quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Executiva nacional do PT emite nota contra julgamento político do STF


Nota do PT sobre a Ação Penal 470
Rui Falcão (D), presidente nacional do PT,junto com o secretário de Comunicação, André Vargas (PT-PR) - Foto: Luciana Santos/PT 

Leia o documento aprovado nesta quarta-feira durante reunião da Comissão Executiva Nacional do PT, em São Paulo


O PT E O JULGAMENTO DA AÇÃO PENAL 470

O PT, amparado no princípio da liberdade de expressão, critica e torna pública sua discordância da decisão do Supremo Tribunal Federal que, no julgamento da Ação Penal 470, condenou e imputou penas desproporcionais a alguns de seus filiados.

1. O STF não garantiu o amplo direito de defesa

O STF negou aos réus que não tinham direito ao foro especial a possibilidade de recorrer a instâncias inferiores da Justiça. Suprimiu-lhes, portanto, a plenitude do direito de defesa, que é um direito fundamental da cidadania internacionalmente consagrado.

A Constituição estabelece, no artigo 102, que apenas o presidente, o vice-presidente da República, os membros do Congresso Nacional, os próprios ministros do STF e o Procurador Geral da República podem ser processados e julgados exclusivamente pela Suprema Corte. E, também, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os ministros de Estado, os comandantes das três Armas, os membros dos Tribunais superiores, do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática em caráter permanente.

Foi por esta razão que o ex-ministro Marcio Thomaz Bastos, logo no início do julgamento, pediu o desmembramento do processo. O que foi negado pelo STF, muito embora tenha decidido em sentido contrário no caso do “mensalão do PSDB” de Minas Gerais.

Ou seja: dois pesos, duas medidas; situações idênticas tratadas desigualmente.

Vale lembrar, finalmente, que em quatro ocasiões recentes, o STF votou pelo desmembramento de processos, para que pessoas sem foro privilegiado fossem julgadas pela primeira instância – todas elas posteriores à decisão de julgar a Ação Penal 470 de uma só vez.

Por isso mesmo, o PT considera legítimo e coerente, do ponto de vista legal, que os réus agora condenados pelo STF recorram a todos os meios jurídicos para se defenderem.

2. O STF deu valor de prova a indícios

Parte do STF decidiu pelas condenações, mesmo não havendo provas no processo. O julgamento não foi isento, de acordo com os autos e à luz das provas. Ao contrário, foi influenciado por um discurso paralelo e desenvolveu-se de forma “pouco ortodoxa” (segundo as palavras de um ministro do STF). Houve flexibilização do uso de provas, transferência do ônus da prova aos réus, presunções, ilações, deduções, inferências e a transformação de indícios em provas.

À falta de elementos objetivos na denúncia, deducões, ilações e conjecturas preencheram as lacunas probatórias – fato grave sobretudo quando se trata de ação penal, que pode condenar pessoas à privação de liberdade. Como se sabe, indícios apontam simplesmente possibilidades, nunca certezas capazes de fundamentar o livre convencimento motivado do julgador. Indícios nada mais são que sugestões, nunca evidências ou provas cabais.

Cabe à acusação apresentar, para se desincumbir de seu ônus processual, provas do que alega e, assim, obter a condenação de quem quer que seja. No caso em questão, imputou-se aos réus a obrigação de provar sua inocência ou comprovar álibis em sua defesa—papel que competiria ao acusador. A Suprema Corte inverteu, portanto, o ônus da prova.

3. O domínio funcional do fato não dispensa provas

O STF deu estatuto legal a uma teoria nascida na Alemanha nazista, em 1939, atualizada em 1963 em plena Guerra Fria e considerada superada por diversos juristas. Segundo esta doutrina, considera-se autor não apenas quem executa um crime, mas quem tem ou poderia ter, devido a sua função, capacidade de decisão sobre sua realização. Isto é, a improbabilidade de desconhecimento do crime seria suficiente para a condenação.

Ao lançarem mão da teoria do domínio funcional do fato, os ministros inferiram que o ex-ministro José Dirceu, pela posição de influência que ocupava, poderia ser condenado, mesmo sem provarem que participou diretamente dos fatos apontados como crimes. Ou que, tendo conhecimento deles, não agiu (ou omitiu-se) para evitar que se consumassem. Expressão-síntese da doutrina foi verbalizada pelo presidente do STF, quando indagou não se o réu tinha conhecimento dos fatos, mas se o réu “tinha como não saber”...
Ao admitir o ato de ofício presumido e adotar a teoria do direito do fato como responsabilidade objetiva, o STF cria um precedente perigoso: o de alguém ser condenado pelo que é, e não pelo que teria feito.
Trata-se de uma interpretação da lei moldada unicamente para atender a conveniência de condenar pessoas específicas e, indiretamente, atingir o partido a que estão vinculadas.

4. O risco da insegurança jurídica

As decisões do STF, em muitos pontos, prenunciam o fim do garantismo, o rebaixamento do direito de defesa, do avanço da noção de presunção de culpa em vez de inocência. E, ao inovar que a lavagem de dinheiro independe de crime antecedente, bem como ao concluir que houve compra de votos de parlamentares, o STF instaurou um clima de insegurança jurídica no País.

Pairam dúvidas se o novo paradigma se repetirá em outros julgamentos, ou, ainda, se os juízes de primeira instância e os tribunais seguirão a mesma trilha da Suprema Corte.

Doravante, juízes inescrupulosos, ou vinculados a interesses de qualquer espécie nas comarcas em que atuam poderão valer-se de provas indiciárias ou da teoria do domínio do fato para condenar desafetos ou inimigos políticos de caciques partidários locais.

Quanto à suposta compra de votos, cuja mácula comprometeria até mesmo emendas constitucionais, como as das reformas tributária e previdenciária, já estão em andamento ações diretas de inconstitucionalidade, movidas por sindicatos e pessoas físicas, com o intuito de fulminar as ditas mudanças na Carta Magna.
Ao instaurar-se a insegurança jurídica, não perdem apenas os que foram injustiçados no curso da Ação Penal 470. Perde a sociedade, que fica exposta a casuísmos e decisões de ocasião. Perde, enfim, o próprio Estado Democrático de Direito.

5. O STF fez um julgamento político

Sob intensa pressão da mídia conservadora—cujos veículos cumprem um papel de oposição ao governo e propagam a repulsa de uma certa elite ao PT - ministros do STF confirmaram condenações anunciadas, anteciparam votos à imprensa, pronunciaram-se fora dos autos e, por fim, imiscuiram-se em áreas reservadas ao Legislativo e ao Executivo, ferindo assim a independência entre os poderes.

Único dos poderes da República cujos integrantes independem do voto popular e detêm mandato vitalício até completarem 70 anos, o Supremo Tribunal Federal - assim como os demais poderes e todos os tribunais daqui e do exterior - faz política. E o fez, claramente, ao julgar a Ação Penal 470.

Fez política ao definir o calendário convenientemente coincidente com as eleições. Fez política ao recusar o desmembramento da ação e ao escolher a teoria do domínio do fato para compensar a escassez de provas.
Contrariamente a sua natureza, de corte constitucional contra-majoritária, o STF, ao deixar-se contaminar pela pressão de certos meios de comunicação e sem distanciar-se do processo político eleitoral, não assegurou-se a necessária isenção que deveria pautar seus julgamentos.

No STF, venceram as posições políticas ideológicas, muito bem representadas pela mídia conservadora neste episódio: a maioria dos ministros transformou delitos eleitorais em delitos de Estado (desvio de dinheiro público e compra de votos).

Embora realizado nos marcos do Estado Democrático de Direito sob o qual vivemos, o julgamento, nitidamente político, desrespeitou garantias constitucionais para retratar processos de corrupção à revelia de provas, condenar os réus e tentar criminalizar o PT. Assim orientado, o julgamento convergiu para produzir dois resultados: condenar os réus, em vários casos sem que houvesse provas nos autos, mas, principalmente, condenar alguns pela “compra de votos” para, desta forma, tentar criminalizar o PT.
Dezenas de testemunhas juramentadas acabaram simplesmente desprezadas. Inúmeras contraprovas não foram sequer objeto de análise. E inúmeras jurisprudências terminaram alteradas para servir aos objetivos da condenação.

