sexta-feira, 4 de maio de 2012

Marco regulatório da comunicação deve entrar em pauta, diz Rui Falcão




Para presidente do PT, a mídia 'contrasta com o nosso governo desde a subida do Lula'

Guilherme Waltenberg e Daiene Cardoso, da Agência Estado
SÃO PAULO - Depois de deflagrar a cruzada contra o sistema financeiro privado e a cobrança de juros elevados no País, o governo da presidente Dilma Rousseff poderá colocar em discussão o polêmico tema do marco regulatório da comunicação. A informação foi dada nesta sexta-feira, 4, pelo presidente nacional do PT, Rui Falcão, durante discurso em evento sobre estratégia eleitoral do PT nesta campanha municipal, em Embu das Artes, São Paulo.

"Este é um governo que tem compromisso com o povo e que tem coragem para peitar um dos maiores conglomerados, dos mais poderosos do País, que é o sistema financeiro e bancário. E se prepara agora para um segundo grande desafio, que iremos nos deparar na campanha eleitoral, que é a apresentação para consulta pública do marco regulatório da comunicação", disse o dirigente petista em seu pronunciamento.
Segundo Falcão, "a mídia é um poder que está conjugado ao sistema bancário e financeiro". No discurso, ele frisou: "(A mídia) É um poder que contrasta com o nosso governo desde a subida do (ex-presidente) Lula, e não contrasta só com o projeto político e econômico. Contrasta com o atual preconceito, ao fazer uma campanha fundamentalista como foi a campanha contra a companheira Dilma (nas eleições presidenciais de 2010) que saiu dos temas que interessavam ao país para recuar no obscurantismo, na campanha de reforço da direita que hoje está sendo exposta aí, inclusive agora, provavelmente nas próximas duas semanas com a nomeação dos sete nomes da Comissão da Verdade que vai passar a limpo essa chaga histórica que nós vivemos." E continuou: "(A mídia) produz matérias e comentários não para polarizar o País, mas para atacar o PT e nossas lideranças." "O poder da mídia, esse poder nós temos de enfrentar."
A presidente Dilma Rousseff herdou do governo Lula o anteprojeto de criação do marco regulatório das comunicações, elaborado pelo então ministro da Secretaria de Comunicação Social Franklin Martins, e apresentado durante a Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM), em 2010, determinando "criação de instrumentos de controle público e social" da mídia. Em razão da polêmica que o tema gerou, Dilma determinou que o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, fizesse um pente-fino no texto para evitar tópicos que possam indicar censura ou controle de conteúdo.
Cachoeira. O dirigente petista afirmou que a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Cachoeira deverá ter também como alvo paralelo (de investigação) o trabalho da imprensa. "Essa CPI vai desvendar também quais são os caminhos de ligação com esses contraventores nos setores da mídia brasileira", disse. Ao falar das relações entre o contraventor Carlinhos Cachoeira e o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO), apontadas no vazamento da investigação da Operação Monte Carlo, Falcão criticou: "Esse fariseu, que é o senador Demóstenes Torres, é apresentado pela imprensa como sem partido, mas vamos nos lembrar sempre que até um mês atrás ele era senador do DEM."
Segundo Falcão, a redução no rendimento da poupança, anunciado na quinta-feira, 3, pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e a declaração da presidente Dilma em rede nacional no feriado do Dia do Trabalho, na última terça-feira, afirmando ser "inadmissível que o Brasil, que tem um dos sistemas financeiros mais sólidos e lucrativos, continue com os juros mais altos do mundo", mostram o estilo do governo. "É inadmissível que o Brasil, que tem um dos sistemas financeiros 
mais sólidos e lucrativos, continue com os juros mais altos do mundo", disse o presidente nacional do PT.

