutura, indústria e agricultura de alimentos, é a chave para o crescimento e para a geração de empregos, embora alguns setores do governo não deem a atenção devida a isso, as previsões de crescimento de 3% a 4%, em 2013, podem ser frustradas.

O quarto caminho parece consistir em revigorar a insegurança pública, através de chacinas descontroladas, quase certamente realizadas como ação diversionista para ocultar disputas internas nas polícias locais, associação com milícias e traficantes e outras correntes da criminalidade. O que traz à tona a contradição entre as taxas de desemprego oficiais e a grande massa populacional, sem acesso à educação e à qualificação profissional, incapaz de procurar emprego e cuja única opção consiste em servir como soldados do tráfico e do crime. Os casos de explosão de insegurança pública em São Paulo e em Santa Catarina talvez não sejam os únicos, nem os últimos.

Esses caminhos parecem desligados ou disparatados. No entanto, quem se der ao trabalho de acompanhar a pauta do Partido da Grande Mídia pode concluir que eles estão intimamente relacionados, na perspectiva de corroer pelas beiras, e também por dentro, a experiência de governo do PT, de modo a fazer que ele desabe por seus próprios erros. Talvez não seja por acaso que, nos últimos tempos, tenham se multiplicado as publicações da A Arte da Guerra, de Sun Zi, o mestre dessa arte de vencer a guerra induzindo o inimigo a cair em armadilhas, desgastar-se e ser levado à derrota, sem necessidade de travar qualquer batalha decisiva.

Nesse sentido, os promotores da criminalização da política estão provocando o PT a cair na armadilha de realizar uma defesa aberta dos réus julgados pelo STF, de modo a associá-lo umbilicalmente à suposta compra de votos de parlamentares e abrir canais para envolver o ex-presidente Lula e o partido, como um todo, na mesma teia que lhes permitiu julgar e condenar vários dirigentes do partido e aliados. Na verdade, talvez a melhor defesa dos condenados consista numa tática de ataque aberto, público, constante e intenso ao sistema eleitoral de financiamento privado das campanhas eleitorais, no qual o caixa dois é recorrente e não há qualquer indício de repúdio efetivo a ele pela Justiça. Por que o PT não faz uma campanha de vulto, como as muitas que fez no passado, para exigir que o judiciário coíba o uso desse crime e que o Congresso vote o financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais?

Nessas condições, o PT se encontra numa encruzilhada. Ou sai da defensiva com uma tática correta, ou se arrisca a soçobrar. O mesmo diz respeito a ele e ao governo Dilma quanto à economia e à conjuntura política. O PT e seus membros no governo precisam discutir, em conjunto, os problemas estruturais que emperram o desenvolvimento econômico e social no ritmo que a maior parte da sociedade necessita, a exemplo do poder de monopólio de um grupo de corporações empresariais sobre o conjunto da economia, dos gargalos que impedem o crescimento dos investimentos e dos empregos da grande massa da população que está fora do mercado de trabalho e dos aspectos macroeconômicos que incidem negativamente sobre a economia. Ou não terão nada a dizer para as camadas populares e médias da população, nem para mobilizá-las para as mudanças, mesmo as capitalistas, que só serão realizadas se a burguesia sentir que PT e governo possuem um apoio social firme e explícito, e que este apoio pretende avançar nas reformas democráticas e populares.

Quando se confirmou a vitória de Dilma, em 2010, todos sabíamos que seu governo seria, ao mesmo tempo, continuidade do governo e com novas mudanças baseadas no que havia sido conquistado. Os caminhos para essa mudanças estão se tornando cada vez mais perigosos, mas o maior perigo consiste em não enfrentá-los.

Na Inglaterra magnata das comunicões se explica à justiça. No Brasil é proibido

A garota que provocou uma revolução na imprensa inglesa


A cobertura da tragédia de Milly, estuprada e morta aos 13, revoltou a opinião pública

Milly, morta aos 13 anos

Milly Dowler, a garota que provocou uma revolução na mídia na Inglaterra, teria 23 anos hoje.
Em março de 2002, aos 13 anos, ela saiu de sua escola em Surrey, no sul da Inglaterra, para casa, no começo da tarde.

Por volta de 15 horas, ligou de seu celular para o pai, para avisar que em meia hora chegaria em casa. Nunca chegou. Seis meses depois, em meio a uma intensa comoção entre os ingleses, seu corpo foi encontrado nu e em decomposição num matagal perto de sua casa.

Milly, que os que a conheceram descreveram unanimemente como uma garota linda, vivaz, generosa e sonhadora, como costumam ser as meninas de 13 anos amadas, fora abordada, estuprada e assassinada.
O caso foi logo resolvido. Um assassino em série com fixação por jovens colegiais foi acusado, julgado e condenado. Está na prisão, e dificilmente vai recuperar a liberdade, dada a ameaça que representa. O assassino teve dez filhos de cinco mulheres, e algumas delas disseram que ele pedia que se vestissem de colegiais.

O golpe na mídia viria nove anos depois da morte de Milly, quando o jornal The Guardian revelou que o tabloide News of the World, do grupo Murdoch, invadira criminosamente a caixa postal do celular de Milly em busca de novas informações sobre o caso, antes que seu corpo fosse descoberto. A polícia cogitou inicialmente que a própria Milly mexera na caixa postal, e isso deu esperanças à família – os pais e uma irmã um pouco mais velha – de que ela estivesse viva.

Para que se tenha uma ideia da repercussão do furo do Guardian, na mesma semana o NoW foi fechado por Murdoch. Era o jornal em circulação mais velho no Reino Unido, com 168 anos de existência.
Numa tentativa de mitigar a revolta da opinião pública, Murdoch publicou em todos os seus jornais um pedido de desculpas histórico, talvez sincero, mas que não comoveu ninguém.

Ele deixou a sede de seu império de mídia em Nova York e se deslocou para Londres para administrar a crise. Encontrou-se pessoalmente com os pais de Milly, aos quais autorizou que fosse dada uma indenização extrajudicial de 2 milhões de libras. Entregou, com clara relutância, a cabeça de sua favorita, a ruiva Rebekah Brooks, então a Rainha dos Tabloides, depois de passar por dois deles como editora, o NoW e o Sun. Rebekah dirigia o NoW quando a caixa postal de Milly foi invadida.

Nada do que Murdoch fez aplacou a raiva da opinião pública. Sob frenética pressão, o premiê David Cameron designou um juiz, Brian Leveson, para liderar uma investigação independente sobre a mídia britânica.

Murdoch não escapou de depor

Passados dezesseis meses, ao longo dos quais Leveson sabatinou sob as câmaras de televisão todos os personagens relevantes para a discussão sobre a mídia, de Cameron a Murdoch, de Rebekah aos pais de Millie, foi divulgado hoje o aguardadíssimo relato com as recomendações do juiz.
Alguns destaques de Leveson, extraídos de um relatório de 2 000 páginas:

1) Ele “rejeitou totalmente” a ideia, defendida pelas empresas de mídia, de que excessos de jornalistas e publicações são “aberrações que não refletem a cultura, a ética e as práticas da imprensa como um todo”.

2) Ele afirmou que parte da imprensa, ao agir como se não houvesse “código nenhum”, teve um efeito
“devastador” sobre a vida de pessoas comuns apanhadas por tragédias. O sofrimento dessas pessoas foi “ampliado consideravelmente pelo comportamento da imprensa para o qual, muitas vezes, a melhor definição é ultrajante”.

3) A mídia vem dando, segundo Leveson, “absurda prioridade ao sensacionalismo”, e num regime de “ imprudente desrespeito pela precisão”.

4) Existe na imprensa, de acordo com Leveson, a tendência de “diminuir ou desprezar” as reclamações de quem se considera vítima de tratamento injusto. Algumas vezes, a imprensa parte para “ataques em volume alto, de caráter extremamente pessoal, contra quem ousou desafiá-la”.

A recomendação de Leveson é que seja criado um órgão regulador independente para a mídia – independente da indústria, do governo e dos políticos. É mais ou menos o que acontece na Dinamarca – um exemplo amplamente citado nos últimos tempos, em que uma imprensa livre e aguerrida é acompanhada por um órgão regulador independente cuja missão é defender o interesse público.

Apresentado o relatório e feitas as sugestões, começa agora o debate que dará, provavelmente, numa mídia bem melhor do que a que foi objeto de avaliação do juiz Brian Leveson dez anos depois da morte da pequena Milly.

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/?p=17346

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

SIS 2012: acesso de jovens pretos e pardos à universidade triplicou em dez anos




A Síntese de Indicadores Sociais (SIS) 2012 mostra melhoria na educação, na década 2001-2011, especialmente na educação infantil (0 a 5 anos), onde o percentual de crianças cresceu de 25,8% para 40,7%. Dentre as mulheres com filhos de 0 a 3 anos de idade na creche, 71,7% estavam ocupadas. Entre os adolescentes de 15 a 17 anos, 83,7% frequentavam a rede de ensino, em 2011, mas apenas 51,6% estavam na série adequada para a idade. Já a proporção de jovens estudantes (18 a 24 anos) que cursavam o nível superior cresceu de 27,0% para 51,3%, entre 2001-2011, sendo que, entre os estudantes pretos ou pardos nessa faixa etária, a proporção cresceu de 10,2% para 35,8%.

A SIS revela que as desigualdades reduziram-se, na década 2001-2011, em razão da valorização do salário mínimo, do crescimento econômico e dos programas de transferência de renda (como Bolsa Família). O índice de Gini (mede a distribuição de renda) passou de 0,559, em 2004, para 0,508, em 2011.