Alguns ministros procuraram adequar a realidade à denúncia do
Procurador Geral, supostamente por ouvir o chamado clamor da opinião pública, muito embora ele só se fizesse presente na mídia de direita, menos preocupada com a moralidade pública do que em tentar manchar a imagem histórica do governo Lula, como se quisesse matá-lo politicamente. O procurador não escondeu seu viés de parcialidade ao afirmar que seria positivo se o julgamento interferisse no resultado das eleições.
A luta pela Justiça continua

O PT envidará todos os esforços para que a partidarização do Judiciário, evidente no julgamento da Ação Penal 470, seja contida. Erros e ilegalidades que tenham sido cometidos por filiados do partido no âmbito de um sistema eleitoral inconsistente - que o PT luta para transformar através do projeto de reforma política em tramitação no Congresso Nacional - não justificam que o poder político da toga suplante a força da lei e dos poderes que emanam do povo.

Na trajetória do PT, que nasceu lutando pela democracia no Brasil, muitos foram os obstáculos que tivemos de transpor até nos convertermos no partido de maior preferência dos brasileiros. No partido que elegeu um operário duas vezes presidente da República e a primeira mulher como suprema mandatária. Ambos, Lula e Dilma, gozam de ampla aprovação em todos os setores da sociedade, pelas profundas transformações que têm promovido, principalmente nas condições de vida dos mais pobres.

A despeito das campanhas de ódio e preconceito, Lula e Dilma elevaram o Brasil a um novo estágio: 28 milhões de pessoas deixaram a miséria extrema e 40 milhões ascenderam socialmente.
Abriram-se novas oportunidades para todos, o Brasil tornou-se a 6a.economia do mundo e é respeitado internacionalmente, nada mais devendo a ninguém.

Tanto quanto fizemos antes do início do julgamento, o PT reafirma sua convicção de que não houve compra de votos no Congresso Nacional, nem tampouco o pagamento de mesada a parlamentares. Reafirmamos, também, que não houve, da parte de petistas denunciados, utilização de recursos públicos, nem apropriação privada e pessoal.

Ao mesmo tempo, reiteramos as resoluções de nosso Congresso Nacional, acerca de erros políticos cometidos coletiva ou individualmente.

É com esta postura equilibrada e serena que o PT não se deixa intimidar pelos que clamam pelo linchamento moral de companheiros injustamente condenados. Nosso partido terá forças para vencer mais este desafio. Continuaremos a lutar por uma profunda reforma do sistema político - o que inclui o financiamento público das campanhas eleitorais - e pela maior democratização do Estado, o que envolve constante disputa popular contra arbitrariedades como as perpetradas no julgamento da Ação Penal 470, em relação às quais não pouparemos esforços para que sejam revistas e corrigidas.

Conclamamos nossa militância a mobilizar-se em defesa do PT e de nossas bandeiras; a tornar o partido cada vez mais democrático e vinculado às lutas sociais. Um partido cada vez mais comprometido com as transformações em favor da igualdade e da liberdade.

São Paulo, 14 de novembro de 2012.

Comissão Executiva Nacional do PT.

http://www.pt.org.br/noticias/view/nota_do_pt_sobre_a_acaeo_penal_470

Teu lugar na história Ayres é o de Tartufo

 

 

Data Vênia, já vai tarde, Ayres Britto. Que vá fazer 'poesia' bem longe do STF.

E, pelo-amor-de-Deus presidenta Dilma, nunca mais escolha alguém que se diga um "juiz poeta" para ser ministro do STF.

Juízes não devem viajar na imaginação dos poetas para julgar. Devem aterem-se ao concretismo da razão.

A poesia visa transmitir emoções, mais do que comunicar informações, exatamente o contrário do que se espera das sentenças judiciais.

Juízes não devem ocupar seus neurônios com a rima, no momento em que devem dissecar com detalhismo a verdade mais profunda dos autos.

Juízes não devem produzir sentenças sobre a vida alheia com estrofes que só ele julga espirituosas. Sentenças judiciais pedem clareza e objetividade cartesiana, pra não pairar dúvidas. Jamais parábolas barrocas ou rococós.

A única poesia que um juiz pode produzir em um tribunal é o sentimento de que a justiça foi feita. E isso não se faz com casuísmos, com atropelos, com seletivismo na escolha das provas, dos réus, dos desmembramentos. Nem com o se deixar influenciar pelas pressões da opinião publicada, nem com politização do judiciário, com partidarismo a ponto da própria data escolhida para o julgamento coincidir com o calendário eleitoral, e de furar a fila ao julgar primeiro o que irá prescrever depois.

Viva os poetas e suas poesias, mas bem longe dos tribunais.

Poeta que se preze é utópico, libertário, revolucionário, vira a razão e a realidade do avesso, anarquiza, diverte, emociona, encanta, é fantasioso, surreal. Tudo o que não deve ser feito em um processo jurídico.

Já juíz que se preze é fiel aos rigores da razão, da lógica, da realidade objetiva e, é raro mas existem, ao método científico.

Ayres Britto, como juiz foi um mau poeta, e como pretenso poeta foi um mau juiz. Pelo menos no trato da Ação Penal 470.

Em votos tecnicamente bem fundamentado Juíz da aula a ministros do STF sobre o crime de lavagem de dinheiro




VOTO

O EXMO. SR. JUIZ TOURINHO NETO (RELATOR):

1. Pretensão punitiva, grosso modo, é o direito do Estado de punir aquele que infringe a lei penal, dentro de parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade, com penas que variam de um mínimo a um máximo previsto pelo legislador. O jus puniendi surge no instante em que o tipo descrito na norma infracional é caracterizado por seus elementos constitutivos. Seu exercício fica adstrito à manifestação do Parquet, titular da ação penal pública, quando nenhuma condição se impõe, ou à queixa do ofendido ou de representação, nos casos exigidos por lei. 

A pretensão punitiva se materializa, como sabido, com o recebimento da exordial. Esta, por sua vez, pode ser rejeitada liminarmente nos casos elencados no art. 395 do Código de Processo Penal. Assim, forçoso asseverar que somente diante da constatação imediata, ictu oculi, acerca da improcedência da acusação, sem a necessidade de dilação probatória, será possível não admitir a denúncia. A propósito, o seguinte precedente:

A rejeição liminar da inicial acusatória somente é possível se constatada a atipicidade formal e material da conduta sem a necessidade de produção de provas (...). 

(RSE 0002620-33.2009.4.01.3806/MG; Rel. Juiz Tourinho Neto; 3ª Turma; unânime; e-DJF1 de 30/03/2012, p. 297) 

A denúncia, ainda que preencha os requisitos exigidos pelo art. 41 do Código de Processo Penal, pode e deve ser rejeitada se não há correspondência entre os fatos e a norma jurídica. 
2. Asseverou o Juiz a quo, no principal (fl. 102): 

A exordial acusatória traz a descrição de dois fatos que caracterizariam a prática da infração penal imputada aos denunciados... 
(...) 
Ocorre que, a meu ver, tais fatos são insuficientes para a caracterização, ainda que em tese, da conduta típica prevista no art. 1º, incisos V, VI e VII da Lei nº 9.613/98. 

Formo tal convicção a partir do entendimento de que o crime de “lavagem” de dinheiro corresponde a uma operação onde valores obtidos através das atividades ilícitas são dissimulados ou escondidos, aparecendo como resultado de operações comerciais legais e que podem ser absorvidas pelo sistema financeiro, naturalmente. 

Ocorre que, no caso dos autos, não ficou caracterizada, em nenhum momento, a possibilidade de ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade daquelas quantias de R$ 1.000.000,00 e R$ 1.928.826,16. 

No ponto, veja-se que no “primeiro fato” os valores foram transferidos da conta da denunciada Renilda para a conta da empresa 2S Participações, da qual ela é sócia juntamente com o outro denunciado (Marcos Valério), e depois de apenas dois meses retornaram à conta da própria Renilda. Não há, como me parece evidente, qualquer conduta direcionada à ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade destes R$ 1.000.000,00. 
Já no “segundo fato”, do mesmo modo, os valores foram transferidos da conta da denunciada Renilda para a conta da empresa 2S Participações, da qual ela é sócia juntamente com o outro denunciado (Marcos Valério), repita-se. Com parte do dinheiro foram feitos alguns pagamentos, sobretudo a advogados que notoriamente prestam serviços ao casal, e o restante permaneceu à disposição da referida empresa. Igualmente, a meu ver, não há qualquer conduta direcionada à ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade destes R$ 1.928.826,16. 