O pensamento múltiplo de Nelson Rodrigues



Nas comemorações de seu centenário de nascimento, as ideias do 

escritor e dramaturgo sobre a política e as paixões humanas 

nunca foram tão atuais - e igualmente polêmicas

Marcos Diego Nogueira
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Relembramos Nelson Rodrigues em vídeo com trechos de entrevistas e duas 
de suas crônicas a respeito dos maiores gênios do futebol brasileiro, Pelé e Garrincha

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Nas comemorações de seu centenário de nascimento, as ideias do 
escritor e dramaturgo sobre a política e as paixões humanas 
nunca foram tão atuais – e igualmente polêmicas
Um escritor que não abria mão de sua independência intelectual – assim Nelson Rodrigues é definido pela sua filha Sonia Maria Santos no prefácio de “Nelson Rodrigues por Ele Mesmo” (Nova Fronteira), compilação inédita de entrevistas dadas pelo autor. Lida no embalo de seu pensamento cortante e plural, a obra funciona como uma espécie de biografia torrencial que abre as comemorações do centenário do cronista e dramaturgo nascido em 23 de agosto e morto em 1980. O relançamento de toda sua obra literária também está nos planos.
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Rodrigues (à dir.) com Sebastião Araújo, técnico do Fluminense, em 1979
Ao expor os pontos de vista de Rodrigues em relação ao sexo, amor, traição, teatro ou futebol, a obra evidencia quanto a sua compreensão do País e das paixões humanas continua extremamente atual. Tomemos, por exemplo, a política, foco privilegiado de suas crônicas: elas eram “politicamente incorretas” antes de a expressão existir em sua acepção atual. Evitando qualquer cartilha ideológica, as reflexões de Rodrigues não se direcionavam para um lado só – o escritor espinafrava a esquerda em plena ditadura e estava longe de se entender com a direita. Sonia define bem: “Ele fazia muita coisa de provocação reacionária contra os amigos e contra o público. Hoje sabemos que estava apenas enxergando adiante de sua época.” Os “padres de passeata” (assim ele chamava a ala de esquerda da Igreja) hoje onde estão? Tornaram-se padres cantores?
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Sônia Braga em “A dama do lotação”, em 1978
À sua língua afiada não escapavam nem os amigos e admiradores, como o cineasta e articulista Arnaldo Jabor. “Fiquei na calçada vendo a passeata passar com essa obsessão de ver um preto. Apenas um. O que vi foi o Arnaldo Jabor, meu diretor, que dirigiu o filme ‘Toda Nudez Será Castigada’, chupando Chicabon. E quando ele deixava de lamber o Chicabon dizia ‘participação, participação, participação’ e depois dava outra lambida no picolé”, diz, com o seu conhecido humor, em uma passagem do livro.
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Passeata dos 100 mil, no Rio de Janeiro, em 1968
Suas opiniões polêmicas ainda incomodam porque Rodrigues tratou de temas recorrentes – e insolúveis – da condição humana, como a morte, as mesquinharias do cotidiano e o sofrimento originado da cisão entre o amor e o sexo. Nascido no Recife, mas desde os 4 anos criado em Aldeia Campista, subúrbio do Rio de Janeiro, Nelson Rodrigues sempre voltou sua lupa para a classe média ou a baixa, justamente os setores da sociedade que hoje ganham mais visibilidade. “A classe média é formidável. Quando escrevo sobre ela, me debruço nas minhas varandas, vejo como é humana, como é interessante. É classe que mata e se mata”, disse certa vez, antes de cravar: “Um grã-fino precisa de 25 mil estímulos para se matar.” Pensamentos que, de um jeito ou de outro, estão até hoje no ar. Nelson Rodrigues faz falta.
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Nuno Leal Maia e Vera Fischer em "Perdoa-me por me traíres", em 1980
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O costumeiramente retratado subúrbio carioca,
como o bairro de Cosme Velho

