domingo, 24 de junho de 2012

Estadão defende rito sumário para réus do processo do "mensalão"



FELIPE RECONDO / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de julgar a ação penal do mensalão conflita com demora da Corte em concluir os processos contra quatro deputados e ex-deputados, todos já condenados, mas que ainda não começaram a cumprir as penas. A pendência desses processos indica que as possíveis condenações de réus do mensalão demorarão a ser executadas.
Até que o caso seja julgado e o acórdão publicado, o que abre prazo para recursos, meses ou anos podem se passar. E os exemplos recentes do Supremo mostram que há grande risco de as penas demorarem a ser aplicadas, caso haja condenação.
Os magistrados terão concluído o julgamento do mensalão quando a condenação do deputado Natan Donadon (PMDB-RO) estiver completando dois anos. Condenado pelo STF a 13 anos, 4 meses e 10 dias de reclusão em regime inicialmente fechado pelos crimes de formação de quadrilha e peculato, Donadon ainda exerce mandato de deputado federal.
Donadon embargou a decisão em maio de 2011. Relatora do caso, a ministra Cármen Lúcia já o liberou para ser julgado. O processo está pronto desde dezembro, mas, desde então, nem o ex-presidente Cezar Peluso nem o atual, Carlos Ayres Britto, o levaram para a sessão. Enquanto o recurso não é julgado, o processo não termina e não se cumpre a pena.
Dívida paga. Em outro caso, o ex-deputado José Tatico (PTB-GO) foi condenado, em setembro de 2010, a sete anos de reclusão e 60 dias-multa por apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária. Tatico recorreu da decisão e tenta extinguir a pena.
Após condenado, o ex-deputado pagou o que devia e pediu que o Supremo revisse a condenação. O relator do caso, o presidente do STF, Carlos Ayres Britto, levou o recurso a plenário, negando a extinção da pena. Em dezembro do ano passado, o ministro Luiz Fux pediu vista do caso e até o momento não o devolveu para julgamento. Enquanto isso, Tatico permanece solto.
O caso mais antigo data de maio de 2010. Depois da condenação do deputado Chico Pinto em 1974, acusado de violar a Lei de Segurança Nacional durante o governo militar, o STF não havia condenado nenhum outro parlamentar. O Supremo condenou por crime de responsabilidade o ex-deputado Zé Gerardo (PMDB-CE) a pagar 50 salários mínimos a uma instituição social ou cumprir pena de dois anos e dois meses de detenção. Ele recorreu e até agora o caso não foi julgado e a decisão não transitou em julgado.
Esterilização. Em setembro de 2011, o plenário julgou mais um parlamentar: Asdrúbal Bentes foi condenado, pelo crime de esterilização irregular, à pena de reclusão de três anos, um mês e dez dias, em regime inicial aberto, mais 14 dias-multa, no valor unitário de um salário mínimo. Até hoje, o acórdão do julgamento não foi publicado. Sem isso, não é aberto o prazo para recurso. E só depois do julgamento desse recurso, que ainda chegará ao STF, a pena poderá ser executada.
A demora do tribunal mostra que os ministros podem condenar réus do mensalão antes das eleições, mas as penas demorarão a ser cumpridas. Ao fim do julgamento, a Corte precisa publicar o acórdão. O presidente do tribunal, Carlos Ayres Britto, prometeu para este caso celeridade. Depois disso, os réus poderão recorrer. Até que os recursos sejam julgados, todos permanecerão impunes.
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,punicao-de-reus-do-mensalao-pode-levar-anos-,890758,0.htm

Mart'nália sofre acidente de ônibus em MG; motorista morre no local


por Bernardo Moura / Especial para O Estado de S. Paulo
Divulgação
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A cantora Mart'nália fraturou o pulso esquerdo, um homem morreu e mais 17 pessoas ficaram feridas em um acidente na madrugada de sábado, 23, na altura do km 682 da BR-040, na cidade de Ressaquinha (MG), 150 km ao sul de Belo Horizonte. O ônibus que conduzia a artista e sua equipe chocou-se com um carro. O motorista, Sebastião Manuel Teixeira Gomes, morreu no local.
Socorridos na Santa Casa de Misericórdia de Barbacena (município vizinho a Ressaquinha), Mart`nália e 13 passageiros do ônibus foram medicados e receberam alta em seguida. Três ocupantes do Gol tiveram que ser hospitalizados, dos quais dois permaneciam em estado grave na noite de ontem.
Um deles era motorista do carro, Juliano Carlos de Souza, de 28 anos, que sofreu fraturas múltiplas e teve que se submetido a cirurgia. Durante o dia, foi transferido para um hospital em Juiz de Fora, a principal cidade da região. Os feridos que ocupavam o carro moram em cidades próximas.
De acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), o acidente foi provocado pelo motorista do carro, que saiu da pista sentido Belo Horizonte da BR-040 e bateu de frente no ônibus.
O ônibus, que vinha da capital mineira, onde Mart`nália fez show na noite de sábado, para o Rio, desgovernou-se e tombou em uma mata de eucaliptos junto ao acostamento. Havia 16 pessoas no ônibus, sendo 11 músicos da banda da cantora e compositora.
O motorista, com o choque, foi arremessado janela afora. Chocou-se com uma árvore e morreu na hora, informaram os policiais rodoviários encarregados da apuração do desastre. Após o choque, o Gol despencou de um barranco com altura de 8 metros.
A assessoria de imprensa da Santa Casa informou que 18 pessoas deram entrada ao hospital, entre elas Mart` nália, queixando-se de dores pelo corpo. A radiografia indicou uma fratura na junção entre a mão e o braço esquerdos.
Até a conclusão desta edição Mart`nália não dera entrevistas sobre o acidente. Trazida para o Rio, ela se submeteria a exames complementares. Sua agenda prevê um espetáculo no próximo sábado em Londres. Não se sabe se o show será cancelado.