Vale ressaltar, ainda, que a circunstância da origem imediata dos recursos ter sido identificada como transferências feitas pelas empresas SMP&B Comunicação Ltda. e DNA Propaganda Ltda., as quais se envolveram naquele episódio que ficou conhecido como “mensalão”, em nada modifica o meu entendimento, eis que o denunciado Marcos Valério era sócio destas empresas, e obviamente delas recebia recursos, seja como pro labore ou como lucros, o que por si só não configura o crime de lavagem, pois os transferiu à sua própria esposa e esta os transferiu para uma empresa onde os dois figuram como sócios, ficando nítido que não houve assim qualquer conduta que pudesse configurar crime de “lavagem” de dinheiro. (...) 

Estabelecia o art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613, de 1998, antes da alteração feita pela Lei 12.683, de 9.7.2012, o que seja crime de lavagem de dinheiro, assim o tipificando: 

Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente: 

V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; 

VI – contra o sistema financeiro nacional; 

VII – praticado por organização criminosa”. 

Pena: reclusão de três a dez anos e multa. 

Lavagem de dinheiro, expressão sem qualquer rigor técnico, mas aceita mundialmente, seja pelos juristas seja pelos leigos, com as expressões correspondentes de blanqueo de dinero, blanchiment de capitaux, money laundering, geldwäscherei, reciclaje, reciclaggio e outras.

O objetivo da norma é atingir os bens, direitos ou valores com aparência de lícitos mas que têm origem ilícita, ou seja, são originários da prática de determinados crimes, buscando a punição de seus autores.
O crime de lavagem de dinheiro não é o final do caminho de um determinado crime, não é uma fase do iter criminis. A lavagem de dinheiro é crime autônomo, grave e altamente prejudicial à economia nacional.

MARCO ANÔNIO DE BARROS (in Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas: com comentários, artigo por artigo, à Lei 9.613/98. São Paulo: RT, 2004, p. 36) descreve a lavagem de dinheiro sujo como conversão da "renda ilegalmente obtida em lucros aparentemente legais através de procedimentos secretos destinados a prevenir a descoberta da origem dos referidos ativos".
O crime de lavagem se opera em três fases: a) a ocultação do dinheiro obtido mediante ações criminosas; b) o distanciamento do dinheiro da sua origem criminosa e, assim, é ele manipulado nas bolsas, superfaturados nas exportações, remetido aos paraísos fiscais - é a fase da cobertura, também chamada de controle, da estratificação, da dissimulação; e  c) a conversão do dinheiro obtido ilicitamente, dinheiro dito sujo, em capital lícito, ou seja, o dinheiro já lavado  ­- fase da integração. Com o dinheiro lavado, adquire o agente bens móveis e imóveis, constitui empresas, financia atividades de terceiros, concede empréstimos etc. etc. 
 
O crime de lavagem de dinheiro, como costumam referir-se os doutrinadores, olha adiante, e, para a configuração de sua tipicidade, não importa a identificação ou punição dos agentes dos crimes antecedentes.
As formas de conduta são: a) a ocultação; e b) a dissimulação. Diz WILLIAM TERRA DE OLIVEIRA (et al. in Lei de lavagem de dinheiro: comentários à Lei 9.613/98. São Paulo: RT, 1998, p. 329) o que seja ocultar e o que seja dissimular:

Ocultar significa, no contexto da lei, o processo básico e fundamental utilizado pelo autor para a conversão de proventos ilicitamente obtidos. A ocultação é a idéia central que inspira o artigo. Ocultar é esconder, disfarçar, impossibilitar o conhecimento de sua situação jurídica e espacial.  
Dissimular envolve basicamente um segundo passo: o de garantir a ocultação. O agente dissimula o que já ocultou, ainda que parcialmente.  

Explica ANDRÉ LUÍS CALLEGARI (Lavagem de dinheiro. Barueri: Manole, 2004, p. 95): 
De qualquer forma, o elemento subjetivo do tipo penal do delito de lavagem identifica-se pelo conhecimento da origem ilícita dos bens, pois o legislador brasileiro fez menção direta aos crimes dos quais os bens serão procedentes. Por isso, só existe o delito de lavagem se o autor dissimula a natureza, origem, localização ou disposição dos bens quando sabe que esses provêm dos crimes antecedentes previstos na lei. Como ocorre na receptação, não basta a simples suspeita, receio ou dúvida sobre sua procedência, será preciso a certeza no que diz respeito à origem ilícita dos bens, mesmo porque o delito de lavagem não possui a forma culposa (destaquei). 
O que é lavagem de dinheiro? 

Diz ANDRÉ LUÍS CALLEGARI (op. cit. p. 139): 

O processo de lavagem de dinheiro normalmente se constitui de distintas fases ou estados, ao longo dos quais tem lugar a aparente normalização de rendimentos ilícitos. A primeira fase é a ocultação ou colocação, na qual se faz desaparecer enormes quantidades de dinheiro em espécie derivada de atividades ilegais, mediante o depósito nas mãos de intermediários financeiros. Com a redução desse enorme numerário, o patrimônio resultante fica submetido em segunda instância a uma série de transações dirigidas a fazer desaparecer o vínculo existente entre os delinqüentes e o bem procedente de sua atuação, dificultando a localização de rastros do dinheiro. Por fim, o processo se conclui com a última fase de integração, em que a riqueza obtém a aparência definitiva de legalidade, objetivo do lavador, o que significa que o dinheiro pode ser utilizado no sistema econômico e financeiro como se fosse dinheiro licitamente obtido. 

ANTÔNIO SÉRGIO A. DE MORAES PITOMBO (A lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente. São Paulo: RT, 2003, p. 38) assim conceitua o crime de lavagem de dinheiro: 
(...) consiste em ocultar ou dissimular a procedência criminosa de bens e integrá-los à economia, com aparência de terem origem lícita. 

Sobre as ações encadeadas – ocultação, dissimulação e integração – para atingir a meta optata, explica (op. cit. p. 36-37): 

Na ocultação, busca-se escamotear a origem ilícita, com a separação física entre o agente e o produto do crime anterior. Para exemplificar, é feito o fracionamento do capital, obtido com a infração penal, e, depois, pequenos depósitos bancários que não chamam a atenção pela insignificância dos valores e escapam às normas administrativas de controle, impostas às instituições financeiras (art. 10, II, combinado com o art. 11, II, a, da Lei 9.613/1998). Dissimular a procedência ilegal mostra-se outro passo no processo de lavagem. Realiza-se série de negócios ou operações financeiras, uns seguidos dos outros, para disfarçar de vez a origem criminosa. Por hipótese, enviam-se os valores, ‘via cabo’ (wire transfer), para empresa, no exterior, que os repassa em cheques de viagem ao portador, cuja troca se realiza num terceiro país. A integração, última etapa da lavagem, constitui-se no emprego dos bens, com aparência de legítimos, ‘no sistema produtivo, por intermédio da criação, aquisição e/ou investimento em negócios lícitos ou pela simples compra de bens’. Há centenas de maneiras de fazer a integração, sendo o mercado financeiro, o ramo imobiliário, o comércio de artes e antiguidades alguns dos setores da economia que recebem a preferência dos lavadores (art. 9º da Lei 9.613/1998). 
Examinemos o caso concreto: 

Em 14.09.2005, Renilda resgatou R$1.000.000,00 de uma aplicação financeira mantida no Banco do Brasil e transferiu para a 2S Participações, na mesma agência bancária. 

Em 21.09.2005, Renilda transfere R$1.900.000,00, de um fundo administrado pelo Banco Alfa para a 2S Participações, por ela administrada, juntamente com Marcos Valério, na mesma agência. (dinheiro esse oriundo de uma transferência ordenada por Marcos Valério, a partir do resgates de R$1.563.384,78, mantidos no Alfa Private DI). Depois, faz três movimentações, no valor de R$300.000,00, em outro fundo.
Renilda e Marcos Valério resgataram, 21.11.2005, R$4.000.000,00, do Banco Alfa e creditam esse valor na conta 25.641-5, no mesmo dia, e fazem três movimentações no valor de R$300.000,000.

Em 24.11.2005, a 2S Participações transfere R$350.000,00 para conta 24.627-1, de sua titularidade, no Banco do Brasil.

Também, em 24.11.2005, a 2S Participações transfere R$350.000,00 do Banco Alfa para sua conta no Banco do Brasil. Renilda, também, resgata R$1.000.000,00 recebidos da SMP&B e da DNA Propaganda S.A.

Na espécie, nota-se, que, apesar da movimentação de dinheiro entre contas pessoais dos denunciados e de suas empresas, valores oriundos das empresas SMP&B Comunicação Ltda. e DNA Propaganda Ltda, não houve pratica de nenhum fato que leve a suspeita, nem indício, de que houve lavagem de dinheiro. Não houve, repita-se nenhuma ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação de qualquer valor. Nem demonstração que esse dinheiro era proveniente de infração penal. Não houve nenhuma escamoteação, branqueamento. Tudo foi feito às claras.