Viciados em redes sociais



Novos estudos mostram que é mais difícil resistir à tentação de 

acessar sites como Facebook e Twitter do que dizer não ao álcool 

e ao cigarro

João Loes
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DISTRAÇÃO
Para André Martini (acima), os encontros semanais perderam a graça 
quando a atenção dos amigos migrou para as telinhas dos celulares
Todas as terças-feiras, por volta das 21h30, um grupo de oito paulistanos se reúne em um bar de Moema, bairro nobre da zona sul da capital, para colocar o papo em dia. É um compromisso que não falha há sete anos. Tudo tem espaço na roda de conversa, em que participam empresários, publicitários, advogados e administradores de empresas na casa dos 30 anos. Mas, de uns tempos para cá, alguns dos membros do pequeno clube estavam ficando dispersos. Plugados em seus smartphones, eles se distanciavam dos amigos presentes para dar conta de um fluxo infinito e impessoal de piadinhas, notícias e conversas picotadas geradas por redes sociais como o Facebook e o Twitter. “Começou a virar um problema de uns dois meses para cá”, diz o advogado André Martini, 26 anos. “Reconheci que, como alguns dos meus amigos, não conseguia desligar e aproveitar aquele momento no bar. Estava viciado.” A saída foi adotar o “phone stacking”, uma espécie de jogo em que o grupo é obrigado a empilhar os celulares. Quem não resistir e checar o aparelho paga a conta. A medida funcionou para a turma de Martini.
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O vício em redes sociais é uma realidade e tem impactos impossíveis de ignorar, como mostra o exemplo acima. Um dos primeiros estudos a revelar a força dessa nova dependência de forma inconteste foi apresentado em fevereiro pela Universidade de Chicago. Depois de acompanhar a rotina de checagem de atualizações em redes sociais de 205 pessoas por sete dias, os pesquisadores concluíram, para espanto geral, que resistir às tentações do Facebook e do Twitter é mais difícil do que dizer não ao álcool e ao cigarro. Uma consulta aos números do programa de dependência de internet do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (IPq-HCUSP) dá contornos brasileiros ao argumento posto pelos americanos de Chicago.
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PRIORIDADE
Jackeline Roque, 21 anos, já deixou de viajar para não perder
as atualizações do Facebook, que ela acompanha de um smartphone
Hoje, 25% dos pacientes que buscam ajuda no programa do IPq o fazem atrás de tratamento para o vício em redes sociais. “E esse percentual deve aumentar”, afirma Dora Góes, psicóloga do programa. “Até o fim do ano queremos ter um módulo específico para tratar essa vertente da dependência de internet.” Não será fácil estabelecer um protocolo de tratamento. O vício em redes sociais é forte como o da dependência química. Como o viciado em drogas, que com o tempo precisa de doses cada vez maiores de uma substância para ter o efeito entorpecente parecido com o obtido no primeiro contato, o viciado em Facebook também necessita se expor e ler as confissões de amigos com cada vez mais fre­quência para saciar sua curiosidade e narcisismo. Sintomas de crise de abstinência, como ansiedade, acessos de raiva, suores e até depressão quando há afastamento da rede, também são comuns. “É como um alcoólatra”, afirma Dora. “Se para ele o bar é o objetivo, para o viciado estar sempre conectado às redes sociais é a meta.”
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CURADO
O carioca Celso Fortes, 40 anos, que trabalha com mídias sociais, 
sofreu para conseguir conter o vício, hoje controlado
Embora não pretenda buscar tratamento e não se veja como doente, a estudante de moda paulistana Jackeline Roque, 21 anos, tem certeza de que é uma viciada. Usuária assídua do Facebook, a maior rede social do mundo, ela admite já ter evitado viagens quando sabia que não teria acesso a ela no destino. “E quando vou para a casa da minha avó, que não tem computador ou cobertura de internet móvel, fico bastante aflita”, diz. Aflição esta que pode muito bem ser o primeiro sinal de uma crise de abstinência. “Quando volto a me conectar, vejo quanto perdi.”

