domingo, 15 de julho de 2012

Na CPMI, nada contra Gilmar


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Não se pense que a CPMI de Cachoeira esteja parada. Ela já quebrou o sigilo de 57 empresas, contra 19 quebras da Polícia Federal. E de 19 Pessoas Físicas, contra 8 da PF.
Há uma montanha de informações sendo meticulosamente trabalhadas por exércitos de assessores, em conjunto com a PF: três delegados estão lá dentro, analisando os dados.
A PF quebrou o sigilo nos últimos 6 a 8 meses; a CPMI quebrou o sigilo de uma década.
Nos últimos 40 dias, os técnicos se debruçaram sobre os dados para formatar sua organização. Foram gerados mais de 680 relatórios sobre informações sigilosas.
A CPMI analisou os dados de Cachoeira desenvolvendo quatro macro-teses acerca de seus braços operacionais:
1. Relação Cachoeira-Marconi
2. Relação Cachoeira-Demóstenes
3. Cachoeira-Deputado
4. Cachoeira-Ministros do Poder Judiciário.
Foram analisados 4 Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), 9 do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e alguns do TST (Tribunal Superior do Trabalho)
Ainda que tivessem sido identificados comportamentos impróprios, de receber pessoas, de pegar caronas, nada se apurou de concreto que pudesse comprometê-los.
Poucos duvidam da carona de Gilmar Mendes no avião de Cachoeira, quando chega com Demóstenes Torres da Alemanha. Mas não foi identificada nenhuma decisão sua que pudesse caracterizar algum tipo de contrapartida.
A questão CELG (Centrais Elétricas de Goiás), por exemplo. Em uma das gravações, Demóstenes fala em facilidades quando o caso chegar ao STF, com Gilmar Mendes. Mas os técnicos da CPMI consideraram a decisão de Gilmar juridicamente normal. Teria sido a mesma coisa se o Ministro fosse Celso de Mello.
No caso do arquivamento da ação sobre a legalidade do jogo, a posição de Gilmar também  foi considerada normal, ao entender que o caso estava prescrito. Quando confirmado que não havia sido prescrito, recorreu à jurisprudência.
Tão pouco se encontrou nada que pudesse incriminar outros ministros cujos nomes vieram à tona no noticiário. Houve apenas o caso Laurita Vaz, do STJ, que participou de reunião social com Cachoeira. Mas ela mesma se colocou como suspeita em ação envolvendo o bicheiro.
A rigor, apareceu apenas um nome suspeito, de Ministro do TST. Mas não se encontrou nenhum caso trabalhista no qual ele pudesse ter agido para beneficiar Cachoeira.
Em relação ao Procurador Geral da República Roberto Gurgel há dúvidas de monta. Não se encontraram justificativas lógicas para muitos pontos de sua atuação.
Uma visão benigna é a de que Gurgel seguraria inquéritos visando ganhar força política junto aos diversos personagens públicos.
No caso específico da retenção da denúncia contra Demóstenes Torres, uma das visões da CPMI é que, de fato, Gurgel considerou os dados inconsistentes, já que era conhecida sua rivalidade com Demóstenes.
Mais tarde, provavelmente utilizou a retenção como barganha, na aprovação da sua indicação pelo Senado.

Candidato a prefeito em SP diz que levará privataria tucana aos debates



Carlos Gianazzi: Já selecionei trechos do Privataria Tucana que vou ler para o Serra





por Luiz Carlos Azenha


Carlos Gianazzi, candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, pretende causar sensação nos debates apontando as contradições que envolvem seus adversários.

Professor, ele cumpriu dois mandatos de vereador e está no segundo mandato de deputado estadual, para o qual foi eleito em 2010 com cerca de 100 mil votos.

Por ter se dedicado especialmente às questões da educação pública, parece à vontade para debater com o candidato do PT, Fernando Haddad, ex-ministro da área nos governos Lula e Dilma, por seis anos.

“Ele [Haddad] se apresenta como um homem novo para um novo tempo, mas como ser novo com o Paulo Maluf, como ser novo com financiamento de campanha de empreiteiras, de construtoras, que tem provocado grande especulação imobiliária que o próprio PT critica”, diz.

Além disso, ele foca o que qualifica de “triste herança” deixada por Haddad dos tempos em que serviu como chefe de gabinete de João Sayad, secretário das Finanças no governo municipal petista de Marta Suplicy [2001-2005]. O candidato petista teria sido, segundo Giannazi, mentor intelectual do aumento de taxas e impostos, como a taxa do lixo, a taxa de luz, o ISS para pequenos profissionais liberais e a taxa de fiscalização que afetou pequenos comerciantes.

Gianazzi também critica Haddad pelo fato de que a educação pública “continua muito mal” depois da passagem do petista pelo Ministério da Educação.

Dentre outros pecados, Haddad teria dado continuidade a um processo de expansão da educação superior “precarizado”, envolvendo inclusive universidades privadas que, na avaliação de Gianazzi, prestam um péssimo serviço aos estudantes.

Mas, quando se trata do tucano José Serra, Gianazzi diz que as contradições “são piores ainda”.
Ele acusa Serra de “destruir” o magistério estadual com a Lei 1093, que criou a quarentena dos professores contratados. Depois de um ano de contrato, a lei exige que eles passem pelo menos 200 dias afastados antes de voltar à sala de aula. A consequência disso, segundo Gianazzi, é a falta de professores na rede, o que prejudica os estudantes. O candidato do PSOL quer perguntar a Serra se ele fará o mesmo com o magistério municipal, caso seja eleito.

Também pretende perguntar a Serra sobre “a farra dos pedágios”, a privatização da Nossa Caixa, os problemas no Metrô e na Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE).

“Vou levar o livro da Privataria Tucana e vou ler trechos do livro que eu já selecionei, para que ele explique”, afirma o candidato.

Gianazzi quer que Serra explique “o envolvimento da família dele” na abertura de contas bancárias em paraísos fiscais. “Ele vai ter de explicar, porque [o livro] tem cópias de documentos, de juntas comerciais, do Ministério Público, da Justiça. Até agora ele só falou que o livro é um lixo, mas não vou falar do livro, vou falar dos documentos”, declarou o candidato do PSOL.