Bem afirmou o MM Juiz a quo, “não ficou caracterizada, em nenhum momento, a possibilidade de ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade daquelas quantias de R$1.000.000,00 e R$1.928.826,16”.

4. Pelo exposto, nego provimento ao recurso em sentido estrito para manter a decisão que rejeitou a denúncia oferecida contra Marcos Valério Fernandes de Souza e Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza.

5. É o voto.

Leia a íntegra clicando no link: ( http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/valerio-o-acordao-da-justica-de-mg-e-a-lavagem-de-dinheiro )

O Brasil de duas caras. Como o maior escândalo de corrupção do RS foi abafado


 
 

A capa do loivro de Elmar Bones

O Brasil de duas caras foi desmascarado na quarta-feira (7/11), no coração de Porto Alegre. A obra Uma Reportagem, Duas Sentenças, que o jornalista Elmar Bones autografou na 58º Feira do Livro, na capital gaúcha, é uma pancada doída no fígado de um país marcado pela hipocrisia e um choque na consciência de duas instituições fundamentais da democracia: a Mídia e a Justiça.

Nas suas enxutas 144 páginas, arrumadas em apenas duas semanas numa edição modesta da combalida editora do autor, a denúncia de Bones é um oportuno dique de contenção e reflexão contra a maré triunfalista de uma imprensa caudalosa nos elogios sem freios à Suprema Corte que julga a enxurrada de falcatruas da quadrilha do mensalão.

Existe corrupção e existem juízes em Brasília, como prova o STF. Mas também existe corrupção e faltam juízes em Porto Alegre, como lembra Bones, vítima do mais persistente, inclemente, longo processo judicial contra a liberdade de expressão no país. Não existe paralelo de uma ação tão prolongada da Justiça contra um órgão de imprensa no Brasil pós-ditadura de 1964, tudo isso sob o silêncio continuado da mídia e a inércia complacente de juízes.

É um absurdo contraponto de mutismo e omissão em Porto Alegre ao espetáculo de estridência e protagonismo que se escuta e vê em Brasília. A mídia e a justiça estão lá e cá, em campos opostos, emitindo sinais contraditórios sobre seus papéis. Cumprem bem seu ofício na capital brasileira e fazem muito mal (ou não fazem) o seu trabalho na capital gaúcha.

O espanto de Dilma

O calvário de Bones começou em 2001, quando seu pequeno jornal, o JÁ, um mensário de cinco mil exemplares, ousou contar a história da maior fraude do Rio Grande do Sul, praticada por uma quadrilha infiltrada em licitações de geradores na CEEE, a empresa pública de energia elétrica do estado. Praticaram, em valores corrigidos, uma tunga de mais de R$ 800 milhões, quase 15 vezes o montante do mensalão agora em causa no Supremo Tribunal Federal. O jornal JÁ contou que, em março de 1987, o líder do governo do PMDB na Assembleia gaúcha, deputado caxiense Germano Rigotto, forçou a criação do cargo de “assistente da diretoria financeira” na CEEE, contrariando a determinação do governador Pedro Simon de austeridade total na empresa, que acumulava dividas de US$ 1,8 bilhão.

Acomodou-se lá Lindomar Rigotto, irmão do deputado. “Era um pleito político da base do PMDB de Caxias do Sul”, reconheceu o secretário de Minas e Energia da época, Alcides Saldanha, na CPI instalada em 1995, no governo Antônio Britto. Na administração anterior, no governo Alceu Collares, a investigação ganhou eletricidade quando a sindicância interna da CEEE foi remetida, em dezembro de 1994, à Contadoria e Auditoria Geral do Estado (CAGE) pela espantada secretária de Minas e Energia: “Eu nunca tinha visto nada igual”, confessou diante de tantos malfeitos a economista Dilma Rousseff, no início de uma carreira política que 16 anos depois a levaria ao Palácio do Planalto.

O Rio Grande nunca viu uma CPI como aquela. Foi a primeira comissão parlamentar, entre as 139 criadas no estado desde 1947, que apontou os nomes de corruptores e corruptos. Foram denunciadas 11 marcas famosas (Camargo Correa, Alstom, Brown Boveri, Coemsa, Lorenzetti, entre outras) e 13 funcionários importantes, com destaque para Lindomar Rigotto, citado em 13 depoimentos como a figura central da organização criminosa.

Está lá no relatório final: “De tudo o que se apurou, tem-se como comprovada a prática de corrupção passiva e enriquecimento ilícito de Lindomar Vargas Rigotto”, escreveu o relator, deputado petista e ex-prefeito caxiense Pepe Vargas, primo de Lindomar e Germano Rigotto e atual ministro da Desenvolvimento Agrário do governo Dilma Rousseff.




Foto: Ramiro Furquim/Sul21

O crime sem gasolina

As 260 caixas de papelão da CPI, contendo os autos de 30 volumes e 80 anexos envolvendo 41 réus – 12 empresas e 29 pessoas físicas –, foram remetidas no final de 1996 ao Ministério Público e transformadas numa ação civil pública na 2ª Vara Cível da Fazenda Pública na capital gaúcha. Lá, ao contrário do mensalão que entusiasma o país e a mídia pela celeridade do Supremo, o processo nº011960058232 da fraude da CEEE hiberna e acumula poeira sob o inexplicável desinteresse da imprensa e do Judiciário, envolto há 16 anos num inexplicável, constrangedor “segredo de justiça”.

Por alguma insondável razão, nenhum repórter, nenhum pauteiro, nenhum jornal, nenhum magistrado em Porto Alegre se anima e se inspira a aplicar à maior fraude da história gaúcha a overdose de transparência e informações relatadas aos borbotões em Brasília nas manchetes de jornais, capas de revista e transmissões ao vivo das emissoras de rádio e TV, transformando cada ministro do Supremo em celebridade midiática no maior julgamento de sua história.

O mistério na CEEE aumentou, uma década depois, com o fim violento do principal implicado, Lindomar Rigotto. Dono então de uma boate da moda no litoral gaúcho, o ex-executivo da CEEE foi morto com um tiro no olho desferido por um assaltante, no Carnaval de 1999. Dois anos depois, com a determinação que não tinha a burocrática imprensa tradicional, Bones foi atrás dessa história, superando a pobreza de seu jornal: “A reportagem foi feita num momento muito difícil. Não tínhamos nem gasolina para mandar um repórter ao litoral, para pesquisar o processo do crime no fórum”, conta ele no livro.

A reportagem de quatro páginas de 2001 deu ao  os principais prêmios do jornalismo, incluindo o prestigiado Esso. Quem não gostou foi a família Rigotto, que abriu dois processos na Justiça: um por calúnia e difamação, outro pedindo indenização por dano moral. A denúncia foi feita pela matriarca, dona Julieta, hoje com 91 anos, mãe de Lindomar e Germano. No processo penal, Bones foi absolvido e até elogiado pelo promotor e pela juíza. A ação civil, pela extinta Lei de Imprensa, chegou a ser arquivada mas foi reaberta em 2003, quando Germano Rigotto já era governador. A empresa JÁ Editores foi condenada por dano moral. Assim, a mesma Justiça conseguiu chegar a duas conclusões díspares: absolveu o jornalista e condenou o jornal por ter publicado a mesma reportagem!




Foto: Ramiro Furquim/Sul21

O espasmo da internet

A dÍvida ultrapassou os R$ 100 mil e estrangulou o jornal que tinha 25 anos de vida. A empresa teve os bens penhorados e Bones ainda sofreu o bloqueio de suas contas bancárias. Esta saga inacreditável, que pune há uma década o jornalismo de qualidade e corajoso de Bones, passou batida pelo clamoroso silêncio da imprensa. Quem quebrou este pacto de mutismo foi este destemido Observatório da Imprensa,em novembro de 2009, quando um exausto Bones anunciou uma edição de despedida para seu moribundo jornal.

O artigo “O jornal que ousou contar a verdade”, assinado por mim, provocou indignação pela morte anunciada do JÁ. Outros dois artigos no Observatório, em agosto e em setembro de 2010 (ver “Como calar e intimidar a imprensa” e “Desculpa para calar a opinião”), acrescentaram novos detalhes ao drama de Bones, e desataram reações. No conjunto do OI foram mais de 10 mil palavras, 61 mil caracteres, 18 páginas de relatos que não tinham merecido uma única linha na imprensa tradicional, sempre tão ciosa de sua liberdade.