Atualmente, a atenção em torno do assunto é tamanha que já há setores defendendo a inclusão da dependência por redes sociais na nova edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da Associação Americana de Psiquiatria, que deve ser publicada em maio de 2013. O pedido mais incisivo veio de um time formado por quatro psiquiatras da Universidade de Atenas, na Grécia, que publicou um artigo na revista acadêmica “European Psychiatry” com uma descrição assustadora da rotina de uma paciente de 24 anos completamente viciada. Trazida à clínica pelos pais, ela passava cinco horas por dia no Facebook, havia perdido os amigos reais, o emprego, a vida social e, aos poucos, estava perdendo a saúde, pois já não dormia nem se alimentava bem. “A paciente usava a internet havia sete anos e nunca tinha tido problemas”, diz o artigo. “A rede social é que foi o gatilho para o distúrbio do impulso.” Considerando a escala potencialmente planetária desse novo candidato à doença – o Facebook tem 901 milhões de usuários no mundo, sendo 46,3 milhões no Brasil, o segundo país com maior participação da Terra –, o pleito é mais do que razoável.
O paulistano Lucas Monea, 21 anos, estudante de educação física e estagiário em uma academia, ainda não está perdendo a saúde. Mas o sono ele já perdeu muitas vezes por causa das redes sociais. “Ouço o teclado de madrugada, mando-o desligar, mas ele continua lá”, diz a mãe do universitário, Cristina Ribeiro. Além do computador, Monea acessa o Facebook por um smartphone pré-pago que comprou em agosto de 2011. Atento às promoções da operadora, ele se desdobra para garantir internet móvel ininterrupta no aparelhinho pelo menor preço possível – e sempre consegue. “Converso com amigos, vendo suplementos alimentares, faço de tudo”, diz ele. “Da hora que acordo à hora que vou dormir, não desligo mesmo.” Não é só ele. Um estudo feito pela Online Schools em fevereiro, batizado de “Obcecados pelo Facebook”, mostrou que metade dos usuários da rede social com idade entre 18 e 34 anos faz o primeiro acesso do dia logo que acorda, sendo que 28% o fazem enquanto ainda estão na cama.
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INSONE 
Lucas Monea passa as madrugadas no Facebook e usa promoções
de operadoras para ter internet constante no celular
Entender as razões dessa compulsão em ascensão é um desafio. Por que usamos tanto e, às vezes, até preferimos esses canais para nos comunicar? Carlos Florêncio, coach e consultor em desenvolvimento pessoal há 20 anos, com mais de 60 mil atendimentos no currículo, tem uma teoria: “Nas redes sociais temos controle absoluto sobre quem somos”, diz ele. Lá, as vidas são editadas para que só os melhores momentos, as mais belas fotos e os detalhes mais interessantes do dia a dia sejam expostos. Até os defeitos, quando compartilhados, são cuidadosamente escolhidos. “É uma realidade paralela em que todos apresentam o que julgam ser suas versões ideais”, afirma Florêncio. E isso tem um custo imenso. São poucas as pessoas que conseguem, de fato, viver o ideal que projetam, o que gera grande frustração. E mais: privilegiar as relações mediadas pela internet compromete as nossas habilidades sociais no mundo real. “Desaprendemos a olhar no olho, interpretar os sinais corporais e dar a atenção devida a quem está ali, diante da gente”, diz Dora, do IPq-HCUSP.

Mas nem tudo é ruim nas teias das redes sociais. Pelo contrário. Grande parte do que elas oferecem é bom. O problema é saber dosar o uso para que as vantagens não sejam ofuscadas pelo vício que surge com os excessos. “Ame a tecnologia, mas não a ame incondicionalmente”, afirma Daniel Sieberg, autor do livro “The Digital Diet” (Random House, 2011), sem tradução para o português. Na obra, Sieberg apresenta um teste desenhado para medir o nível individual de consumo digital e propõe um controle, ou uma dieta, para regular os excessos (faça o teste na página 67 e confira as dicas da dieta nas páginas 68 e 69). “Fui um viciado, reconheço, mas hoje faço uso consciente das redes sociais”, diz o carioca Celso Fortes, 40 anos, consultor em comunicação de novas mídias. Ele teria tudo para ainda ser um dependente, já que seu trabalho exige o uso intensivo dessas ferramentas, mas garante que não é mais. “Sei de hotéis que dão ao hóspede a opção de deixar todos os eletrônicos em um cofre na recepção para que eles realmente descansem durante a estada”, afirma Fortes. No auge do vício, reconhece que teria se beneficiado dessa opção de serviço. “Hoje não, checo o que preciso no iPad e logo desconecto.”

Poucos são como ele. Cair no canto da sereia virtual é fácil e conveniente. “Somos todos humanos e gostamos quando os outros nos dão atenção”, reconhece Andrew Keen, consagrado autor da área que lança seu segundo livro, “Digital Vertigo” (Vertigem Digital, em tradução livre), na segunda quinzena de maio nos Estados Unidos e em agosto no Brasil, pela Editora Zahar. A obra traz uma forte crítica à ingenuidade com que usamos as redes sociais atualmente. “Elas são a cocaína da era digital e estamos todos viciados”, alerta Keen, que admite ser ele próprio um dos dependentes. Não está sozinho. 