Marcadas para morrer



Marcadas para morrerFoto: Edição/247

GRUPOS DE EXTERMÍNIO AMEAÇAM AMBIENTALISTAS NA AMAZÔNIA, SEGUNDO INFORMA O JORNALISTA JENS GLÜSING, DA REVISTA ALEMÃ DER SPIEGEL

24 de Junho de 2012 às 20:06
Der Speigel - Ela retirou seu colete à prova de balas e os soldados designados para protegê-la foram embora. Em contrapartida, Nilcilene Miguel de Lima, 45, teve de prometer às autoridades que seu novo destino permaneceria um segredo, e que ela não retornaria à sua região de origem, na floresta Amazônica, onde um assassino contratado a espera para matá-la.
Uma máfia de madeireiros e de pecuaristas pôs sua cabeça prêmio, oferecendo cerca de 8 mil euros (vinte mil reais) para quem der cabo dela. Nilcilene é a presidente da Deus Proverá, uma associação de pequenos agricultores e seringueiros no sul do Estado do Amazonas, zona onde madeireiros e ambientalistas estão em pé de guerra. Miguel de Lima teve a audácia de fazer uma queixa crime contra o desmatamento ilegal nessa região.
Há cinco anos, o governo assentou 300 famílias na floresta para que se responsabilizassem por um dos 21 projetos destinados a promover a exploração sustentável da região amazônica. Essas famílias de seringueiros são também coletoras de castanhas, e cultivam abacaxi, banana e mandioca. “Somos os guardiães da floresta”, diz Nilcilene. As famílias vivem a 42 quilômetros da rodovia federal mais próxima. Não dispõem de eletricidade, a escola que lhes foi prometida ainda não foi construída, carecem de assistência médica e de proteção policial na floresta.
Madeireiros e fazendeiros pecuaristas tiram proveito da inexistência de presença governamental. Eles estabelecem acordos para dividir a floresta em parcelas, falsificam os certificados de propriedade e usam armas para expulsar os pequenos fazendeiros e agricultores. Dezenas de famílias já partiram, abandonando suas casas e roças, ou vendendo tudo a preço de banana para os grandes proprietários. “Nilcilene será morta se voltar”, afirma seu companheiro Raimundo Alexandrino de Oliveira.
Menu de atrocidades
Na Rio+20, a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, o Brasil quis aparecer como nação moderna, atualizada e em ascensão, e consciente em matéria de meio ambiente. No Dia Mundial do Meio Ambiente, a presidente Dilma Rousseff compareceu a uma entrevista coletiva com um vestido verde, proclamando que a queda do desflorestamento em seu país tinha chegado a níveis históricos.
Mas especialistas garantem que essa reviravolta ambiental brasileira é apenas propaganda. “Depois da conferência, o governo irá implementar um inteiro menu de atrocidades ambientais”, diz Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente. “Ele está sistematicamente eliminando a legislação ambiental que criamos durante os últimos 24 anos”, prossegue Marina.
Oito organizações ambientais e sociais de primeira grandeza juntaram suas forças para levar essas informações ao grande público. Eles acusam Dilma Rousseff de ser responsável pelo “maior retrocesso em política ambiental desde o final da ditadura militar em 1985”.
Uma reforma do código florestal nacional garante anistia a desmatadores ilegais. No futuro próximo, fazendeiros da região amazônica serão autorizados a “limpar” 50% das suas terras em vez dos atuais 20%. Além disso, o governo está providenciando a construção de centenas de represas na região. Isso irá causar a inundação de milhares de quilômetros quadrados, provocando o deslocamento de inteiras aldeias nativas e de estabelecimentos agrícolas.
Rousseff retirou ou diminuiu o poder das agências governamentais para o meio ambiente. Seu governo quer acelerar projetos de grande envergadura, permitir a mineração em reservas indígenas e construir novas estradas. A regulamentação da propriedade fundiária, o maior problema da região amazônica, progride a passo de caramujo. Ao mesmo tempo, fazendas ilegalmente estabelecidas estão sendo compradas e vendidas através da Internet.
As entradas em moeda estrangeira com a exportação de carne bovina e de soja constituem um dos pilares do milagre econômico brasileiro, e isso explica por que a presidente com frequência fica ao lado do poderoso lobby dos fazendeiros. Mas o Brasil nem sequer teria necessidade de criar novas pastagens e áreas de plantio, afirma Marina Silva. “Poderíamos dobrar nossa produção se cultivássemos com maior intensidade e eficiência as áreas já existentes”, completa.
A cultura da impunidade
Destruir a floresta tropical é, no entanto, mais barato e mais lucrativo – especialmente porque no Brasil tais crimes raramente são punidos. A destruição segue sempre o mesmo ciclo vicioso: Primeiro, os madeireiros põem abaixo as árvores mais valiosas; a seguir, arranca-se com tratores ou incendeia-se a vegetação remanescente; semeia-se capim logo após a destruição e, rapidamente, as primeiras cabeças de gado estão trotando por entre os troncos queimados e enegrecidos. Da mesma forma, fazendas de soja avançam cada vez mais para o interior de algumas áreas da região amazônica.
Interpor-se no meio do caminho dos fazendeiros pode ser muito perigoso. No ano passado, 29 pessoas foram assassinadas no Brasil por causa de disputas de terras. “Os crimes não são punidos”, lamenta Francineide Lourenço da organização católica Comissão Pastoral da Terra, em Manaus. Ativistas do Greenpeace só circulam no interior da selva dentro de veículos 4X4 blindados.
Sempre no ano passado, apenas no Estado do Amazonas, 49 ativistas ambientais e pequenos fazendeiros receberam ameaças de morte. Para três deles, inclusive Nilcilene Miguel de Lima, o governo providenciou escola armada.
Nilcilene, mulher pequena, recebe os visitantes numa casa situada a mais de mil quilômetros da sua região nativa. Ela toma sedativos e seus olhos se enchem de lágrimas quando conta sua história. “Eles queimaram minha propriedade”, ela diz, enquanto mostra fotos dos restos da sua casa transformada em cinzas.
Ela fugiu do lugar há cerca de um ano, depois que um matador de aluguel a seguiu enquanto ela corria. O governo designou para ela uma escolta armada da National Public Security Force, um destacamento de forças especiais formado por militares e policiais. Cercada por essa equipe de nove seguranças, ela voltou em novembro, usando dia e noite um colete à prova de balas. “Nós vamos atirar na cabeça dela”, avisaram os responsáveis pela máfia.
Durante sua ausência, os fazendeiros pecuaristas estenderam suas cercas para ainda mais perto de sua propriedade. Como se não bastasse, bloquearam os caminhos de acesso com cercas e destruíram as seringueiras de onde se extrai a borracha.
Mesmo assim, Nilcilene rejeita a intimidação. Toda a sua família sempre se dedicou à extração da borracha, e ela provém da mesma região de Chico Mendes, seringueiro e ativo ambientalista que foi assassinado por dois fazendeiros em 1988, quatro anos antes da primeira grande conferência da ONU sobre meio ambiente ser realizada no Rio de Janeiro. A morte de Mendes desencadeou uma campanha mundial contra a destruição da Amazônia, mas seus assassinos estão novamente em liberdade.
Os seguranças têm medo
Dinhana Nink, amiga de Nilcilene, foi morta a tiros em abril. “Ela tinha um pequeno bar que funcionava também como ponto de troca de informações. Graças a isso, ela conhecia os planos e as rotas dos madeireiros e dos fazendeiros”, diz Miguel de Lima. “Ela queria denunciá-los para a polícia”. Os assassinos de Dinhana chegaram no alvorecer. Quando seu pai a encontrou, horas mais tarde, o filho dela, ainda um menino, estava limpando o sangue do peito da mãe já morta.
Poucos dias depois da morte de Dinhana Nink, um homem armado e em motocicleta tomou posição em frente ao esconderijo de Nilcilene. Seus seguranças se amedrontaram e a forçaram a abandonar novamente a região. “Os madeireiros mataram um bezerro e fizeram um churrasco para comemorar”, diz ela.
Ao mesmo tempo, o desmatamento ilegal e a invasão de terras prosseguem sem ser perturbados. Os fazendeiros penetram em profundidade na região sul do Amazonas, e grandes filas de caminhões carregados de soja roncam seus motores ao longo da BR-364, o último segmento da famosa Rodovia Transamazônica.
Ranchos de fazendeiros de gado e grandes áreas de terra desmatada flanqueiam a rodovia, e esqueletos de castanheiras queimadas são a única lembrança daquilo que, um dia, foi uma floresta tropical. Porto Velho, capital do Estado de Rondônia, situa-se à beira do Rio Madeira, um afluente do Amazonas. Ela já foi uma pacata cidadezinha da selva. Hoje, muitas dezenas de jipes e peruas 4X4 pertencentes aos filhos dos fazendeiros estacionam todas as noites diante do Bar Broadway, um nightclub local.
A periferia da cidade está apinhada de acampamentos de trabalhadores. Migrantes de todo o Brasil vão para Porto Velho, para trabalhar na construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, duas usinas gigantescas. Por causa delas, milhares de hectares de floresta ao longo do Rio Madeira serão inundados nos próximos anos.
Um caminhão a cada 15 minutos
Em Vista Alegre, a poucos quilômetros da propriedade de Nilcilene, caminhões carregados de troncos de madeira emergem com regularidade da floresta a cada 15 minutos. Cada um deles está acompanhado por uma escolta armada em motocicleta. Os motoristas usam aparelhagem de rádio amador para anunciar sua chegada.
A madeira é processada em tábuas em serrarias ilegais situadas na periferia da cidade. Os pedaços que sobram apodrecem na lama. “Documentos falsos são regularmente produzidos, e com eles a madeira é transportada para o sul”, diz Nilcilene. Os gigantes da floresta terminam sua existência como simples madeira de andaimes de construção na megalópolis São Paulo.
Enquanto isso, cachos de banana apodrecem nas bananeiras plantadas por Nilcilene, ao mesmo tempo em que o mato pouco a pouco toma conta e recobre os restos de sua casa incendiada.
A Anistia Internacional lançou uma campanha mundial a favor de Nilcilene Miguel de Lima, e sabe-se que o governo do Amazonas recebe cartas de protesto vindas de todo o mundo, todos os dias.
Enquanto isso, ela fala ao telefone com seus aliados sempre que pode. E espera a ajuda que virá da distante Noruega. O governo em Oslo colocou 1 bilhão de dólares em disponibilidade para o “Fundo Amazônico”, criado para a proteção da floresta tropical. 

