quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Não é mais um julgamento é um circo

247 - "Estávamos indo tão bem...", comentou o ministro Marco Aurélio Mello depois de o relator da Ação Penal 470, Joaquim Barbosa, se irritar com a divergência do ministro-revisor, Ricardo Lewandowski. "A minha lógica não é a mesma do senhor. Eu não barateio crime de corrupção”, disse Barbosa, irritado. "A minha lógica é a da Constituição", rebateu o revisor. Barbosa repronunciou seu voto sobre corrupção ativa nesta quarta-feira, mas não alterou a pena proposta para Marcos Valério, que era de 4 anos e 8 meses de reclusão mais 210 dias-multa, motivo do início da divergência inicida ontem.

Assista ao julgamento ao vivo pela TV Justiça

Após Barbosa, Lewandowski divergiu, mais uma vez, quanto à data da consumação do crime de corrupção ativa. A pena sugerida por ele é de três anos, um mês e dez dias. Para o relator, deve ser considerado o dia do pagamento dos valores. Para o revisor, prevalece a negociação e a promessa do dinheiro que seria pago. A definição da data é importante para saber se pode ou não ser levada em conta a nova redação do artigo do Código Penal que trata do assunto.

A análise de Lewandowski acabaria sendo seguida pelos ministros Rosa Weber, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello. "Todo cidadão brasileiro tem direito à individualização da pena", disse o ministro Dias Toffoli, questionado por Barbosa durante sua intervenção. Já os ministros Luiz Fux, Marco Aurélio Mello e Ayres Britto (com fundamentação diferente) acompanharam Barbosa.

Barbosa demonstrou irritação após a decisão, destacando que concorda com um jornal norte-americano que chamou a lei brasileira de 'risível'. "Na prática, ele (Valério) não cumprirá seis meses dessa pena de três anos", disse, sendo seguido pelo ministro Lewandowski. "Nas minhas contas, a pena já passa de duas décadas (na verdade, chegou a 14 anos)", retrucou o relator, acrescentando: "Vossa Excelência acha pouco?".

Questionamento

A sessão do julgamento da Ação Penal 470 desta quarta-feira começou com o advogado de Marcos Valério, Marcelo Leonardo, pedindo a palavra. O defensor questionou o uso de uma agravante várias vezes e a possibilidade de haver pagamento dos prejuízos causados ao erário pelo esquema do mensalão. Em outras palavras, Marcelo Leonardo disse que quem tem que pagar é quem recebeu. Como Valério distribuiu, não teria responsabilidade em devolver qualquer valor.

"Espero que a moda não pegue, porque senão não terminaremos nunca o julgamento”, comentou o relator da ação, joaquim Barbosa, demonstrando irritação. Ao retomar seu voto, Barbosa voltou a se referir à intervenção do advogado. "Não proferi sequer a terça parte do meu voto", disse, acrescentando que não se pronunciou sobre qualquer dos agravantes questionados pelo advogado.
Atraso
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciaram na sessão de ontem a votar sobre a pena do empresário Marcos Valério, mas só conseguiram deliberar sobre três das cinco condenações daquele que foi considerado o operador do esquema do mensalão. Até agora, Valério pegou uma pena total de 11 anos e oito meses, equivalente a suas condenações por formação de quadrilha, corrupção passiva e peculato. Faltam os crimes de corrupção ativa e lavagem de dinheiro, e a forma como a sessão desta terça-feira terminou não foi muito animadora para a perspectiva de terminar o julgamento amanhã.

Os problemas ocorreram, em parte, pela falta de hábito do tribunal em lidar com um julgamento tão complexo, e, em parte, por erros do ministro-relator da Ação Penal 470, Joaquim Barbosa, como destacado por parte da imprensa. O relator foi corrigido pelos colegas, por exemplo, quando atribuiu pena de multa para o crime de formação de quadrilha, o que não está previsto na lei. Além de atrasar o fim do julgamento, as confusões cometidas por Barbosa ontem pode até levar a embargos de declaração (recursos da defesa contra obscuridade, contradição ou omissão).

Procedimento

As penas nem haviam começado a ser definidas na sessão de ontem quando apareceu a primeira divergência, relativa ao formato de apresentação. O relator Joaquim Barbosa queria que cada ministro apresentasse a pena por bloco de núcleos temáticos (publicitário ou político, por exemplo), enquanto os colegas pediram o fatiamento réu por réu.

