quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A década perdida



Como a Microsoft, a empresa mais valiosa do mundo em 2000, perdeu a vanguarda tecnológica, se burocratizou e foi atropelada pelos concorrentes

por KURT EICHENWALD

Ao som de uma música melosa de elevador, Steve Ballmer atravessou correndo o palco do salão de baile do Venetian, um luxuoso hotel-cassino de Las Vegas. Numa parede de 7 metros de al-tura, dezenas de telas piscavam seu nome. O presidente mundial da Microsoft, de 56 anos, deu um abraço apertado no apresentador de rádio e tevê Ryan Seacrest, que acabava de convidá-lo para fazer a palestra de abertura da Consumer Electronics Show 2012, a grande feira de tecnologia de Las Vegas.

Mais de 150 mil nerds e executivos caíram como uma nuvem de gafanhotos nos hotéis da cidade em janeiro para esse megafestival anual de engenhocas e tecnologia de ponta. Os participantes corriam de um estande para outro, agarrando brindes e trombando com estrelas como Justin Bieber.

Mas naquela noite havia um clima de mal-estar no salão onde Ballmer estava prestes a abrir a feira – uma honra que coube ao presidente da Microsoft em quinze dos dezessete anos anteriores (Bill Gates nos primeiros onze anos e Ballmer nos demais). Semanas antes, a empresa tinha declarado que esse seria seu último discurso inaugural no e-vento – e o pior: que ela não voltará no ano que vem para expor suas inovações. A época de anunciar as grandes novidades sobre seus produtos, disse a Microsoft, não coincidia com as datas da feira anual de tecnologia.

Os boatos tinham fervilhado o dia todo. Diziam que Ballmer planejava sair de cena por cima, fazendo uma rápida apresentação de algum produto inédito sensacional, vindo de uma empresa cujas inovações recentes haviam sido com frequência sem brilho, para dizer o mínimo. Mas, em vez disso, aconteceu um espetáculo estranho, uma conversa entre Seacrest e Ballmer. Apareceram o monstro dos Come-Come do Vila Sésamo e um coro gospel berrando uma canção bizarra, composta inteiramente de tuítes aleatórios enviados ao ciberespaço, sabe-se lá por quem.

ão houve nenhum anúncio de um grande salto tecnológico. Ballmer elogiou o sistema operacional Windows 8, muito aguardado (que no momento em que escrevo está disponível apenas como um preview online). Falou com entusiasmo sobre suas expectativas para o Xbox, o console de jogos que compete com êxito com o PlayStation, da Sony. E lá veio de novo o Windows Phone 7, que, apesar dos elogios dos usuários, teve vendas desanimadoras. Seguiu-se uma demonstração que acabou sendo vergonhosa: o recurso de reconhecimento de voz para criar mensagens escritas não funcionou; em seguida, outro problema técnico obrigou um funcionário da Microsoft a ir buscar outro telefone.

O canto do cisne da Microsoft foi um símbolo perfeito de uma década eivada de erros, oportunidades perdidas e de transformação de uma das maiores inovadoras do setor em uma “maria vai com as outras”, que tentava correr atrás de produtos de outras empresas. Ao longo desses anos, firminhas desimportantes – como Google, Facebook, Apple – passaram à frente, transformando o uso da mídia social e da tecnologia, enquanto a pesadona Microsoft continuava dependendo dos seus velhos produtos bem conhecidos, como Windows e Office. Num mercado em constante mutação, a Microsoft – que não quis falar para este artigo – se tornou a equivalente, no mundo da tecnologia, auma velha fábrica de automóveis de Detroit lançando modelos mais vistosos de produtos velhos, enquanto os concorrentes viravam o mundo de cabeça para baixo.

A maioria das inovações da Microsoft acabou em desastres financeiros. E esse desempenho ficou bem evidente nas Bolsas: apesar de grandes vendas e dos lucros vindos dos seus produtos principais, nos últimos dez anos a ação da Microsoft quase não saiu da marca dos 30 dólares, enquanto a da Apple vale hoje mais de vinte vezes o que valia há dez anos. Em dezembro de 2000, a Microsoft era a empresa mais valiosa do mundo, com valor de mercado de 510 bilhões de dólares. Em junho de 2012 ela era a número 3, com valor de mercado de 249 bilhões de dólares. Por outro lado, em dezembro de 2000, a Apple valia 4,8 bilhões de dólares e nem estava na lista das dez mais. Em junho deste ano, ela era a número 1 do mundo, com valor de mercado de 541 bilhões de dólares.

Como aconteceu essa inversão de papéis? Como é possível que uma empresa que está entre as mais ricas do mundo, que conseguiu quebrar o predomínio férreo da IBM no setor da informática, tenha tropeçado e caído tão feio numa corrida que ela já estava ganhando?

 
 história dos dez anos perdidos da Microsoft poderia servir como estudo de caso nas escolas de administração,no capítulo “armadilhas do sucesso”. Ela, que começou tão ágil, uma máquina de competir liderada por jovens visionários, se transformou numa empresa inchada, sobrecarregada de burocracia, com uma cultura interna que recompensa, involuntariamente, os chefes que asfixiam as ideias inovadoras, capazes de ameaçar a ordem estabelecida.
Na aurora do novo milênio, nos corredores da Microsoft não havia mais programadores descalços de camisa havaiana, que viravam as noites e os fins de semana trabalhando para um objetivo comum de excelência. Em vez disso, a vida por trás das grossas paredes da empresa se tornou séria, formal e brutal. Dominar a politicagem interna passou a ser indispensável para o sucesso na carreira.

Naqueles anos, a Microsoft havia intensificado seus esforços para cortar as pernas dos concorrentes, mas – devido a uma série de decisões de gestão incrivelmente tolas – os competidores que estavam sendo mutilados muitas vezes eram os colegas de trabalho na própria empresa.

Os funcionários eram recompensados ​​não só por fazer um bom trabalho, mas também por fazer os colegas fracassarem. O resultado é que a empresa foi consumida por uma série interminável de lutas internas. Produtos com potencial de explodir no mercado – como o livro eletrônico e o smartphone– foram eliminados, descarrilados ou postos em banho-maria, em meio a brigas e jogos de poder.

Esse é o retrato da Microsoft que aparece em entrevistas com dezenas de executivos e ex-executivos da empresa, bem como em milhares de páginas de documentos internos e registros legais.
“Eles apontavam o dedo para a IBM e davam risada”, disse Bill Hill, ex-gerente da Microsoft. “Agora eles se transformaram naquilo que eles mesmos desprezavam.”

Hoje a Microsoft está à beira de um precipício – uma oportunidade do tipo tudo ou nada, que pode ser a última chance de Ballmer demonstrar para Wall Street que ele é o homem certo com o plano certo para liderar rumo ao futuro. Com o Surface, seu tablet recém-lançado, o Windows 8, o WindowsPhone 7, o Windows Server 2012 e o Xbox 720 chegando em breve, Ballmer talvez esteja perto de provar que suas estratégias dão certo – incluindo a polêmica aquisição do Skype, feita no ano passado por 8,5 bilhões de dólares. Mas quer esses novos produtos tenham sucesso ou não, dizem os executivos, a Microsoft de outrora, tão ágil, que conquistou o entusiasmo de toda uma geraçãode gente apaixonada por tecnologia e engenheiros de software, está morta e enterrada.

“Vejo a Microsoft como a versão tecnológica da Sears”, disse Kurt Massey, ex-gerente de marketing. “Nas décadas de 40, 50 e 60, a Sears acertou em cheio. Era a número 1, e hoje não passa de terra arrasada. E é isso que é a Microsoft. A empresa deixou de ser cool.”
Ser cool, moderno – é o que deseja o consumidor de tecnologia. Prova número 1: hoje o iPhone gera mais receitas do que a Microsoft inteira.

É sério. Um único produto da Apple, algo que não existia cinco anos atrás, tem mais vendas hoje do que tudo o que a Microsoft tem para oferecer. Vende mais que Windows, Office, Xbox, Bing, Windows Phone e todos os outros produtos que a Microsoft criou desde 1975. No trimestre que terminou em 31 de mar-ço de 2012, o iPhone teve vendas de 22,7 bilhões de dólares, e a Microsoft Corporation, de 17,4 bilhões.



Dinheiro e monopólio
 
mbora a Microsoft já tenha sido a empresa mais moderna e avançada do planeta, suas origens vêm lá de trás – remontam à Bíblia Sagrada dos nerds, a revista Popular Electronics.

Em dezembro de 1974, um jovem de 21 anos chamado Paul Allen, que acabava de abandonar a faculdade, comprou o novo número dessa revista dedicada a amadores de eletrônica, numa banca de jornal na praça Harvard, em Cambridge, Massachusetts. Ele mal conseguia conter o entusiasmo. Em letras garrafais, a manchete na capa gritava que o primeiro minicomputador do mundo com potência para rivalizar com os modelos comerciais tinha sido inventado. Allen correu até o Harvard College, onde estudava seu antigo colega de ginásio, Bill Gates. Os dois há muito tempo queriam criar um programa de controle operacional usando a linguagem computacional chamada Basic; mas Gates tinha resolvido esperar. Só começaria um projeto assim quando fosse fabricado um computador com um processador rápido. Allen jogou a revista nas mãos de Gates, e os dois concordaram: o momento tinha chegado.