Abaixo, uma breve entrevista com o candidato:
http://www.viomundo.com.br/politica/carlos-gianazzi-ja-selecionei-trechos-do-privataria-tucana-que-vou-ler-para-o-serra.html


Jersey recusa recursos e julga ação contra Maluf

Pedido da Prefeitura para reaver US$ 22 mi de contas que estariam ligadas a ex-prefeito pode ter mérito decidido por corte de paraíso fiscal até dia 20

Jamil Chade, correspondente de O Estado de S. Paulo
A Justiça de Jersey abre caminho legal para uma possível condenação do ex-prefeito Paulo Maluf, na próxima semana, e a repatriação do dinheiro supostamente desviado pelo político ao Brasil. A corte do paraíso fiscal no Canal da Mancha rejeitou todos os recursos e apelos acionados pela defesa de Maluf e agora vai começar a julgar o mérito da ação movida pela Prefeitura para reaver US$ 22 milhões.

O ex-prefeito Paulo Maluf, que apoiou a candidatura do petista Fernando Haddad em junho, pode ser co - Epitácio Pessoa/AE
Epitácio Pessoa/AE
O ex-prefeito Paulo Maluf, que apoiou a candidatura do petista Fernando Haddad em junho, pode ser co
Jersey já havia bloqueado o dinheiro em contas que seriam de Maluf e de empresas ligadas a ele. Agora, decidirá se o valor será devolvido ao Tesouro paulistano. A Prefeitura alega que o dinheiro foi desviado de obras públicas durante a gestão Maluf (1993-1996).
Num documento de 90 páginas, a corte afastou todas as ameaças de novo adiamento da decisão. Rejeitou recursos procedimentais apresentados pela defesa e indicou que, no dia 20, poderia anunciar uma decisão. Durante anos, a defesa do ex-prefeito usou de vários instrumentos legais para frear o processo, tanto na Suíça quanto em Jersey.
Na Suíça, uma decisão de 2003 do Tribunal Superior rejeitou o pedido da defesa de que os documentos sobre as movimentações bancárias envolvendo Maluf e seus familiares fossem divulgados e transmitidos ao Brasil. Mas a ação conseguiu atrasar o processo. Em 2005, a defesa explorou o fato de que os extratos de Maluf foram usados para processá-lo no Brasil por evasão fiscal - e, assim, conseguiu mais uma vez bloquear o processo. Pela lei suíça, a cooperação apenas poderia ocorrer para questões de lavagem de dinheiro.
Em Jersey, a própria corte já avaliou em 2006 e 2007 que Maluf estaria se utilizando de questões procedimentais para frear o processo. Num documento daquele período, os juízes não disfarçam a irritação com o comportamento da defesa do brasileiro.
Maluf nega ter contas no exterior e não comenta o caso. O Estado mostrou ontem que o Ministério Público Federal denunciou criminalmente oito executivos ligados ou que já pertenceram aos quadros das empreiteiras Mendes Júnior e OAS sob a acusação de desvio de dinheiro da obra da Avenida Água Espraiada (hoje Jornalista Roberto Marinho), na zona sul. durante a gestão do ex-prefeito. Segundo a denúncia, parte dos recursos foi enviada para contas em paraísos fiscais em favor de Maluf. Os executivos são acusados de peculato e lavagem de dinheiro.

Como a Delta pagou Perillo

Um relatório da Polícia Federal obtido com exclusividade por ÉPOCA comprova os elos entre o esquema de Carlinhos Cachoeira e o governador de Goiás

DIEGO ESCOSTEGUY, COM MURILO RAMOS E MARCELO ROCHA
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LUCRO O governador  de Goiás, Marconi Perillo. Ele vendeu uma casa ao bicheiro Carlinhos Cachoeira com um ágio  de R$ 500 mil –  em troca, liberou faturas da Delta  (Foto: Andre Borges/Folhapress)
capitulo 1 (Foto: reprodução)

No dia 27 de junho, o Núcleo de Inteligência da Polícia Federal remeteu à Procuradoria-Geral da República um relatório sigiloso, contendo todas as evidências de envolvimento do governador Marconi Perillo com o esquema da construtora Delta e do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Como governador de Estado, Perillo só pode ser investigado pelo procurador-geral da República – e processado no Superior Tribunal de Justiça. O relatório, a que ÉPOCA teve acesso com exclusividade, tem 73 páginas, 169 diálogos telefônicos e um tema: corrupção.  
O documento está sob os cuidados da subprocuradora Lindora de Araújo, uma das investigadoras mais experientes do Ministério Público. Ela analisará que providências tomar e terá trabalho: são contundentes os indícios de que a Delta deu dinheiro a Perillo.
Alguns desses 169 diálogos já vieram a público; a vasta maioria ainda não. Encontram-se nesses trechos inéditos as provas que faltavam para confirmar a simbiose entre os interesses comerciais da Delta em Goiás e os interesses financeiros de Perillo. Explica-se, finalmente, o estranho episódio da venda da casa de Perillo para Cachoeira, que não foi bem entendido. Perillo nega até hoje que tenha vendido o imóvel a Cachoeira; diz apenas que vendeu a um amigo. O exame dos diálogos interceptados fez a Polícia Federal, baseada em fortes evidências, concluir que:
1) assim que assumiu o governo de Goiás, no ano passado, Perillo e a Delta fecharam, diz a PF, um “compromisso”, com a intermediação do bicheiro Carlinhos Cachoeira: para que a Delta recebesse em dia o que o governo de Goiás lhe devia, a construtora teria de pagar Perillo;
2) o primeiro acerto envolveu a casa onde Perillo morava. Ele queria vender o imóvel e receber uma “diferença” de R$ 500 mil. Houve regateio, mas Cachoei¬ra e a Delta toparam. Pagariam com cheques de laranjas, em três parcelas;
3) Perillo recebeu os cheques de Cachoeira. O dinheiro para os pagamentos – efetuados entre março e maio do ano passado – saía das contas da Delta, era lavado por empresas fantasmas de Cachoeira e, em seguida, repassado a Perillo. Ato contínuo, o governo de Goiás pagava as faturas devidas à Delta;
4) a Delta entregou a um assessor de Perillo a “diferença” de R$ 500 mil;
5) a direção nacional da Delta tinha conhecimento do acerto e autorizou os pagamentos.
Para compreender as negociações, é necessário conhecer dois personagens, que chegaram a ser presos pela PF. Um é o tucano Wladmir Garcez, amigo de Perillo e ex-presidente da Câmara de Vereadores de Goiânia. Garcez atua como uma espécie de embaixador de Perillo junto à Delta e à turma de Cachoeira: faz pedidos, cobra valores, entrega recados. O segundo personagem é Cláudio Abreu, diretor da Delta no Centro-Oeste e parceiro de Cachoeira no ataque aos cofres públicos de Goiás. Na hierarquia da Delta, Abreu detinha a responsabilidade de obter contratos públicos para a construtora e – o mais difícil, custoso – assegurar que os governantes liberassem os pagamentos em dia. A corrupção neste caso, como em tantos outros, nasce na oportunidade que o Poder Público oferece: um detém a caneta que pode liberar o dinheiro; outro detém o dinheiro que pode mover a caneta. Na simbiose entre a Delta e o governo de Goiás, Garcez e Abreu eram os sujeitos que se dedicavam a fazer o dinheiro girar, multiplicar-se. Não há caixa de campanha ou questiúncula política nessa história. O objetivo era ganhar dinheiro.
A mensagem
Para a Justiça
O relatório da PF traz indícios de que a Delta transferiu dinheiro a Perillo, e eles devem ser investigados
Para o eleitor
A investigação pode dar um novo norte à CPI do Cachoeira
 