Em relação ao trabalho, entre 2001 e 2011, a Síntese constatou um crescimento da proporção de pessoas de 16 anos ou mais de idade ocupadas em trabalhos formais (de 45,3% para 56,0%), embora se mantivessem na informalidade 44,2 milhões de pessoas, em 2011. O rendimento médio no trabalho principal teve um aumento real de 16,5%, nesse período, sendo que mulheres (22,3%) e trabalhadores informais (21,2%) tiveram os maiores ganhos reais. No entanto, o rendimento das pessoas ocupadas pretas ou pardas equivalia, em 2011, a 60% do rendimento dos brancos. A SIS aponta, também, que em 2011 o tempo médio semanal dedicado pelas mulheres em afazeres domésticos era 2,5 vezes maior do que o dos homens.

Quanto aos indicadores demográficos, em 2011, a taxa de fecundidade era de 1,95 filhos por mulher, variando de acordo com a escolaridade (de 3,07 para mulheres com até 7 anos de estudo, para 1,69, para aquelas com 8 anos ou mais de estudo). Na década, a população idosa de 60 anos ou mais de idade cresceu a uma taxa anual de 3,7%, enquanto a população total cresceu a 1,2% ao ano.

A SIS 2012 inovou, ainda, ao tratar da proteção social e direitos humanos, abordando questões como a violência contra a mulher, entre outras. Verificou-se que, em mais da metade dos 75 mil registros de violência contra a mulher, elas acreditavam que havia risco de morte.

Esses são alguns dos destaques do estudo Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira 2012, que tem como fonte principal de informações a PNAD 2011, outras pesquisas do IBGE, e que traz avanços na utilização e análise de registros administrativos de órgãos federais. Todas as informações do estudo podem ser obtidas:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicsociais2012/default.shtm

Em 2011, 51,6% dos adolescentes de 15 a 17 anos frequentavam o ensino médio

A análise dos dados da PNAD 2011 indica um crescimento do sistema educacional brasileiro na última década, especialmente em relação à educação infantil. A taxa de escolarização das crianças de 0 a 5 anos passou de 25,8%, em 2001, para 40,7%, em 2011. A escolarização de crianças de 6 a 14 anos está praticamente universalizada, alcançando 98,2% em 2011.

Os adolescentes de 15 a 17 anos apresentaram uma taxa de escolarização de 83,7%, percentual um pouco maior se comparado a 2001 (81%). Porém, em 2011, apenas 51,6% desses jovens estavam na série adequada, resultado mais favorável ao alcançado em 2001, onde somente 36,9% nesta faixa etária estavam no ensino médio, o que revela ainda uma alta defasagem idade-série. O avanço na taxa de frequência desses jovens ao ensino médio foi ainda mais significativo para aqueles que pertencem às famílias com menores rendimentos (de 13,0%, em 2001, para 36,8%, em 2011) e entre os pretos e pardos (de 24,4% para 45,3%).

Frequência de jovens estudantes pretos e pardos nas universidades triplicou em dez anos

A proporção de jovens estudantes de 18 a 24 anos que cursavam o nível superior cresceu de 27,0%, em 2001, para 51,3%, em 2011. Observou-se uma queda expressiva na proporção dos que ainda estavam no ensino fundamental, passando de 21% em 2001 para 8,1% em 2011. Jovens estudantes pretos e pardos aumentaram a frequência no ensino superior (de 10,2%, em 2001, para 35,8%, em 2011), porém, com um percentual muito aquém da proporção apresentada pelos jovens brancos (de 39,6%, em 2001, para 65,7% em 2011).



Síntese de Indicadores Sociais aponta redução da desigualdade na década 2001-2011

A SIS 2012 detectou uma diminuição da desigualdade na década de 2000, medida por diversos indicadores e aspectos. Verificou-se que o coeficiente de Gini (índice que mede a distribuição da renda, de forma que quanto mais próximo de 1 maior a desigualdade) passou de 0,559, em 2004, para 0,508, em 2011. Entre 2001 e 2011, os 20% mais ricos da população diminuíram sua participação de 63,7% para 57,7%, enquanto os 20% mais pobres aumentaram, passando de 2,6% para 3,5% do total de rendimentos. Nesse período, a razão entre a renda familiar per capita dos 20% mais ricos em relação aos 20% mais pobres caiu de cerca de 24 para 16,5 vezes. Apesar da evolução, a desigualdade persiste, pois os 20% mais ricos ainda detêm quase 60% da renda total, em contrapartida ao pouco mais de 11% detidos pelos 40% mais pobres.

A expansão de programas de transferência de renda, como Bolsa Família, resultou em um aumento no item “outras fontes de rendimento” para famílias com baixos rendimentos. Para famílias com renda familiar per capita de até ¼ de salário mínimo (6,7% das famílias) e entre ¼ e ½ salário mínimo (14,1% das famílias), as outras fontes de renda passam de 5,3% a 31,5% e de 3,1% a 11,5%, respectivamente, entre 2001 e 2011. Isso ocorreu em um cenário de crescimento do rendimento médio do trabalho para esses grupos. Para o grupo de até ¼ de salário mínimo, o rendimento médio de todos os trabalhos cresceu, em valores reais, de R$ 273 para R$ 285, no período, enquanto para os que estão na faixa entre ¼ e ½ salário mínimo, cresceu de R$ 461 para R$ 524. Em relação à cor ou raça, no 1% mais rico, em 2001, pretos ou pardos representavam apenas 9,3%, percentual que passa a 16,3%, em 2011. É, ainda, uma participação distante do total de pretos ou pardos na população, um pouco acima de 50%.

Os domicílios nas faixas de até ½ salário mínimo de rendimento possuem algumas características que podem servir de indicativo de vulnerabilidade: têm média superior a quatro moradores, presença mais significativa de crianças pequenas e muitos deles são chefiados por mulher sem cônjuge, com filhos menores de 14 anos (arranjo familiar predominante em 27,0% dos domicílios com rendimento per capita de até ¼ do salário mínimo.



Formalização no mercado de trabalho cresce entre mulheres e jovens na década

Entre 2001 e 2011, a proporção de pessoas de 16 anos ou mais de idade, ocupadas em trabalhos formais, aumentou de 45,3% para 56,0%. Entre as mulheres, a formalidade cresceu de 43,2% para 54,8%. Entretanto, o país registra, ainda, um contingente significativo de mão de obra em trabalhos informais: 44,2 milhões de pessoas. A informalidade é uma característica da população idosa com 60 anos ou mais (71,7%) e da população jovem de 16 a 24 anos (46,5%). Ressalta-se, porém, que os jovens de 16 a 24 anos foram os que mais aumentaram o grau de formalização no mercado de trabalho, principalmente entre 2006 e 2011 (de 40,8% para 53,5%). A população mais escolarizada tendia a estar inserida em trabalhos mais formalizados. Em 2011, a média de anos de estudo da população em trabalhos formais era de 9,2 anos para os homens e de 10,7 anos para as mulheres. Nos trabalhos informais, essa média era 6,1 e 7,3 anos, respectivamente.

Rendimento médio do trabalho teve aumento real de 16,5% na década

O rendimento médio no trabalho principal das pessoas de 16 anos ou mais de idade ocupadas teve um aumento real de 16,5%, entre 2001 e 2011. As mulheres e os trabalhadores informais tiveram os maiores ganhos reais (22,3% e 21,2%, respectivamente).

A desigualdade de rendimentos entre homens e mulheres apresentou redução, mas ainda persiste. Em 2001, elas recebiam o equivalente a 69% do rendimento dos homens, passando para 73,3% em 2011. Destaca-se que, entre as pessoas com 12 anos ou mais de estudo, essa desigualdade era maior: em 2011, o rendimento feminino equivalia a 59,2% do rendimento masculino (em 2001, esse percentual era de 52,6%).

A desigualdade por cor ou raça também diminuiu no período. O rendimento médio das pessoas ocupadas pretas ou pardas com 16 anos ou mais de idade equivalia a 60% do rendimento médio da população branca, em 2011. Em 2001, essa proporção era de 50,5%. Assim como observado para as mulheres, essa desigualdade era maior entre as pessoas com 12 anos ou mais de estudo, sendo que, entre 2006 e 2011, essa proporção caiu de 68,6% para 67,2% (em 2001 era 66,7%).

Mulheres gastam 2,5 vezes mais tempo com afazeres domésticos do que homens

A jornada de trabalho semanal dos homens era, em média, 6,3 horas maior que a jornada feminina. Nos trabalhos formais, a jornada dos homens foi 44,0 horas semanais, versus 40,3 horas para as mulheres. Nos trabalhos informais, essa diferença era ainda maior: 9,4 horas, sendo 40,5 horas para os homens e 31,2 horas para as mulheres. Porém, quando se considera o tempo dedicado aos afazeres domésticos, a jornada média semanal das mulheres (de 16 anos ou mais de idade) é 2,5 vezes maior que a dos homens na mesma faixa. Em 2011, as mulheres dedicavam 27,7 horas a afazeres domésticos, enquanto os homens destinavam 11,2 horas. Com isso, a jornada total de trabalho para as mulheres em 2011 era de 58,5 horas por semana e, para os homens, era de 52,7 horas por semana.

71,7% das mães com todos os filhos entre 0 e 3 anos na creche estão ocupadas

Um aspecto que interfere na inserção das mulheres no mercado de trabalho é a presença de filhos. Dentre as mulheres com filhos de 0 a 3 anos de idade que frequentam creche, 71,7% estavam ocupadas. A participação das mulheres no mercado de trabalho é bastante reduzida quando nenhum filho frequentava creche ou algum não frequentava (43,9% e 43,4%, respectivamente). Vale ressaltar que essa relação praticamente não se alterou desde o início da década: em 2001, o percentual era de 70,1% quando todos os filhos estavam na creche, 41,2% quando nenhum filho frequentava creche, e 44,3% quando algum filho frequentava.