O espasmo de liberdade, como sempre, veio da internet. A partir do Observatório, a querela dos Rigotto com Bones ganhou espaços generosos e solidários nos sites e blogs mais importantes e mais acessados do país: Ricardo Setti, Cláudio Humberto, Ricardo Noblat, Luís Nassif, Paulo Henrique Amorim, Carlos Brickmann, Sul21. Dos grandes jornais, apenas O Estado de S.Paulo,que vive uma pendenga parecida com a família do senador José Sarney, abriu espaço para o caso  vs. Rigotto.
Bones anota o seguinte no livro:

“No Rio Grande do Sul, com exceção do Jornal do Comércio, que publicou a nota distribuída pela Agência Estado, a imprensa continuou ignorando o assunto. A Zero Hora deu uma notinha de cinco linhas na coluna de Tulio Milmann, para dizer que o ex-governador Rigotto não tinha nada a ver com a questão. O processo era coisa da mãe dele. Outro diário da capital, O Sul, abordou o assunto através da coluna de Cláudio Humberto. Mas os jornais do Grupo Sinos (Novo Hamburgo e São Leopoldo), os principais da região metropolitana de Porto Alegre, que também publicam a coluna de Cláudio Humberto, censuraram os trechos nos quais ele se referiu ao assunto”.

O dono do Grupo Sinos, Mário Gusmão, nem se coçou, embora fosse em 2010 um dos representantes brasileiros entre os honoráveis 17 membros da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da prestigiada SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa), que reúne as mais importantes corporações de mídia do continente.




Ramiro Furquim/Sul21

Coisa da mamãe

Quem se incomodou, de fato, foi o próprio Rigotto, que sempre reagiu irritado à convicção geral de que estava por trás da longa perseguição a Bones. “O processo é coisa da minha mãe. Eu não tenho nada a ver com isso”, reagiu, num telefonema irado para mim, respondendo ao primeiro artigo deste Observatório.

Coincidência ou não, dois dias após a publicação, em novembro de 2009, Rigotto convocou uma inesperada entrevista coletiva para anunciar, chorando, que desistia de sua candidatura ao governo gaúcho na eleição de 2010.

Fora da disputa pelo Palácio Piratini, Rigotto embicou para um desafio aparentemente mais fácil: uma das duas cadeiras em jogo pelo Senado. Começou como favorito, na preferência popular, enquanto repercutiam pela internet os detalhes sobre o processo que matava o jornal de Bones. Líder disparado na intenção de voto das pesquisas iniciais, o filho de dona Julieta, que não tinha nada a ver com isso, acabou despencando na preferência popular. Perdeu as duas vagas para os senadores Paulo Paim (PT) e Ana Amélia (PP) e saiu da eleição com menos de 2,5 milhões de votos entre os 8 milhões de eleitores gaúchos.

Inocente ou não, Germano, o irmão de Lindomar e filho de dona Julieta, acabou inscrevendo para sempre seu honrado nome no relatório final da 66ª Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa, realizada em novembro de 2010 na cidade mexicana de Mérida. O capítulo sobre liberdade de imprensa no Brasil, escrito pelo jornalista brasileiro Sidnei Basile, então vice-presidente institucional da Editora Abril e membro do Comitê de Liberdade de Expressão da SIP, registra o seguinte:

“No Sul do Brasil, continua o calvário por que passa o jornal gaúcho  e seu proprietário, o jornalista Elmar Bones, por conta de uma reportagem publicada há dez anos sob o título ‘Caso Rigotto – um golpe de US$ 65 milhões e duas mortes não esclarecidas’. Isenta de comentários, mas recheada de informações, a matéria mereceu alguns dos mais importantes troféus regionais de jornalismo, como o Esso Regional e o ARI, da Associação Riograndense de Imprensa. Não obstante, o jornal foi condenado a pagar indenização civil incompatível com sua capacidade econômica e teve de fechar as portas.

“A reportagem contava o envolvimento de Lindomar Rigotto – irmão do então deputado estadual e depois governador Germano Rigotto – em uma licitação pública da Companhia Estadual Energia Elétrica. Indicado pelo irmão para a diretoria financeira da empresa, Lindomar acabou protagonizando o escândalo que resultou em uma CPI que indiciou ele, outras onze pessoas e onze empresas.

“Segundo o relatório final dessa Comissão, o esquema foi montado por Lindomar. ‘De tudo o que se apurou, tem-se como comprovada a prática de corrupção passiva e enriquecimento ilícito de Lindomar Vargas Rigotto’, escreveu o relator da CPI, deputado Pepe Vargas (PT-RS).”

Ao morrer em março de 2011, aos 64 anos, vítima de um câncer fulminante, Sidnei Basile deixou a folha impecável de um dos mais respeitados profissionais da imprensa brasileira. Um ano antes, Basile fez uma pública declaração de fé: “Não é o Estado que fiscaliza a imprensa, é a imprensa que fiscaliza o Estado”.

Elmar Bones, que o ex-governador Rigotto também não deve conhecer, tem uma biografia igualmente respeitável, com passagens como editor ou diretor de publicações como Gazeta Mercantil,Veja,IstoÉ,O Estado de S.Paulo,Jornal do Brasil eFolha da Manhã.Mas sua página mais gloriosa é um jornal da imprensa nanica, o CooJornal,um mensário editado pela Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre (1976-1983) nos anos de chumbo da ditadura e fechado por pressão dos militares sobre os anunciantes.

Como pregava Basile e fazia Bones, o CooJornal era um atrevido jornal de resistência que sabia que a função da imprensa de todos os regimes e todos os governos é fiscalizar o Estado – e não o contrário.
No texto produzido para a SIP, com versões adicionais em inglês e espanhol, Basile reservou três parágrafos, 15 linhas e 194 palavras para resumir o longo calvário de Bones e seu jornal.
O nome Rigotto é citado quatro vezes no relatório final de 2010 da SIP.

Dona Julieta, a suposta dona do processo, nem é mencionada.

Germano Rigotto, o ex-governador que não tem nada a ver com isso, é citado uma vez.
Quem quiser saber as razões, leia o livro indispensável de Elmar Bones sobre o Brasil de duas caras.

Luiz Cláudio Cunha é jornalista 
E-mail: Cunha.luizclaudio@gmail.com

Resposta a Guzzo, de Veja

Jean Wyllys
JEAN WYLLYS 
Qual seria a reação de todas e todos nós se a revista tivesse publicado uma coluna em que comparasse negros e negras com cabras e judeus com espinafre?
Eu havia prometido não responder à coluna do ex-diretor de redação de Veja, José Roberto Guzzo, para não ampliar a voz dos imbecis. Mas foram tantos os pedidos, tão sinceros, tão sentidos, que eu dominei meu asco e decidi responder.

A coluna publicada na edição desta semana do libelo da editora Abril — e que trata sobre o relacionamento dele com uma cabra e sua rejeição ao espinafre, e usa esses exemplos de sua vida pessoal como desculpa para injuriar os homossexuais — é um monumento à ignorância, ao mau gosto e ao preconceito.

Logo no início, Guzzo usa o termo "homossexualismo" e se refere à nossa orientação sexual como "estilo de vida gay". Com relação ao primeiro, é necessário esclarecer que as orientações sexuais (seja você hétero, lésbica, gay ou bi) não são tendências ideológicas ou políticas nem doenças, de modo que não tem "ismo" nenhum. São orientações da sexualidade, por isso se fala em "homossexualidade", "heterossexualidade" e "bissexualidade". Não é uma opção, como alguns acreditam por falta de informação: ninguém escolhe ser homo, hétero ou bi.

O uso do sufixo "ismo", por Guzzo, é, portanto, proposital: os homofóbicos o empregam para associar a homossexualidade à ideia de algo que pode passar de uns a outros – "contagioso" como uma doença – ou para reforçar o equívoco de que se trata de uma "opção" de vida ou de pensamento da qual se pode fazer proselitismo.

Não se trata de burrice da parte do colunista portanto, mas de má fé. Se fosse só burrice, bastaria informar a Guzzo que a orientação sexual é constitutiva da subjetividade de cada um/a e que esta não muda (Gosta-se de homem ou de mulher desde sempre e se continua gostando); e que não há um "estilo de vida gay" da mesma maneira que não há um "estilo de vida hétero".