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O alívio da ansiedade



Conheça os novos tratamentos e as descobertas que ajudam a controlar as crises e melhorar a qualidade de vida daqueles que sofrem com a chamada doença do século

Cilene Pereira e Mônica Tarantino
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Neste momento, uma em cada quatro pessoas no mundo está com uma sensação de aperto no peito, sentindo o coração bater mais rápido, com as mãos suando. Na mente, um medo inexplicável ou preocupação obsessiva com algo que ainda nem aconteceu. Esses são alguns dos sintomas das crises de ansiedade, um dos transtornos mentais mais incidentes da atualidade e, assim como os demais, extremamente cruel. Dependendo do grau, tira o sono do indivíduo, deixa-o mais predisposto a sofrer de enfermidades cardiovasculares e o priva de sair de casa quando o medo atinge níveis incontroláveis.

Estudos mostram que a ansiedade é mais frequente do que transtornos de humor como a depressão. E dados divulgados pelo World Health Mental Survey, ligado à Organização Mundial da Saúde, revelam um triste panorama para o Brasil: 20% das pessoas que vivem em São Paulo convivem com ou tiveram algum transtorno ansioso nos últimos 12 meses. “Foram analisadas cidades de 24 países. Em São Paulo, encontramos o índice mais elevado”, diz Laura Andrade, do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP). Mas um esforço monumental da medicina para buscar as origens da doença e criar novas opções de tratamento promete dar alívio a quem sofre desse pesadelo.

A ansiedade fazia parte das reações que nossos ancestrais manifestavam diante de ameaças como a possibilidade de um ataque animal ou a morte por frio extremo. Preocupar-se com esses eventos mantinha o corpo em alerta: mais tenso, pressão elevada, maior bombeamento de sangue. Se o perigo se concretizasse, o corpo estava pronto para reagir. Se não, o sistema era desligado. Esse esquema ficou gravado no cérebro e até hoje entra em ação diante de situações interpretadas como risco. Essas circunstâncias podem ser reais ou fictícias, resultado de mecanismos psíquicos não totalmente esclarecidos. O problema é que, se esse estado de preocupação se torna crônico, caso da ansiedade generalizada, ou leva a crises espontâneas, como os ataques de pânico, deixa de ser uma reação natural. Causa prejuízos à saúde e à vida social, afetiva e profissional. Transforma-se em doença.
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TERAPIA 
Adriana Mazzagardi tem a ajuda dos cavalos para controlar o sentimento
Atualmente, há catalogados oito tipos da enfermidade (leia mais detalhes no quadro à pág.84). Como ocorre com a maioria das enfermidades mentais, há dificuldade na detecção do problema. “Um estudo feito em Londres, pelo psiquiatra Paul Bebbington, mostrou que apenas 14% dos pacientes tinham sido diagnosticados e tratados no ano anterior ao trabalho”, contou Márcio Bernik, coordenador do Programa de Ansiedade (Amban) do Instituto de Psiquiatria da USP. O diagnóstico é feito por psicólogos ou psiquiatras, que recorrem a perguntas definidas para identificar a alteração, como ela se insere na vida do indivíduo e sua gravidade. “Uma das primeiras perguntas é se a pessoa sente que teve prejuízo em algum campo ou momento da vida por causa da doença”, diz o psiquiatra Bernik. 

O tratamento varia de acordo com o transtorno especifico e a intensidade da enfermidade. Nos casos mais leves, indicam-se apenas medicamentos ou sessões de terapia cognitivo-comportamental (TCC), método cujo objetivo é modificar padrões de pensamentos e comportamentos associados. Uma pessoa que tenha receio permanente de perder o emprego, por exemplo, pode ser treinada para evitar esses pensamentos ou substituí-los por outros, mais otimistas e calcados na realidade. Nos casos moderados e mais graves, é recomendada a combinação de remédios com a TCC. Um trabalho da psicóloga Mariângela Savoia, ligada ao Amban, mostrou que essa associação foi mais eficaz do que o uso isolado dos métodos.

Os recursos criados recentemente são utilizados para os casos mais severos e que não respondem ao tratamento padrão. Um dos mais promissores é a aplicação da realidade virtual. A terapia consiste em expor o paciente – de modo virtual – às situações que desencadeiam crises para que, aos poucos, ele aprenda formas de evitar os pensamentos ansiosos. Na Universidade de Washington (EUA), o método está sendo aplicado para tratar fobias, a ansiedade gerada pelo estresse pós-traumático e aquela sentida durante a troca de curativos em pacientes com queimaduras. “Temos bons resultados”, disse à ISTOÉ Hunter Hoffman, coordenador da equipe que aplica a técnica.
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Semelhante à realidade virtual, a terapia de modificação cognitiva com auxílio de computador também desponta como alternativa. Um trabalho da Brown University (EUA) mostrou que indivíduos com fobia de falar em público melhoraram depois de se submeter aos exercícios duas vezes por semana, por um mês. Eles consistem em instruir o paciente a evitar expressões faciais hostis – para quem tem fobia social isso detona crises – e a interpretar as reações de interlocutores de forma otimista.