Impeachment de Fernando Lugo foi, sim, um golpe


O presidente derrubado de Honduras Manuel Zelaya, com o então presidente Lula durante encontro em agosto de 2009: Brasil apoiou abertamente o mandatário deposto. Foto: Wilson Dias / ABr

Pedro Estevam Serrano


O caso de Honduras em 2009, quando o presidente eleito Manuel Zelaya foi deposto, acendeu um claro sinal de alerta em todo continente latino-americano. A democracia como método de escolha majoritária e forma popular de decisão politica pode ser assolada por mandatários parlamentares e juízes togados que usam de seus poderes como afronta a Constituição, com o fim de destituir lideres eleitos democraticamente.
Em regimes presidencialistas, presidentes podem sofrer impedimento de seu mandato pelo Parlamento, mas isso apenas após a comprovação de condutas caracterizadoras de ilícitos e anteriormente previstas nas respectivas constituições ou em leis aprovadas pelos congressistas, após sua comprovação consistente por métodos processuais que garantam ampla defesa com o consequente contraditório e ampla defesa.
O Parlamento, quando realiza impedimento do mandato do presidente sem observância do devido processo legal e dos direitos do acusado, age com inegável abuso de poder, promovendo o que, no âmbito da ciência política, se alcunha como “golpe de estado” – ou seja, interrupção autoritária e, ao menos institucionalmente, violenta do ciclo democrático regular.
Quando se usa a expressão “julgamento político” para tal forma de juízo, não se quer dizer julgamento segundo a vontade integralmente autônoma e livre do julgador, inclusive com eventual dispensa do devido processo legal.
Em um estado democrático de direito não existem juízos imperiais, que se caracterizam pela formação autônoma da vontade do julgador. Para ser tido como tal, qualquer julgamento, por mais discricionário que seja, é pautado no que Kant e a moderna teoria constitucional chamam de juízo “heterônomo”, qual seja, no sentido jurídico, vontade constituída a partir dos fins e processos estipulados na ordem jurídica e não no juízo absolutamente subjetivo do julgador.
Um presidente de um regime presidencialista, portanto, não se confunde com o primeiro ministro de um regime parlamentarista. Não pode ser afastado da função por mero juízo de conveniência e oportunidade do Parlamento, mas apenas pelo cometimento de delitos previstos anteriormente na ordem jurídicas e demonstrados pelo devido processo legal.
Por óbvio, o devido processo legal não é uma mera pantomima formal. Há que se oferecer prazo razoável de defesa e a devida dilação probatória, os direitos do acusado hão de ser respeitados, a conduta tida como delitiva não deve ser circunscrita a mera decisão subjetiva quanto ao cumprimento de certos valores ideológicos. Ao eleitor cabe o juízo ideológico do governo, não ao parlamento.