As coisas andaram rápido. Gates, Allen e mais um amigo criaram um programa que chamaram de Altair Basic, e convenceram a empresa que fabricava o computador – a MITS, de Albuquerque, no estado do Novo México – a usá-lo sob licença. Deram o nome à sua nova empresa de Micro-soft. Depois, o mercado de computadores pessoais explodiu. A Microsoft começou a vender seus programas para firmas cada vez maiores. Dentro de dois anos a empresa, rebatizada como Microsoft, já estava definindo os padrões de programação para microprocessadores. Trabalhar na jovem Microsoft era, segundo todos os relatos, emocionante, mas também enervante. Gates era incansável, e exigia a mesma dedicação de todos os que contratava.

Em 1980, a IBM, então a maior fabricante mundial de computadores, procurou Gates e Allen e licenciou a Microsoft para criar o software operacional para um novo produto que seria lançado em breve, o ibm pc. Foi a grande chance da Microsoft, trazendo-lhe o dinheiro de que ela precisava para financiar sua ascensão à estratosfera.

No mesmo ano, Gates e Allen concluíram que nenhum dos dois tinha experiência nem competência para administrar uma empresa como a Microsoft. Gates procurou um amigo de Harvard, um sujeito falante, espalhafatoso, cheio de energia, formado em matemática e economia – Ballmer – para comandar o lado comercial. Ballmer fora assistente na gerência de produto da Procter & Gamble; depois entrou na Escola de Negócios de Stanford, e abandonou o curso para entrar na Microsoft.

A empresa começou a dobrar e triplicar de tamanho a cada ano, e os sistemas operacionais da Microsoft ficaram mais sofisticados. O MS-DOS ainda era baseado em comandos escritos, mas depois veio o Windows, que trouxe a interface gráfica, comandada por ícones na área de trabalho, menus e outros meios visuais, para os PCs e qualquer outro tipo de computador.

Em 24 de agosto de 1995, a Microsoft atingiu o auge da modernidade lançando o sistema operacional que viria a ser o seu best-seller: o Windows 95. Para comprar os primeiros pacotes, os nerds começaram a fazer fila à meia-noite na porta das lojas, dando a volta no quarteirão. O Empire State Building ficou todo iluminado com cores da Microsoft, vermelho, amarelo, azul e verde. Gates pagou 3 milhões de dólares para os Rolling Stones pelo direito de usar seu clássico Start Me Up como música-tema para seus anúncios e outras apresentações. Uma música-tema para um software!

No final de 1997 o Windows 95, juntamente com outros sistemas operacionais da Microsoft, rodava em 86,3% dos PCs dos Estados Unidos (em contraste, o Mac OS da Apple tinha na época apenas 4,6% do mercado). Ser nerd agora era chique, e a Microsoft exerceu um poder sem precedentes sobre a sociedade americana. Parecia que nada poderia deter o passo do Golias do software.

or outro lado, o investidor Warren Buffett, chamado de “Oráculo de Omaha”, não entendia a Microsoft.

Era agosto de 1997 e o executivo responsável pelas vendas, marketing e serviços da Microsoft, Jeff Raikes, insistia com Buffett para comprar ações da empresa. A Microsoft, escreveu Raikes em um e-mail, era exatamente como a Coca-Cola, um dos investimentos mais conhecidos de Buffett. A Coca-Cola recebia, em suma, royalties sobre cada gole; e a Microsoft controlava o posto de pedágio de quase todos os computadores pessoais vendidos no mundo.

Mesmo assim, reconheceu Raikes, havia um perigo em comprar ações da Microsoft. A ameaça, escreveu ele, era que ocorresse alguma transformação imprevistano mercado de tecnologia – o mesmo fenômeno que tinha prejudicado tanto a IBM, a vovó das gigantes da informática, quando a Microsoft entrou em cena.
“Creio que a IBM ficou viciada no poder que ela teve nas mãos durante várias gerações de computadores, e isso a deixou cega para a mudança de paradigma que veio com o PC”, escreveu ele.

Essa preocupação fazia sentido para Buffett. Será que a Microsoft seria vítima da mesma arrogância que fez a IBM cair do trono? Haveria outra mudança de paradigma que a Microsoft só enxergaria quando fosse tarde demais?

Raikes reconheceu que tinha as mesmas preocupações. “Eu fico pensando, sim, sobre o que acontecerá daqui a dez ou vinte anos”, escreveu ele.

E tinha bons motivos para se preocupar. Já havia sinais de que a Microsoft iria perder o trem da história na próxima década. Naquele exato momento, na sede da Microsoft em Redmond, no estado de Washington, um grupo de engenheiros estava desenvolvendo um aparelho que, dali a dez anos, se transformaria numa indústria multibilionária: um leitor eletrônico que permitia baixar uma versão digital de qualquer material escrito: livros, revistas, jornais. Apesar dessa vantagem de anos, a Microsoft não seria a empresa a lançar no mercado essa inovação, que transformaria a indústria editorial. Em vez disso, os grandes lucros acabariam indo para a Amazon e a Apple.

A faísca de inspiração para o aparelho veio de um livro de ficção científica de 1979, O Guia do Mochileiro das Galáxias, de Douglas Adams. O romance apresentava a ideia de que um único livro podia conter todos os conhecimentos do universo. Um livro eletrônico, pensavam os desenvolvedores de produtos da Microsoft, daria vida à visão de Adams. Em 1998 um protótipo já estava pronto. Prevendo elogios, o grupo de tecnologia enviou o aparelho para Bill Gates, que o rejeitou de imediato. O e-book não servia para a Microsoft, declarou ele.

“Ele não gostou da interface com o usuário porque não tinha cara de Win-dows”, recorda um programador envolvido no projeto. Mas o Windows seria um sistema operacional completamente errado para um e-book, acreditavam os membros da equipe. O objetivo era que a tela inteira mostrasse um livro, e apenas um livro. Um livro de verdade não tem imagens do Windows flutuando nas margens; colocá-las numa versão eletrônica só serviria para atrapalhar o usuário.

A equipe que trabalhava na iniciativa deixou de ser subordinada diretamente a Gates e foi transferida para a divisão que criava software para o Office – a outra fábrica de dinheiro da Microsoft, além do Windows. A equipe não era mais encarregada de imaginar e concretizar novas ideias, mas obrigada a relatar a todo momento lucros e perdas.

“Todo o nosso plano teve que ser antecipado, e tivemos que lançar um produto em 1999”, disse Steve Stone, um dos fundadores da equipe de tecnologia. “Não podíamos mais nos concentrar em desenvolver tecnologias que fossem boas para os usuários. Em vez disso, de repente tínhamos que olhar o produto e pensar: ‘Como podemos usar isso para ganhar dinheiro?’”

ançar o produto no mercado às pressas custou caro para a Microsoft. O software tinha sido projetado para rodar em um tablet com tela de toque, uma característica popularizada mais tarde com o iPhone. Em vez disso, a empresa lançou o Microsoft Reader para rodar no Microsoft Pocket PC (um aparelhinho do tamanho de um telefone) e, logo depois, no Windows. O plano de dar aos consumidores algo leve e simples, que lhes permitiria ler em uma tela do tamanho de um livro, foi morto e enterrado.

A morte da iniciativa do e-book não foi simples consequência do desejo de lucro imediato, segundo um ex-gerente da divisão Office. O verdadeiro problema para seus colegas era que um aparelho simples, com tela de toque, era visto como um desvio ridículo das formas já testadas e aprovadas de lidar com dados. “O Office foi projetado para receber dados via teclado, não com uma canetinha metálica nem com o dedo”, disse o gerente.

De fato, segundo os executivos, a Microsoft deixou, repetidas vezes, de se atirar de cabeça em novas tecnologias emergentes devido à fidelidade da empresa ao Windows e ao Office. “O Windows era o deus – tudo tinha que funcionar com o Windows”, disse Stone. “Ideias sobre computação móvel, que dessem ao usuário uma experiência mais simples do que com um pc, eram consideradas sem importância por algumas pessoas poderosas daquela divisão, e elas conseguiram matar o projeto.”

Esse preconceito permeava toda a empresa, tornando-a incapaz de reagir depressa diante dos desafios vindos de novos concorrentes. “Cada coisinha que você quer programar tem que se basear no Windows ou em outros produtos já existentes”, disse um engenheiro de software.

Mas o grande poder das divisões Windows e Office, que ditavam o rumo do desenvolvimento dos produtos, foi apenas um dos problemas internos da Microsoft que acabavam esmagando as inovações. Uma questão muito mais ampla, disseram os executivos, era uma cultura empresarial que em 2001 estava rumando para a autoimolação e o caos.



O estouro da bolha

o início de 1990, era como se o computador de cada funcionário da Microsoft rodasse um aplicativo que deixava uma imagem na tela o tempo todo: a caricatura de um rosto cuja expressão mudava conforme a cotação da ação da empresa. Quando a ação subia, o rosto sorria; e quando perdia valor, ele franzia a testa.

 Quase todos os funcionários recebiam uma participação na empresa por meio de opções de ações. Quando a ação subia, todos ficavam mais ricos. E quando a cotação caía, todos ficavam... bem, um pouquinho menos ricos. Nos primeiros tempos, a Microsoft fazia milionários quase tão depressa quanto embalava seus pacotes de software. Os primeiros onze empregados, excetuando Gates e Allen, saíram com quantias variando de 1 milhão a 100 milhões de dólares. O resultado é que todos trabalhavam a todo vapor, na esperança de levantar a ação um pouquinho mais.