A PF começou a monitorar as atividades ilegais das duas turmas, de Perillo e da Delta, em 27 de fevereiro do ano passado. Naquele momento, Perillo cobrava o pagamento do “compromisso” da Delta. Num diálogo interceptado pela PF às 20h06, Cachoeira pede pressa a Abreu. Disse Cachoeira: “E aquele trem (dinheiro) do Marconi(governador), hein? Marconi já falou com o Wladmir (Garcez), viu”. Abreu chora miséria, como bom negociante. “Vou falar amanhã que não tem jeito”, diz Cachoeira. “Mas não é 2 milhões e meio, não. Ele (Marconi) quer só a diferença.” Cachoeira refere-se, aqui, à operação de venda da casa, o assunto mais urgente naquele momento. Abreu faz jogo duro: “Pois é, doutor, eu não tenho como. Do mesmo jeito que o Estado tá com o orçamento fechado, eu também tô”. O jogo é simples: uma parte quer que a outra aja antes. Perillo quer o dinheiro antes de liberar a fatura; Abreu, da Delta, quer a fatura paga antes de liberar o dinheiro para Perillo.
AGILIDADE O bicheiro Carlinhos Cachoeira. Quando ele entrou no circuito, a negociação entre a Delta  e o representante  de Marconi Perillo passou a andar rápido  (Foto: Ailton de Freitas/Ag. O Globo)
Capítulo 2 (Foto: reprodução)
As negociações prosseguem, emperradas em alguns momentos por desconfianças mútuas. Numa ligação na mesma noite, Cachoeira certifica Abreu de que Garcez, o interlocutor de Perillo, não está pressionando a Delta sem motivos. “Não é o Wladmir, não. É ele(Marconi) que tem esse trem na cabeça, da diferença e não sei o quê, viu?”, diz. No dia seguinte, preocupado com a demora da Delta em liberar o dinheiro, Cachoeira pede a Garcez que dê “um aperto” em Abreu, de modo a garantir o negócio. Garcez liga para Abreu e reforça que a Delta deve pagar logo o “compromisso” com Perillo. Garcez explicara a Perillo que a Delta não conseguiria quitar o acerto logo. Diz Garcez, no diálogo com Abreu: “Tive lá no Palácio, conversei com o governador lá. Falei... ‘Olha, o compromisso que ele (Abreu) tinha feito com o senhor faltava 1 milhão e meio. (...) Ele (Abreu) vai ver se cumpre aquele compromisso com o senhor”. Diante da pressão, Abreu diz que tem “outros compromissos” em Mato Grosso e em Mato Grosso do Sul. Pede tempo.
Nervoso com a lentidão de Abreu, Cachoeira resolve dar prosseguimento ao negócio com Perillo – e cobrar depois da Delta. A partir daí, o acerto realiza-se com rapidez. Ainda no dia 28, Garcez informa a Cachoeira que Perillo quer cheques nominais. Combinam a entrega de três cheques para o dia seguinte, às 14 horas: dois de R$ 500 mil e um de R$ 400 mil, depositados no dia 1o de cada mês. Em seguida, no dia 1o de março, Cachoeira faz a operação: pede ao sobrinho que assine os cheques, avisa a Delta e manda entregar os cheques no Palácio das Esmeraldas, sede do governo de Goiás. Às 14h53, Garcez, que estava no Palácio, confirma a Cachoeira que os cheques foram entregues e avisa que levará a escritura do imóvel no dia seguinte. Doze minutos depois, Cachoei-ra já pede a contrapartida a Garcez: “O trem da Delta, aqueles 9 milhões que o Estado tem de pagar... Você levou para mostrar para ele (Perillo)?”. Garcez confirma: “Tá comigo aqui. Oito milhões, quinhentos e noventa e dois, zero quarenta e três”. Às 16h37, Garcez informa a Cachoeira que está no gabinete do governador, entregando os cheques. Em seguida, Garcez comunica a Abreu que os problemas da Delta acabaram. “(Perillo)falou que vai resolver: ‘Não, pode deixar que isso aqui eu resolvo’”. E resolveu: ainda no dia 1o de março, o governo de Goiás liberou R$ 3,2 milhões para a conta da Delta. No dia seguinte, o cheque de R$ 500 mil foi depositado na conta de Perillo.