No caso de Zelaya, sequer direito de defesa anterior ao afastamento foi oferecido pelo Parlamento e pela jurisdição. No caso de Fernando Lugo no Paraguai, o que houve foi um “julgamento” a jato e de exceção. O prazo de defesa foi exíguo, sem a oferta da devida dilação probatória, as acusações têm caráter preponderantemente ideológico e não de juízo de ilicitude na conduta. A decisão já se encontrava decidida e escrita antes da apresentação da defesa. Ou seja: trata-se de mais um caso de ofensa grave a constituição nacional, perpetrada pelo respectivo Parlamento, que tira do poder um governante democraticamente eleito
O jovem jurista Luis Regules me observou que a quase totalidade de golpes de Estado na América Latina se deram com apoio parlamentar. É uma história de tristes resultados que insiste em se repetir cada vez mais como farsa.
A decisão aprovada nesta sexta-feira 22 pelo Senado do Paraguai, a nosso ver, tem evidente caráter de golpe de Estado e não pode ser aceita pelos organismos internacionais que, segundo tratados multilaterais, velam pela democracia no continente.
O Brasil precisa renovar a coragem democrática demonstrada no episódio do golpe contra o governo de Zelaya e apoiar abertamente o presidente do Paraguai democraticamente eleito e inconstitucionalmente declarado impedido.
Se nos aquietarmos face a tal ofensa praticada no país vizinho, a vítima amanhã pode ser a nossa democracia.

Antônio Vieira e o doce inferno dos negros


Por Emiliano José
Retrato do padre Antônio Vieira de José Rodrigues Nunes. Imagem: Reprodução
Retrato do padre Antônio Vieira de José Rodrigues Nunes. Imagem: Reprodução
Nasceu em Lisboa em 1608. Morreu em Salvador, em 1697. Com seus sermões, tornou-se uma referência, tanto pela maestria e beleza com que esgrimia ao valer-se da língua portuguesa quanto pelas ideias que defendia, enfrentando preconceitos de então, justificando outros. Combateu a escravidão indígena no Brasil, enfrentou a feroz Inquisição portuguesa por quem foi implacavelmente perseguido, defendeu os judeus e o que considerava dinamismo do capital que eles podiam aportar em Portugal. Gostava da Corte, envolveu-se na política e na diplomacia, foi intransigente defensor da escravidão dos negros, contra qualquer negociação com o Quilombo dos Palmares, propôs que a Coroa portuguesa entregasse Pernambuco aos holandeses e chegou a enveredar pelos caminhos da profecia, um dos motivos pelos quais foi perseguido pela Inquisição.
Essas impressões foram recolhidas do livro Antônio Vieira: Jesuíta do Rei (Companhia das Letras, 352 págs., R$ 44,00), de autoria do professor titular do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense Ronaldo Vainfas. A indicação de leitura veio de meu amigo, professor Venício Lima, apaixonado pelo estudo em torno de Vieira. Li de uma sentada, como se diz aqui na Bahia. É, além de tudo, muito bem escrito, escapando do peso de quaisquer hermetismos acadêmicos. Quando gosto da leitura, e se tenho espaço, manifesto-me, sem que, obviamente, tenha a mínima pretensão de produzir uma resenha. Agradeço a indicação que Venício me fez, entre outras tantas, sempre prazerosamente acolhidas, e que nunca me frustraram.
Sei perfeitamente que corro o risco do anacronismo – quase inevitável quando lemos sobre personagens do passado. Somos tomados por conceitos do presente. E queremos exigir de personagens de outrora uma postura correspondente ao que contemporaneamente consideramos correto. Vainfas foge disso e, por isso, consegue revelar um Vieira multifacetado, que poderíamos chamar hoje de contraditório. Mas só teríamos o direito de fazê-lo se desconhecêssemos as circunstâncias históricas de então, o caldo cultural vigente no século XVII, os valores da própria Igreja Católica. Vieira, foi, aí sim, um personagem complexo, rico, polêmico, e isso o livro consegue inegavelmente demonstrar.
A base teológica que justificava a escravidão negra
Do que me ocupo, exclusivamente, para que não nos enganemos quanto à força cultural e ideológica que os séculos acumularam contra os negros, é da ideia quanto à escravidão africana, tão solene e fortemente defendida pela Igreja Católica e pelo Papa, sob a alegação de que o cativeiro era uma espécie de benção para os pretos – há um capítulo denominadoParaíso dos Pretos, tratando exclusivamente dessa visão, no qual me concentrarei nesse texto. A escravidão, no raciocínio do catolicismo de então, tinha o condão de trazer os negros para a luz do cristianismo, como acentua Vainfas. A Igreja e os Jesuítas, ordem à qual Vieira pertencia, e na qual permaneceu até morrer, adotaram dois pesos e duas medidas na questão escravista.
Como diz o autor, no caso dos índios, escravidão e catequese se opunham. No caso dos africanos, complementavam-se. Embora fosse uma contradição insolúvel do ponto de vista moral, contornava-se o problema com uma sólida base teológica. A escravidão era má, porém justa e necessária para a ordem do mundo. Para os índios, buscar a salvação e não permitir a escravidão deles. Para os negros, cativeiro. A Igreja vai buscar referências em São Tomás de Aquino, desde, portanto, o século XIII. No decorrer do século XV, construiu-se a ideia de que os africanos em particular eram os mais vocacionados para a escravidão por descenderem de Cam, o filho maldito de Noé, cuja linhagem fora condenada ao cativeiro. Cam teria sido o povoador do continente africano. Os índios, que nada tinham a ver com Cam, deviam ser preservados do cativeiro, como lembra o autor. “Contradição moral e ideológica. Coerência teológica.”