Defendida pelo presidente Carlos Ayres Britto, a segunda versão acabou prevalecendo, o que, para Barbosa,  tornará o julgamento muito mais longo. "No início, é um pouco embaraçado, mas depois desembaraça", argumentou Britto. E completou: "A pressa não pode comprometer a segurança jurídica".
Durante o julgamento, Barbosa precisou rever seus votos pelo menos duas vezes. Ao fixar pena para Marcos Valério pelo crime de formação de quadrilha, o ministro aplicou também multa. Os colegas lembraram que o Código Penal não prevê multa nesse tipo de crime, levando o relator a excluir a segunda punição, que totalizaria 291 dias-multa.

Em outra etapa, o ministro admitiu ter esquecido que, no crime de corrupção ativa, a lei prevê aumento de um terço da pena se o corrompido efetivamente violou seu dever funcional.  Mais uma vez, o relator admitiu rever seu voto, inclusive agravando a pena que já havia aplicado a Valério em outro caso de corrupção, analisado minutos antes.

O ministro também propôs, de improviso, a fixação de indenização para os réus que desviaram dinheiro dos cofres públicos. Foi dissuadido pelos colegas, que lembraram que em vários casos a Corte não definiu os valores exatos dos desvios. O relator prometeu revisitar a questão ao final de seu voto.
Barbosa viaja para a Alemanha no próximo fim de semana para tratamento médico e só retorna a partir do dia 5 de novembro. Ele esperava a conclusão do julgamento até amanhã, caso a fixação de penas ocorresse por blocos.
Com Agência Brasil

Pavor aristocrático na reta final


A iminência de uma derrota histórica  na cidade que consideravam sua reserva de mercado têm levado alguns observadores a fazer um trabalho vergonhoso em defesa da candidatura de José Serra à prefeitura de São Paulo.

Em vez de defender  José Serra, o que seria natural na reta final da eleição, eles procuram levantar o fantasma da ameaça de um avanço da hegemonia do PT no país inteiro. Enquanto acreditavam que seu candidato era favorito,  diziam que a polarização política era ótima, que o conflito ideológico ajudava a formar a consciência do eleitor. Mas agora, diante de pesquisas eleitorais constrangedoras, querem mudar o jogo de qualquer maneira.

É um comportamento arriscado e pode ser contraproducente.

Do ponto de vista democrático, o PT só chegou ao poder de Estado, em qualquer instância,  pelo voto direto. Bem ou mal, é o único dos grandes partidos brasileiros  – já existentes na época — que pode exibir essa condição.

Claro que  você pode discutir a recusa em votar em Tancredo Neves, em 1984. Pode dizer que foi radicalismo, esquerdismo, sei lá. Mas é possível reconhecer que naquele momento da transição os petistas defenderam  um princípio de respeito a vontade popular que vários adversários – por uma esperteza que em vários casos pouco tinha a ver com patriotismo desinteressado –  logo iriam trocar por um cargo no ministério.

Essa postura conservadora contra Haddad retoma  os velhos fantasmas do perigo vermelho, tão primitivos como tantas mitologias de quem saiu colonizado pelos anos de Guerra Fria. Reflete um medo aristocrático de quem imaginava que tinha transformado São Paulo em seu quintal eleitoral e agora se vê sem respostas para as grandes parcelas da população.

Depois de criticar o PT pelos Céus de Marta Suplicy, a campanha tucana fala em Céus do Serra. Depois de criticar o bilhete único, o PSDB aderiu a ele. Criticou Haddad pelo bilhete único mensal, mas agora lançou sua própria versão do mesmo bilhete. Depois de passar a campanha pedindo que a população  tivesse pena de Gilberto Kassab, nossos analistas descobrem que o continuismo não está com nada e, para não perder embalo, dizem que é uma tendência para 2014 e já ameaçam Dilma.

Levantar o fantasma de um perigo difuso e ameaçador é um dos  mais conhecidos truques da comunicação moderna. Revela desprezo pelo conhecimento e pela  inteligência do eleitor, procurando convencer a população com argumentos inconscientes, de natureza emocional.

A postura pode ser resumida assim: quando não dá mais para falar em bolo nem em brioches, como fez Maria Antonieta diante da plebe rude, vamos para lágrimas e o sentimentalismo.

O pensamento aristocrático  e conservador do século XIX, quando a aristocracia descobriu que o voto popular poderia produzir resultados desagradáveis e inesperados, foi construído assim.  Pensadores como Gustave Le Bon afirmavam, literalmente, que a multidão  “ou não conseguia raciocinar, ou só conseguia racionar de forma errada.”

O truque principal, nesse comportamento, era  evitar referências claras e diretas. Por motivos fáceis de explicar, nunca se diz: perigo de que? Por que?