Cresceu percentual de pessoas que levam mais de 30 min. para chegar ao trabalho

Embora 65,8% da população ocupada levasse até 30 minutos para chegar ao trabalho, houve um aumento no percentual de pessoas que enfrentam um deslocamento superior a 30 minutos, passando de 32,7% em 2001 para 35,2% em 2011 entre os homens, e de 27,9% para 32,6% entre as mulheres. Além dos homens, pretos e pardos demoravam mais no trajeto residência-local de trabalho: 36,6% levavam mais de 30 minutos nesse trajeto, versus 31,8% dos brancos.

42,3% das pessoas que moram sozinhas têm 60 anos ou mais

O número de famílias, em 2011, era de 64,3 milhões, com uma média de 3 pessoas por família. A queda da fecundidade e o envelhecimento da população contribuíram para elevar de 9,2%, em 2001, para 12,4%, em 2011, o percentual de pessoas que viviam sozinhas (arranjos unipessoais), com variação de 8,0% das famílias, no Amazonas, a 17,1%, no Rio de Janeiro. Mais da metade (51,2%) das pessoas que viviam sozinhas eram mulheres e 42,3% eram pessoas de 60 anos ou mais.

Na década 2001-2011, houve redução de 53,3% para 46,3% no percentual de casais com filhos, e aumento dos casais sem filhos (13,8% para 18,5%). A PNAD 2011 mostrou, também, uma ligeira redução (17,8% para 16,4%) nas famílias formadas por mulher sem cônjuge com filhos (monoparentais femininas).

Entre 2001 e 2011, houve um aumento de 18,8% para 21,7% na proporção de casais sem filhos, em que a mulher nunca teve filhos nascidos vivos e ambos os cônjuges tinham rendimento – conhecidos como DINC (Double Income and No Children) -, com o seguinte perfil: 42% das pessoas responsáveis por essas famílias tinham entre 24 e 34 anos de idade e o rendimento médio domiciliar per capita era em torno de 3,2 salários mínimos. No Sudeste, representavam 25% dos casais sem filhos.

Quase metade das famílias que dividem o domicílio alegam motivo financeiro

Em 2011, 95,6% dos domicílios eram ocupados por apenas um núcleo familiar, enquanto 4,4% por dois ou mais núcleos, sendo esse percentual maior nas regiões Norte (7,4%) e Nordeste (5,5%) e menor no Sudeste (3,2%). Em quase metade dos domicílios, o motivo para a convivência no mesmo domicílio foi “financeiro” (49,2%), seguido por “vontade própria” (41,2%). Em alguns estados, como Acre (56,6%), Tocantins (51,9%), Santa Catarina (45,9%) e Mato Grosso (60,2%), o motivo “vontade própria” era maior que o “financeiro”.

Entre 2001 e 2011, houve aumento da proporção de mulheres responsáveis pelas famílias de casal sem filhos (de 4,5% para 18,3%) e nas de casais com filhos (de 3,4% para 18,4%). No caso da responsabilidade masculina, a proporção de casais nos quais a mulher cônjuge tinha rendimento igual ou superior ao do chefe homem era de apenas 25,5%, enquanto no caso do homem ser o cônjuge na chefia feminina, o percentual era 77,5%.

No Piauí, apenas 7,7% dos domicílios tinham esgotamento sanitário adequado

Em 2011, 69,4% dos domicílios urbanos brasileiros declararam ter acesso simultâneo aos serviços de saneamento (abastecimento de água por rede geral, esgotamento sanitário por rede geral e coleta direta do lixo), frente a 67,1% em 2001. Para os domicílios urbanos com rendimento médio de até ½ salário mínimo per capita, 50,1% tinham saneamento adequado, em 2011, frente a 42,3%, em 2001.

No conjunto do país, dos 30,6% domicílios urbanos que não tinham acesso aos quatro componentes simultaneamente, 93,0% revelaram ausência de esgotamento sanitário. No Amapá, que apresentava o maior percentual de domicílios sem acesso simultâneo aos serviços (95,9%), 44,7% deles não tinham abastecimento de água, em 96,8% destes não havia esgotamento sanitário adequado e 2,6% não tinham acesso ao serviço de coleta de lixo. No Piauí, entre 92,3% dos domicílios sem saneamento adequado, o esgotamento sanitário estava ausente em 99,4% destes domicílios.

Em 2011, para os 52,8 milhões de domicílios urbanos, verificou-se que 31% contavam com acesso simultâneo a energia elétrica, TV em cores, DVD, maquina de lavar, computador e acesso à internet. Entre os domicílios sem acesso simultâneo aos itens acima, os que não tinham computador e acesso à Internet eram 84,9%. Para os 9 milhões de domicílios urbanos com renda domiciliar per capita de até ½ salário mínimo, o acesso a esses bens e serviços era mais restrito: apenas 7,3% tinham acesso simultaneamente à energia elétrica, TV em cores, DVD, maquina de lavar, computador e à Internet. Para esses domicílios, a ausência de computador e acesso Internet chegava a 92,2%.

4,8 milhões de crianças moram em domicílios sem saneamento básico

Nos indicadores de saúde, vê-se que, em 2011, 48,5% das crianças com até 14 anos de idade (21,9 milhões) residiam em domicílios sem saneamento adequado (ou não havia abastecimento de água por meio de rede geral, ou o esgotamento sanitário não se dava via rede geral ou fossa séptica ligada à rede coletora, ou o lixo não era coletado). Cerca de 4,8 milhões de crianças (10,7%) estavam seriamente expostas a riscos de doenças, pois moravam em domicílios onde os três serviços eram inadequados: 17,2% no Nordeste e 3,7% no Sudeste.

Segundo dados do Ministério da Saúde, as causas externas eram a principal causa de morte da população com menos de 30 anos de idade: nos grupos entre 10 e 19 anos e entre 20 e 29 anos, foram responsáveis por cerca de 70,0% dos óbitos registrados em 2009.

Índice de envelhecimento no Brasil cresce de 31,7, em 2001, para 51,8 em 2011

A razão de sexo – número de pessoas do sexo masculino para cada 100 pessoas do sexo feminino – no Brasil foi de 94,3 (103,8 no grupo de 0 a 19 anos e 79,5 na faixa dos 60 anos ou mais). Quanto à razão de dependência total – número de pessoas economicamente dependentes (menores de 15 anos ou com 60 anos ou mais) para cada 100 pessoas potencialmente ativas (entre 15 e 59 anos) –, diminuiu de 60,3 (2001) para 54,6 (2011). O índice de envelhecimento (relação entre idosos de 60 anos ou mais e crianças de até 15 anos) no Brasil cresceu de 31,7, em 2001, para 51,8, em 2011, aproximando-se bastante do indicador mundial (48,2). No Brasil, merece destaque a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, em que este indicador foi de 80,2.

Em dez anos, o número de idosos com 60 anos ou mais passou de 15,5 milhões (2001) para 23,5 milhões de pessoas (2011). A participação relativa deste grupo na estrutura etária populacional aumentou de 9,0% para 12,1%, no período, enquanto a de idosos com 80 anos ou mais chegava a 1,7% da população, em 2011.

A maior parte da população idosa é composta por mulheres (55,7%). Outras características marcantes: forte presença em áreas urbanas (84,1%); maioria branca (55,0%); inserção no domicílio como a pessoa de referência (63,7%); 4,4 anos de estudo em média (32% com menos de um ano de estudo); a grande maioria (76,8%) recebe algum benefício da Previdência Social; 48,1% têm rendimento de todas as fontes igual ou superior a um salário mínimo, enquanto cerca de um em cada quatro idosos residia em domicílios com rendimento mensal per capita inferior a um salário mínimo.

Perto de 3,4 milhões de idosos de 60 anos ou mais (14,4%) viviam sozinhos; 30,7% viviam com os filhos (todos com mais de 25 anos de idade, com ou sem presença de outro parente ou agregado). Assim, 85,6% dos idosos viviam em arranjos em que havia presença de outra pessoa com alguma relação de parentesco.

Na distribuição do rendimento mensal familiar per capita, os idosos tinham uma situação relativamente melhor do que o grupo de crianças, adolescentes e jovens: enquanto 53,6% das pessoas de menos de 25 anos estavam nos dois primeiros quintos da distribuição de renda, apenas 17,9% idosos de 60 anos ou mais de idade encontravam-se nesta situação.



Fecundidade é maior quanto menor é a escolaridade da mulher

A taxa de fecundidade total (número médio de filhos nascidos vivos que uma mulher teria ao fim de seu período reprodutivo) encontra-se em processo de redução bastante acentuado, ficando, em 2011, em 1,95 filho por mulher, sendo inferior, inclusive, ao nível de reposição da população (2,1 filhos por mulher). A taxa entre as mulheres brancas era de 1,63 filhos por mulher, enquanto, entre as pretas ou pardas, era de 2,15.

As mulheres com menor nível de escolaridade – até 7 anos de estudo – apresentaram taxa de fecundidade total de 3,07 filhos, enquanto, para aquelas com 8 anos ou mais de estudo a taxa foi substancialmente mais baixa, de 1,69 filho por mulher. Na região Norte, a fecundidade de mulheres com até 7 anos de estudo (3,97 filhos) era praticamente o dobro daquela verificada para mulheres com 8 anos ou mais de estudo (2,01 filhos por mulher), em 2011.

Em 2/3 dos casos de violência contra a mulher, os filhos presenciaram as agressões

A SIS 2012 tratou, pela primeira vez, da proteção social e direitos humanos, abordando questões como a violência contra a mulher, a representatividade feminina nas instâncias políticas, condições precárias de trabalho, entre outras, com dados de diversos órgãos do Governo Federal, além das pesquisas do IBGE.