“As pessoas tinham muita pressa de capitalizar todas as oportunidades de au-mentar a receita”, disse Ed McCahill, que trabalhou dezesseis anos na Microsoft como gerente de marketing. “Em cada reunião, havia objetivos claros e resultados claros, porque todos sabiam que, quanto mais rápido agissem, mais rápido a ação subiria na Bolsa e mais rá-pido eles ficariam ricos.”

Os currículos chegavam à Microsoft em pencas, vindos de estudantes de administração e de engenharia atraídos pelas histórias de quem fez fortuna. A empresa entrou numa febre de contratações. Muitos executivos veteranos deixavam o trabalho por causa dos novos funcionários, enquanto eles próprios faziam cera pelos corredores, à espera do fim do próximo período de carência, quando poderiam lucrar com suas ações.

oi então que tudo mudou. Em 30 de dezembro de 1999, a carinha na tela do computador franziu a testa. Na véspera, a cotação da Microsoft tinha atingido seu valor recorde antes do desdobramento das ações – 119,94 dólares por ação – e em seguida começou a cair. Nem a Microsoft ficou imune ao estouro da bolha das ponto-com.

Dezesseis dias depois, Bill Gates entregou a presidência executiva para Ballmer. “Fiquei abismado quando Bill anunciou que estava saindo para se tornar ‘arquiteto-chefe de software’, em janeiro de 2000, deixando Steve Ballmer no seu lugar”, lembrou Paul Allen. “É verdade que Steve há muito tempo era o braço direito de Bill, mas a gente sentia, nos anos 90, que ele não estava sendo preparado, necessariamente, para o cargo mais alto da Microsoft. Eu diria que Bill o considerava um executivo muito esperto, menos afinado com a tecnologia do que com o lado comercial. Steve não era um cara ligado nos produtos.”

Um homem de negócios, com experiência em acordos, finanças e marketing, vinha substituir um gênio do software e da tecnologia.

Em um ano, a ação da Microsoft perdeu mais da metade do valor, e nunca mais voltou para os píncaros do passado.

A música tinha parado. Os Milionários da Microsoft agora trabalhavam lado a lado com a Ralé da Microsoft. A época em que as equipes lutavam juntas para conquistar o mundo tinha acabado. O golpe financeiro piorou ainda mais as relações já tensas entre a velha guarda e o sangue novo.

Pequenas mudanças na política da empresa começaram a ser vistas como manifestações de desprezo pelos que não tiveram a sorte de entrar na Microsoft a tempo de enriquecer. Quando a empresa decidiu, por volta de 2003, economizar dinheiro não fornecendo mais toalhas para os funcionários que usavam os seus chuveiros, houve uma reação de fúria. O quê?Os veteranos tinham milhões e os mais novos não podiam nem ganhar toalhas?

As toalhas voltaram, mas o azedume sobre os cortes de custos não acabou. A Microsoft abandonou seu excelente plano de saúde. Ficou difícil até mesmo conseguir material de escritório.

Pior: a estratégia de sucesso da Microsoft foi virada de cabeça para baixo. Se antes criar inovações era o que dava emoção ao trabalho e também o caminho para a riqueza, por meio dasopções de ações, agora o sucesso financeiro só podia ser garantido pela maneira como ocorria nas firmas caretas como General Motors ou IBM – por meio das promoções.

“As pessoas perceberam que não iam ficar ricas”, disse um ex-executivo. “E se transformaram em pessoas empenhadas em galgar os degraus da hierarquia, e não em dar uma grande contribuição para a empresa.”

ssim começou a burocratização da Microsoft. Alguns executivos acreditam que a mudança começou com a ascensão de Ballmer. Na verdade, a época em que se ganhava dinheiro fácil foi, quase certamente, a origem desse processo.

Com mais funcionários procurando postos de direção, o resultado foi mais gerentes; com mais gerentes, havia mais reuniões; com mais reuniões, mais memorandos; e mais burocracia resultavaem menos inovação. Tudo, como disse um executivo, avançava num ritmo de caracol. “Havia aquele sistema institucionalizado. Era como criar soft-ware por meio de um comitê”, disse Pra-sanna Sankaranarayanan, ex-engenheiro da Microsoft.

Assim como havia ocorrido com os e-books, as oportunidades de desenvolver produtos importantes escapavam pelos dedos. O Windows CE, um sistema operacional diferente do Windows que foi usado originalmente para aparelhos de bolso como palmtops, acabaria por ser a base do sistema operacional para dispositivos móveis que rodaria nos primeiros smartphones da Microsoft. Mas, embora a Microsoft já tivesse ultrapassado a concorrência com o Windows CE, ela perdeu a corrida para os smartphones.
“Você olha para o Windows Phone e não pode deixar de se perguntar: como foi que a Microsoft desperdiçou a liderança que já tinha com o Windows ce?”, disse McCahill. “Eles tinham uma grande vantagem, estavam anos à frente. Estragaram tudo por causa da burocracia.”

Os processos eram tão lentos que às vezes a coisa beirava o cômico. Marc Turkel, gerente de produto, me contou sobre uma iniciativa que supervisionou por volta de 2010, envolvendo vários grupos. Quando o projeto começou, havia operários escavando a terra para construir um edifício de doze andares que iria ocupar um quarteirão inteiro; a janela da sala de Turkel dava para a construção.

 Turkel começou a negociar com vários gerentes; depois com os supervisores dos gerentes, e depois com os supervisores dos supervisores. “Era incrível a quantidade de acordos que eram necessários”, disse ele. “Era uma coisa para levar seis semanas, no máximo, se não perdêssemos tanto tempo.” Um dia Turkel estava em mais uma reunião interminável quando olhou pela janela. O edifício estava terminado. O projeto não.

s vezes, porém, os problemas burocráticos provinham de uma simples realidade: os jovens dos anos 80, nerds que tinham entrado na empresa quando estavam pelos 20 ou 30 anos, tinham virado gerentes de meia-idade, na faixa dos 40 ou 50 anos. E, segundo alguns engenheiros mais jovens, boa parte deles não entendia a nova geração de usuários de computador, que eram crianças ou nem tinham nascido quando a Microsoft abriu as portas. Quando os funcionários mais jovens tentavam apontar as tendências que surgiam entre seus amigos, os supervisores não davam a menor atenção.

Um exemplo: em 1997 a AOL lançou seu programa de mensagens de texto instantâneas, chamado AIM, um precursor dos torpedos no telefone celular. Dois anos depois, a Microsoft acompanhou com um programa semelhante, o MSN Messenger. Em 2003, um jovem desenvolvedor percebeu que seus colegas de faculdade entravam exclusivamente no AIM, e o deixavam rodando o tempo todo na tela. O motivo? Queriam usar a mensagem de “status online” do programa, que permitia escrever uma notinha dizendo aos amigos o que a pessoa estava fazendo, mesmo quando não estava no computador. Mensagens como “fui fazer compras” ou “estudando para o exame” tornaram-se comuns.

“Esse foi o início da tendência que foi acabar no Facebook – um lugar para as pessoas colocarem seus pensamentos, um fluxo de consciência contínuo”, disse o engenheiro que trabalhou na divisão do MSN Messenger. “O principal objetivo do AIM não era bater papo, mas dar a chance de entrar a qualquer momento e dar uma olhada no que os amigos estavam fazendo.”

O engenheiro concluiu que nenhum jovem passaria do AIM para o MSN Messenger, que não tinha esse recurso de mensagem breve. Ele falou sobre o problema com seu chefe, um homem de meia-idade. Este achou que era uma preo-cupação tola. Por que um jovem haveria de querer escrever apenas algumas palavras? Quem quisesse contar aos amigos o que estava fazendo podia escrever isso na sua página de perfil, disse ele. Ou seja, o usuário teria que abrir as páginas de perfil de todos os amigos, uma de cada vez, procurando uma mensagem de status, se é que haveria alguma.

“Ele não entendeu o espírito da coisa”, disse o engenheiro. “E, como ele não sabia nada sobre como os jovens estavam usando as mensagens, nós não fizemos nada.”



A curva do sino

m 2002, o subproduto da burocracia – uma política interna brutal – tinha levantado a cabeça na Microsoft. E, segundo disseram executivos atuais e antigos, a cada ano piorava a intensidade e a destrutividade dos jogos de poder, com os funcionários lutando para ultrapassar os colegas de trabalho na corrida pelas promoções, pelos bônus, ou pela simples sobrevivência.

Os gerentes da Microsoft, intencionalmente ou não, aumentavam ainda mais essa hostilidade. Juntem-se a isso a amargura dos funcionários sobre as disparidades salariais, a lentidão do desenvolvimento de produtos e o poder das divisões Windows e Office de matar as inovações – e o resultado foi uma atmosfera venenosa de antagonismo interno.

“Se você não fizer o jogo político, vêm os ataques pessoais, ao caráter do indivíduo. E a gestão era feita dessa maneira”, disse Turkel.

O X do problema cultural da empresa era o sistema de gestão chamado “classificação em camadas”. Todos os funcionários da Microsoft que entrevistei, atuais e antigos, todos eles citaram esse sistema como o processo mais destrutivo dentro da Microsoft, que fez um número incontável de funcionários sair da empresa. O sistema, também conhecido como “modelo de desempenho”, “curva do sino” ou simplesmente “avaliação do funcionário”, funcionava assim: cada divisão era obrigada a classificar uma determinada porcentagem dos funcionários como de “desempenho excelente”; depois vinham os de “bom desempenho”, depois os “médios”, depois os “abaixo da média”, e por último os “insuficientes”.