No dia 3 de março, Cachoeira comemora com Abreu a “porta aberta” com Perillo. “Ele (Perillo)engoliu aqueles 500 mil... Ele (Perillo) responde em tudo, deu as contas para pagar”, afirma Cachoeira. Cachoeira pediu a seu sobrinho Leonardo Ramos, que costuma assessorá-lo, para que preparasse um contrato de compra e venda no nome de um laranja – e começou a chamar amigos para conhecer a linda casa que comprara de Perillo. No dia 25 de março, o governo de Goiás liberou mais um pagamento de R$ 3,2 milhões para a conta da Delta. Enquanto os pagamentos caíam nas contas da Delta, a Delta cobria, por meio de uma empresa laranja, os cheques dados por Cachoeira.
LUXO Andressa Mendonça, mulher do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Ela não queria deixar a prataria da casa para o novo morador  (Foto: Andre Dusek/AE)
O segundo cheque de R$ 500 mil foi compensado no dia 4 de abril. Cachoeira, sempre zeloso, checava tudo com seu contador. No dia 29 de abril, antes da compensação do último cheque, no valor de R$ 400 mil, Abreu voltou a reclamar com Cachoeira que as faturas da Delta haviam sido retidas novamente. Abreu foi claríssimo na contrapartida necessária para pagar o último cheque: “Deixa eu te contar uma amarelada que eu dei aqui. Wladmir (Garcez) tá me rodeando aqui. Eu falei: ‘Wladmir, tá bom: que dia vai me pagar? Tá prometido até sexta que vem, tá? Então vamos fazer o seguinte: eu pago os 400. Se ele (Perillo) não me pagar até sexta (...) você me devolve os 400’. Aí ele amarelou aqui”. Os dois reclamaram da demora de Perillo. Cachoeira disse: “Agora tem de tolerar porque nós já pusemos o pé na jaca”. Eles reclamam, reclamam, reclamam... mas no fim pagam. No dia 2 de maio, Cachoeira ordenou a seu contador que contatasse o pessoal de Perillo e descontasse o último cheque. “Aquele lá (o cheque) não podia falhar de jeito nenhum, né?”, diz o contador. O cheque foi descontado. E o que aconteceu? O governo de Goiás liberou mais uma parcela de R$ 3,2 milhões para a conta da Delta. 
Não demorou para Cachoeira perceber que morar na antiga casa do governador de Goiás lhe traria problemas. Num diálogo com sua mulher, Andressa Mendonça, em 17 de maio (leia na página ao lado), Cachoeira compartilhou seu temor por telefone: “Esse trem não vai dar certo (da casa). Vão acabar sabendo que é minha”. Cachoeira começou, então, a procurar um modo de se desfazer do imóvel, apesar dos protestos de Andressa, que já decorara a casa e adorava o lugar. As conversas interceptadas pela PF mostram em detalhes como Cachoeira repassou a casa para um terceiro, o empresário Walter Santiago, sem aparecer. Para isso, recorreu à ajuda de Garcez, que coordenou a transação. Garcez assegurou ao empresário que a casa era de Perillo. No dia 12 de julho, Walter Santiago, rodando num carro blindado, encontrou-se com Garcez e lhe entregou R$ 2,1 milhões em dinheiro vivo. Cachoeira orientou Garcez pelo telefone: “Manda trazer o dinheiro aqui no Excalibur (prédio onde mora Cachoeira), entendeu? Manda o professor(Walter Santiago) trazer no Excalibur, porque ele tá com carro blindado”.
CONFORTO A casa onde  moraram o  governador Marconi  Perillo e o bicheiro Carlinhos Cachoeira.   Ela foi vendida  por R$ 2,1 milhões  em dinheiro vivo  (Foto: Fernando Gallo/AE)
Em seguida, Garcez informou a Cachoeira que Lúcio Fiúza, então assessor especial de Perillo, estava com eles no carro. Responde Cachoeira: “Então pega tudo e vem para casa. Dá só os quinhentos na viagem para o doutor Lúcio. (...) Já fala para o doutor Lúcio pegar os cem também (parte do assessor de Perillo). É dois e cem, viu (R$ 2,1 milhões, o dinheiro a ser entregue)? Pega os cem logo e já mata ele, ou então já fala a data que ele tem de entregar”. Não fica claro se os R$ 500 mil para Fiúza referem-se à parte de Perillo nessa segunda operação – ou se era um pagamento pendente por outra razão. Também nessa segunda operação, Cachoeira recebeu – e distribuiu a gente próxima a Perillo – mais dinheiro do que valia o imóvel.
Cachoeira confirma isso num diálogo com Andressa, ainda no dia 12. Andressa pergunta por quanto ele vendeu a casa. “Dois e cem”, diz Cachoeira. “Esse trem é do Marconi e não ia dar certo, não. Tem de passar logo esse trem para o nome dele (possivelmente o empresário Walter). Porque eu vou perder um trem de bilhões por causa de um negócio à toa.” Andressa não quer saber de negócios ou dinheiro. Quer saber da prataria da casa e das coisas bonitas e caras que comprou para decorá-la. “Você explicou para ele (empresário Walter) que roupa de cama, coisa pessoal, acessório de banheiro, nada disso vai, né?”, diz Andressa. Cachoeira se irrita: “Deixa a roupa de cama do jeito que tá lá. Não faça isso, não. Pega as pratarias que o Wladmir escondeu lá dentro”. “Eu não vou deixar roupa de cama de 400 fios para ele, não. Cê tá louco?”, diz Andressa. Cachoeira, então, confessa o preço real da casa e revela a existência da “diferença”. “Deixa do jeito que tá. Aquilo lá custou quanto? Afinal, eu comprei ela (a casa) por mil (R$ 1 milhão), vendi por mil e quinhentos (R$ 1,5 milhão). Tá bom, me ajudou a vender.” A conta é a seguinte, segundo a PF: o empresário Walter Santiago pagou R$ 2,1 milhões pela casa. Destes, R$ 100 mil foram para Fiúza, o assessor de Perillo, R$ 500 mil para Perillo, levados por Fiúza – e o restante, R$ 1,5 milhão, para Cachoeira.
Segundo Perillo, a Receita Federal atestou que seu patrimônio é compatível com seus rendimentos 
O que Cachoeira fez depois de receber o R$ 1,5 milhão? Ligou para a Delta. Confirmou o recebimento do dinheiro e perguntou a Abreu se o contador da Delta já fora avisado. Abreu disse que estava ao lado de Carlos Pacheco, principal executivo da Delta, a quem Abreu chama de “chefe”. Abreu disse: “Eu falei com o chefe aqui, viu, amigo? Ele falou que era para você guardar esse dinheiro, era para você aplicar lá no entorno (entre Brasília e Goiás), no projeto. Que o projeto lá vai exigir uns 4 milhões e meio, mas eu falo com você pessoalmente”. A PF não descobriu que projeto seria esse. Mas a fala de Abreu deixa claro o que outros diálogos confirmam: a direção da Delta nacional não só sabia das operações de Cachoeira no Centro-Oeste, como coordenava algumas negociações. Até agora, a Delta insiste na versão segundo a qual Abreu agia sozinho.