A má fé conjugada de desonestidade intelectual não permitiu ao colunista sequer ponderar que heterossexuais e homossexuais partilham alguns estilos de vida que nada têm a ver com suas orientações sexuais! Aliás, esse deslize lógico só não é mais constrangedor do que sua afirmação de que não se pode falar em comunidade gay e que o movimento gay não existe porque os homossexuais são distintos. E o movimento negro? E o movimento de mulheres? Todos os negros e todas as mulheres são iguais, fabricados em série?

A comunidade LGBT existe em sua dispersão, composta de indivíduos que são diferentes entre si, que têm diferentes caracteres físicos, estilos de vida, ideias, convicções religiosas ou políticas, ocupações, profissões, aspirações na vida, times de futebol e preferências artísticas, mas que partilham um sentimento de pertencer a um grupo cuja base de identificação é ser vítima da injúria, da difamação e da negação de direitos! Negar que haja uma comunidade LGBT é ignorar os fatos ou a inscrição das relações afetivas, culturais, econômicas e políticas dos LGBTs nas topografias das cidades.

Mesmo com nossas diferenças, partilhamos um sentimento de identificação que se materializa em espaços e representações comuns a todos. E é desse sentimento que nasce, em muitos (mas não em todas e todos, infelizmente) a vontade de agir politicamente em nome do coletivo; é dele que nasce o movimento LGBT. O movimento negro — também oriundo de uma comunidade dispersa que, ao mesmo tempo, partilha um sentimento de pertença — existe pela mesma razão que o movimento LGBT: porque há preconceitos a serem derrubados, injustiças e violências específicas contra as quais lutar e direitos a conquistar.

A luta do movimento LGBT pelo casamento civil igualitário é semelhante à que os negros tiveram que travar nos EUA para derrubar a interdição do casamento interracial, proibido até meados do século XX. E essa proibição era justificada com argumentos muito semelhantes aos que Guzzo usa contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Afirma o colunista de Veja que nós os e as homossexuais queremos "ser tratados como uma categoria diferente de cidadãos, merecedora de mais e mais direitos", e pouco depois ele coloca como exemplo a luta pelo casamento civil igualitário. Ora, quando nós, gays e lésbicas, lutamos pelo direito ao casamento civil, o que estamos reclamando é, justamente, não sermos mais tratados como uma categoria diferente de cidadãos, mas igual aos outros cidadãos e cidadãs, com os mesmos direitos, nem mais nem menos. É tão simples! Guzzo diz que "o casamento, por lei, é a união entre um homem e uma mulher; não pode ser outra coisa". Ora, mas é a lei que queremos mudar! Por lei, a escravidão de negros foi legal e o voto feminino foi proibido. Mas, felizmente, a sociedade avança e as leis mudam. O casamento entre pessoas do mesmo sexo já é legal em muitos países onde antes não era. E vamos conquistar também no Brasil!

Os argumentos de Guzzo contra o casamento igualitário seriam uma confissão pública de estupidez se não fosse uma peça de má fé e desonestidade intelectual a serviço do reacionarismo da revista. Ele afirma: "Um homem também não pode se casar com uma cabra, por exemplo; pode até ter uma relação estável com ela, mas não pode se casar". Eu não sei que tipo de relação estável o senhor Guzzo tem com a sua cabra, mas duvido que alguém possa ter, com uma cabra, o tipo de relação que é possível ter com um cabra — como Riobaldo, o cabra macho que se apaixonou por Diadorim, que ele julgava ser um homem, no romance monumental de Guimarães Rosa. O que ele, Guzzo, chama de "relacionamento" com sua cabra é uma fantasia, pois falta o intersubjetivo, a reciprocidade que, no amor e no sexo, só é possível com outro ser humano adulto: duvido que a cabra dele entenda o que ele porventura faz com ela como um "relacionamento".

Guzzo também argumenta que "se alguém diz que não gosta de gays, ou algo parecido, não está praticando crime algum – a lei, afinal, não obriga nenhum cidadão a gostar de homossexuais, ou de espinafre, ou de seja lá o que for". Bom, nós, os gays e lésbicas, somos como o espinafre ou como as cabras. Esse é o nível do debate que a Veja propõe aos seus leitores.

Não, senhor Guzzo, a lei não pode obrigar ninguém a "gostar" de gays, lésbicas, negros, judeus, nordestinos, travestis, imigrantes ou cristãos. E ninguém propõe que essa obrigação exista. Pode-se gostar ou não gostar de quem quiser na sua intimidade (De cabra, inclusive, caro Guzzo, por mais estranho que seu gosto me pareça!). Mas não se pode injuriar, ofender, agredir, exercer violência, privar de direitos. É disso que se trata.

O colunista, em sua desonestidade intelectual, também apela para uma comparação descabida: "Pelos últimos números disponíveis, entre 250 e 300 homossexuais foram assassinados em 2010 no Brasil. Mas, num país onde se cometem 50000 homicídios por ano, parece claro que o problema não é a violência contra os gays; é a violência contra todos". O que Guzzo não diz, de propósito (porque se trata de enganar os incautos), é que esses 300 homossexuais foram assassinados por sua orientação sexual! Essas estatísticas não incluem os gays mortos em assaltos, tiroteios, sequestros, acidentes de carro ou pela violência do tráfico, das milícias ou da polícia.

As estatísticas se referem aos LGBTs assassinados exclusivamente por conta de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero! Negar isso é o mesmo que negar a violência racista que só se abate sobre pessoas de pele preta, como as humilhações em operações policiais, os "convites" a se dirigirem a elevadores de serviço e as mortes em "autos de resistência".

Qual seria a reação de todas e todos nós se Veja tivesse publicado uma coluna em que comparasse negros e negras com cabras e judeus com espinafre? Eu não espero pelo dia em que os homens e mulheres concordem, mas tenho esperança de que esteja cada vez mais perto o dia em que as pessoas lerão colunas como a de Guzzo e dirão "veja que lixo!".

A criminalização do PT e o domínio do fato para o PSDB

DAVIS SENA FILHO 
São 79 nomes de tucanos e aliados denunciados em lista, que foi entregue à PGR. Isto é fato dominado. Saliento ainda que o mensalão tucano é anterior ao do PT, e a imprensa burguesa de caráter golpista não publica manchetes sobre esse escândalo
José Dirceu recebeu a pena de 10 anos e 10 meses. José Genoíno foi condenado a 6 anos e 11 meses. Delúbio Soares foi castigado com 8 anos e 11 meses de prisão. Eles foram julgados por um tribunal surpreso ao tempo que inconformado com as frágeis provas ou, melhor a me expressar, “tênues”, como afirmou quase a se lamentar o procurador geral da República, Roberto Gurgel, quando leu sua peça de acusação contra o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu.

Os juízes, principalmente os que transitam pelo espectro conservador, que seria muito difícil condenar o chamado núcleo político envolvido com a Ação Penal 470, chamada pelo deputado cassado e réu confesso, Roberto Jefferson, de “mensalão” e repercutido pela mídia direitista de negócios privados de forma sistemática, à exaustão, no decorrer de sete anos.

O “mensalão”, que juridicamente ainda está por se provar, serviu como trunfo, como uma espécie de salvação daqueles que militam no campo conservador e sabem que derrotar, no momento, e, quiçá, no futuro, candidatos e governantes trabalhistas é quase impossível, por causa da satisfação do povo brasileiro quanto aos números e índices econômicos, bem como principalmente pelo desenvolvimento social experimentado por milhões de cidadãos excluídos do direito à cidadania e que foram incluídos, por intermédio das políticas socioeconômicas implementadas nos últimos dez anos por Lula e agora por Dilma.
Estão aí para quem quiser ver as vitórias do PT nas últimas eleições, que comprovam o que eu afirmo. O Partido dos Trabalhadores, o único orgânico, pois inserido e contextualizado em todos segmentos da sociedade brasileira, saiu das urnas vitorioso e por isso vai administrar o maior orçamento, bem como governar um número maior de pessoas.

Porém, é o PT a agremiação política demonizada, criminalizada e tratada por uma imprensa golpista e alienígena como se fosse um partido controlado por criminosos, e, portanto, seus políticos, filiados, militantes e eleitores são, conforme o pensamento e a repercussão da imprensa comercial e privada, pessoas de caráter duvidoso e com vocação para cometer malfeitos e assim viver à margem da lei.

É dessa forma que o PT, o partido mais importante e organizado do País, a agremiação trabalhista maior das Américas, é tratado desde que assumiu o governo central em janeiro de 2003. Após uma década, os porta-vozes de uma das elites mais conservadoras e cruéis do mundo, não aceitaram a derrota nas urnas e, por conseguinte, passaram a fazer política pelos órgãos midiáticos privados, que vivem da publicidade governamental, ou seja, são também sustentados pelo dinheiro público.