“Se você estivesse em uma equipe de dez pessoas, você já entrava no primeiro dia sabendo que, por melhores que fossem todos os colegas, duas pessoas receberiam uma classificação ótima, sete receberiam conceitos medío-cres, e um re-ceberia uma nota péssima”, dis-se um ex-programador. “Isso faz com que os funcionários se concentrem em competir uns contra os outros, em vez de competir com as outras empresas.”

Supondo, por exemplo, que a Microsoft tivesse contratado os maiores nomes da tecnologia para trabalharem na mesma divisão, antes que eles ganhassem fama em outras firmas. A divisão teria Steve Jobs da Apple, Mark Zuckerberg do Facebook, Larry Page do Google, Larry Ellison da Oracle, e Jeff Bezos da Amazon. Fosse qual fosse o desempenho deles, ao passarem por uma das rodadas da “classificação em camadas”, dois deles teriam que ser classificados como abaixo da média, e um deles seria considerado um desastre.

Por essa razão, segundo os executivos, muitas estrelas da Microsoft faziam de tudo para evitar trabalhar ao lado de outros criadores de produtos de primeira linha, com medo de serem prejudicados na classificação. E as avaliações tinham consequências reais: os que ficavam no topo recebiam bônus e promoções; os relegados aos degraus inferiores em geral não recebiam dinheiro nenhum, ou eram demitidos.

E os resultados do processo nunca eram previsíveis. Funcionários de certas divisões recebiam os “objetivos gerenciais”, ou MBOs (Management by Objectives), as expectativas para o que a pessoa deveria realizar naquele ano. Mas mesmo atingindo os MBOs não havia garantia de se receber uma classificação elevada, já que algum outro funcionário poderia ter ultrapassadoos objetivos exigidos. O resultado é que os funcionários da Microsoft não só procuravam ter um bom desempenho, mas também se esforçavam para que os colegas não tivessem.

“O comportamento que isso engendra é o seguinte: as pessoas fazem de tudo para não cair na turma dos piores”, disse um engenheiro da Microsoft. “Os responsáveis ​​por certas funções sabotavam abertamente os esforços dos colegas. Uma das coisas mais valiosas que eu aprendi foi dar a impressão de ser cortês e ao mesmo tempo ocultar informações dos colegas – apenas o suficiente para garantir que eles não passassem à minha frente nas classificações.”

E o pior: como a avaliação era feita a cada seis meses, os funcionários e seus supervisores – que também eram analisados – se concentravam no desempenho de cur-to prazo, em vez de fazerem esforços de longo prazo para conseguirem inovações.

“As avaliações semestrais levavam a muitas decisões erradas”, disse um analista de software. “As pessoas planejavam seus dias e seus anos em função da avaliação, e não dos produtos. Você precisava, de qualquer maneira, ficar focado no seu desempenho semestral, e não em fazer o que seria o melhor para a firma.”
No final, o sistema de classificação em camadas atingiu em cheio a capacidade de inovação da Microsoft, disseram os executivos. “Eu queria montar uma equipe de pessoas que trabalhassem juntas e cujo único foco seria elaborar softwares excelentes”, disse Bill Hill, o ex-gerente. “Mas é impossível fazer isso na Microsoft.”

or que a tecnologia da Apple era tão melhor do que a da Microsoft?, perguntou Jim Allchin, um veterano executivo da empresa. “Eu compraria um Mac hoje se eu não trabalhasse na Microsoft”, escreveu Allchin, em um e-mail de 7 de janeiro de 2004 para Gates e Ballmer. “A Apple não se perdeu no meio do caminho.”

 A Microsoft tinha alguns dos profissionais de tecnologia mais inteligentes do mercado. Tinha bilhões de dólares à sua disposição, e podia investir o dinheiro em qualquer projeto que os executivos escolhessem. De que modo a Apple estava evitando as armadilhas da Microsoft?

A resposta não era difícil de encontrar. Executivos atuais e antigos disseram que, a cada ano, tentavam explicar ao alto-comando da Microsoft por que a empresa enfrentava dificuldades na qualidade da sua inovação, em comparação com a Apple, o Google e outros concorrentes.

As explicações eram transmitidas por meio de pesquisas semestrais feitas com os funcionários. A mensagem das respostas era sempre a mesma: os grupos da Microsoft que deveriam trabalhar em conjunto não estão fazendo isso, devido ao sistema de classificação em camadas. E, em resposta, o que fez a empresa?... Nada de especial. “A Microsoft mantém as pesquisas com os funcionários, ouve as opiniões sobre o problema, tenta resolvê-lo sempre da mesma maneira, e a coisa nunca dá certo”, disse Turkel.

E assim a Microsoft continuou levando surras da concorrência. A Apple lançou o tocador de música iPod em 2001; dois anos depois, o alto escalão da Microsoft ainda tentava descobrir de que modo competir com ele.

“Como vamos entrar com muito atraso no negócio da música, parece que sempre estamos atrás dos outros”, escreveu Bill Gates em um e-mail de 2 de novembro de 2003 a um grupo de gerentes. “As pessoas não vão querer abandonar o hardware que já compraram.”

O resultado, escreveu Gates, era que eles não conseguiriam convencer os clientes a usar um sistema da Microsoft: “Acho que não estamos fazendo o suficiente para sermos vistos como uma empresa líder. Pessoas que eu conheço (gente rica, é verdade) está comprando iPods que já vêm com milhares de músicas.” Herbert Allen Jr., bilionário banqueiro de investimentos da Allen & Company, havia comprado dezenas de iPods para dar de presente aos amigos, disse Gates. “Warren Buffett adora esse troço”, escreveu ele.

Menos de duas semanas depois, Allchin experimentou um dispositivo para tocar música que estava sendo desenvolvido por um fabricante de hardware contratado pela Microsoft. Ele resumiu a experiência em um e-mail de 13 de novembro para um grupo de executivos. “Tenho que dizer a vocês que minha experiência com o nosso software e esse aparelho foi horrível”, escreveu ele. “A Apple está tão mais à frente.”

Passaram-se anos. Finalmente, em 14 de novembro de 2006, a Microsoft lançou seu tocador de música, o Zune. Dali a 56 dias, Steve Jobs apresentou o iPhone, que combinava telefone celular, tocador de música, acesso à internet, câmera fotográfica e outros recursos não disponíveis no Zune. Mas o iPod continuava disponível para quem não queria um telefone. Na verdade, a Apple já havia lançado seu iPod de quinta geração, o iPod Mini, mais barato, e dali a um ano lançaria seu tocador de música mais barato de todos, o iPod Nano.

O Zune foi atropelado. Em 2009, o iPod conservava uma fatia de mercado espantosa: 71%, uma aprovação de eleições na Coreia do Norte. Enquanto isso o Zune ia capengando, com menos de 4%. Em outubro de 2011, a Microsoft matou o produto, na esperança de que seus clientes comprem, no lugar dele, um Windows Phone, que, tal como o iPhone, também é tocador de música.



As criações de Jobs

urante a década perdida, a Apple disparou na frente mesmo no setor de sistemas operacionais, o feijão com arroz da Microsoft. Em maio de 2001, a Microsoft iniciou um projeto com o codinome LongHorn, que deveria ser lançado no final de 2003 com o nome de Windows Vista. Os executivos tinham diversos objetivos para o LongHorn. Para competir com o Linux, sistema operacional gratuito, ele seria compatível com a linguagem de programação C#, que permitia desenvolver outros softwares mais facilmente. O LongHorn também criaria um sistema de arquivamento, o Windows File System, ou WinFS, capaz de armazenar vários tipos de arquivos em um único banco de dados; e teria um sistema de visualização, de codinome Avalon, que daria ao software a mesma aparência de um website.

Quando o desenvolvimento do produto decolou, os engenheiros da Microsoft colocaram uma quantidade de funções no LongHorn. Equipes enormes foram designadas para o projeto. Apesar de todo o trabalho, o lançamento foi adiado inúmeras vezes. O programa levava até dez minutos para iniciar. Era instável e dava pau com frequência.
Foi então que, em junho de 2004, Steve Jobs anunciou que a Apple estava lançando seu novo sistema operacional, chamado Tiger. Dentro da Microsoft, muitos ficaram de queixo caído. O Tiger fazia muitas coisas planejadas para o LongHorn – só que no Tiger elas funcionavam direito. Os e-mails voaram pela Microsoft, expressando consternação sobre a qualidade do Tiger. Era difícil acreditar, mas o programa continha funções equivalentes às do Avalon e do WinFS.

“Foi um espanto”, escreveu Lenn Pryor, da equipe do LongHorn. “Foi como se eu ganhasse um bilhete grátis para chegar à terra prometida do Long-Horn, só que hoje mesmo.”

Vic Gundotra, outro membro do grupo, experimentou o Tiger. “O concorrente deles para o Avalon (processamento de vídeo e de imagem) é quentíssimo”, escreveu ele. “Já tenho todos esses recursos bacanas rodando no meu Macintosh agora mesmo, com todos os efeitos que Jobs demonstrou no palco. O programa está rodando há cinco horas seguidas e não deu pau nenhuma vez.”