E manteve sua linha de defesa, após ÉPOCA questionar a empresa sobre as novas evidências. Por meio de uma nota, a Delta afirma não ter conhecimento da apresentação de uma fatura da empresa ao governador Marconi Perillo, nem da visita de Wladmir Garcez ao Palácio de governo para resolver um assunto da empreiteira. A nota também afirma: “Empresas de construção civil que atuam no setor público, como a Delta, precisam zelar e velar pelo recebimento pontual e em dia dos compromissos assumidos a fim de não ocorrer solução de descontinuidade nas obras”. A empresa diz ainda que o ex-presidente Carlos Pacheco nunca teve relação comercial com Cachoeira e que a empresa tem prestado esclarecimentos necessários aos órgãos instituídos. 

Perillo também preferiu não prestar esclarecimentos a ÉPOCA. Não respondeu às perguntas sobre eventuais conversas para discutir pagamentos da Delta e sobre a relação desses pagamentos com a venda da casa. Em nota, limitou-se a dizer que “prestou, por meses a fio, todos os esclarecimentos solicitados pela imprensa, pela sociedade e pela CPI”. Perillo criticou ainda o deputado Odair Cunha (PT-MG), relator da CPI do Cachoeira. Disse que o deputado quer transformar a CPI numa “comissão de investigação do governador Marconi Perillo”. Diz ainda a nota: “No exaustivo crivo a que foi submetido, nenhum fato se encontrou que possa desabonar sua biografia (de Marconi Perillo) de cidadão ou de homem público. Ao contrário, a Receita Federal, por exemplo, emitiu nota técnica na qual atesta que o patrimônio do governador é compatível com seus rendimentos. Portanto, o governador Marconi Perillo informa que, considerando já devidamente esclarecidos os assuntos de fato relevantes, não se pronunciará mais a respeito de questões atinentes a sua vida privada, reservando essa providência, como é natural, unicamente para os assuntos relacionados a suas atividades como governador do Estado”.

Perillo depôs na CPI do Cachoeira há um mês, quando começavam a se acumular evidências de que ele mantinha relações com a empreiteira Delta e com Cachoeira. Na ocasião, foi claro: “O senhor Carlos Cachoeira não teve a menor participação na venda da casa. (A venda da casa) foi feita de forma transparente ao atual empresário Walter Paulo. (...) Os valores (da venda da casa)foram de acordo com o mercado”. Até agora, desconfiava-se que as três afirmações não eram verdadeiras. Agora, com o relatório da PF, sabe-se que são falsas: Cachoeira participou da compra da casa, a operação aconteceu na sombra e o valor da venda foi superior ao de mercado.

Perillo também disse à CPI: “De forma desavisada ou maldosa, vejo, aqui ou acolá, afirmações de que o senhor Carlos Augusto, o Cachoeira, teria influência em meu governo”. Os diálogos interceptados pela PF e a cronologia do pagamento das faturas à Delta revelam que Cachoeira tinha, sim, influência. Outra frase de Perillo: “Falaram (nos diálogos até então divulgados) sobre seus planos (da turma de Cachoeira), mas nada se concretizou. Nada! Reafirmo: nada se concretizou”. Aqui, mais uma vez, as cobranças da Delta ao amigo de Perillo, os cheques compensados nas contas de Perillo e o consequente pagamento das faturas da Delta apontam o contrário. Por fim, Perillo bradou na CPI: “Não tem propina no meu Estado”. É uma afirmação ousada. Os delegados da Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República, ao que parece, discordam. 
Capítulo 1: O início de uma negociação
28/2/2011 
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Capítulo 2: O depósito do dinheiro é condicionado à liberação de verbas
2/5/2011 
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Capítulo 3: Cachoeira tem medo de ser descoberto
12/7/2011 
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Após reportagem de ÉPOCA, parlamentares querem reconvocar Perillo na CPI do Cachoeira

Integrantes da CPI do Cachoeira defenderam neste sábado (14) que o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), seja reconvocado para explicar o “compromisso” firmado entre ele e a Delta Construções, com a intermediação do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira assim que assumiu o cargo no ano passado. O acerto, cujo teor integra relatório da Polícia Federalrevelado com exclusividade pela edição da revista ÉPOCA que está nas bancas, inclui a liberação de dívidas milionárias da empreiteira com o governo goiano mediante suposto pagamento de propina a Perillo.

O “compromisso” envolveria até a compra da casa do governador por Cachoeira, paga, segundo a PF, com recursos da Delta. À medida que o governador recebia as parcelas pela venda da casa, segundo a polícia, os créditos da Delta eram pagos. De acordo com reportagem de ÉPOCA, a direção nacional da empreiteira tinha conhecimento das negociações. Em depoimento à CPI no mês passado, Perillo sempre negou ter relações com a Delta ou Cachoeira. Ele tem dito que a venda da casa, onde o contraventor foi preso no final de fevereiro, foi legal. A reportagem não conseguiu contato telefônico com o advogado de Perillo, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay.

“São gravíssimos os fatos, o que torna inevitável a reconvocação do governador Marconi Perillo. Os elementos mostram que o governador mentiu para a CPI”, afirmou o senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP), que apresentará na segunda-feira (16) o pedido para trazê-lo de volta à comissão e ter acesso ao relatório da PF que foi enviado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) no inquérito que investiga o governador. “Está demonstrado o elo entre Cachoeira, Delta e Marconi”, disse o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ).

Para Miro, é preciso chamar Marconi para dar, pelo menos, o direito de ele se defender novamente. “Nós estamos diante da possibilidade de esclarecer que houve, de fato, duas
transações: uma de propina e a outra da casa”, afirmou o deputado do PDT.

Randolfe defende que a comissão faça uma sessão extraordinária na próxima semana para aprovar os requerimentos e tentar agendar o novo depoimento durante o recesso parlamentar. Miro, contudo, acredita que somente em agosto será possível ouvir o governador.

Com base em interceptações telefônicas e quebras de sigilo, a reportagem aponta que Cachoeira, uma espécie de agente da Delta, se desfez da casa com o receio de perder negócios no governo caso fosse revelada sua relação com Perillo. A mulher do contraventor, Andressa Mendonça, não queria deixar o imóvel, no qual teria gasto mais de R$ 500 mil para mobiliá-la. Mas Cachoeira a demoveu, dizendo que ela iria ganhar um “carro zerinho”.

Segundo a PF, o imóvel foi repassado para o empresário Walter Santiago, que pagou R$ 2,1 milhões pela casa. Foram R$ 1,5 milhão para Cachoeira, R$ 100 mil para Lúcio Fiúza, então assessor de Perillo, e outros R$ 500 mil ao governador, levados por Fiúza.