Com tais valores, pagam seus empregados, inclusive aqueles escribas mal intencionados, que deturpam os fatos e distorcem as realidades, que se apresentam. Mais do que isto: usam da mentira, se for necessário, sempre com o intuito de boicotar os governos dos trabalhistas que conquistaram o poder por meio das urnas e que sempre respeitaram o jogo democrático e fortaleceram, de forma republicana, o estado democrático de direito.

Lula é republicano realizou um governo republicano. A história não vai deixar dúvidas a esse respeito. Dilma trilha o mesmo caminho, e a população brasileira percebeu essa realidade e por isso reitera seu voto, de quatro em quatro anos, nos candidatos trabalhistas, como aconteceu nessas últimas eleições. Não há como os direitistas tergiversarem sobre a verdade. A cidadania requer compromisso. O compromisso da inclusão social, e, indelevelmente, é uma coisa que os tucanos não fizeram, não proporcionaram a milhões de brasileiros que viviam abaixo da linha de pobreza e que eram excluídos do consumo e do acesso a uma vida de melhor qualidade.

Eis que, de forma prejudicial aos réus, juízes do STF se alicerçam no “domínio do fato”, tese de 1963 do jurista alemão, Claus Roxin, que alertou aos maus navegantes que a pessoa que ocupa posição hierárquica alta ou tenha poder de mando ou de decisão não basta fazer supor que determinada autoridade tivesse que, obrigatoriamente, saber o que faziam seus subordinados. Segundo Roxin, “quem ocupa posição de comando tem que ter, de fato, emitido a ordem. E isso deve ser provado”. E concluiu: “O juiz não tem que ficar do lado da opinião pública”. Ponto.

A verdade é que durante sete anos os acusados da Ação Penal 470 não foram pressionados pela opinião pública. Eles foram, evidentemente, acusados e linchados pelas opiniões transmitidas e publicadas  nas revistas, nos jornais, nas televisões, nas rádios e na internet. Os juízes do STF com poucas exceções, ressalto, dobraram-se aos interesses de seis famílias proprietárias de mídias cruzadas e da direita partidária que não aceita seguidas derrotas nas urnas e que está desesperada por não ter programa de governo, porque se recusa, terminantemente, pensar o Brasil, bem como sabe que vai ser muito difícil vencer as eleições de 2014, que o diga a vitória do petista Fernando Haddad em São Paulo.

Portanto, o que resta à direita fazer?  Criminalizar o maior partido trabalhista do ocidente, além de judicializar a política. Que o digam os senhores papagaios midiáticos Álvaro Dias, Agripino Maia, Roberto Freire, que toda vez que revistas como a Veja e a Época ou jornais como O Globo, a Folha e o Estadão elaboram suas “espetaculares” matérias de caráter oposicionista, correm para os corredores do Senado e da Câmara para repercutirem as notícias divulgadas para que eles possam repercuti-las no Jornal Nacional e em outros jornais televisivos e radiofônicos.

Tudo orquestrado e combinado. Agem dessa maneira há dez anos e continuarão a agir assim o tempo que for necessário para tirarem os trabalhistas do poder, mesmo se for por meio de golpe de estado, aos moldes do Paraguai e Honduras. Só que tem um “pequeno” empecilho. O PT é partido orgânico, pois está inserido na sociedade e em suas instituições e entidades mais representativas.

Não vivemos em um Brasil anterior a 1964, bem como o País continental não é o Paraguai ou Honduras, razão pela qual a direita tem de pensar direitinho antes de se aventurar em ações que não respeitam a democracia, a Constituição, o estado democrático de direito, enfim, o contrato social assinado pelo todo da sociedade brasileira.

Agora, a pergunta que não quer calar: o domínio do fato vai chegar ao mensalão tucano — do PSDB? Porque o que se percebeu até agora é que o STF e a PGR, do senhor Roberto Gurgel, não estão muito interessados no domínio dos fatos para os tucanos desde 1998. São 79 nomes de tucanos e aliados denunciados em lista, que foi entregue à PGR. Isto é fato dominado. Saliento ainda que o mensalão tucano é anterior ao do PT, e a imprensa burguesa de caráter golpista não publica manchetes sobre esse escândalo. Por que será? Todos nós sabemos o porquê, não? Será que a PGR e o STF estão à espera de 2014, e, tal qual fizeram com o PT este ano, julgarem o mensalão tucano às vésperas das eleições (presidenciais)? Será que é isto, caro leitor? Bem, vamos ver...

Os juízes do STF deram um show. Neste caso, é o show do domínio dos artistas de fato. Entretanto, o Ato de Ofício se ausentou do grande evento jurídico e midiático. Ele tinha mais o que fazer. A Presunção da Inocência também. Sentiu dor de dente. O Ônus da Prova é malcriado e se recusou a ir, bem como o Princípio do Contraditório sentiu dor de barriga e ficou em casa, a ver o julgamento pelas tevês Globo e Globo News. A Jurisprudência, que poderia beneficiar os réus quando não há provas concretas, pregou uma peça e preferiu dar de ombros ao que é do Direito, que ninguém é considerado culpado até que se prove o contrário. É isso aí.

Onde estão os intelectuais do PT?

LULA MIRANDA 
Estarão intimidados, acovardados; seriam pusilânimes? Ou estariam esperando para só ir “na boa” e não entrar em bola dividida?

Temos visto, praticamente todos os dias, o Partido dos Trabalhadores sendo esculachado nos grandes jornais e nos telejornais em horário nobre.  Poucas  dessas críticas  são construtivas. A maior parte delas é  nitidamente enviesada, capciosa, eleitoreira (miravam 2012 e já miram 2014) e visa pouco a pouco desgastar a  imagem do partido e corroer a sua credibilidade junto à sociedade. Algumas descambam para o mero “golpismo”, pois refletem a intenção de tomar o poder no grito – mesmo que para tanto seja necessário repetir uma mentira, em uníssono, reiteradas vezes, até que ela se transforme numa “verdade”. Nem que seja necessário processar, condenar e prender o Lula sem  provas – para tanto recorreram ao ardiloso artifício do “domínio do fato”. Nem que seja necessário dar um “golpe paraguaio” na Dilma. Essa é a ordem.

  Os principais críticos e detratores do partido são dois ou três  professores universitários neoconservadores e uma dozena de jornalistas,  já bastante conhecidos pela sua “imparcialidade” e “pluralismo de ideias”, mas que têm espaço de destaque  e oportunidade assegurados  nas tribunas e tribunais mais “nobres” da grande imprensa – espaço este que é, diga-se, seguidamente negado aos que tem uma visão de mundo que lhes é antagônica. Portanto, sem direito ao contraditório ou ao chamado “outro lado”. Assim funciona  a democracia e o pluralismo de faz de conta que eles vendem para os incautos. Mas, a despeito disso, é nosso dever combater esse desequilíbrio. De que modo?  Cobrando o espaço que nos é devido ou  utilizando dos veículos da imprensa alternativa. Só não pode se deixar intimidar e  calar.

Alguns analistas políticos insistem em dizer, de modo equivocado e/ou “ufanista”,  que o suposto “escândalo  do mensalão” não causou prejuízos ao Partido dos Trabalhadores; que tanto é assim que  o partido ganhou em São Paulo; que conquistou o maior número de eleitores e que os maiores orçamentos estarão sob sua gestão nas prefeituras; que elegeu muitos prefeitos etc. Ora, a forma como a grande imprensa explorou esse episódio causou, está causando e ainda poderá causar grande prejuízo ao PT, na medida que os  formuladores e representantes desse partido na sociedade não reagem à altura –  ou seja, com a competência necessária para rebater as acusações e os impropérios que lhe são impingidos. O partido necessita resgatar e comprovar sua inocência.

 Mais que isso, precisa mostrar e lembrar à sociedade sua história de lutas e conquistas – e ao mesmo tempo indicar, projetar, construir os caminhos rumo ao  futuro. O partido deve mostrar, de modo pedagógico, para seus militantes, mas também, e principalmente,  para  todos os cidadãos brasileiros, quais as políticas públicas que implantou e as que serão daqui para a frente implementadas para o crescimento continuado e o desenvolvimento do país, para que tenhamos uma distribuição de renda mais equânime e justa. O PT precisa deixar claro para a sociedade qual a contribuição que o partido ainda pode oferecer para melhorar, ainda mais, as condições de vida do povo brasileiro. Deve, novamente, seduzir a sociedade como um todo. Deve, para tanto, repelir, peremptoriamente,  a agenda negativa que lhe está sendo  imposta – e ao país – e colocar na pauta uma agenda positiva. Mas onde estão seus formuladores e porta-vozes na sociedade para tanto?