O e-mail de Gundotra foi enviado a executivos em toda a sede da Microsoft, incluindo Allchin. Ele o repassou a Gates e Ballmer, acrescentando em baixo seu nome e apenas uma palavra: “Suspiro...”
O LongHorn estava condenado. Alguns meses depois, Allchin reuniu a equipe do LongHorn e deu o anúncio: a Microsoft não conseguiria finalizar o Windows Vista a tempo de cumprir a mais recente data de lançamento prevista. Na verdade, a empresa não tinha como prever nenhuma data de lançamento. Assim, tinha sido tomada uma decisão nos escalões mais altos da Microsoft: depois de três anos de trabalho, jogar tudo fora e começar de novo. Foi decidido, pelo menos naquele momento, abandonar ou modificar muitos dos objetivos originais: não usar mais a linguagem C#, abandonar o WinFS e revisar o Avalon.

A Apple já tinha posto esses recursos no mercado; e a Microsoft estava desistindo de tentar descobrir como fazê-los funcionar. Mais de dois anos se passaram até que o Vista apareceu nas lojas, e a resposta do público foi vitriólica. A revista PC World declarou que foi a maior decepção de 2007 no mundo da tecnologia. A Apple tinha ganhado de lavada num campo que sempre tinha sido um forte da Microsoft, os sistemas operacionais.

eio depois o Bing. (Entra a trilha sonora: risada maldosa e música de órgão.)

No outono de 2004, a Microsoft enfrentava um grande desafio do Google: esta empresa, bem menor, estava pescando muitos jovens e talentosos designers de software. O Google ia surgindo como a nova empresa da moda. A gigante das ferramentas de busca tinha aberto o capital em agosto e, tal como a Microsoft dos velhos tempos, estava fabricando milionários com a venda de ações que tinham sido distribuídas aos funcionários. Dia após dia, mais e mais executivos da Microsoft anunciavam seus planos de abandonar o barco e passar para a nova concorrente.

Um engenheiro de alto nível, Mark Lucovsky, fez uma reunião com Ballmer em 11 de novembro de 2004, como sinal de cortesia, para comunicar que tinha aceitado uma oferta do Google, na época sob a chefia de Eric Schmidt. E, segundo uma declaração juramentada, apresentada por Lucovsky em outro processo judicial não relacionado à sua saída, Ballmer explodiu.

Ele atirou uma cadeira contra a parede, gritando: “Esse puto desse Eric Schmidt é um babaca! Vou enterrar esse cara! Eu já fiz isso antes, e vou fazer de novo. Vou matar essa porra desse Google!”.

A pesquisa na internet ia surgindo como a mais nova alta prioridade da Microsoft. Nessa época a empresa já tinha uma ferramenta de busca medío-cre, chamada MSN Search, que não chegava nem aos pés do Google. Assim, a Microsoft desenvolveu o Windows Live Search, que também se revelou inferior. Depois de mais modificações, a Microsoft anunciou sua nova plataforma, a Live Search. Finalmente, em maio de 2009, Ballmer lançou o Bing. Mas, nessa altura, a divisão de busca online já tinha se tornado esclerosada com a burocracia da Microsoft e a costumeira destrutividade que a acompanhava.

“Aquilo era uma mistura de gente, e gente demais”, disse Johann Garcia, ex-gerente de produto da Microsoft que trabalhou no projeto Bing. “O número de pessoas era o dobro ou o triplo do necessário.”
Trabalhar na divisão de pesquisa online acabou sendo uma experiência horrível, disseram pessoas do grupo. A maioria das inovações nascidas na empresa era jogada fora. Em vez disso, os chefes passavam o dia estudando o Google e mandando os subordinados fazerem o Bing replicar qualquer recurso lançado pelo concorrente. “Havia uma exigência interminável de alcançar o Google, e depois de um tempo não vimos mais nenhuma inovação no Bing”, disse Garcia.

Até hoje, o Bing deu um prejuízo de cerca de 6 bilhões de dólares à Microsoft; se acrescentarmos as ferramentas de busca anteriores, a quantia despejada nesse esforço sobe para quase 10 bilhões. A Microsoft teve algum sucesso fechando acordos para o Bing, em particular com a Yahoo. Em 2009, as duas empresas chegaram a um acordo pelo qual o site da Yahoo rodaria com o Bing, e as duas firmas dividiriam as receitas.

Nos anos seguintes, a Microsoft se gabou de que a fatia de mercado do Bing teve crescimento significativo. Em março de 2012, todos os sites de busca da Microsoft representavam 15,3% do mercado de pesquisas onlinenos Estados Unidos, segundo a comScore Inc. – um aumento em relação aos 11,7% de março de 2010. Olhando de perto, vemos que os números não são tão impressionantes assim. Durante o mesmo período, a participação do Google no mercado de fato subiu. E o aumento nos negócios do Bing veio sobretudo de usuários que deixavam o Yahoo para passar para o Bing. Ou seja, o melhor desempenho do Bing estaria ocorrendo à custa da Yahoo, sua parceira. A Microsoft estava devorando a própria família.

uando a Apple lançou o iPhone, Steve Ballmer riu. “Não há chance de que o iPhone consiga uma fatia de mercado importante”, disse ele em 2007. E acrescentou no mesmo ano: “O iPod é uma marca quente, não a Apple.”
Ele também ridicularizou o iPad quando foi lançado, em 2010, mas o tablet continua arrebentando e já vendeu mais de 55 milhões de unidades. Quanto ao Google, as previsões de Ballmer foram igualmente furadas. Segundo documentos judiciais, em 2005 ele proclamou: “O Google não é uma empresa de verdade. É um castelo de cartas.”

Muitas pessoas podem fazer previsões que acabam se revelando bobagens. Mas as previsões erradas de Ballmer foram muito prejudiciais para ele dentro da Microsoft. Até seus últimos dias de vida, Steve Jobs conseguia não só prever a direção que o mercado iria tomar, como também ajudá-lo a chegar lá. O Google continua a lançar novos recursos, e agora está concorrendo diretamente com os principais produtos Microsoft: o Google Docs é um programa gratuito, baseado na web, que compete com o Office. O Google Chrome é um navegador de internet gratuito, que concorre com o Explorer do Windows.

Com os concorrentes apresentando esses sucessos, e ganhando tantos elogios, as previsões erradas de Ballmer têm sido um grande constrangimento para os técnicos da Microsoft, gerando queixas, murmuradas em voz baixa, de que o presidente mundial da empresa, um homem com poucos conhecimentos técnicos, estava minando a reputação da equipe na comunidade da tecnologia.

“Steve Ballmer tem um talento especial para falar besteiras e acabar parecendo um idiota, e isso sempre irritou as pessoas da Microsoft”, disse um ex-gerente de programas que deixou a empresa no ano passado para trabalhar no Google. “Quando ele faz essas previsões tão erradas, isso significa que ele está fora de contato com a realidade, e não está escutando o pessoal técnico à sua volta.”

A principal filosofia de negócios de Ballmer era tão antiquada que chegava a ser irrelevante. O presidente da Microsoft costumava proclamar que a empresa não era a mais badalada, mas era a primeira a ganhar dinheiro vendendo sua própria versão de novas tecnologias. Mas isso dependia de um fator: a Microsoft podia comprar o caminho para a liderança, porque tinha muito dinheiro nas mãos, mais do que qualquer concorrente.

Isso acabou. A vantagem que Ballmer aproveitou durante tanto tempo agora é inexistente. O Google tem quase a mesma quantia em caixa que a Microsoft – 50 bilhões de dólares, contra 58 bilhões da Microsoft. A Apple começou o ano com cerca de 100 bilhões. Usar sua capacidade financeira superior para dominar um mercado não vai mais funcionar para a Microsoft nem para Ballmer.

Mas, contraditoriamente, Ballmer pode ser inestimável para o futuro da empresa. Pode estar chegando o momento em que o império da Microsoft terá que ser subdividido, como acontece com qualquer empresa que tenta abranger demasiadas linhas de produtos e não dá conta de todas elas. E um especialista em negociações e acordos como Ballmer é o tipo certo para chefiar esse modelo de reestruturação corporativa.

allmer já disse que pretende continuar no comando até 2018. Mas, independentemente da vontade dele e dos outros executivos da Microsoft, a mudança será inevitável quando os investidores de Wall Street se cansarem das promessas não cumpridas da empresa. Já há rumores de que sua partida talvez esteja próxima.

Na biografia autorizada Steve Jobs, de Walter Isaacson, Jobs reconheceu que Ballmer contribuiu para os problemas da Microsoft: “A empresa começa a valorizar os bons vendedores, porque são os únicos capazes de fazer a agulha avançar no marcador de receitas, e não os designers e engenheiros de produto. Assim, os vendedores acabam governando a empresa. [....] Daí os caras de produto não têm mais tanta importância assim, e muitos desistem. Foi o que aconteceu na Apple quando John Sculley entrou, o que foi culpa minha, e aconteceu quando Ballmer assumiu a Microsoft. A Apple teve sorte e se recuperou, mas acho que nada vai mudar na Microsoft enquanto Ballmer continuar no comando.”

O mais interessante, porém, é que Jobs punha a culpa final sobre Bill Gates: “Eles nunca foram tão ambiciosos em relação aos produtos como deveriam ser. Bill gosta de dizer que é o homem dos produtos, mas na verdade não é. Ele é um homem de negócios. Conquistar novos negócios era mais importante do que fabricar excelentes produtos. A Microsoft nunca teve as ciências humanas e as artes no seu DNA.”

Homem é expulso da câmara de vereadores de Piracicaba por causa de diferenças religiosas




Depoimento do cidadão que foi expulso por se recusar a ficar em pé para leitura da Bíblia na Câmara de Piracicaba.