(Com Agência Estado)

Os alckmistas estão chiando


O governador Geraldo Alckmin reclama dos rumos tomados pela campanha de José Serra, quer mais espaço político e pode reabrir a fissura que divide os tucanos desde 2008

Pedro Marcondes de Moura
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INSATISFAÇÃO
Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, quer ter voz ativa na campanha de Serra
Diz o dito popular que dois bicudos não se beijam. A expressão é absolutamente verdadeira se os bicudos em questão forem os tucanos José Serra e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. É verdade que, nos últimos meses, ambos têm feito indisfarçável esforço para sorrir lado a lado. Sabem que precisam estar unidos para colocar Serra de volta na prefeitura paulistana e têm como certo que uma derrota na capital paulista pode colocar em risco a reeleição do governador Alckmin em 2014. Porém, são bicudos que não se beijam. Nas últimas semanas, o governador Alckmin liberou seus auxiliares a manifestarem publicamente a insatisfação pelas posturas tomadas pelo candidato na campanha. 

O motivo para a chiadeira de Alckmin está no espaço que Serra destina ao grupo do prefeito Gilberto Kassab, desafeto do governador. O principal movimento para evidenciar a chiadeira dos alckmistas veio com a notícia do pedido de demissão de Edson Aparecido, ex-secretário estadual de Desenvolvimento e homem de total confiança do governador, da coordenação da campanha de Serra. No QG serrista, Aparecido tem se comparado a uma peça de decoração. Um tucano que não bica. Segundo interlocutores, ele afirma que as decisões do candidato atendem muito mais a interesses do marqueteiro Luiz Gonzalez e ao PSD – partido criado, em 2011, pelo prefeito Gilberto Kassab que arrastou para suas fileiras diversos quadros do PSDB e do DEM – do que a tucanos. Ao saber da notícia, Serra atuou como bombeiro nos bastidores.

Em reunião com o secretário-chefe da Casa Civil, Sidney Beraldo, na quinta-feira 5, Serra disse que uma eventual saída de Aparecido traria de volta rixas antigas. No sábado 7 e na terça-feira 10, ele telefonou para Alckmin com a promessa de abrir espaço na coordenação da campanha para aliados do Palácio dos Bandeirantes. Procurado por ISTOÉ, Aparecido diz que continua na campanha. “Estamos todos juntos. É hora de ir para a rua”, declarou, evitando comentar as especulações. A permanência dele, no entanto, não aliviou o desconforto dos aliados do governador. “Os alckmistas querem ser ouvidos e influir, comenta um parlamentar do partido em Brasília. “Ao contrário de 2008, este ano quem tem a caneta é ele e não o Serra”, resume.
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POR POUCO
Ligado a Alckmin, Aparecido ameaçou abandonar a campanha de Serra
Na última eleição municipal, Serra, então governador, apoiou muito mais a candidatura de Kassab do que a de Alckmin na disputa pela capital, movimento que rachou os diretórios municipal e estadual da sigla. No ano passado, com Alckmin administrando o Estado e Serra derrotado à Presidência, os dois líderes trocaram bicadas. Alckmistas não relevam o pouco empenho de Serra em evitar a debandada de vereadores tucanos ao recém-criado PSD. Agora, avaliam que ele vem centralizando decisões e tratorando os interesses do PSDB. A gota d’água foi a condução política da estratégia eleitoral. Alckmistas reclamam de favorecimento ao PSD nas decisões do candidato. 

Segundo um parlamentar ligado ao governador, o PSDB cedeu demais ao PSD a pedido de Serra. Deixou de exigir o mandato dos vereadores que abandonaram a sigla e concordou com a participação da legenda do prefeito na chapa para a Câmara Municipal formada com o PR e o DEM, o que diminuirá a bancada eleita pelo PSDB. Também aceitou o nome de Alexandre Schneider (PSD) à vaga de vice no lugar de um tucano como combinado desde a entrada de Serra nas prévias fora do prazo. “Tudo tem um limite. Quando Serra precisou, Alckmin articulou no PSDB para que os pré-candidatos se retirassem da disputa e fez a composição da maior parte das alianças”, lembra o deputado. “Não podemos ficar de fora das decisões estratégicas.” 

Outra reclamação é o pouco espaço oferecido por Serra ao DEM, aliado de primeira hora de Geraldo Alckmin e seu grupo político. “Não se faz uma campanha isolando-se dentro e de fora do partido”, diz um dirigente tucano. “É suicídio político, vivemos isso nas três últimas eleições presidenciais. O Serra precisa mudar de comportamento”, resume.

A voz de Roma contra a ditadura


Morre o cardeal alinhado ao Vaticano que defendeu as tradições 

da Igreja e não afrontou os militares enquanto, secretamente, 

protegeu presos políticos

Michel Alecrim
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SÍMBOLO
Uma pomba pousou sobre o caixão do cardeal: até o fim
da vida ele atuou para propagar a fé católica
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Os militares da linha dura o viam como comunista. A esquerda chegou a tachá-lo de pró-ditadura. A controversa e, muitas vezes, aparentemente ambígua posição política do cardeal dom Eugenio de Araújo Sales tinha propósitos que incluíam não só os interesses da Igreja Católica como, também, a defesa de direitos políticos e humanos. A principal voz alinhada a Roma no País se calou na noite da segunda-feira 9, em sua casa, no Sumaré, no alto da Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, aos 91 anos. A morte não interrompe, entretanto, a constante reavaliação de seu papel — fundamental em momentos como a transição democrática no Brasil e durante o regime militar (1964-1985). Ao mesmo tempo que era respeitadíssimo nos altos postos das Forças Armadas, dom Eugenio protegeu milhares de perseguidos políticos brasileiros e latino-americanos. Sem enfrentamentos ruidosos, mas com determinação, o cardeal cumpriu a missionária tarefa de tentar proteger os mais fracos. Mas, como representante do Vaticano, dom Eugenio também será lembrado pela mão firme contra os religiosos mais progressistas, seguidores da Teologia da Libertação, que procurava conciliar o marxismo com as ideias cristãs.