Vieira conhecia bem a sustentação teórico-teológica escravocrata. Na Bahia, naquela primeira metade do século XVII, vivia-se a fase da implantação da escravidão africana e surgiam, portanto, os primeiros quilombos de escravos fugidos, reprimidos logo nos primeiros anos daquele século. A elite baiana estava incomodada com a resistência negra. Era necessário acalmar os negros, acostumá-los à escravidão. Vieira estava na Bahia, depois de ter vivido alguns anos em Pernambuco. Não se sabe quais as razões que o levaram a pregar sobre a escravidão, o que ele faz em 1633 – é o segundo sermão público de Vieira, então com apenas 25 anos. E o faz num engenho do Recôncavo Baiano para uma “confraria” de escravos negros, sem que se saiba exatamente a natureza dessa confraria. O sermão integra a coleção de 30 sermões de Vieira dedicados à Virgem, no ciclo conhecido como Maria Rosa Mística.
O autor defende a possibilidade de que o pedido para que Vieira fizesse o sermão tenha sido dos senhores de escravos com o apoio do governo colonial, empenhados em acalmar os ânimos negros. É provável, ainda, segundo o mesmo autor, que outros religiosos também tenham feito pregação com o mesmo teor. O sermão de Vieira, então, seria a parte visível de um movimento mais amplo de doutrinação de escravos no mundo rural baiano, encabeçado, na política, pelo governador Diogo Luís de Oliveira, pelo bispo D. Pedro da Silva e Sampaio e pelo provincial da Companhia de Jesus, Domingos Coelho. Falo de política, mas é evidente que havia distinção entre as elites que o autor chama de governativas e as espirituais. Nesse momento, constituíam um único corpo, unitário, a favor da escravidão negra. O sermão de Vieira cai como uma luva naquele cenário, e não é ocasional, como já dissemos, nem nasce apenas de um rompante espiritual do sacerdote.
A tentativa de convencer pela fé
Trata-se de um sermão dirigido exclusivamente aos escravos, chamados por ele de etíopes – termo que designava genericamente os africanos – ou de pretos, ou, ainda, de negros da Guiné. O sermão, destaca o autor, se apóia no mote dos filhos de Maria. A Paixão de Cristo transformara Maria em mãe de toda a humanidade – assim Vieira deu início ao sermão. E, anotem, de todos os devotos de Maria no mundo, os pretos eram os mais gloriosos. Os pretos deviam agradecer a Deus por terem sido retirados das brenhas do mundo gentio em que viviam em terras etíopes “para serem instruídos na fé”, vivendo como cristãos, seguros, por isso, da salvação eterna. A glória dos pretos residia na condição de escravos. “Somente assim cumprir-se-ia seu glorioso destino, enquanto devotos de Nossa Senhora do Rosário, que fez deles seus filhos prediletos no mundo”, explica o autor.
A arte argumentativa de Vieira, as armas de seu discurso, são impressionantes, admiráveis, para além da análise que possamos fazer hoje, à luz das conquistas políticas e culturais da humanidade. Ele, no sermão, pergunta: – Por que razão Maria concedera seu maior favor aos pretos? E responde, com toda segurança: Porque eles, os pretos, mais do que quaisquer outros, eram a imitação perfeita da paixão de Cristo. Com o cativeiro, eram a prova viva dos mistérios dolorosos, prelúdio dos mistérios gozosos da salvação, a serem desfrutados na vida eterna.
Aqui na terra, haveriam de enfrentar os mistérios dolorosos para continuarem a ser os preferidos de Maria. O sermão escravista de Vieira, que o autor considera uma peça literária de rara beleza, mescla o temporal e o espiritual, as dores de Cristo na cruz e a dureza do cotidiano escravo nos engenhos. Imitação de Cristo – era essa a gloriosa vida dos negros escravos na construção de Vieira, um argumento de grande força persuasiva numa época em que a preocupação dominante era a salvação da própria alma.
Em um engenho sois imitadores de Cristo crucificado – dirá o jesuíta. “A Paixão de Cristo parte foi de noite sem dormir, parte foi de dia sem descansar, e tais são as vossas noites e os vossos dias. Cristo despido, e vós despidos: Cristo sem comer, e vós famintos: Cristo em tudo maltratado, e vós maltratados em tudo. Os ferros, as prisões, os açoites, as chagas, os nomes afrontosos, de tudo isso se compõe a vossa imitação, que, se for acompanhada de paciência, também terá merecimento de martírio”.
Eu fico aqui imaginando os negros, escravos, reunidos numa manhã ou numa tarde, quem sabe de domingo, tentando entender aquela engenhosa dialética, aquela impressionante transformação de dor em glória, olhando para aquele pregador tão cheio de artes e manhas, e de convicções, aquele sacerdote que se punha tão próximo de Cristo e que os aproximava tanto daquele que morrera na Cruz, e com o qual eles se encontrariam mais tarde, depois de mortos, no Paraíso. Não seria o caso mesmo de aceitar o sofrimento? A resposta nossa hoje é não. E então?
Escravidão no Brasil, quadro de Jean-Baptiste Debret (1768-1848). Imagem: Reprodução
Escravidão no Brasil, quadro de Jean-Baptiste Debret (1768-1848). Imagem: Reprodução
Podemos afirmar que foram obrigados, coagidos a aceitar o escravismo colonial pela violência e pela repressão. Mas as elites não dispensavam o discurso, o convencimento, a tentativa de acalmar ímpetos de insubmissão, que ocorrerão, mais tarde, para além dos muitos quilombos, na Revolta dos Malês ou na Revolução dos Alfaiates. Ali, naquele momento, Vieira se dirigia a africanos já cristianizados, e pode ser que assimilassem alguma coisa do discurso, sem que possamos saber se os convencia.
Cristo, seguirá Vieira, na sua Paixão, sofreu as dores do inferno. E ele segue seu raciocínio: “E que coisa há na confusão deste mundo mais semelhante ao inferno, que qualquer destes vossos Engenhos, e tanto mais quanto de maior fábrica. Por isso foi tão bem recebida aquele breve e discreta definição de quem chamou a um Engenho de Açúcar doce inferno.” Vieira seguirá adiante com uma descrição aterrorizante sobre o doce inferno. Falará de labaredas saindo aos borbotões, os negros banhados em suor diante da fornalha, as caldeiras ou lagos ferventes, e gemendo tudo ao mesmo tempo sem momento de tréguas, nem de descanso – uma impressionante semelhança com o inferno construído pelos católicos ou, se quisermos, uma encarnação precisa de todas as dores que se anunciavam para a danação eterna.
Mas, como a escravidão era o paraíso dos pretos, então, todo esse inferno se converterá em paraíso, como diz Vieira em seu sermão, um documento essencial para que se entenda o espírito dominante de então e para que se esclareça o papel do jesuíta como um escravista, como um sólido ideólogo da escravidão, como um religioso que assumiu compromissos com aquela ordem hedionda. Vai criticar os senhores de escravos em sermões futuros, por desleixos na condução espiritual dos escravos e nos excessos de violência que praticavam – como se isso não fosse, de fato, a regra. Mas, como diz o autor, corretamente: “uma vez escravista, sempre escravista: “Vieira foi grande defensor da escravidão africana no Brasil até o fim da vida. O maior de todos”.