Em 2011, a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), da Secretaria de Políticas para as Mulheres – SPM, registrou 75 mil relatos de violência contra a mulher. Destes, cerca de 60% foram de violência física, 24% violência psicológica e 11% de violência moral. Na maioria dos casos, o agressor era o companheiro(a), cônjuge ou namorado(a) (74,6%); a mulher relacionava-se com o agressor há 10 anos ou mais (40,6%); a violência ocorria desde o início da relação (38,9%) e sua frequência era diária (58,6%). Em 52,9% dos casos, as mulheres percebiam risco de morte (e, em 2/3 das situações, os filhos presenciavam a violência (66,1%).

Mulheres ainda são sub-representadas nas instâncias políticas brasileiras

O Brasil ocupa, em 2012, a 116ª posição na classificação mundial sobre a participação política das mulheres nos Parlamentos, em um ranking de 143 países, de acordo com a União Interparlamentar. Ruanda, Andorra, Cuba, Suécia, Seychelles, Finlândia, África do Sul, Países Baixos e Nicarágua possuem as maiores proporções, em participações, que variam entre 56,3% e 40,2%. No Brasil, é inferior a 9%.

O Brasil elegeu, em 2010, sua primeira Presidenta da República e passou a integrar o grupo de 15 países nos quais uma mulher era chefe de Estado ou de Governo. Mas isso pouco contribuiu para o aumento da participação feminina no legislativo. Em 2006, foram 45 deputadas federais (8,8%) eleitas entre 628 candidatas. Em 2010, o total de mulheres eleitas para Câmara permaneceu 45, mesmo com o aumento de mais de 300 candidatas para o cargo. O Senado Federal é a instância na qual a participação feminina é mais efetiva: as mulheres detêm 14,8% das cadeiras, igual à proporção de 2006.

MTE encontrou 2,6 mil trabalhadores em condição análoga à de escravo em 2010

Não há informações estatísticas sobre trabalho forçado no Brasil, mas uma aproximação pode ser obtida a partir de dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Em 2010, foram 143 operações em todo Brasil, em 309 estabelecimentos, nas quais 2.628 trabalhadores foram encontrados em situação análoga à de escravos (trabalho forçado, servidão por dívida, jornada exaustiva e/ou trabalho degradante). São os chamados trabalhadores resgatados. Além disso, 2.745 trabalhadores tiveram seus contratos de trabalho formalizados no curso da ação fiscal e passaram a ter carteira de trabalho assinada após as operações de fiscalização. O maior número de operações se deu no Pará, onde mais de 500 trabalhadores foram resgatados. Em Minas Gerais, embora o número de operações tenha sido quase a metade das ocorridas no Pará, o número de resgatados foi bem próximo (511), seguido de Goiás e Santa Catarina, respectivamente, com 343 e 253 trabalhadores resgatados. 


http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=2268&id_pagina=1

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Marketeiro de Lula conta tudo sobre eleições

'Lula é o melhor para governo paulista em 2014', diz marqueteiro João Santana


FERNANDO RODRIGUES
DE BRASÍLIA

Mais político e engajado do que nunca esteve, o marqueteiro preferido pelo PT desde 2006, João Santana, declara que o melhor nome do partido para disputar o governo de São Paulo é o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

"É uma pena o nosso candidato imbatível, Lula, não aceitar nem pensar nesta ideia de concorrer a governador de São Paulo. Você já imaginou uma chapa com Lula para governador tendo Gabriel Chalita, do PMDB, como candidato a vice?", disse Santana, em tom irônico, numa longa entrevista à Folha.

Marqueteiro do PT, João Santana venceu 6 das 7 campanhas presidenciais que fez
 
Para o marqueteiro, a presidente Dilma Rousseff será reeleita em 2014 já no primeiro turno -- se ocorrer, será algo inédito para um petista em disputas pelo Planalto.

Sobre o prefeito eleito de São Paulo, Fernando Haddad, faz uma previsão: "Tem tudo para ser presidente da República, em 2022 ou 2026". Antes disso, talvez seja a vez de Eduardo Campos, do PSB.

Na conversa, o marqueteiro de 59 anos relatou como foi a calibragem da estratégia que deu ao PT a Prefeitura de São Paulo neste ano. Não podia atacar os outros candidatos no início da campanha, pois Haddad "não tinha musculatura para bater nem para herdar eleitores" de adversários.

Em anos passados, Santana falava com um certo distanciamento do petismo. Hoje, assume-se mais como um profissional engajado com a causa partidária. "Por ter muita afinidade com o PT e esse campo político, eu acho muito difícil, eu diria impossível, fazer uma campanha presidencial para o PSDB", diz. Fica à vontade para criticar as outras legendas.

"Há um processo de desgaste e de deterioração política do PSDB. Viraram uma versão anacrônica da UDN: denuncistas e falsos moralistas. Pode acontecer ao PSDB o que aconteceu ao DEM. O DEM está sendo engolido pelo PSD, de [Gilberto] Kassab. Se não se renovar, o PSDB pode ser engolido pelo PSB, de Eduardo Campos."

Responsável pelo marketing na reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva (em 2006) e na eleição de Dilma (2010), Santana trata a oposição com um certo desdém: "Se a eleição fosse hoje, novembro de 2012, Dilma ganharia no primeiro turno. Se fossem candidatos de oposição Aécio Neves e Eduardo Campos não teriam, somados, 10% dos votos".

É cético até com o movimento que na internet fala em lançar o atual presidente do STF, Joaquim Barbosa, para o Planalto. "É uma pessoa inteligente e saberá tomar a decisão certa. Caso se candidatasse [a presidente] poderia ter um final de carreira melancólico. Não se elegeria, faria uma campanha ruim e teria uma votação pouco expressiva".

A propósito do STF e do julgamento do mensalão, diz se sentir "no dever" de fazer uma observação aos ministros da mais alta Corte de Justiça do Brasil: "O julgamento do mensalão levou ao paroxismo a teatralização de um dos Poderes da República. O excesso midiático intoxica. É um veneno. Se os ministros não se precaverem, eles podem ser vítimas desse excesso midiático no futuro. E com prejuízos à instituição. O ego humano é um monstro perigoso, incontrolável. O mensalão é o maior reality show da história jurídica não do Brasil, mas talvez do planeta".

João Santana



Paulo Pinto/Divulgação
João Santana (ao centro), com Fernando Haddad (à esq.) e o vereador Antonio Donato durante a campanha à Prefeitura de São Paulo
*
A seguir, trechos da entrevista concedida por Santana em 19 de novembro, no apartamento onde vive em Salvador:

Folha - Quais campanhas fez em 2012?
 
João Santana - Eu e a minha equipe tivemos a sorte de fazer em 2012 algo inédito no marketing político internacional: coordenar, num mesmo ano, três campanhas presidenciais vitoriosas. Conseguimos ajudar a virar uma eleição dificílima na República Dominicana, onde Danilo Medina ganhou depois de ter estado 30 pontos atrás de seu oponente. Participamos da vitória de Chávez, que enfrentou alguns problemas conjunturais, além de uma pressão internacional desmesurada E ajudamos na vitória do presidente José Eduardo dos Santos, em Angola, que teve 75% dos votos. Mas de tudo o que me deu mais alegria foi a vitória de Fernando Haddad na eleição para prefeito de São Paulo. Tanto pelo desafio que significou, como pelo que a vitória de um líder jovem, da qualidade de Haddad, vai significar para S. Paulo e para o Brasil. Mas como nem tudo é alegria, perdemos a eleição de Patrus Ananias para prefeito de Belo Horizonte. Ou seja, fizemos cinco campanhas e ganhamos quatro neste ano.

Essas campanhas todas têm candidatos de um campo político muito definido. O sr. teria dificuldade para fazer uma campanha para, digamos, um candidato do PSDB a presidente do Brasil?
 
Do ponto de vista técnico, não. Mas do ponto de vista político-emocional, sim. No Brasil está acontecendo, aos poucos, algo que no mercado internacional já era: uma espécie de especialização por partidos. Os partidos têm os seus próprios consultores políticos e marqueteiros. Por ter muita afinidade com o PT e esse campo político, eu acho muito difícil, eu diria impossível, fazer uma campanha presidencial para o PSDB.
Mas e no plano internacional?
 
Por ter trabalhado majoritariamente para o PT, e a partir das conexões que se estabelecem entre campos políticos afins, eu comecei a ser convidado para fazer campanhas para partidos políticos de esquerda na América Latina e na África. Meu nome acabou ficando muito associado, sobretudo na imprensa internacional, a esse tipo de consultoria.

De quantas campanhas presidenciais o sr. já participou? É correta a informação de que também participou da eleição de Ollanta Humala, no Peru?
 
É uma informação equivocada. Fui convidado por Humala, fui ao Peru na pré-campanha, fiz um estudo preliminar, mas não pude nem quis fazer a campanha dele. Ela foi feita por Valdemir Garreta e Luis Favre. Eu e minha equipe já vencemos seis eleições presidenciais : a reeleição de Lula, a eleição de Dilma, Maurício Funes, em El Salvador, Danilo Medina, na República Dominicana, José Eduardo dos Santos, em Angola, Hugo Chávez, na Venezuela. Há cerca de 15 anos, naquela época ainda trabalhando com Duda Mendonça, perdemos a campanha presidencial de Eduardo Duhalde, na Argentina.

Em 2008, o sr. perdeu na disputa para a Prefeitura de São Paulo com Marta Suplicy. Agora, com Fernando Haddad, ganhou. Quais são as semelhanças e as diferenças entre as duas campanhas?
 