A INTOLERÂNCIA DA CÂMARA DE PIRACICABA

No Islamismo, o culto é feito de joelhos, em direção à Meca. No Budismo, sentado, enquanto olhos e bocas permanecem fechados. Mas em outras religiões, fica-se de pé, com cantos e louvores.

Não raro, os mandamentos de uma religião são considerados pecados em outras. Algumas crenças proíbem o consumo de álcool. Em outras, como no Catolicismo, o padre, guiando-se pelo exemplo de seu Mestre, celebra a comunhão bebendo vinho. No Judaísmo, os homens são circuncidados, ou seja, cortam uma parte de seu corpo. Em outras religiões, é proibido fazer transfusão de sangue, cirurgia ou até mesmo aparar os cabelos.

Em pé, sentado, de joelhos, em silêncio, com cantos. Quem está certo e quem está errado? Mais do que isso, quem está autorizado a decidir? O padre, o rabino, o pastor? Ou o político?

No dia 29.10.12, este assunto causou lamentável episódio na Câmara de Vereadores de Piracicaba, onde as sessões são iniciadas com a leitura da Bíblia. Nessa data, quando todos os demais se levantaram para o ato, um cidadão escolheu permanecer sentado, em silêncio, de olhos fechados, sem se mover. Por que terá feito isso? Quem será ele? O que será que ele pensa? Qual será sua religião?

Seria um budista que, diante da evocação de Deus, entrou em oração, conforme os mandamentos de sua crença? Seria um muçulmano, que percebeu que todos estavam de costas para a Meca? Seria um judeu, um espírita, um protestante? Seria, um católico, que, como as pessoas que cercavam Jesus durante o Discurso da Montanha ou na Última Ceia, ouviram as Palavras de Deus sentados e quis manter-se na mesma posição em que hoje Jesus, também sentado, está ao lado de seu Pai? Seria, quiçá, um ateu, que, mesmo não querendo participar do ato, permaneceu, com respeito e amor ao seu próximo, em silêncio sem incomodar o louvor de todos os outros?

Ninguém soube, pois ele sequer teve oportunidade de permanecer no recinto. Por ordem do Excelentíssimo Presidente da Câmara, homens da Guarda Civil Municipal e da Polícia Militar ali presentes o expulsaram da chamada Casa do Povo. Será que para esta Casa, povo é apenas o cidadão que tem religião? Mais do que isso, cuja religião cultua Jesus mas não reconhece Maomé, Buda e outras figuras sagradas? Mais ainda, que admite apenas uma forma de cultuar Jesus ou Deus, vale dizer, a sua, de pé?

Na Alemanha Nazista, judeu não podia ficar. Com sorte, era expulso do país; sem sorte, era morto. Será que poderá ficar na Câmara de Piracicaba? Se se submeter à fé alheia, é possível que sim.

Na palestina, duas pessoas podem ser amigas, sócias, colegas de trabalho, marido e esposa, pai e filho. Desde que tenham a mesma religião; do contrário, é comum não tolerarem sequer pisar a mesma calçada.
Gandhi, nascido na Índia e sem renunciar à sua cidadania inglesa, liderou a libertação de sua pátria do domínio britânico sem nunca ter posto a mão em uma arma ou permitido que qualquer de seus seguidores o fizesse. 

Após alcançar a liberdade de sua terra mãe, pagou caro pelo sonho de um único país para hindus e muçulmanos. Foi assassinado por questão religiosas, que tiraram da Índia o território que deu origem ao Paquistão, e da humanidade, aquele que ficou conhecido como o Mahatma, ou A Grande Alma.
Quando uma pessoa agride outra, seja lá por qual forma for, considera-se que houve uma violência, uma injustiça. Quando a agressão é feita com uso de meios que só uma das partes têm, a violência ganha requinte de covardia. 

O Excelentíssimo presidente da Câmara, por quem sempre terei incondicional respeito, mandou expulsar-me alegando que a regra estava prevista no regimento da Casa. Regimento que somente ele, por ser vereador, mas não eu ou qualquer outro cidadão, pode criar e modificar. Ou seja, a violência religiosa que sofri foi praticada com base em instrumento que só ele tem. Foi praticada contrariando a Constituição Federal e a Lei de Improbidade Administrativa, na frente de todos, na presença da imprensa, com transmissão ao vivo por rádio e televisão.

São reflexos deste nosso tempo, em que religião é praticada em parlamentos e política é feita em templos, como se nunca tivesse existido a passagem bíblica que diz dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus!

Já participei de cultos das mais diversas religiões. Jamais um ato meu atrapalhou qualquer desses eventos, mesmo que eu não concordasse com nada do que via, pois considero que a tolerância e o respeito às diferenças são não só fundamentais para a construção de uma sociedade livre e pacífica, como também uma grande oportunidade de se aprender com o próximo e, quem sabe, ser retirado do erro. E se algum vez, mesmo que na luta por meus direitos, uma só conduta minha for indigna desta cidade, humildemente me retratarei e reverterei a injustiça que tiver praticado, nem que isso exija minha despedida. Por que, então, impedem que eu, em paz e com repeito, permaneça da forma que me parece mais adequado às minhas crenças?

Tenho o mais absoluto respeito pela opção religiosa de cada pessoa, mesmo que com ela não concorde. Gostaria de receber igual tratamento dos demais. Não é esse o mandamento? 'ama o teu próximo como a ti mesmo'?

Em futuras sessões da Câmara Municipal de Piracicaba, é possível que outras pessoas professem sua fé da maneira que lhe parecer mais adequado à sua crença. Ou, talvez, alguém prefira não participar de qualquer manifestação religiosa. Desde que todos sejam respeitados, a mim isso não representará incômodo. Porém, seu Presidente alega que o Regimento proíbe excluir-se das práticas religiosas escolhidas por esta Casa. Sua Excelência terá que escolher lealdade à norma que ele e seus pares podem modificar, ou à Constituição Federal, à Lei de Improbidade Administrativa, à Declaração Universal dos Direitos dos Homens e do Cidadão, à Convenção Interamericana de Direitos Humanos e, mais do que isso, ao respeito que, como cidadão e como cristão, deve a seu próximo. O destino desse Presidente está nas mãos de cada integrante desta Câmara, que por mim serão sempre respeitados.

Se não estão erradas as informações que recebi, soube que alguns vereadores discordam da postura adotada por Sua Excelência e foram, na sessão, exortados por seus pares. Aos dissidentes, minha solidariedade. A todos, o meu incondicional respeito.

Eu poderia ter inciado este texto falando sobre minha fé. Mas se ela contrariasse a sua, você teria lido até o fim?

Régis B Montero

http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/depoimento-do-servidor-expulso-da-camara-de-piracicaba

Apresentamos 7 razões que comprovam que o mensalão é um julgamento de exceção

Luiz Moreira
LUIZ MOREIRA 


Um julgamento de exceção


Não se atribui ao Poder Judiciário o “fazer” justiça. O que se lhe atribui é o desempenho de um papel previamente estabelecido, pelo qual “fazer justiça” significa o cumprimento correto dos procedimentos estabelecidos pelo ordenamento jurídico

Em “Profanação e justiça concreta na Suprema Corte”, artigo publicado no Portal Carta Maior, o Governador Tarso Genro retoma a questão do chamado julgamento do mensalão, corrigindo, porém, uma visão, presente em artigo anterior, segundo a qual o julgamento seria “devido”, “legal” e legítimo”. Conforme seu entendimento, o STF teria a possibilidade de “condenar sem provas como absolver com provas”. Se, entretanto, é alterado o diagnóstico sobre a correção do julgamento, a meu sentir, permanecem insatisfatórias as razões que justificam a condenação dos chamados “réus políticos”. São essas razões que me interessam.

Começo com uma afirmação muitas vezes repetida durante este julgamento e que é pronunciada como “mantra” pelos juristas no Brasil: “cabe ao STF errar por último”. Esse poder de errar por último blindaria suas decisões à crítica, tornando-as indisponíveis, inquestionáveis. Disso decorre outro dogma segundo o qual “decisões judiciais não se discutem, cumprem-se”. Essas posições indicam clara supremacia judicial, resultando em protagonismo do sistema de justiça sobre os poderes políticos.

Creio que posições como essas são inconciliáveis com regimes democráticos, servindo de fundamento à confusão proposital que se faz entre Estado de Direito e Democracia, ou entre Estado de Direito e Estado Democrático de Direito, como se, no caso brasileiro ou em todos os demais, as ditaduras do século XX não tivessem sido todas constitucionais, mantidas com estrita colaboração do sistema de justiça, isto é, pelo Judiciário e pelo Ministério Público.

                Um dos temas mais candentes nas democracias são o exercício legítimo do poder e o modo que se realiza sua contenção. Estabelecem-se assim uma estrutura majoritária (a política) e uma contra majoritária (a judiciária). Desse modo, as democracias têm uma organização horizontal do poder pela qual direitos são reconhecidos pelos poderes políticos e defendidos pelo sistema de justiça. Há assim uma tarefa positiva e outra, de contenção. Essa estrutura horizontal é apenas um modo de estruturação do poder. A questão democrática se insere na medida em que esse poder se subordina aos cidadãos, numa estrutura verticalizada. Assim, emana da democracia uma divisão de tarefas pela qual direitos são reconhecidos por uma estrutura majoritária em que as deliberações provenientes dos poderes representativos constatam as diversas e, por vezes, contraditórias manifestações de vontade. A isso se chama “soberania popular” e é esta que torna legítimo o poder estatal.