Torturador conta rotina da Casa da Morte em Petrópolis



Saiu no Globo:

Torturador conta rotina da Casa da Morte em Petrópolis



RIO — Depois de cinco horas de conversa, o velho oficial estava livre de um dos mais bem guardados segredos do regime militar: o propósito e a rotina do aparelho clandestino mantido nos anos 1970 pelo Centro de Informações do Exército (CIE) em Petrópolis, conhecido na literatura dos anos de chumbo como “Casa da Morte”, onde podem ter sido executados pelo menos 22 presos políticos. Passados quase 40 anos, um dos agentes que atuaram na casa, o tenente-coronel reformado Paulo Malhães, de 74 anos, o “Doutor Pablo” dos porões, quebrou o silêncio sobre o assunto.

No jargão do regime, revelou Malhães, a casa era chamada de centro de conveniência e servia para pressionar os presos a mudar de lado e virar informantes infiltrados, ou RX, outra gíria dos agentes. O oficial não usa a palavra tortura, mas deixa clara a crueldade dos métodos usados para convencer os presos:

— Para virar alguém, tinha que destruir convicções sobre comunismo. Em geral no papo, quase todos os meus viraram. Claro que a gente dava sustos, e o susto era sempre a morte. A casa de Petrópolis era para isso. Uma casa de conveniência, como a gente chamava.

As equipes do CIE, afirmou, trabalhavam individualmente, cada qual levando o seu preso, com o objetivo de cooptá-lo. O oficial disse que a libertação de Inês Etienne Romeu, a única presa sobrevivente da casa, foi um erro dos agentes, que teriam sido enganados por ela, acreditando que aceitara a condição de infiltrada.

Malhães só não contou o que era feito com os que resistiram à pressão para trair. Diante da pergunta, ficou em silêncio e, em seguida, lembrou que nada na casa de Petrópolis era feito à revelia dos superiores. As equipes relatavam e esperavam pela voz do comando:

— Se era o fim da linha? Podia ser, mas não era ali que determinava.

Até terça-feira, quando o militar abriu a porteira do sítio na Baixada Fluminense aos repórteres, nenhum dos agentes da casa havia falado sobre ela. O que se sabia era o testemunho de Inês Etienne, colhido em 1971 mas só divulgado em 1979, após o período em que cumpriu pena por envolvimento com a guerrilha da VAR-Palmares. Outras referências ao local apareceram em entrevistas e livros de colaboradores do regime, como o oficial médico Amilcar Lobo, o sargento Marival Chaves (CIE-DF) e o delegado da Polícia capixaba Cláudio Guerra.

Sentado ao lado da mulher no alpendre da casa maltratada pelo tempo, Malhães revelou que já pertencia ao Movimento Anticomunista (MAC) quando ingressou nos quadros da repressão. Sua ascensão, iniciada com um curso de técnicas para abrir cadeados, fazer escuta, aprender a seguir pessoas, foi rápida. Após o golpe militar, passou pela 2 Seção (Informações) e pelo Destacamento de Operações de Informações (DOI) do I Exército (RJ) antes de ingressar no Centro de Informações do Exército (CIE), onde passou a perseguir as organizações da luta armada pelo país.

‘Eu organizei o lugar’

A casa de Petrópolis, na Rua Arthur Barbosa 668, Centro, teria sido um trabalho específico de Malhães já dentro do CIE. Ele afirmou que o imóvel, emprestado à repressão pelo então proprietário, Mario Lodders, não era o único aparelho com esse propósito:

— Tinha outras. Eu organizei o lugar. Quem eram as sentinelas, a rotina e quando se dava festa para disfarçar, por exemplo. Tinha que dar vida a essa casa. Eu era um fazendeiro que vinha para Petrópolis de vez em quando — contou Malhães, que se recusou a revelar o nome das sentinelas e não se deixou fotografar.

Cada oficial, informou, contava com sua própria equipe, que podia incluir cabos, sargentos, policiais federais, delegados ou médicos. De acordo com o coronel, na maioria das vezes, as equipes trabalhavam com um preso de cada vez na casa. Esse seria o motivo alegado por ele para desconhecer o destino de presos citados na lista dos desaparecidos políticos.

— Eu trabalhei uns cinco ou seis. Às vezes, passava de um mês com um — explicou.

O oficial disse que as táticas para cooptar e formar os infiltrados variavam, e cada um deles era detalhadamente estudado antes da abordagem, tanto sua ideologia como a família. Malhães disse que chegou a ficar preso por 30 dias numa cadeia, disfarçado, em tentativa de arregimentar um RX. Depois que os presos mudavam de posição, eles eram filmados delatando os companheiros. No depoimento sobre os cem dias que passou na casa, Inês Etienne relatou que fingiu ser uma infiltrada e foi filmada contando dinheiro e assinando um contrato com seus algozes.

Sobre o destino de alguns nomes de presos, que arquivos ou testemunhas apontam que estiveram na Casa da Morte, ele disse que o ex-deputado federal Rubens Paiva não passou por lá, mas admitiu ter visto Carlos Alberto Soares de Freitas, o Beto, comandante da VAR-Palmares desaparecido em fevereiro de 1971.

— O Beto talvez tenha conhecido — informou.