Em 2008, Marta era oposição e havia um sentimento de continuidade. Este ano, ao contrário, havia um sentimento de mudança e renovação. Outra coisa: Marta sempre foi a melhor candidata do PT para um primeiro turno. E a pior para um segundo turno. Já Fernando Haddad era o pior candidato que o PT tinha para um primeiro turno e o melhor para um segundo turno.

Em 2008, teria sido possível reverter o quadro para que Marta não perdesse?
 
Em tese, sempre é possível. Para isso, precisaríamos ter conseguido amenizar o desejo de continuidade e, também, a rejeição à candidata. E quem sabe se ela tivesse um marqueteiro melhor... E não eu [risos].

Houve um comercial em 2008 que foi considerado preconceituoso contra Gilberto Kassab, perguntando se ele era casado e se tinha filhos. O que se passou?
 
Foi um erro técnico, não uma agressão moral. Não havia, sinceramente, intenção de agredir, como a imprensa interpretou. Mas sei que tem coisas na vida que se cristalizam e só o tempo pode desfazer. Ou não. O fato é o seguinte: existia uma insegurança no eleitor por não conhecer bem Kassab. O comercial alinhou uma série de perguntas que surgiam nos grupos de pesquisa qualitativa. Depois de pronto, testamos em grupos de pessoas de renda C e D. Nos testes, o comercial se mostrou eficaz e sem duplo sentido.

Mas o sr. não acha que houve, no mínimo, uma falha grave?
 
Eu falhei, como comunicador, porque não podia ter produzido um material capaz de causar um efeito imprevisto. Nunca havia acontecido isso comigo e nem voltou a acontecer.
Felizmente não houve danos à campanha, pois não se registrou a mínima queda da candidata, por causa do comercial. Já tive oportunidade de pedir desculpas públicas ao prefeito e vou lhe revelar um fato.
Qual?
 
No início deste ano, quando ainda se cogitava que o prefeito pudesse apoiar Haddad, eu atendi um telefonema, na República Dominicana, e era Kassab. Ele pediu uma conversa. Marcamos para alguns dias depois, e eu abri o encontro dizendo que não poderia começar qualquer tipo de conversa com ele sem me referir ao tema. Senti surpresa nele por eu provocar o assunto. E ele teve uma reação muito elegante: disse que admirava meu trabalho, acreditava na minha versão e que estava tudo superado.

Neste ano, Marta Suplicy queria ter sido a candidata do PT em São Paulo. Mas foi preterida por Lula, que indicou Fernando Haddad. Se o nome do PT tivesse sido Marta ela teria vencido?
 
Poderia vencer, mas teria de ser uma estratégia completamente diferente da de Haddad. E com mais dificuldades. Acho que já respondi isso quando disse que Haddad era o pior candidato para um primeiro turno e o melhor para um segundo turno. E que Marta, apesar de seus méritos, era exatamente o contrário. Como até hoje tem sido impossível ganhar uma eleição na cidade de São Paulo num único turno, Haddad tinha mais chance. Acho que a escolha foi correta.

Houve um momento em que muitos petistas acharam que Fernando Haddad não tinha mais chance?
 
Desde o início, eu acreditava profundamente na vitória de Haddad. Teve um momento em que acho que só eu continuei acreditando. Havia dúvidas, até no próprio Haddad, o que é natural. Uma campanha é vitoriosa quando reúne quatro características-chave: 1) ter um bom candidato com boas propostas; 2) ter um campo político forte, com bons apoiadores; 3) ter uma boa estrutura de comunicação; 4) estar afinado com a conjuntura. Fernando Haddad tinha essas quatro características. Por essa razão, venceu. É possível ganhar com apenas duas ou três dessas quatro. Mas não ganha jamais com uma só ou sem nenhuma.

Celso Russomanno tinha quantas dessas características?
 
Só uma delas, que era estar afinado com a conjuntura. Ele também encarnava o novo e o desejo de mudança. Espelhou isso durante um certo período, mas não tinha nenhuma das outras três características.

Mas por que ele liderou as pesquisas durante boa parte da campanha?
 
Era quase que uma morte anunciada. Tínhamos um grande desafio: encontrar a arma certa e a hora certa de atacar Russomanno. Isso inquietava todo mundo. Uma coisa que nós técnicos aprendemos é que o tempo psicológico de uma eleição é muito diferente do tempo cotidiano das pessoas. Ainda mais numa eleição concentrada como no modelo brasileiro. No marketing político é importante ter sangue frio para conviver bem com o tempo de decisão do eleitor. O eleitor não é um ser humano normal. Seu relógio interno é diferente. A ansiedade dos políticos não convive bem com isso.

Mas e se Russomanno não tivesse apresentado a proposta de bilhete único com tarifa cobrada conforme a distância percorrida?
 
Foi a descoberta da arma certa. E não fui eu que descobri esta arma, foi o próprio Haddad. Ela estava escondida, sumida dentro de um arremedo de programa de governo. O que fizemos foi dar o formato. Mas levamos muito dias de testes e simulações até chegarmos ao ponto ideal. Aí, também era a hora certa.

Por que não fez logo de início a desconstrução de Russomanno?
 
Não podíamos fazer fora do tempo. O grande laço que envolvia Russomanno com o seu eleitor era afetivo, emocional. Se nós partíssemos para uma agressão de natureza moral ou de desconstrução genérica, dizendo que ele era incompetente, haveria reação forte. O eleitor ia se sentir também agredido.

E qual o problema?
 
Naquele momento Fernando Haddad não era conhecido, não tinha musculatura para bater nem para herdar os eleitores que pudessem deixar Russomanno. Se houvesse votos se despregando de Russomanno, iriam beneficiar primeiro a Gabriel Chalita, do PMDB. Ou o Serra. E nós teríamos muita dificuldade de recuperar esses votos. Quando o voto pula de um lugar para outro, tende a se prender mais nessa segunda parada.

E como o sr. calibrou a estratégia para saber o momento exato de desconstruir Russomanno?
 
Foi uma decisão conjunta. Mas prevaleceu meu argumento de que era preciso, primeiro, aumentar o nível de conhecimento de Haddad, em quatro níveis diferentes: que ele era um bom candidato, que tinha boas propostas, que era o nome de Lula e de Dilma e que era do PT.

Só depois de ampliar esse nível de conhecimento é que seria possível tentar atrair os eleitores de Russomanno?
 
Claro. É aí que foi preciso ter sangue frio. Só uma coisa me angustiava: eu já havia descoberto, de maneira empírica, nas eleições presidenciais, que é mais fácil fazer chegar com rapidez informações eleitorais em determinadas localidades pequenas no interior do Nordeste do que na extrema periferia da cidade de São Paulo.

Como se dá esse fenômeno?
 
As pessoas estão menos expostas à propaganda eleitoral quando moram nas extremidades da cidade de São Paulo. Isso ocorre por causa da dificuldade de locomoção e da hora que chegam em casa. Ficam menos expostas aos comerciais, e em especial, ao horário eleitoral. É diferente com as pessoas que moram nas pequenas e médias cidades no Norte e no Nordeste. Lá, elas dormem cedo e quase todos assistem religiosamente a propaganda política. Essa coisa me dava frio na barriga. Por isso regionalizamos, mais que ninguém, nossas propostas no rádio, na TV e em outros meios. Usamos panfletos, telemarketing, redes sociais e o trabalho muito bom de cabos eleitorais.

E José Serra? Quais das quatros características necessárias para vencer ele tinha?
 
Só uma. A comunicação dele era boa. O resto era ruim. Em termos eleitorais, Serra era um mau candidato a prefeito de São Paulo, e, paradoxalmente, era o melhor candidato do seu campo político. Essa é uma equação fatal, pois aponta fragilidade nos dois polos mais importantes de uma eleição.

O PSDB não poderia ter buscado um "Fernando Haddad"?
 
Poderia, mas entre os nomes disponíveis que o PSDB tinha, não havia nenhum com a característica de Haddad. A isso se juntou a má avaliação do governo Kassab -- embora esse não tenha sido o ponto mais negativo de Serra.

Qual foi?
 
Foi imaginar que o trauma da renúncia dele já estava superado. Não estava. Foi a renúncia à Prefeitura de São Paulo em 2006 que derrotou o Serra.

Mas como foi possível esse tema ter voltado com essa intensidade se Serra já havia feito campanhas para o governo de São Paulo e para presidente?
 
O próprio Serra repetia isso na campanha. Que havia deixado a Prefeitura, mas os eleitores haviam dado a ele o governo de São Paulo. Mas há uma questão muito simples... No hipotálamo, na nossa cabeça, existem algumas salas temáticas de tortura. Quando você cai ali dentro, não tem salvação. Numa analogia visceral, você pode até perdoar alguém que matou um ente querido seu, mas dificilmente perdoará se tiver de conceder o perdão na sala ou no quarto em que aconteceu o crime. Ou depois de ter visto cenas do crime.

Ou seja, ao disputar a Prefeitura, Serra reavivou todo o episódio da renúncia de forma mais intensa?
 
Exato. Uma coisa é ser candidato a governador ou a presidente. O estímulo do voto para cada um desses cargos é diferente. O processo mental do voto é muito sofisticado, sutil, complexo, às vezes misterioso. Serra quis voltar para o mesmo lugar que um dia havia deixado. Justamente no momento em que as pessoas tinham uma percepção de que Kassab, o sucessor indicado por ele, tinha fracassado. Criou-se uma memória horrível. Esse foi o fator principal da derrota de Serra. Se ele estivesse se candidatando a senador, poderia ganhar. A governador, quem sabe. Mas a prefeito, não. Jamais. E a nossa campanha potencializou essa lembrança.

Ele não teria como se vacinar contra essa estratégia usada pelo sr.?
 
É muito difícil. Essa lembrança da renúncia dele torturava as pessoas. Agora, esse desgaste também se dá no plano político geral. E não atinge só a ele, mas também ao PSDB.