Começa também a ser testada a eficácia da estimulação magnética transcraniana. A técnica submete o paciente a aplicações de ondas eletromagnéticas. O objetivo é regularizar a atividade elétrica nas regiões cerebrais associadas à doença (leia mais no quadro à pág. 82). O médico Marco Marcolin, do Instituto de Psiquiatria da USP, iniciará até o fim do ano testes com 30 pacientes com fobia social. Por enquanto, não há nada conclusivo. Estudos com o método para tratar a ansiedade associada ao estresse pós-traumático deram resultados negativos no Brasil e positivos na Europa. 

Ganhando espaço na prática clínica está o neurofeedback, método que se propõe a imprimir no cérebro um novo padrão de funcionamento, igual ao de uma pessoa sem a doença. “Eletrodos colocados sobre o couro cabeludo fazem a leitura da informação neurológica que está sendo produzida e registrada por eletroencefalografia”, explica o psicólogo Leonardo Mascaro, mestre em neurociências pelo Núcleo de Neurociências e Comportamento da USP e autor do livro “Para Que Medicação?”. Segundo ele, na presença de enfermidades como a ansiedade, os dados revelam padrões eletroencefalográficos anormais e específicos que possibilitam o reconhecimento da doença ou de outros comprometimentos neurológicos.
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TECNOLOGIA 
Acima, o psicólogo Mascaro acompanha a sessão de neurofeedback da
empresária Marisa. Abaixo, paciente com queimadura no braço usa equipamento
de realidade virtual. O recurso o ajuda a diminuir a dor e a ansiedade
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No treinamento, o paciente visualiza as alterações e também os padrões normais. “Os parâmetros corretos são então apresentados de volta aos neurônios por meio de um trabalho de condicionamento feito sob a forma de sinalização sonora e visual”, diz Mascaro. Essas sinalizações ocorrem somente quando os neurônios em treino produzem o tipo de atividade que está sendo solicitada. “Dessa maneira acontece a aprendizagem neurológica e a modificação da atividade cerebral, que se normaliza progressivamente”, complementa o psicólogo. “Conforme o tratamento caminha, a pessoa necessita de menos medicação e a retirada do medicamento acontece, sempre sob supervisão médica”, assegura Mascaro. A empresária Marisa Rollemberg Rocha, 40 anos, de Brasília, submeteu-se a três sessões até agora. “Já consigo dormir melhor e passei a suar menos nas mãos”, diz. A técnica, porém, não é aceita por todos os médicos. Bernik, do Amban, não a considera eficaz. 

O desenvolvimento de instrumentos como esses só foi possível a partir do avanço do conhecimento sobre as bases neurológicas da doença. Apesar de a identificação das estruturas cerebrais vinculadas à enfermidade ter sido feita há algum tempo, dezenas de pesquisas estão revelando detalhes sobre a interação entre elas. Cientistas da Columbia University (EUA), por exemplo, descreveram a maneira pela qual operam o hipocampo e o córtex pré-frontal medial. “Vimos que o hipocampo envia muita informação para esta área do córtex, fazendo com que ela reconheça o ambiente como uma ameaça”, explicou Joshua Gordon, autor da pesquisa. 