É forçoso reconhecer: o Partido dos Trabalhadores teve um papel fundamental na construção desse novo Brasil em que vivemos. Sim, pois só os demasiados “distraídos” ou os empedernidos  partidários da oposição não concordam que hoje vivemos um novo e melhor momento, auspicioso. E que isso, certamente, não foi obra do acaso, mas de conquistas do povo brasileiro, juntamente com os partidos de esquerda e de centro-esquerda – e aí não só o PT, obviamente.

É preciso fazer a louvação do que bem merece: reconhecer os méritos daqueles jovens de classe média que no passado, lá no começo da década de 1980, saindo de uma renhida e desgastante luta contra a ditadura, ajudaram a criar  o PT. Jovens que se juntaram a uma classe  operária emergente, construindo assim o embrião daquilo que viria a se consolidar como um novo sindicalismo [vale lembrar que preponderava até então o chamado  “peleguismo”]. Colocando, muitas vezes,  em segundo plano suas vidas pessoais e laços familiares – e em prejuízo de suas próprias carreiras profissionais. É preciso relembrar que a estes jovens e operários se associaram alguns intelectuais, religiosos e estudantes, que fundaram então o Partido dos Trabalhadores. E que esse partido ajudou a mudar a cara do país. Alguém precisa (re)contar e (re)lembrar ao país essa bela história.

É essa história que agora pretendem corromper, negar, apagar. E junto com ela todas as suas conquistas. Não se pode permitir.

Mas para isso, para contar e defender a sua história, um partido, qualquer que seja, precisa de bons quadros e de intelectuais à sua altura e/ou à altura de sua história.

Por isso, insisto na pergunta: onde foram parar os intelectuais do PT? Pois, repito, vejo o partido e suas lideranças sendo cotidianamente linchados em praça pública, sua história sendo vilipendiada, achincalhada – e pasmo não vejo quase nenhuma reação! Será que todos esses pecados que lhes imputam são devidos?! E as suas virtudes, inexistem? O que pesa mais na balança de sua história: os erros ou os acertos; os pecados ou as virtudes?

Repito a pergunta: onde foram parar os intelectuais do PT? Ou os seus simpatizantes na academia, na imprensa e na sociedade em geral? Pois é constrangedor e ensurdecedor o silêncio que se ouve aqui na blogosfera e na mídia em geral. Estarão acomodados e apaziguados  em alguma sinecura, como dizem algumas línguas viperinas? Estarão intimidados, acovardados; seriam pusilânimes? Ou estariam esperando para só ir “na boa” e não entrar em bola dividida?

Onde andarão os intelectuais que ajudaram a construir essa história tão bonita e que agora se ausentam do debate, se omitem? 

Avança mais aquele que luta mais, que caminha mais – e ainda há um longo percurso a percorrer. A bola, caprichosa e sedutora,  está  nos pés do PT. Ele precisará dos seus craques, dos seus melhores quadros. Pois  a dívida social do país para com os seus filhos ainda é colossal! Cabe-nos  lembrar. E precisará lutar – muito. Iluminar os caminhos. Formar. Informar. Criar fortes laços e raízes em todas as classes e estratos sociais. E caminhar. E assim transformar aos poucos a sociedade. Afinal, esse é o seu papel.

Uma agressão contra o PT, a esquerda e a Constituição

Breno Altman
BRENO ALTMAN 
O STF resolveu trilhar o caminho de suas piores tradições. Seus integrantes alinharam-se aos exemplos fornecidos pela extradição de Olga Benário para a Alemanha nazista, pela cassação do registro comunista em 1945 e pelo reconhecimento do golpe de 1964

O ministro Joaquim Barbosa, relator da Ação Penal 470, praticamente concluiu sua tarefa como relator, às vésperas de assumir a presidência do STF, com um burlesco golpe de mão. Aparentemente para permitir que Ayres Britto pudesse votar na dosimetria dos dirigentes petistas, subverteu a ordem do dia e antecipou decisão sobre José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares. Apenas a voz de Ricardo Lewandovski se fez ouvir, em protesto à enésima manobra de um julgamento marcado por arbitrariedades e atropelos.

Talvez em nenhum outro momento de nossa história, ao menos em períodos democráticos, o país se viu enredado em tamanha fraude jurídica. Do começo ao fim do processo, o que se viu foi uma sucessão de atos que violaram direitos constitucionais e a própria jurisprudência do tribunal. A maioria dos ministros, por opção ideológica ou mera covardia, rendeu-se à sentença prescrita pelo baronato midiático desde que veio à tona o chamado “mensalão”.

Os arroubos de Roberto Jefferson, logo abraçados pela imprensa tradicional e parte do sistema judiciário, serviram de pretexto para ofensiva contra o governo Lula, o Partido dos Trabalhadores e a esquerda. José Dirceu e seus companheiros não foram julgados por seus eventuais malfeitos, mas porque representam a geração histórica da resistência à ditadura, da ascensão política dos pobres e da conquista do governo pelo campo progressista.

Derrotadas nas urnas, mas ainda mantendo sob seu controle os poderes fáticos da república, as elites transitaram da disputa político-eleitoral para a criminalização do projeto liderado pelos petistas. Com a mesma desfaçatez de quando procuravam os quartéis, dessa vez recorreram às cortes. Agora, como antes, articuladas por um enorme aparato de comunicação cujo monopólio é exercido por umas poucas famílias.

O STF, nessas circunstâncias, resolveu trilhar o caminho de suas piores tradições. Seus integrantes, majoritariamente, alinharam-se aos exemplos fornecidos pela extradição de Olga Benário para a Alemanha nazista, pela cassação do registro comunista em 1945 e pelo reconhecimento do golpe militar de 1964. Como nesses outros casos, rasgaram a Constituição para servir ao ódio de classe contra forças que, mesmo timidamente, ameaçam o jugo secular das oligarquias pátrias.

Garantias internacionais, como a possibilidade do duplo grau de jurisdição, foram desconsideradas desde o primeiro instante. Provas e testemunhos a favor dos réus terminaram desprezados em abundância e sem pudor, enquanto simples indícios ou ilações eram tratados como inapeláveis elementos comprobatórios. Uma teoria presidiu o julgamento, a do domínio funcional dos fatos, aplicada ao gosto do objetivo inquisitorial. Através dessa doutrina, réus poderiam ser condenados pelo papel que exerciam, sem que estivesse cabalmente demonstrados ação ou mando.

O que interessava, afinal, era forjar a narrativa de que o PT e o governo construíram maioria parlamentar através da compra de votos e do desvio de dinheiro público, sob a responsabilidade direta de seus mais graduados líderes. As contra-provas que rechaçam supostos fatos criminosos e sua autoria, fartamente apresentadas pela defesa, simplesmente foram ignoradas em um julgamento por encomenda.

Enganam-se aqueles que apostam em qualificar este processo como um problema de militantes petistas, quem sabe, injustamente condenados. José Dirceu e seus pares não foram sentenciados como indivíduos, mas porque expressavam a fórmula para colocar o PT e o presidente Lula no banco dos réus. Os discursos dos ministros Marco Aurélio de Mello, Ayres Britto e Celso de Melo não deixam dúvida disso. Não hesitaram em pisar na própria Constituição para cumprir seu objetivo.

Mesmo que eleitoralmente o procedimento venha se revelando relativamente frágil frente ao apoio popular às mudanças iniciadas em 2003, não podem ser subestimados seus efeitos. As forças conservadoras fizeram, dessa ação penal, plataforma estratégica para desgastar a autoridade do PT, fortalecer o poder judiciário perante as instituições conformadas pela soberania popular e relegitimar a função da velha mídia como procuradora moral da nação.

O silêncio diante desta agressão facilitaria as intenções de seus operadores, que se movimentam para manter sob sua hegemonia casamatas fundamentais do Estado e da sociedade. Reagir à decisão da corte suprema, porém, não é apenas ou principalmente questão de solidariedade a réus apenados de maneira injusta. A capacidade e a disposição de enfrentar essa pantomima jurídica poderão ser essenciais para o PT e a esquerda avançarem em seu projeto histórico.

Breno Altman é diretor do site Opera Mundi e da revista Samuel