Não foi também um pouco de preconceito geracional?
 
Acho que não. Esse aspecto geracional não se aplica de maneira linear. Essa coisa do "novo" foi mal interpretada. Algumas pessoas imaginaram que o novo do Haddad significasse só a idade dele. A coisa mais nova que existe na política brasileira é Dilma Rousseff, que é um brotinho de 64 anos.

Sua tese é que há um desgaste do PSDB que atrapalhou também Serra?
 
Há um processo de desgaste e de deterioração política do PSDB. O pior para um partido não é estar fora do poder, mas é não saber ser oposição. Os tucanos não souberam ser oposição. Em vez de aumentar o vigor propositivo ou apresentar uma alternativa ao modelo de desenvolvimento, viraram uma versão anacrônica da UDN: denuncistas e falso moralistas. E também não fez uma renovação de quadros.

E como isso pode evoluir?
 
Pode acontecer ao PSDB o que aconteceu ao DEM. O DEM está sendo engolido pelo PSD, de Kassab. Se não se renovar, o PSDB pode ser engolido pelo PSB, de Eduardo Campos. E não digo isso com alegria, porque acho ruim para o Brasil. A democracia brasileira, diferentemente de outras, pode ter seu sistema de poder apoiado em quatro ou cinco grandes partidos, competitivos, capazes de produzir rotatividade no governo e variação de modelos.

O PSB para canibalizar o PSDB, nessa sua hipótese, teria de sair do campo governista?
 
Ou não. É tudo um exercício de raciocínio sobre o que está acontecendo. O DEM é um exemplo. Estava ferido de morte quando foi tomado pelo PSD.

Mas e as vitórias regionais do DEM, como a conquista da prefeitura de Salvador?
 
Ganhar Salvador não faz a menor diferença para o DEM. Eu hoje imagino que é mais lógico que o prefeito eleito de Salvador, ACM Neto, saia do DEM do que queira ou tenha força para ressuscitar o partido. O DEM vive um ciclo terminal.

O que o PSDB deveria fazer para estancar esse processo de deterioração que o sr. descreve?
 
Primeiro, ficar mais perto do povo. Não conseguiu até hoje perder o sotaque de alta classe média paulistana. Não por acaso, em qualquer pesquisa o PSDB aparece como o partido dos ricos. Por quê? Porque nunca dialogou verdadeiramente com o povo. Seja por descuido, desdém ou porque quando esteve no poder não desenvolveu uma prática social profunda.

E quando se fala nas semelhanças entre PT e PSDB?
 
Esta é uma grande balela. É o contrário. O PT é um partido de extração popular fortíssima. Tem um líder como o Lula. Tem uma opção clara e concreta pelos mais pobres. Tem uma das políticas sociais mais avançadas do mundo. O PSDB não tem nada disso.
Onde se encaixa o PSD?
 
A definição de Kassab de que o PSD não é um partido de esquerda nem de direita nem de centro pode funcionar como um artifício, um módulo de transição. Mas não resiste ao tempo nem ao choque com o real. Permite, apenas, que no início ele faça alianças à direita e à esquerda. De uma maneira muito mais ampla e inteligente do que o PSDB conseguiu fazer. O PSDB conseguiu só alianças com a direita de um tempo para cá.

E o PPS, que sempre está com os tucanos?
 
O PPS é muito pequeno e é a exceção que confirma a regra.

Mas o PSD não pode ficar muito tempo nesse equilíbrio improvável?
 
É um espaço precário e temporário. Depois terá de ir, para um lado ou para o outro. Será forçado a uma definição. E a definição dele é ir para o espectro da direita.

O sr. sempre reclama das decisões da Justiça Eleitoral. Mas o problema são os juízes ou a Lei Eleitoral?
 
A legislação eleitoral tem muitos anacronismos. Um dos mais sérios,e pouco discutido, é o poder de um juiz, de forma autocrática, censurar um candidato. Poder tirar, sumariamente, do ar um comercial que ele julgue ofensivo. Poder, também, conceder ou não direito de resposta, às vezes, com alta carga de subjetividade. Levado ao extremo este é um dos últimos resquícios da censura no Brasil, um cerceamento a liberdade de expressão. Trata-se da censura ao pensamento político de uma pessoa que pode, em poucos dias, se tornar presidente, ou governador de estado. Não é um poder exagerado?

Aí eu faço uma sugestão. Escolas de direito poderiam pedir a todas as campanhas os seus arquivos com os pedidos de direito de resposta, os comerciais que foram tirados do ar, as defesas que foram feitas, as sentenças, quando foi concedido o direito de resposta. Há muita coisa polêmica que vai surgir. Mas é necessário levantar tudo para que o debate seja feito em termos objetivos. Outro aspecto é o tempo que se gasta nesses processos. Muitas vezes um juiz dá uma decisão provisória e há um atraso enorme até a decisão final.

O PT se aliou ao PP, de Paulo Maluf, para ter mais tempo de TV na disputa paulistana. Foi uma ação correta?
 
Foi uma decisão acertada a aliança com o PP de Maluf, que no resultado final ajudou mais do que prejudicou. Pode nem mesmo ter ganho os votos malufistas, mas funcionou no geral, pois nos ajudou naquilo que mais precisávamos que era tornar o candidato mais conhecido. Nós não ganhamos apenas dois minutos a mais. Deixamos de perder quatro, pois se não pegássemos, o Serra iria pegar.

E o mensalão, que impacto teve?
 
Teve um efeito circunstancial. Alguns comerciais que tentavam juntar o Fernando Haddad ao caso. A gente sentia que por umas 48 horas havia um efeito, que depois evaporava. Era como uma lesão no atleta de futebol. Às vezes, a perna fica roxa, mas não significa que quebrou ou que a inutilizou.

Por que o efeito foi circunstancial se o partido de Fernando Haddad esteve no centro do episódio? O eleitor não dá atenção para esse tipo de desvio moral?
 
Por uma razão muito simples: Fernando Haddad não estava, de nenhuma maneira, envolvido no episódio. E durante toda sua vida não sofreu nenhuma denúncia por conduta irregular. Serra, inclusive, engoliu isto a seco num debate.

O sr. está dizendo que toda a exposição do mensalão na TV se resumiu a esse impacto circunstancial?
 
Sim. Mas eu gostaria de fazer uma observação adicional. Nós todos somos atores políticos e sociais. O teatro, os ritos são indissociáveis da política e, por consequência, da Justiça, que é um ente político. Os meios modernos de comunicação levaram esta teatralização ao paroxismo. E o julgamento do mensalão levou ao paroxismo a teatralização de um dos Poderes da República. O que isso trouxe de bom ou de ruim, o tempo dirá. Mas sem querer dar conselhos, é bom lembrar uma coisa para os ministros membros do STF: o excesso midiático intoxica. É um veneno. Se os ministros não se precaverem, eles podem ser vítimas desse excesso midiático no futuro. E com prejuízos à instituição.

Como?
 
Mesmo sendo transparente, uma Corte deve ter um certo recato. Você já imaginou se todos os governos transmitissem ao vivo as suas reuniões ministeriais? Se houvesse uma câmera ao vivo transmitindo de dentro dos gabinetes do presidente e dos ministros? Você acha que essa transparência seria benéfica ou maléfica? O governo seria mais democrático por se expor dessa forma? Ou um governo mais fragilizado?

Mas o sr. acha que deve ser interrompida a transmissão das sessões do STF pela TV?
 
Não estou dizendo isso. Mas apenas que os ministros, como atores, tenham a dimensão do que isso significa. Administrar a Justiça com transparência não significa, necessariamente, fazer um reality show. Qualquer pessoa precisa se precaver com a atuação. Até um cirurgião, quando filmado, pode ter interferência na sua atuação.

Como podem sofrer os ministros do STF pela exposição extremada?
 
O ego humano é um monstro perigoso, incontrolável. Toda vez que você é levado a uma superexposição sua tendência é sempre sobreatuar. Essa é a questão central.

O sr. está comparando o julgamento do mensalão a um reality show?
 
O mensalão é o maior reality show da história jurídica não do Brasil, mas talvez do planeta. Não existe uma Corte Suprema no mundo que tenha transmissão ao vivo. Os ministros estão preparados para julgar. Mas estão preparados para essa superexposição? Aliás, qual é o ser humano que está preparado para uma situação dessas? Eu costumo dizer aos candidatos em campanha: tome cuidado quando você está ali, sob aquela luz, porque você está exposto. Tome cuidado com a sua cabeça e sobre como reagir com o sucesso. Se você não reagir bem à exposição midiática e ao sucesso, você pode trazer problemas para você, para sua família e para a instituição que você representa.

O julgamento do mensalão teria um resultado diferente se não tivesse transmissão ao vivo pela TV?
 
Às vezes, eu acho que sim. E acredito que a transmissão ao vivo potencializou os efeitos da pressão feita pela mídia antes do julgamento. Não estou dizendo que seja só ruim, só negativo. Mas é um fato que precisa ser conhecido e eu como especialista em comunicação me sinto no dever de dizer.

Numa declaração recente, o publicitário Washington Olivetto disse que só gosta "de anunciar coisas que as pessoas possam devolver se não gostarem". Disse também: "Minha ideologia criativa, que se baseia na verdade bem contada, não combina com o marketing político". O sr. concorda?
 
A comunicação e o marketing político causam um certo estranhamento e uma má compreensão entre os próprios políticos e entre os profissionais de comunicação. Não estou me referindo especificamente a Olivetto, mas alguns, por baixo entendimento da política, sofrem de um falso conflito moral -- além de uma pretensa superioridade estética. Muitos acham que é mais nobre fazer propaganda para bancos, operadoras de cartões de crédito, plano de saúde, telefônicas (que atendem mal e até escorcham os seu clientes), do que para políticos. É uma questão de ponto de vista.