Durante décadas ficou praticamente secreta a atuação do religioso contra a prisão e a tortura de opositores do regime militar, no Brasil e na América Latina, nos pesados anos 1970. Em ações silenciosas, ele deu proteção a vários militantes, muitos deles comunistas ou ateus. Somente em 2000, falou sobre esse “trabalho social” em entrevista ao jornalista Fritz Utzeri, publicada no “Jornal do Brasil”. Foi a primeira vez que revelou ter usado até recursos da Cúria para manter uma rede de abrigo aos perseguidos, muitos deles argentinos, uruguaios e chilenos. Foram alugados 80 apartamentos no Rio para escondê-los e até igrejas foram utilizadas para evitar as prisões. Ao todo, cinco mil pessoas teriam sido beneficiadas. “Durante o movimento estudantil, eu soube de uma pessoa que foi salva por dom Eugenio. Mas ele não gostava de falar do assunto, e foi com muita insistência que aceitou dar a entrevista”, conta Utzeri.

No livro “Diálogos na Sombra”, que trata da relação entre a Igreja e os militares, o historiador americano Kenneth P. Serbin deixa claro que dom Eugenio não apoiou o golpe de 1964 e era contrário à violência da ditadura. No entanto, preferia atuar nos bastidores e suportava as desconfianças. Ao pesquisador, o arcebispo de São Paulo na época, dom Paulo Evaristo Arns, que criticava a tortura publicamente, fez questão de dizer que ele e dom Eugenio tinham “estilos diferentes”, mas a “mesma finalidade”. “Apesar de anticomunista, não se alinhava com o setor tradicionalista e direitista do catolicismo, que aplaudira o golpe. Ele tinha compromisso com a reforma da sociedade brasileira”, concluiu Serbin.

O historiador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Fico ressalta que a preocupação de dom Eugenio em não afrontar em público os militares tinha como objetivo evitar conflitos entre o Vaticano e o Brasil. A visão extremamente institucional do cardeal, segundo ele, acabou colaborando com uma duração maior do período autoritário. “Para as pessoas que foram acolhidas por ele e que estavam sendo perseguidas fica uma imagem positiva. Mas acredito que se ele tivesse demonstrado uma resistência forte e se equiparado a outros cardeais, teria ajudado a encurtar a ditadura”, avalia o historiador. 

Assessor de dom Eugenio durante 30 anos, Adionel Carlos destaca medidas modernizantes do cardeal como a criação do Diaconato Permanente, que incluiu no clero homens casados, e a permissão para que freiras pudessem chefiar paróquias, mesmo sem celebrar missas. Tudo, claro, sob os auspícios da Santa Sé. “O que ele fez foi em nome de sua função de pastor de um grande rebanho. Assim, protegeu ateus e descrentes, perseguidos políticos e atendeu a pobres e ricos igualmente. Ele cumpriu sua missão”, resume Adionel. 

Para muitos, dom Eugenio será sempre lembrado como o cardeal que combateu a propagação da Teologia da Libertação. Frei Betto e Leonardo Boff eram personas non gratas na Arquidiocese do Rio. Nessa tarefa foi aliado do cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé nos anos 1980 e 1990, e hoje papa Bento XVI. Enquanto combateu as vozes incômodas, dom Eugenio trabalhou para ampliar o número de seguidores – ordenou mais de 200 padres só no Rio – e até o fim da vida atuou para propagar a fé católica.
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Fotos: Rafael Andrade/Folhapress; Pablo Jacob/Ag. o Globo

Suborno milionário


Dossiê da Justiça suíça comprova pagamentos irregulares da ISL 

a Ricardo Teixeira e João Havelange. Propina repassada aos dois 

chegaria a R$ 40 milhões

Tamara Menezes
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A DUPLA LEVOU
BOLA Os valores irregulares foram pagos aos dirigentes
em depósitos pessoais ou a empresas de ambos
 
Um dossiê liberado pela Justiça suíça na quarta-feira 11 escancara um esquema de corrupção montado há 30 anos na Fifa. Os documentos comprovam que o ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) Ricardo Teixeira, e o presidente de honra da Fifa, João Havelange, receberam 19,25 milhões de francos suíços – cerca de R$ 40 milhões – em subornos de uma empresa de marketing esportivo, a ISL. Ela foi a principal parceira comercial da Fifa na década de 1990. Quando faliu, em 2001, um processo judicial movido na corte da Suíça revelou que os dirigentes receberam da ISL mais de 100 milhões de francos suíços em troca de benefícios em negociações comerciais envolvendo direitos de televisão e marketing.

O dossiê não podia ser divulgado desde junho de 2010, quando o Tribunal, a Fifa e dois dos homens mais poderosos do futebol mundial chegaram a um acordo para arquivar a investigação. A papelada revela que Teixeira recebeu 12,74 milhões de francos suíços (equivalente hoje a R$ 26,5 milhões) por meio da empresa Sanud, cuja ligação com o cartola já havia sido estabelecida na CPI do Futebol no Senado. Outra companhia apontada com ligações com Havelange e Teixeira é a Renford Investments Ltd., com repasses de 5 milhões de francos suíços (R$ 10 milhões). Quanto cada um dos dois cartolas recebeu dessa firma, entretanto, não foi revelado. Havelange ainda foi beneficiado com um pagamento de 1,5 milhão de francos suíços (R$ 3,1 milhões). O presidente da Fifa, Joseph Blatter, admitiu na quinta-feira 12 que tinha conhecimento das comissões recebidas por João Havelange e Ricardo Teixeira em nome da entidade. Porém, alegou que nada podia fazer por não ter como comprovar a ilegalidade do dinheiro embolsado pelos brasileiros. Blatter disse ainda que nos anos 1990 o pagamento de subornos não era um crime na lei suíça e que, portanto, não tinha o que denunciar. 

Com essa declaração, o presidente da Fifa sinaliza que não pretende levar o caso adiante. Segundo ele, a comissão de ética da Fifa apenas vai garantir que os episódios não se repitam. Sobre o futuro de Havelange como presidente de honra da entidade, Blatter disse que não tem poderes para decidir o que acontecerá com o brasileiro, só o Congresso da Fifa. “O Congresso o nomeou como presidente honorário. Só o Congresso pode decidir o seu futuro.”
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ELE SABIA
O presidente da Fifa, Joseph Blatter, admitiu que tinha conhecimento das comissões 
Havelange, no entanto, já havia renunciado ao posto de integrante do Comitê Olímpico Internacional em dezembro do ano passado, temendo ser expulso. Já Teixeira deixou a presidência da CBF e do Comitê Organizador Local da Copa de 2014 (COL) em 12 de março deste ano. Três dias depois, também deixou o Comitê Executivo da Fifa. Mas o estrago sobre a imagem do futebol brasileiro já estava feito. “O Ricardo Teixeira poderia ser um ídolo nacional por ter ajudado a trazer a Copa do Mundo para o Brasil, mas vai deixar só essa mancha”, reconheceu o presidente da Federação Gaúcha de Futebol, Francisco Novelletto Neto. O assessor de imprensa da CBF, Rodrigo Paiva, disse que a entidade não iria se pronunciar sobre o assunto “porque os envolvidos não têm mais relação com a CBF.” Ocorre que Teixeira ainda recebe salário como assessor internacional da confederação. 