O dever de contenção é o exercido pelo sistema de justiça. Nesse sentido, a tarefa do Judiciário é a de garantir que os direitos e as garantias fundamentais sejam efetivados enquanto perdurar o marco jurídico que os instituiu. Assim, o judiciário é, por definição, garantista. Nesta seara uma diferenciação foi introduzida, no Brasil em 1988, com as prerrogativas conferidas ao Ministério Público, pelas quais lhe cabe promover direitos. Portanto, o sistema de justiça detém uma divisão de tarefas, cabendo ao Judiciário agir conforme um padrão de inércia e ao ministério público o de promover as ações necessárias ao cumprimento das obrigações jurídicas.

Essa diferenciação é especialmente relevante em duas searas, ou seja, no direito penal e no direito tributário, pois, como se trata da defesa da liberdade e da propriedade, as funções se especializam em decorrência da exigência de as vedações estarem rigorosamente previstas no ordenamento jurídico.

Na seara penal, o Judiciário age como a instância que garante as liberdades dos cidadãos, exigindo que o acusador demonstre de forma inequívoca o que alega. Assim, a estrutura se realiza de modo dicotômico: (I) ao acusador cabe produzir o arsenal probatório apto a produzir a condenação e (II) aos cidadãos é deferida a perspectiva de defender-se com os meios que lhe estiveram ao alcance. Constrói-se, nesses casos, uma imunidade conceitual erguida para salvaguardar as liberdades do cidadão ante o poder persecutório do acusador.

Ora, como é o Estado que promove a acusação, por intermédio de um corpo de servidores constituído especificamente para este fim, o Judiciário se distancia da acusação e passa a submeter à acusação ao marco da legalidade estrita, de modo que método e instrumento de suas atuações sejam diferentes. Isso ocorre para garantir às liberdades um padrão institucional que tem, no sistema de justiça, o Judiciário como seu guardião.

                 É essa divisão de tarefas que propicia legitimidade ao sistema de justiça. Caso contrário, por que as decisões judiciais seriam cumpridas? Por que elas seriam respeitadas? Por que então os próprios cidadãos ou entes da sociedade civil não resolveriam por si mesmos tais conflitos? É o reconhecimento ao desempenho de um papel garantista que confere ao Judiciário o acolhimento de suas decisões. Já o reconhecimento à atuação do ministério público se vincula à promoção das obrigações jurídicas.

                Desse modo, não se atribui ao Poder Judiciário o “fazer” justiça. O que se lhe atribui é o desempenho de um papel previamente estabelecido, pelo qual “fazer justiça” significa o cumprimento correto dos procedimentos estabelecidos pelo ordenamento jurídico. Portanto, fazer justiça é o desincumbir-se de uma correção procedimental. Certamente, a legitimidade do sistema de justiça decorre de sua atuação técnica e de sua vinculação a uma ordem jurídica legítima, na qual as obrigações jurídicas são democraticamente formuladas. Justifica-se o cumprimento das obrigações jurídicas e das decisões judiciais pela expectativa de que estas sejam validamente imputáveis e que tal imputação se realize conforme uma correção procedimental não sujeita a humores, a arbitrariedades ou a imprevisibilidades.

                Embora o desempenho desses papéis seja formalmente estabelecido, eles não existem para si, não são ensimesmados. Ao contrário, existem por se circunscreverem a uma autorização expressa dos cidadãos que lhe infundem legitimidade. É assim que Montesquieu se vincula a Locke, submetendo o exercício horizontal do poder à democracia, isto é, à soberania popular. Demonstra-se, assim, que são a previsibilidade e a imputabilidade universal das obrigações que legitimam a atuação do poder judiciário e o conforma a um papel previamente delimitado. Assim, é absolutamente incompatível com o regime democrático um Judiciário que paute suas decisões por critérios extrajurídicos, conforme uma tradição aristocrática.

                Embora tenha redefinido sua posição, no sentido de amenizar as faculdades conferidas por ele ao Judiciário, em artigo anterior, “Mensalão e exceção: Carl Schmitt e Levandowski”, o Governador Tarso Genro se inclina a caracterizar as faculdades conferidas ao Judiciário como exercício ilimitado e arbitrário do poder. Diz ele: “No Estado Democrático de Direito, a ideologia do Magistrado ‘seleciona’ a doutrina jurídica, que ampara a decisão. Na ditadura (ou na ‘exceção’) esta escolha é sufocada pelo olhar do Líder, através da Polícia. A Teoria do Domínio Funcional dos Fatos foi, portanto, uma escolha ideológica, feita para obter dois resultados: condenar os réus e politizar o julgamento”.

                Diversamente, sustento que cabe ao Judiciário circunscrever-se ao cumprimento de seu papel constitucional, de se distanciar da tentativa de constatar as vontades, de aplicar ao jurisdicionados os direitos e as garantias fundamentais, sendo, por isso, garantista e contra majoritário. Tenho como incompatível com as modernas exigências de justificação admitir que poderes estatais ajam segundo perspectivas arbitrárias e ensimesmadas.

                Penso, no entanto, que durante o julgamento da ação penal 470, o midiatizado caso do “mensalão”, o STF se distanciou do papel que lhe foi confiado pela Constituição de 1988, optando em adotar uma posição não garantista, contornando uma tradição liberal que remonta à Revolução Francesa.
Esses equívocos conceituais transformaram, no meu entender, a ação penal 470 em julgamento de exceção, por não adotar uma correção procedimental, que pode ser delineada nos seguintes termos: (1) pressão pela condenação do réus pelas emissoras de televisão; (2) recusa em reconhecer aos réus o duplo grau de jurisdição; (3) utilização pelo Relator do mesmo método da acusação; (4) opção pelo fatiamento do julgamento; (5) a falta da individualização das condutas e sua substituição por blocos; (6) a ausência de provas e a aplicação dos princípios do direito civil ao direito penal e (7) na dosagem das penas a subordinação de sua quantificação à prescrição.

  
(1)    A cobertura das emissoras de televisão, especialmente a Rede Globo, insistia em estabelecer um paralelo entre os réus políticos e a corrupção. Esse paralelo se realizava do seguinte modo: que a necessária condenação dos réus teria papel pedagógico, pois, com ela, obter-se-ia um exemplo a ser utilizado numa campanha midiática. Desse modo, uma concessão do Estado, uma TV aberta, utiliza-se de métodos mercadológicos para definir que cidadãos são culpados justamente no período em que esses cidadãos são julgados. Abriram-se espaços para afirmar a culpa dos réus, sem permitir igual espaço para a defesa. Definido o conteúdo da mensagem (a culpabilidade dos réus), há a massificação dessa mensagem em todos os seus telejornais. Claro está que pressão midiática, patrocinada em TV aberta, cria não apenas um movimento pela condenação de cidadãos sob julgamento, mas visa alinhar a decisão dos juízes à campanha pela condenação desses réus. Assim, foi estabelecida uma correlação entre condenação e combate à corrupção, de modo a estabelecer que os juízes que são contrários à corrupção devem por isso condenar esses réus. Contrariamente, os que absolvem os réus assim o fazem por serem favoráveis à corrupção.

(2)    A recusa em reconhecer aos réus o duplo grau de jurisdição. O STF não deferiu aos réus o direito constitucional a ser julgado pelo respectivo juiz natural. No Brasil, apenas alguns cidadãos fazem jus ao chamado foro por prerrogativa de função. Assim, como é corriqueiro no STF, desmembra-se o processo em que sejam réus cidadãos que não têm essa prerrogativa, remetendo-os à instância competente para promover o respectivo julgamento. Portanto, o STF negou à maioria dos réus deste processo o mesmo direito que foi reconhecido a outros réus, nas mesmas condições. Assim, a exceção consiste em criar regras que só valem para alguns réus, exatamente aos que são alcançados pela campanha midiática em prol de suas condenações.

(3)    A utilização pelo Relator do mesmo método da acusação. O Relator criou um paralelo entre seu voto e um silogismo. Desse modo, a apreciação individual das condutas e a comprovação das teses da acusação foram substituídas por uma estrutura lógica em que a premissa maior e a premissa menor condicionam a conclusão. Dando formato silogístico a um voto em matéria penal, o Relator vinculou o conseqüente ao antecedente, presumindo-se assim a culpabilidade dos réus por meio não da comprovação da acusação, mas por meio de sua inclusão num círculo lógico (argumento dedutivo), acarretando, assim, violação ao devido processo legal, na medida em que se utiliza de circunstância mais prejudicial ao cidadão, ofendendo-se assim garantias e direitos fundamentais, mas também as normas processuais penais de regência da espécie.

(4)    Com o propósito de garantir a supremacia de uma ficção foi estabelecida a narração como método em uma ação penal. Como no direito penal exige-se a demonstração cabal das acusações, essa obra de ficção foi utilizada como fundamento penal. Em muitas ocasiões no julgamento foi explicitada a ausência de provas. Falou-se até em um genérico "conjunto probatório", mas nunca se apontou que prova, em que folhas, o dolo foi comprovado. Foi por isso que se partiu para uma narrativa em que se gerou uma verossimilhança entre a ficção e a realidade. Estabelecida a correspondência, passou-se ao passo seguinte que era o de substituir o exame da acusação pela comprovação das teses da defesa. Estava montado assim o método aplicado nesse processo, o de substituir a necessária comprovação das teses da acusação por deduções, próprias ao método narrativo.