E sobre trabalhar com produtos que possam ser devolvidos?
 
Um político não é um produto. O político é um líder, um condutor, é um gestor. Se fosse para fazer uma analogia com o mercado, mesmo que inapropriada, seria melhor compará-lo com um investimento. Um título de prazo fixo que a pessoa compra e depois pode recomprar ou não. E a democracia é o modelo que tem o melhor e mais eficiente sistema de devolução: o voto. Ele funciona melhor do que qualquer Procon da vida.

É purismo achar que a política possa prescindir do marketing?
 
É mais que purismo. É burrice. É um equívoco pensar assim, porque a política nunca prescindiu de técnicas de persuasão desde a sua origem, no tempo das cavernas.

Não seria melhor colocar os políticos na TV, ao vivo, um questionando o outro e sem marketing?
 
E se isso gerasse um tédio, um desencanto, um desinteresse ainda maior pela politica?

Ainda assim, não seria melhor que os debates fossem menos amarrados pelo marketing?
 
Os debates podem ser melhorados. Mas não pense que o marketing deixará de influenciar um debate com menos regras. No período anterior a esse encontro haverá uma fase grande de treinamento. Será feito por pessoas da política e do marketing. As técnicas de debate, de retórica e mesmo de expressão facial terão influência do marketing. Haverá um trabalho maior de "coaching" no bastidor, de linha argumentativa, de construção de discurso. Isso é feito pelo marketing. Como foi feito a vida inteira pelos consultores, conselheiros das monarquias e das antigas repúblicas. Querem vender o marketing como um mal dos tempos modernos. Não é. É um comportamento que vem de séculos. Ele só vai se aperfeiçoando ou se instrumentalizando a partir da infraestrutura física que se tem, dos meios de comunicação, da forma de fazer política.

Por que não foi realizado o debate na internet na eleição paulistana?
 
Primeiro, por problemas de agenda. Segundo, por uma relação custo-benefício: a influência da internet é ainda muito restrita nas campanhas eleitorais no Brasil.

Quando a internet será influente?
 
Não sei. Mas vai ocorrer. A internet vai modificar a comunicação política como a própria forma de fazer política. Mas não há ainda essa influência. Eu já errei muito em palpites sobre a internet na política. Eu achava que em São Paulo neste ano haveria algo. Mas não ocorreu. Pode ser que aumente um pouco a influência na eleição presidencial. Mas não será decisiva ainda por muitos anos. A televisão continuará sendo preponderante. A arrecadação de fundos para campanha via web vai demorar no mínimo uma década, e olhe lá.

A internet é eficaz para propaganda negativa?
 
Um pouco, mas criou-se uma lenda a respeito. A TV ainda é muito mais eficaz também nesse campo da propaganda negativa.

E o uso de redes sociais?
 
Ainda é limitado na política. Eu quero encarar esse desafio. Estou montando uma empresa de internet para comunicação política. Ainda estou amadurecendo, mas será algo para trabalhar com partidos e candidatos, mas com uma proposta de comunicação na internet de mais longo prazo.

Os prazos rígidos para fazer campanha impedem esse uso mais vigoroso e de longo prazo da internet na política?
 
Sim e é preciso acabar com essa hipocrisia de que uma pessoa só é candidata a partir de determinada data. Isso não existe numa democracia.

Quem mais perdeu e mais ganhou nas eleições municipais de 2012?
 
O PT saiu fortemente fortalecido. O PSB ganhou, mas não na dimensão que se fala. O PMDB continua o maior. O PSDB se esvaziou um pouco. O fato é que não houve grandes mudanças do ponto de vista percentual e do equilíbrio político do ponto de vista quantitativo, não do qualitativo.

Mas o PT sofreu um revés no Nordeste...
 
O Nordeste nunca foi petista de fato. O Nordeste foi lulista e vai continuar sendo por muito e muito tempo. E são circunstâncias muito específicas.

Foi então uma derrota de Lula?
 
Não. São condições muito específicas. A única eleição na qual Lula interferiu de fato foi São Paulo. Lá, ele ganhou bonito.

Ele interferiu diretamente em Campinas...
 
Desculpe, em Campinas também. E produziu um efeito sensacional. O Márcio Pochmann ter ido para o segundo turno foi algo de muita relevância.

O lulismo foi muito usado nesta campanha, com o ex-presidente Lula gravando comerciais para muitos candidatos e participando de alguns comícios. Mas o resultado no Nordeste e em Manaus não foi o esperado. A presidente Dilma também foi a Salvador e a Manaus e o impacto não foi sentido. Por quê?
 
O voto municipal passa, quase exclusivamente, pelo que chamamos de "demandas de vizinhanças". Lula e Dilma sempre souberam disso. Inclusive eram mais céticos do que a maioria dos seus companheiros com a relação à magia de seus apoios. Curiosamente, esta sinergia é mais decisiva quando o candidato é muito desconhecido, como ocorreu com os apoios de Lula e Dilma a Haddad e Pochmann, em São Paulo e em Campinas, e de Eduardo Campos a Geraldo Julio, em Recife. Em Manaus e Salvador, a realidade era completamente diferente.

Por que a presidente Dilma ainda tem uma marca difusa no governo, depois de dois anos no comando?
 
Você escreveu isso recentemente, mas discordo. Primeiro eu gostaria de lembrar que análises sobre a falta de marca do governo eram recorrentes nesse mesmo período para o presidente Lula. Com dois anos de governo de Lula, os programas sociais já se ampliavam e começava a ocorrer o maior movimento de ascensão da classes menos favorecidas da nossa história. Por que em 2006 muitos se surpreenderam com a reeleição de Lula? Porque a maior parte da mídia não estava percebendo o que se passava.
Da mesma forma, hoje, é um grande equívoco dizer que a presidente não tem ou não está firmando uma marca.

Qual será a marca de Dilma?
 
Já está sendo. Ela está firmando a imagem de grande consolidadora das políticas sociais, de ampliadora dos direitos da classe média, de reformadora moral e modernizadora do país. Está se formando a imagem de uma mulher firme, honesta, que não tem medo de tomar medidas duras. Uma mulher que não se deixa mandar. Que sabe fazer parcerias e alianças com setores importantes, especialmente com Lula. Uma presidenta que enfrenta uma das maiores crises da economia internacional sem titubear. Uma mulher de raça. Que enfrenta os bancos para abaixar os juros, as empresas de energia para abaixar a tarifa elétrica. Isso eu não estou inventando: estou relatando a leitura de estudos profundos de opinião.

Que estudos são esses?
 
Pesquisas quantitativas e qualitativas. Grupos de painéis setoriais. Por isso tudo ela vai se reeleger, entre outros motivos.

O sr. afirmou que Dilma ocuparia metaforicamente a cadeira da rainha no imaginário do brasileiro. Isso está se passando?
 
O que eu falei não era profecia. Não sou profeta. Era uma imagem figurada. Uma metáfora que está se cumprindo simbolicamente. Grandes camadas da população têm um respeito, uma admiração e um carinho tão sutil por Dilma que chega até a ser de uma forma majestática. É diferente daquele amor quase carnal, elétrico, vulcânico que têm por Lula.

Como se manifesta esse amor?
 
É uma forma de amor que se manifesta com respeito, reverência. Entre as mulheres, então, é uma coisa incrível. Elas ainda estão impactadas pela surpresa de uma mulher estar conduzindo o país da forma que ela está conduz. Nas mulheres do povo, nas camadas C e D, é recorrente observações do tipo "quem imaginava que uma mulher seria capaz de conduzir o país de forma tão firme e competente, hem?".

Com a ascensão de muitos brasileiros para a classe média não mudam os patamares? As demandas?
 
As mudanças sóciodemográficas alteram algumas demandas, mas as questões centrais permanecem: melhorar a vida, mais oportunidade, mais serviços públicos de qualidade, emprego e segurança. Dilma está muito atenta a isso.

Mas em 2014 o eleitor pode dizer: o PT está no poder há 12 anos e muita coisa ainda está ruim...
 
Se for assim, o PT também poderá dizer que está no poder há 12 anos e tudo o que está bom é por causa de sua administração. E vai dizer, ainda, o que pode melhorar. E como há um desejo de continuidade forte, e nenhum sinal de fadiga de material, o PT sai vencedor nesse debate.

Por quê?
 
Primeiro, a imagem de Dilma. Ela está com uma imagem boa e num patamar raro. E qualitativamente vai melhorar ainda mais. Segundo, o grau de afinidade dela com o Lula. Terceiro, depois que passou a haver reeleição para presidente, o brasileiro tende a pensar num ciclo de oito anos para presidente. E, por último, a oposição não tem candidatos fortes nem vai ter tempo nem circunstância para construir um projeto competitivo.

E a economia?
 
Terá um papel importante, porém, não o único. Na hipótese que me parece completamente improvável de a economia ter sérios abalos, a população verá Dilma com muito mais capacidade de controlar o timão num momento de crise do que alguém da oposição.

Como FHC em 1998?
 
O que eu quero dizer é que com a economia em bom estado, Dilma está fortalecida. Com uma crise, que não virá, ela também estaria. Porque com o cardápio de candidatos que está sendo oferecido, as pessoas vão confiar muito mais nela. Isso não falo da minha cabeça, mas de simulações que a gente faz. E mais, a percepção da crise internacional é forte em todas as camadas socioeconômicas do Brasil. O pobre está vendo todos os dias na TV como estão os Estados Unidos, a Europa.

Dos nomes citados para 2014, quem deve mesmo concorrer?
 