Questionado novamente se os militantes da luta armada eram assassinados, ele respondeu:
— Se ele deu depoimento, mas a estrutura (da organização guerrilheira) não caiu, ele pode ter sofrido as consequências.

O coronel reformado disse que, além da garantia de sigilo, era oferecida ajuda financeira aos infiltrados, embora nem todos aceitassem. Uma reunião do PCdoB em São Paulo, afirmou, teria custado R$ 50 mil. Sem fornecer qualquer prova além das declarações, disse que nem todos os desaparecidos teriam morrido no período.

— Na lista de desaparecidos tem RX. E muita gente morreu em combate. Desaparecido é um termo forçado. Em combate, tudo pode acontecer. E você não vai achar desaparecido nunca — declarou ele, ao negar as formas conhecidas até aqui para desaparecimento dos corpos.

Para o ex-preso político Ivan Seixas, diretor do Núcleo de Preservação da Memória Política, Malhães é fundamental para esclarecer o destino dos desaparecidos:

— Ele foi um dos três coordenadores operacionais da repressão, ao lado de Freddie Perdigão Pereira e de Ênio Pimentel Silveira, que já estão mortos.

TV pública tem sinal cortado e manifestantes culpam Franco




ISABEL FLECK
ENVIADA ESPECIAL A ASSUNÇÃO

A TV pública paraguaia, que se tornou o epicentro dos embates entre o novo governo e os apoiadores de Fernando Lugo, saiu do ar por cerca de 20 minutos nesta tarde --o que levou os manifestantes a acusarem o novo presidente, Federico Franco, de censura.

"Acabamos de ser vítimas da forma mais evidente de censura. A perda de sinal não foi acidental, foi programado, e temos provas já circulando nas redes sociais", disse Diego Segovia, gerente de projetos da emissora.

O corte se deu enquanto a TV transmitia ao vivo, da frente da sede da emissora, discursos inflamados contra os "golpistas". Desde o fim da tarde de ontem, apoiadores de Lugo ocupam a rua Alberdi e se revezam no palanque do programa "Microfone Aberto", instalado no meio da rua.

Por ele, já passaram o próprio Lugo, o senador e ex-ministro do Interior Carlos Filizzola, membros da recém-criada Frente para a Defesa da Democracia -que reúne partidos e movimentos sociais, como o dos campesinos­- e dezenas de apoiadores do ex-presidente.

A TV se transformou na sede dos "indignados" depois que o diretor da emissora, Marcelo Martinessi, foi ordenado a se retirar do posto. "O que mais nos espantou foi a rapidez com que vieram para cima de nós. Uma hora e meia depois da posse de Franco, já havia gente sua aqui para se informar sobre a grade de programação e a forma de operar a emissora", disse Martinessi à Folha.

TV pública se torna centro de manifestações anti-Franco




ISABEL FLECK


ENVIADA ESPECIAL A ASSUNÇÃO

A rua em frente à sede da TV Pública paraguaia é, desde ontem, o centro de mobilização contra o novo governo de Federico Franco em Assunção.

Ao contrário do resto da capital paraguaia, onde os moradores retomam a rotina após a controversa deposição de Fernando Lugo, em frente à TV, barracas e colchões já indicam que os manifestantes não pretendem deixar o local tão cedo.

"Vamos ficar aqui até quando for necessário. Conquistamos esse espaço, a TV é do povo, é paga por nós e não permitiremos que se torne uma ferramenta política desta ditadura", disse a estudante Maria Ríos, 25, que faz parte da equipe da emissora.

Segundo os funcionários da TV pública, logo depois da deposição de Lugo, o novo governo já enviou funcionários à emissora para recolher informações sobre a programação, o que foi interpretado como um início de censura.

Horas depois, o diretor da TV pública, Marcelo Martinessi, deixou o posto. Assumiu em seu lugar o diretor interino Gustavo Canata.

A emissora continua sob o controle dos antigos funcionários, que transmitem durante todo o dia a movimentação e os discursos em frente à TV. A mobilização tem sido feita por meio das redes sociais.

"É importante que nos manifestemos. Porque senão, em 2013, vamos votar em um presidente que, se não os agradar, será também retirado do poder", disse a economista Laura Ferreira, 28, que está no local desde sábado.

EMBAIXADA BRASILEIRA

Apesar de "indignados", os manifestantes não perderam o bom humor: nas duas barracas armadas na rua, podem-se ler as placas "Embaixada do Brasil" e "Embaixada da Argentina", em referência aos países que convocaram seus embaixadores no país --o Brasil, para consultas, e a Argentina, que retirou o diplomata de Assunção.

Os manifestantes também fizeram um boneco de "Judas" de Franco. Hoje é dia de São João no Paraguai, uma festa tradicional em que é costume fazer bonecos com imagens de políticos para malhar, como no Brasil, durante as sextas-feiras santas.

Os protestos começaram na noite de ontem no local, quando a equipe da TV deixou o "microfone aberto" para que manifestantes se revezassem em discursos transmitidos ao vivo pelo canal. Muitas pessoas passaram a noite em vigília.

De madrugada, o ex-presidente Fernando Lugo esteve no local e fez seu primeiro discurso público após o impeachment, em que alertou para o isolamento para o qual se encaminha o país.

"Eles vão ser responsáveis pela pobreza e pelo retorno da ditadura no Paraguai", disse o ex-presidente.

Em 2009, EUA já previam golpe no Paraguai



Em 2009, EUA já previam golpe no ParaguaiFoto: Edição/247

DOCUMENTO DA EMBAIXADA DOS EUA EM ASSUNÇÃO, VAZADO PELO WIKILEAKS, TRATAVA DE UM POSSÍVEL GOLPE PARLAMENTAR CONTRA FERNANDO LUGO; ATÉ AGORA, O GOVERNO DE OBAMA NÃO SE PRONUNCIOU SOBRE A MUDANÇA DE GOVERNO NO PAÍS VIZINHO