(5)    Como se trata de uma ficção, o método narrativo não delimita a acusação a cada um dos réus, nem as provas, limita-se a inseri-los numa narrativa para, após a narrativa, chegar à conclusão de sua condenação em blocos. O direito penal é o direito constitucional do cidadão em ter sua conduta individualizada, saber exatamente qual é a acusação, saber quais são as provas que existem contra ele e ter a certeza de que o juiz não utiliza o mesmo método do acusador. É por isso que cabe à acusação o ônus da prova e que aos cidadãos é garantida a presunção de inocência. Nesse processo, a individualização das condutas e a presunção de inocência foram substituídas por uma peça de ficção que exigiu que os acusados provassem sua inocência.

(6)    Por diversas vezes se disse que as provas eram tênues, que as provas eram frágeis. Como as provas não são suficientes para fundamentar condenações na seara penal, substituíram o dolo penal pela culpa do direito civil. A inexistência de provas gerou uma ficção que se prestou a criar relações entre as partes de modo que se chegava à suspeita de que algo houvera ali. Como essa suspeita nunca se comprovou, atribuíram forma jurídica à suspeita, estabelecendo penas para as deduções. Com isso bastava arguir se uma conduta era possível de ter sido cometida para que lhe fosse atribuída veracidade na seara penal. As deduções realizadas são próprias ao que no direito se chama responsabilidade civil, nunca à demonstração do dolo, exigida no direito penal, e que cabe exclusivamente à acusação.

(7)    Na dosagem das penas a subordinação de sua quantificação à prescrição. Durante o julgamento, o advogado Hermes Guerreiro sugere da tribuna que o tribunal adotasse a pena aplicada pelo Ministro César Peluso. Imediatamente o Relator o refutou, defendendo sua não aplicação, pois, nesse caso, a pena estaria prescrita. Assim, fica evidenciada que o Relator condiciona a definição da pena não à pretensão punitiva, mas à execução da pena. Quando cidadãos são condenados, concatenam-se procedimentos. Aplicam-se-lhes as penas cominadas à espécie, verificando-se a existência de circunstâncias que a minoram ou a aumentam. Por se tratar de seara penal, o juiz não tem margem para arbitrariedades, para definir a pena segundo sua vontade. Uma vez definida a pena, condizente com as especificidades do caso e as particularidades do cidadão, o passo seguinte é o de sua execução. Quando se executa a pena é que se verifica sua viabilidade. Nesta passagem ficou demonstrado que o Relator subordinou a dose da pena à sua viabilidade. Outra demonstração que ratifica esse vício jurídico, e que evidencia que não se trata de mero acidente, ocorreu quando o Relator aplicou, a um dos réus, lei não vigente à época dos fatos sancionados. Alertado pelo Ministro Ricardo Lewandowski de que o princípio da irretroatividade da lei penal não estava sendo observado, o Relator substituiu a lei mais recente pela que regia o caso, mantendo, porém, a mesma penalidade. Ocorre que na lei anterior os fatos cominados tinham sanção menor. Como justificar a manutenção da mesma pena quando as cominações eram diferentes? Essa contradição se explica apenas pela subordinação da dose da pena à sua viabilidade. Uma vez mais fica demonstrada a incorreção procedimental, o que mais uma vez evidencia tratar-se de um julgamento de exceção.

http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/84316/Um-julgamento-de-exce%C3%A7%C3%A3o.htm

Não deu para ganhar a eleição, mas virou livro



247 – A imagem é emblemática. A pátria-mãe, uma bela senhora, está prestes a ser violentada num baile de máscaras petista, comandado por José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares. Assim é a capa de “Mensalão: o julgamento do maior caso de corrupção da história política brasileira”, escrito pelo escritor Marco Antonio Villa.

Anunciado nesta quarta-feira na coluna Radar, o livro em breve merecerá elogios rasgados de Augusto Nunes e Reinaldo Azevedo e, quem sabe, de Demétrio Magnoli. Será, certamente, lido por José Serra, candidato que explorou, em vão, o tema na disputa municipal deste ano.

Villa, um dos gurus de Serra, fazia parte do time que defendia que o tema do julgamento fosse ainda mais explorado do que foi na campanha municipal, mas acabou sendo voto vencido.
Ganhar a eleição, não foi possível. Mas Villa tem uma boa chance de conquistar um lugar na lista de Mais Vendidos da revista Veja.

http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/84331/N%C3%A3o-deu-para-ganhar-a-elei%C3%A7%C3%A3o-mas-virou-livro.htm

"Renovação é coisa do PT", diz o "duro de matar" Serra



247 – José Serra é, para a política, o que Bruce Willis representa para o cinema. Em 2010, ao ser derrotado por Dilma Rousseff, fez seu discurso dizendo um “até breve”. Em 2012, após a derrota para Fernando Haddad, afirmou que saía da disputa “revigorado e com ideias novas”, ou seja, pronto para futuras batalhas.

Antes mesmo da apuração das urnas, quando não se conhecia o resultado oficial mas já se pressentia que Serra seria derrotado, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso propôs a renovação do PSDB, ao dizer que “a renovação é necessária sempre e o Brasil está mostrando isso mais uma vez”.

Serra não gostou. E em telefonemas e emails disparados a aliados nos últimos dias, ele passou a dizer que “renovação é coisa do PT”, além de dirigir impropérios impublicáveis a FHC. Ou seja: ele se mostrou disposto a continuar lutando por espaços num partido que tenta se livrar dele. Muitos tucanos gostariam de já sacramentar Aécio Neves como candidato à presidência em 2014 e Geraldo Alckmin à reeleição no mesmo ano. A Serra, restaria tentar o Senado.

Ele, no entanto, não parece disposto a ceder. E assim como Bruce Willis pode protagonizar diversas batalhas – a série “Duro de Matar” já produziu cinco filmes e, em todas, o protagonista sobreviveu.
No entanto, nesta quarta-feira, um dos melhores amigos de José Serra (e também de FHC), o jornalista Elio Gaspari, sugere que o PSDB renove não apenas seus quadros, mas também suas ideiais, eliminando o que chama de “demofobia”. Leia:

Uma vinheta da eleição paulistana
Elio Gaspari

Em agosto, quando o candidato Fernando Haddad prometeu a criação de um Bilhete Único Mensal, pelo qual o cidadão poderia comprar um passe livre para os ônibus municipais, a marquetagem tucana acusou-o de propor uma taxa, um "bilhete mensaleiro".

Dividia-se o eleitorado em dois grupos. Um, que já foi a Londres, Nova York ou Paris e sabia que esse tipo de bilhete com desconto não é uma taxa, pois ninguém é obrigado a comprá-lo. Noutro grupo estava a população que usa os ônibus. Para ela, bastava fazer a conta: se o novo bilhete custar R$ 150 e o cidadão fizer duas viagens por dia, a tarifa de R$ 3 cai para R$ 2,50.

Com o início da propaganda eleitoral gratuita Haddad tinha 16% nas pesquisas, bem atrás dos 35% de Celso Russomanno, que sobrevivia ao raquitismo de seu tempo de exposição e de uma ofensiva de parte da hierarquia católica. Uma semana antes da eleição, o "fenômeno Russomanno" começou a evaporar. Na véspera, tinha 27% das preferências. Abertas as urnas, ficou com 22%, fora do segundo turno. O que houve? No final de setembro Russomanno prometera a cobrança de tarifas diferenciadas nas viagens de ônibus. Simples assim: quem anda muito pagaria mais, como quem viaja muito é o trabalhador, lá vinha tunga. Até hoje a explicação mais convincente para a implosão de Russomanno está na migração dos eleitores mais pobres. Perceberam o perigo e saltaram.

O tucanato, que condenara o Bilhete Único Mensal acordou e, no segundo turno, correu atrás, propondo a extensão da sua validade. Desde 2004, quando a prefeita Marta Suplicy foi a primeira a instituir essa modalidade de tarifa numa grande cidade brasileira, governantes e candidatos do PSDB olham para a iniciativa com cara feia. Primeiro porque criticavam-na nos seus aspectos técnicos. Depois, porque ela parecia coisa do adversário. Acordaram com oito anos de atraso.

É uma exagerada temeridade atribuir o resultado eleitoral de São Paulo ao item do Bilhete Único, mas certamente ele foi um dos ingredientes do naufrágio, pela percepção oferecida ao eleitorado. No primeiro turno uma parte dele saltou de Russomanno porque o doutor queria cobrar mais caro pelas tarifas de quem fica duas horas no ônibus para chegar ao trabalho. Não se deve esquecer que os transportecas da prefeitura defenderam a instituição do pedágio urbano para veículos sobre pneus numa cidade em que a municipalidade nada cobra pelos pousos de helicópteros. Com uma cabeça dessas, um candidato tucano poderá ganhar a eleição em Fort Worth, no Texas, pois lá está a fábrica das aeronaves Bell.

A renovação de que o PSDB precisa e que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso vocalizou é de nomes mas, sobretudo, de ideias. Não só de propostas novas, mas sobretudo de uma faxina nas velhas, demofóbicas. Os candidatos do PSDB deveriam ser obrigados a usar a rede de ônibus todos os dias, durante pelo menos uma semana. A experiência valeria mais que sete seminários com ex-ministros tucanos reapresentando ideias de um governo que acabou em 2002. Algo como barões do Império amaldiçoando a República em 1899, durante o governo Campos Salles.

http://www.brasil247.com/pt/247/poder/84313/Renova%C3%A7%C3%A3o-%C3%A9-coisa-do-PT-diz-o-duro-de-matar-Serra.htm