A ISL era encarregada de comercializar e distribuir com exclusividade os direitos de transmissão de jogos da Copa do Mundo sem passar por concorrência. Os valores irregulares foram pagos aos dirigentes em depósitos pessoais ou destinados a empresas de ambos. A capacidade dos acusados de influenciar nas decisões e contratos da Fifa foi fundamental para que fossem arrolados como agentes da “conduta desleal”. “Eles causaram prejuízo à Fifa por seu comportamento e enriqueceram ilegalmente”, diz o processo. Em consonância com a legislação da Suíça, foi oferecido um acordo de reparação aos réus. Com isso, eles pagaram para não serem julgados e ainda garantiram que a história permanecesse envolta em sigilo até a última semana.
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 Foto: Feng Li/Getty Images

Não pode parar por aí


Cassação do senador Demóstenes Torres representou a primeira 

punição do caso Cachoeira. Mas as investigações sobre os demais 

parlamentares envolvidos no esquema precisam continuar

Pedro Marcondes de Moura
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FIM DE LINHA
Cassado por 56 votos a 19, Demóstenes Torres fica
proibido de se candidatar até 2027, quando terá 66 anos
Na quarta-feira 11, o painel do Senado Federal registrou pela segunda vez na história da Casa a cassação de um de seus integrantes: o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO). Apesar da eloquência do parlamentar em negar sua relação com o grupo criminoso, a maioria dos seus colegas preferiu dar ouvidos às interceptações da PF de suas conversas nada republicanas com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Nem a votação secreta foi capaz de lhe salvar. Foram 56 votos pela cassação contra 19 e cinco abstenções. Sacramentada a derrota em plenário, Demóstenes perdeu seis anos de mandato. E fica proibido de se candidatar até 2027, quando terá 66 anos. Às vésperas do recesso no Congresso Nacional, que está previsto para começar na quarta feira 18, espera-se que a cassação de Demóstenes não signifique um ponto final nas investigações sobre os tentáculos políticos do esquema de Carlinhos Cachoeira. 

O problema é que líderes do Congresso avaliam que a CPI tende a perder força. A não ser que surjam futuras revelações bombásticas. “A pressão da opinião pública por punição deverá se reduzir”, disse um senador da base aliada. Além disso, em agosto, depois do recesso parlamentar, o Congresso volta esvaziado devido às eleições municipais. Não bastassem os prognósticos nada alvissareiros para o segundo semestre, no mesmo dia em que Demóstenes assistiu à sua derrocada política, a Corregedoria da Câmara analisou os casos de três deputados federais do Estado de Goiás supostamente vinculados ao esquema do contraventor. Os processos contra dois deles, Sandes Júnior (PP) e Rubens Otoni (PT), foram arquivados. O parlamentar do Partido Progressista teria recebido R$ 150 mil de intermediários do grupo do contraventor, segundo acusação do PSOL. Já o petista Rubens Otoni aparece em vídeo com o contraventor negociando uma doação de R$ 100 mil para sua campanha à Prefeitura de Anápolis em 2004. Otoni diz não ter recebido o valor.
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ENROLADOS 
O prefeito petista de Palmas, Raul Filho (abaixo), e o governador do
Tocantins, o tucano Siqueira Campos (ao lado), estariam
envolvidos com o esquema de Carlinhos Cachoeira
Outro investigado, o deputado Carlos Alberto Leréia (PSDB) não teve a mesma sorte. Apontado como “uma pessoa com larga relação com o contraventor”, ele teve o processo por quebra de decoro parlamentar aprovado pela Corregedoria. De acordo com investigações, ele tinha suas despesas pessoais pagas por Cachoeira e mantém sociedade com envolvidos na organização, investigada pela CPI. A Corregedoria ainda irá analisar a situação de Stepan Nercessian (PPS-RJ). Ele assumiu ter recebido R$ 175 mil de Cachoeira, na sua versão, como um empréstimo. “Só se a Casa for muito corporativa, não teremos um desenlace semelhante ao do senador Demóstenes para alguns parlamentares daqui”, diz o deputado Ivan Valente (SP), do PSOL. Para que haja cassação, o caso ainda precisa tramitar por outras duas comissões antes de chegar ao plenário. Em uma delas, em mais uma demonstração da dificuldade dos parlamentares em cortar na própria carne, o ex-delegado da PF Protógenes Queiroz (PCdoB-SP) conseguiu o arquivamento da denúncia contra ele por envolvimento com um integrante do esquema.
“Só se a Casa for muito corporativa, não teremos 
um desenlace semelhante ao do senador 
Demóstenes para alguns parlamentares daqui”
Deputado Ivan Valente, do PSOL
No Senado, a saída de Demóstenes criou outro problema. Em interceptações da Polícia Federal, Cachoeira diz ao empresário Wilder Morais (DEM-GO), herdeiro da cadeira de Demóstenes na Casa, que foi ele que o alçou ao cargo de primeiro suplente na chapa do senador cassado. O relacionamento entre os dois parece bastante próximo nas conversas. Ex-marido de Andressa Mendonça, a atual mulher do contraventor, Wilder também precisará dar explicações sobre a omissão de boa parte de sua fortuna pessoal na declaração de bens que apresentou em 2010 à Justiça Eleitoral. Nada, no entanto, deve ser feito antes do recesso parlamentar, admitem os senadores integrantes da CPI. Nessa toada, Demóstenes corre o risco de ser o único a ir para o cadafalso. Enquanto deputados e senadores descansam, a situação de Demóstenes se agrava em outra frente. Na quinta-feira 12 ele se apresentou na Procuradoria da Justiça de Goiás, para ocupar o antigo cargo. Lá recebeu a notícia de que será investigado na Corregedoria e poderá perder o emprego. Enquanto isso, Demóstenes reivindica uma licença-prêmio de três meses, que pode lhe render cerca de R$ 240 mil.
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fotos: Ailton de Freitas/Ag. O Globo