24 de Junho de 2012 às 18:28
247 – O documento é de 23 de março de 2009 e foi vazado pelo Wikileaks. Produzido pela embaixada dos Estados Unidos em Assunção, o memorando previa que Fernando Lugo seria derrubado por meio de um golpe parlamentar – exatamente como aconteceu na última sexta-feira, quando o presidente eleito do Paraguai foi substituído por seu vice Federico Franco.
Enquadrado como “confidencial” por Michael J. Fitzpatrick, o texto diz o seguinte:
“Rumores indicam que o general Lino Oviedo e o ex-presidente Nicanor Duarte estão trabalhando juntos para assumir o poder por meio de instrumentos (predominantemente) legais que deverão afetar o presidente Lugo nos próximos meses. O objetivo: capitalizar sobre qualquer tropeço de Lugo para iniciar o processo político no Congresso, impedir Lugo e assegurar sua supremacia política (...) A revolta relacionada a um programa de subsídios para agricultores por meio de ONGs foi considerada um pretexto para o impeachment antes que Lugo abandonasse o programa. Para um presidente que enfrenta muitos desafios – disputas políticas internas, corrupção e a percepção de que seu estilo de liderança é ineficiente – Lugo deve se preocupar para não cometer um erro, que seria seu último.”
Até agora, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, não se manifestou sobre o golpe de Estado no Paraguai. Na Rio+20, o jornalista Fernando Rodrigues, da Folha de S. Paulo, foi cercado por seguranças quando tentou saber da secretária de Estado Hillary Clinton qual é a posição dos Estados Unidos a respeito da crise.

Prisões, privatização e padrinhos




Paul Krugman

Nos últimos dias, o "New York Times" publicou uma série de reportagens aterrorizantes sobre o sistema de casas de semi-internato de Nova Jersey -que serve como ala auxiliar, operada pelo setor privado, do sistema penitenciário estadual. A série é um modelo de jornalismo investigativo e todos deveriam ler esses artigos. Mas também é preciso que seja analisada como parte de um contexto mais amplo. Os horrores descritos são parte de um padrão mais amplo sob o qual funções do governo estão sendo a um só tempo privatizadas e degradadas.
Vamos começar pelas casas de semi-internato. Em 2010, Chris Christie, o governador de Nova Jersey -que tem conexões pessoais com a Community Education Centers, a maior operadora dessas instalações, para a qual no passado trabalhou fazendo lobby-, descreveu as operações da empresa como "uma representação do que há de melhor no espírito humano". Mas as reportagens revelam, em lugar disso, algo mais próximo ao inferno -um sistema mal gerido, com escassez de funcionários e equipes desmoralizadas, do qual os mais perigosos indivíduos muitas vezes escapam para causar estragos e no qual os criminosos menos violentos enfrentam terror e abusos da parte dos demais detentos.
A história é terrível. Mas, como eu disse, é necessário vê-la no contexto mais amplo de uma campanha nacional da direita norte-americana pela privatização de funções de governo, o que enfaticamente inclui a administração de prisões. O que move essa campanha?
Seria tentador dizer que ela reflete a crença dos conservadores na magia do mercado, na superioridade da concorrência livre sobre o planejamento governamental. E essa é certamente a maneira pela qual os políticos da direita gostariam de ver a questão enquadrada.
Mas basta pensar por um minuto para perceber que uma coisa que as empresas que formam o completo penitenciário privado -companhias como a Community Education ou a gigante setorial Corrections Corporation of America- não fazem é concorrer em um mercado livre. Elas na realidade vivem de contratos governamentais. Assim, não existe mercado, e portanto nenhum motivo para prever ganhos mágicos de eficiência.
E o fato é que, apesar das muitas promessas de que privatizar penitenciárias resultaria em grande economia de custos, essa economia -como concluiu um estudo abrangente conduzido pelo Serviço de Assistência Judiciária, parte do Departamento da Justiça norte-americano- "simplesmente não se concretizou". Os operadores privados de penitenciárias só conseguem economizar dinheiro por meio de "reduções em quadros de funcionários, nos benefícios conferidos aos trabalhadores e em outros custos trabalhistas".
Assim, é hora de conferir: as penitenciárias privadas economizam dinheiro porque empregam menos guardas e outros funcionários, e pagam menos a eles. E em seguida lemos histórias de horror sobre o que acontece nas prisões. Que surpresa!
O que deixa a questão dos motivos reais para a campanha pela privatização das penitenciárias, e de praticamente tudo mais.
Uma resposta é que a privatização pode servir como forma encoberta de elevar o endividamento do governo, já que este deixa de registrar despesas antecipadas (e pode até arrecadar dinheiro pela venda de instalações existentes), e eleva os custos de longo prazo de maneira invisível pelos contribuintes. Já ouvimos muito sobre dívidas estaduais ocultas em forma de passivos de pensão futuros; mas não ouvimos o bastante sobre as dívidas futuras que estão sendo acumuladas agora na forma de contratos de longo prazo com empresas privadas empregadas para operar penitenciárias, escolas e muito mais.
Outra resposta para a privatização é que ela representa uma forma de eliminar funcionários públicos, que têm o hábito de formar sindicatos e tendem a votar nos democratas.
Mas a principal resposta certamente está no dinheiro. Pouco importa o efeito que a privatização tenha ou não sobre os orçamentos estaduais. Pense, em lugar disso, nos benefícios que ela traz para os fundos de campanha e as finanças pessoais dos políticos e seus amigos. Com a privatização de mais e mais funções governamentais, os Estados se tornam paraísos de pagamento nos quais contribuições políticas e pagamentos a amigos e parentes se tornam parte da barganha na obtenção de contratos do governo. As empresas estão tomando o controle dos políticos ou os políticos estão tomando o controle das empresas? Pouco importa.
É claro que alguém vai certamente apontar que as porções não privatizadas do governo também enfrentam problemas de influência indevida, que os sindicatos dos guardas penitenciários e professores têm influência política e esta ocasionalmente distorce as decisões governamentais. É justo. Mas essa influência tende a ser relativamente transparente. Todo mundo sabe sobre as aposentadorias supostamente absurdas do setor público; já revelar o inferno das casas de semi-internato de Nova Jersey requereu meses de investigação pelo "New York Times".
O que importa, portanto, é que não se deve imaginar aquilo que o "New York Times" descobriu sobre a privatização de prisões em Nova Jersey como exemplo isolado de mau comportamento. Trata-se, na verdade, quase certamente de apenas um vislumbre de uma realidade cada vez mais presente, de uma conexão corrupta entre privatização e apadrinhamento que está solapando as funções do governo em muitas regiões dos Estados Unidos.
Tradução de Paulo Migliacci