Grita-se: “eu tenho medo,” como fez Regina Duarte, em 2002.  Mas pelo menos ela tinha sido a namoradinha do Brasil…

Como bem lembrou Fernando Rodrigues,  a partir de 1994 o PSDB tornou-se  um partido rico e poderoso.
Deixou essa condição, pela vontade livre e direta do eleitorado. Em nenhum momento o PSDB deixou de ter colunistas e articulistas de pena amiga para descrever suas virtudes perante a população, com uma generosidade jamais exibida em relação a nenhum outro adversário.

A dificuldade é que, em sua passagem pelo poder federal os tucanos não deixaram nenhuma recordação duradoura  na defesa dos mais pobres e dos assalariados em geral. Foi por isso que perderam três eleições consecutivas, sem jamais exibir concorrentes competitivos.

Em 2002, quando o governo de FHC chegou ao fim, sua popularidade era negativa. A inflação passara   dos dois dígitos, o desemprego havia disparado, a economia estava num abismo financeiro e é claro que, já então, culpava-se o perigo vermelho por isso.

Quanto aos métodos de governo, não sejamos ingênuos nem desmemoriados. Se  você não quer usar a palavra aparelhamento, poderia falar, então, em engaiolamento tucano.

É um sistema realmente eficiente, já que, em quatro anos, promoveu:

a)   mudanças nas regras eleitorais estabelecidas pela Constituição;

b)   um esquema conhecido como mensalão, matriz dos demais;

c)   um procurador geral da República dos tempos de FHC era conhecido como “engavetador”geral da República;

Embora goste de lembrar que o PT votou contra o Plano Real assinado por Itamar Franco, o PSDB prefere esquecer que, ao retornar ao governo de Minas Gerais, o ex-presidente rompeu com FHC e chegou a mobilizar a PM  para impedir que Brasília privatizasse a usina de Furnas.

Foi para tentar derrotar Itamar, político muito popular no Estado, que o PSDB inventou o mensalão de Marcos Valério,  colocando de pé um esquema que arrecadou mais de R$ 200 milhões para as agências ligadas ao esquema. Nem assim o esquema funcionou e, como acontece nas democracias, venceu o candidato que era melhor de voto.

Mesmo derrotado – a democracia tem disso, né, gente? – o PSDB  empurrou a dívida do esquema com a barriga, com ajuda de verbas liberadas – olha a  coincidência ! – pelo mesmo cofre do Visanet. Quando Aécio recuperou o governo de Minas, Valério voltou a ser premiado com novos recursos, informa Lucas Figueiredo, no livro O Operador. Conforme demonstrou a CPI dos Correios, dirigida por aliados do PSDB, havia farta distribuição de recursos públicos na campanha tucana.

Num lance de peculiar ousadia, foram retirados R$ 27 milhões da própria Secretaria da Fazenda do Estado.
A verdade é que o mensalão mineiro foi feito com tanta competência – ou seria melhor empregar o termo periculosidade?  – que jamais foi descoberto. Até surgiram denúncias, mas eles nunca foram investigados.
Chegou-se ao mensalão mineiro por causa do braço petista de Marcos Valério. Se não fosse por ele, nem saberíamos que teria existido.

Isso é que engaiolamento, vamos concordar. Funciona mesmo depois que o PSDB deixou o poder.  Enquanto o Supremo condena o mensalão petista com argumentos deduzidos e não demonstrados, os tucanos seguem no pão de queijo. Ninguém sabe, sequer, quantos serão julgados. Nem quando.
Agora vamos reconhecer: Fernando Haddad assumiu a liderança folgada nas pesquisas como um bom candidato deve fazer. Veio do zero, literalmente, e ganhou eleitores na medida em que tornou-se conhecido.
O apoio de Lula não é importante, apenas, porque lhe garante um bom patamar de votos. Essa é uma visão eleitoreira da política. Esse apoio mostra que é um candidato com origem e história e isso é importante. Dá uma referência ao eleitor.

Num país onde os sábios da década passada adoravam resmungar com frases feitas sobre a falta de partidos “legítimos”, com “história”, com “programa,”etc, é difícil negar que o PT fez sua parte. Você pode até achar uma coisa detestável. Pode dizer que o PT é um partido anacrônico, que “traiu o discurso ético” e só faz mal ao país. Mas  tem de admitir que não é Haddad, como Dilma já mostrou em 2010, quem tem problemas com a própria história.

E isso, na construção de uma democracia, é um bom começo. Falta, agora, a outra parte. Caso as urnas confirmem o que dizem as pesquisas de intenção de voto, a vitória de Haddad só irá demonstrar  a dificuldade da oposição em mostrar que poderia fazer um governo melhor.
O debate político é este. O resto é propaganda.

http://colunas.revistaepoca.globo.com/paulomoreiraleite/2012/10/23/pavor-aristocratico-na-reta-final/