Por aqui, o psiquiatra Luiz Vicente Mello, de São Paulo, participa de um esforço internacional para entender melhor a relação entre comportamentos ansiosos e mecanismos de defesa legados pela evolução. “Muitas das nossas reações são anacrônicas. Ao mesmo tempo, não temos defesas para situações recentes, como o medo de carros, que precisa ser ensinado”, diz.
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ENERGIA 
O psiquiatra Marcolin iniciará os testes para verificar a eficácia da aplicação
de ondas eletromagnéticas em centros cerebrais associados à doença
Ainda na USP, cientistas investigam a relação da enfermidade com o sistema serotonérgico do cérebro. Recentemente, o psiquiatra Felipe Corchs, em estudo feito no Amban com universidades da Inglaterra, Nova Zelândia e Austrália, observou que as diferenças na quantidade de serotonina (substância que faz a comunicação entre neurônios) interferem na sensibilidade aos estímulos que iniciam crises. Para chegar a essa conclusão, os cientistas deixaram sem comer proteínas um dia inteiro voluntários que já haviam sido tratados de transtornos ansiosos. Não ingerir proteína prejudica o aporte de triptofano, aminoácido essencial para a formação da serotonina.

O resultado foi surpreendente: pacientes com pânico, estresse pós-traumático e fobia social ficaram mais sensíveis aos gatilhos de crise, sugerindo que a serotonina tem papel na modulação dessa resposta. “E pessoas que tinham melhorado com o tratamento pioraram quando os níveis da substância diminuíram”, explicou Felipe. A redução do composto não causou o mesmo impacto em pacientes com ansiedade generalizada e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Para estes, o que parece é que o contrário, o aumento na concentração da serotonina, faz diferença. Um outro estudo, feito pelo psicólogo Thiago Sampaio, também do Amban, indicou que portadores de TOC que possuem maior concentração de serotonina respondem mais rápido à terapia. 

Intervir nas situações em que a ansiedade pode prejudicar o tratamento é hoje uma atitude incorporada por alguns hospitais. No Albert Einstein, em São Paulo, psicólogos entram em ação para atender pacientes internados que apresentam sintomas da doença. “Uma das formas de reduzi-los é ajudar os doentes a esclarecer suas dúvidas”, diz Ana Kernkraut, coordenadora do serviço de psicologia do hospital.
Nos EUA, médicos usaram a terapia com animais para diminuir o sentimento em indivíduos que se submeteriam a exames de imagem, situação que desencadeia temor. No Monmouth Medical Center, 28 pacientes que fariam ressonância magnética foram selecionados para brincar com cães por 15 minutos, meia hora antes de fazer o exame.
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Comparados a doentes que não tiveram esse tempo com os animais, eles manifestaram muito menos ansiedade. “A terapia mostrou potencial para substituir os remédios contra crises às vezes dados aos pacientes”, disse Richard Ruchman, autor do estudo.
No Brasil, nos centros de equoterapia é possível aliviar os sintomas com o auxílio dos cavalos. A empresária Adriana Mazzagardi experimentou esses efeitos durante as aulas de equitação que teve na infância e decidiu expandir o benefício. “Os cavalos me ensinaram a controlar a minha ansiedade, que era muito intensa”, diz Adriana, que está à frente do Centro Equestre Equovita, em Jundiaí (SP). O local é frequentado por muitas pessoas em busca de alívio das tensões. “Se você está ansioso e sem concentração, o cavalo percebe e reage. Você precisa estar atento e calmo para que ele se deixe conduzir”, diz Adriana.

Manter a ansiedade sob controle é também importante porque reduz riscos para outras doenças. Na semana passada, pesquisadores da Stanford University (EUA) divulgaram os resultados de um estudo com animais, indicando que o sentimento contribui para o surgimento de tumores. A explicação é a de que a ansiedade costuma vir acompanhada de estresse. Juntas, as condições enfraquecem o sistema de defesa do organismo. “Eles podem acelerar a progressão do câncer”, afirmou o imunologista Firdaus Dhabhar, autor do experimento.

A conexão com a depressão também está sendo investigada. Um trabalho patrocinado pelo Canadian Institutes of Health Research apontou uma molécula (CRFR1) como a responsável pela interação entre a ansiedade, o estresse e a doença. Um primeiro passo já foi dado para quebrar a associação: em cobaias, a inibição da produção dessa molécula atenuou a ansiedade.

Mais conhecida, a relação da enfermidade com os males cardiovasculares exige também atenção. Tanto que médicos do Montreal Heart Institute, também no Canadá, fizeram um trabalho para provar que pacientes em risco para doenças do gênero e que apresentem traços de ansiedade devem ser submetidos a uma tomografia do coração, e não apenas a um eletrocardiograma. “O exame de imagem é mais efetivo para identificar doença cardíaca nesses indivíduos”, afirmou Simon Bacon, coautor do experimento.
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