De todos os que apareceram, só tenho certeza mesmo sobre o nome de Dilma Rousseff. Ela será candidata e vai ganhar a eleição. Provavelmente no primeiro turno.

No primeiro turno?
 
Tem todas as condições. Não será surpresa [risos].

Aécio Neves é competitivo?
 
Mais para o futuro. Não me parece que vai chegar com força suficiente em 2014.
Eduardo Campos?
 
Acho que ele é muito inteligente para querer ser candidato. Ele sabe que o melhor momento dele será depois.

Joaquim Barbosa?
 
Acho também que é uma pessoa inteligente e saberá tomar a decisão certa. Caso se candidatasse poderia ter um final de carreira melancólico. Não se elegeria, faria uma campanha ruim e teria uma votação pouco expressiva. Não tem apelo para ser candidato presidencial.

Joaquim Barbosa não tem apelo?
 
Certeza absoluta. Mesmo com os pontos positivos que tenha, não tem perfil de presidente. Não tem preparo político para enfrentar o embate de uma campanha. Não tem base partidária que lhe forneça uma estrutura sólida. O povo separa bem as coisas: sabe que uma coisa é ser juiz outra é ser presidente.

Marina Silva?
 
É uma boa candidata, mas acho que neste interstício de dois anos ela perdeu muito espaço. E não conseguiu recompor uma base partidária. Ela saiu bem da campanha de 2010, mas perdeu o vigor nesses dois anos, durante os quais poderia ter feito um trabalho mais consistente.

Ciro Gomes? Acabou o ciclo dele?
 
Não sei nem se ele tem condições de se impor como candidato em seu partido.

E Lula em 2014?
 
Não quer ser candidato a presidente da República, em 2014. Defende, de toda alma, a reeleição de Dilma.

A presidente está fazendo uma aliança partidária muito ampla para 2014. Deixa poucas opções para o PSDB. Essa é a ideia?
 
Isso é muito bom se se confirmar em 2014. Porque Dilma vai ter condições de mostrar muita coisa que ela tem realizado e isso será possível na campanha eleitoral.

Para esse cenário se consolidar é importante que o PSB e Eduardo Campos se mantenham na aliança dilmista?
 
O ideal não só para a presidenta Dilma como para Eduardo Campos é que o PSB fique no campo governista. Ele poderia se transformar num forte candidato para 2018.

Mas o PT jamais apoiaria para presidente um nome do PSB...
 
Não sei. Isso aí é o PT que pode responder. Mas que Eduardo Campos seria um candidato a presidente melhor em 2018 do que seria em 2014, sem dúvida alguma.

O que Eduardo Campos ganharia esperando até 2018? Não é melhor concorrer em 2014 para acumular capital político?
 
Depende. Visto de um lado, sim. Visto de outro, não. Se você examinar, historicamente, entre os candidatos que seguiram essa linha de acúmulo gradativo de forças só houve um que se saiu bem nesta estratégia, que foi Lula. Adhemar de Barros [1901-1969] foi um caso patético. Leonel Brizola [1922-2004] fracassou. Ciro Gomes não teve resultados. Então, é uma faca de dois gumes. Um candidato jovem que vem pela linha da renovação torna-se muito mais forte se trabalhar no momento preciso, com impacto, do que tentar no varejo, aos pouquinhos. Foi o que aconteceu, positivamente, com Haddad em São Paulo: chegou no momento correto e causou uma grande surpresa. Por sinal, Fernando Haddad tem tudo para ser presidente da República, em 2022 ou 2026. É jovem, vai fazer um bom governo em São Paulo...

Não é muita futurologia?
 
É... Mas se a política não permite futurologia, as entrevistas permitem. Fernando Haddad tem hoje 49 anos. Tem tudo para fazer uma grande administração em S. Paulo. Vai ficar oito anos em São Paulo, porque ele vai se reeleger. Em 2022, 2026, vai ter um pouco menos ou um pouco mais de 60 anos.

Esse seu raciocínio é todo construído a favor do projeto da reeleição de Dilma. Se Eduardo Campos se lançar candidato a presidente em 2014, ele não força a realização de um segundo turno?
 
Se a eleição fosse hoje, novembro de 2012, Dilma ganharia no primeiro turno. Se fossem candidatos de oposição, a Aécio Neves e Eduardo Campos não teriam, somados, 10% dos votos. Não significa, obviamente, que não possam melhorar. Mas uma mudança grande só poderia ocorrer caso houvessem fortes mudanças no quadro politico, econômico e social. Isso parece muito pouco provável.

O sr. citou Fernando Haddad como presidenciável. Mas em 2014 tem eleição para o governo paulista. Haddad pode ser o nome do PT nessa disputa?
 
Ele não quer e sabe que seria um erro mortal repetir a mal sucedida experiência de Serra. O PT não precisará de Haddad para vencer as eleições. Tem outras nomes para isso.

Qual deve ser o candidato do PT a governador de São Paulo em 2014?
 
Não sei, é uma decisão do partido. Mas vou fazer uma provocação. É uma pena o nosso candidato imbatível, Lula, não aceitar nem pensar nesta ideia de concorrer a governador de São Paulo. Você já imaginou uma chapa com Lula para governador de São Paulo tendo Gabriel Chalita, do PMDB, como candidato a vice? E mais do que isso. Já imaginou o que seria, para o Brasil, Dilma reeleita presidente, Lula governador de São Paulo e Fernando Haddad prefeito da capital? Daria uma aceleração incrível no modelo de desenvolvimento econômico e avanço social que o Brasil vem vivendo.

Lula vai ser candidato?
 
Ele não aceita. Se isso sair publicado ele vai xingar até a minha quinta geração.

Já conversou com ele a respeito?
 
Não, mas sei que ele não aceita.

Como sabe que ele não aceita se não conversou com ele?
 
Sei por conversas com interpostas pessoas.

E qual será o nome do PT para concorrer ao Bandeirantes?
 
Há vários nomes. Marta Suplicy, Aloizio Mercadante, Alexandre Padilha, José Eduardo Cardozo, Luiz Marinho. Todos muito fortes.

Quem Lula prefere?
 
A coisa mais difícil do mundo é saber quem Lula deseja antes que ele queira que as outras pessoas saibam. Há uma necessidade forte de renovação, uma onda que já passou pela capital. Todos são nomes muito bons e dentro de um campo de renovação. Agora, me parece que o sempre novo e cada vez mais novo é Lula. Sua candidatura, em São Paulo, inclusive não iria contrariar esse sentimento de renovação. Ao contrário. Seria reforçado pela capacidade que ele tem de se renovar.

Por que nas últimas campanhas surgiram temas moralistas e religiosos?
 
Antes de mais nada, a indústria da salvação não virou indústria do voto. Não houve a mínima influência, por exemplo, no voto final em São Paulo. Eu inclusive fui uma voz solitária na campanha de Dilma em 2010 quando dizia que o voto religioso não tinha a dimensão que se apregoava.

Quem acha que o voto religioso tem esse peso?
 
Há dois setores. Na direita, são os líderes religiosos que querem se transformar em empresários do voto. Na esquerda, são pessoas saudosistas, egressas dos movimento católicos das décadas de 60 e 70, que têm um saudosismo sem conexão com a realidade atual.

O marketing eleitoral parece ter se repetido nas últimas eleições. É isso mesmo?
 
Não. Tem evoluído muito. A ponto de o marketing político brasileiro estar ganhando mercados no exterior. Nós, assim como os roteiristas de novela, somos condicionados pelo público que temos de atender. Temos de ser entendidos e atrair público. Trabalhamos dentro de certas limitações.

Como assim?
 
Se eu fosse fazer uma eleição direta para reitor da Unicamp e da USP, para ser votado pelo mundo acadêmico e pelos estudantes, faria uma campanha completamente diferente, com temáticas e debates bem diversos. Ou seja, há uma limitação para atender demandas de um determinado público-alvo. Mesmo assim, há empresas de marketing político que têm conseguido se renovar, trazendo linguagens novas.

Como nas novelas?
 
Assim como a estrutura da novela aprisiona uma narrativa, a estrutura do programa eleitoral aprisiona também a narrativa política. E o público que nós temos que atender também nos aprisiona. Mas é equivocado dizer que os programas eleitorais são extremamente repetitivos. Há quem se repita por causa dessas condicionantes e por medo de ousar. E outros não se repetem tanto. Na campanha do Haddad houve uma série de coisas novas. O primeiro programa nosso eu até brincava internamente dizendo que bastava repetir nos 45 dias seguintes que ganharíamos a eleição.

Mudaria algo que fez na campanha de Haddad?
 
Sem nenhuma soberba, nada. Não mudaria nada.

O que fará em 2013?
 
Tenho vários convites no Brasil e no exterior, para campanhas, pré-campanhas e consultorias. Mas não posso ainda dizer porque é tudo muito preliminar.

Fará a campanha de Dilma em 2014?
 
Espero ser convidado. Teria muito prazer em fazer.

Como está seu projeto de fazer um documentário em vídeo da campanha de 2010?
 
Eu pretendo fazer no futuro um documentário sobre as várias campanhas das quais participei. Mas muito do material que tenho contém dados confidenciais. Então não é algo fácil de ser produzido e não tenho um prazo para finalizar. O que está em estágio mais avançado é um livro que estou escrevendo sobre marketing político. A literatura nessa área tem muito manual de autoajuda, quase sempre escrito por marqueteiros sem campanha. Outro tipo de obra é o livro autoglorificador, de alguém relatando seus grandes feitos. E há também os livros acadêmicos, muito bons, mas sem ter o sabor da prática. Eu quero escrever uma síntese das minhas experiências e reflexões teóricas. Mas não vou contar nenhuma história secreta porque não posso ferir meus preceitos éticos de manter a confidencialidade sobre os meus contratos.