sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Laurentino Gomes: “Não podemos cair no cinismo, pensando que a sociedade toda é corrupta”





Do El País

LAURENTINO GOMES I HISTORIADOR E JORNALISTA

“Não podemos cair no cinismo, pensando que a sociedade é corrupta, sem conserto”

Autor de trilogia sobre a história do Brasil, o jornalista Laurentino Gomes diz que o país ainda está na fase de entender quem é

FELIPE VANINI São Paulo 26 NOV 2013 - 00:09 BRST

Tragado pela onda de sucesso de 1808, obra lançada há seis anos, o jornalista paranaense Laurentino Gomes teve de escolher entre duas opções: continuava sua bem-sucedida carreira na imprensa brasileira, onde chegou a editor-sênior, ou ficava com os livros. Optou pela segunda. “Às vezes me perguntam: você deixou de ser jornalista? Respondo que mudei de formato. Antes fazia jornal e revista e fechava todo dia ou toda semana. Agora, faço livro-reportagem e fecho uma vez a cada três anos”, disse Gomes, em entrevista na redação do EL PAÍS, em São Paulo.

A atenção dispensada à intensa agenda de divulgação é sinal de que Gomes não se esqueceu da importância das relações públicas nem da publicidade. “Livro é como campanha eleitoral: é voto a voto. Se você conquista um eleitor em Cuiabá, no Estado de Mato Grosso (Centro-Oeste do Brasil), ele vai falar para todo mundo.”

Lançada há dois meses, a obra 1889 teve 200 mil cópias vendidas até novembro e uma segunda remessa de 200 mil está a caminho das livrarias. Sua trilogia é um dos mais estrondosos sucessos editoriais brasileiros recentes, com 1,7 milhão de exemplares vendidos. Apesar desse desempenho, a proprietária dos direitos do primeiro título da série (1808) não quis publicá-lo em espanhol, pois considerou que a obra não interessava aos leitores da América Latina e da Espanha.

Pergunta. Nessa série histórica, como você definiria os últimos 25 anos do Brasil? Quanto resta do mito de “ordem e progresso”, inscrito na bandeira nacional?

Resposta. Eu encerro o 1889 com este ponto. Considero que o Brasil mantém até 1984 uma República Monárquica. Ou seja, são monarcas republicanos que governam o Brasil. No período chamado de Primeira República (de 1889 a 1929), a mesma aristocracia que dava as cartas no Império (de 1808, com a chegada da família real portuguesa, a 1889, com a proclamação da República, que derrubou a monarquia) continua comandando o cenário político. Muda a nomenclatura, mas a equação do poder fica intacta. Em seguida, um ditador republicano assume o poder, Getúlio Vargas, exercendo a função de um monarca republicano entre 1930 e 1945, sem Congresso, sem partidos políticos, construindo de cima para baixo. A seguir, temos um brevíssimo período de democracia de 1946 a 1964, no qual a sociedade não consegue se organizar. E, na sequência, temos novos monarcas republicanos, em sua maioria gaúchos, positivistas, no período da ditadura dos militares (1964 a 1985). Em 1984, porém, ocorre uma mudança drástica, que eu considero uma segunda proclamação da República: a campanha popular das Diretas Já, o movimento que pedia a volta da democracia. Mas é um país transformado socialmente, com menos analfabetos, urbanizado aceleradamente e menos suscetível aos controles dos coronéis de voto de cabresto.

P. Como o senhor vê o Brasil no contexto da América Latina nos próximos dez anos?

R. O Brasil é um país em desenvolvimento, mas não vai virar uma nação de primeiro mundo amanhã. Isso envolve uma mudança cultural mais demorada do que imaginamos. Não podemos perder a esperança nem cair no cinismo, pensando que a sociedade toda é corrupta mesmo, e sem conserto. Que é violenta por natureza. As pessoas pensam: todo mundo é corrupto, por isso também vou corromper. Ou essa combinação conduz a um processo de acomodação geral, que eu chamaria de uma "mexicanização" do Brasil, com uma sociedade que não reage mais, dominada pela violência e pela corrupção, ou leva ao golpismo.

P. O debate fica excessivamente focado na corrupção?

R. No caso do escândalo atual na prefeitura de São Paulo, há quatro fiscais que estão expostos por fraudar alvarás de imóveis. Mas existe um contingente de mais de 300 construtoras que eventualmente se beneficiam da corrupção. Se o Estado é corrupto, a sociedade é corruptora. Nós, brasileiros, cobramos padrões de ética do Estado que não cultivamos nas nossas relações privadas. Ouço com muita frequência que o desafio do Brasil é construir cidadania. Mas a gente confunde cidadania com educar e promover o pobre, como se só o pobre fosse não cidadão, quando há um enorme contingente de empresários e grupos que corrompem o Estado e são não cidadãos. Às vezes, o analfabeto funcional é mais cidadão que o dono de uma grande empresa. A sociedade espera tudo do Estado. Acredita, inclusive, que quem constrói cidadania é o Estado, quando esse é o papel dela. Em 2010, o Brasil teve o menor grau de participação dos jovens nas eleições, com campanhas promovendo o voto nulo. Ou seja, o brasileiro ainda não comprou totalmente a ideia de que o instrumento de transformação é o voto.

P. O senhor se preocupa, como historiador e cidadão, com iniciativas como cotas para negros?

R. Não, são passivos históricos que o Brasil herdou. O país não alfabetizou sua população no momento adequado. Não fez a reforma agrária no momento certo, que era o século 19. O Império simplesmente aboliu a escravidão e abandonou os escravos à própria sorte. Uma sociedade nacional é um pacto que se perpetua no tempo. Se uma geração não faz o que deveria ter feito, você não pode dizer que esse problema acabou. Não existe essa história de geração perdida. E esse tipo de ação não é só do Partido dos Trabalhadores. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, entre outros, também promoveram as cotas. Portanto, independentemente do partido, as pessoas estão de acordo que temos passivos históricos que precisam ser corrigidos com redistribuição de renda e cotas. Agora, o que precisamos também é pactuar o tempo de permanência dessas políticas, com o Congresso se pronunciando sobre o tempo de vigência delas. Não se pode perpetuá-las, com o Bolsa Família e as cotas universitárias vigorando daqui a 100 anos. Precisamos determinar esse período para que depois disso volte a prevalecer a concorrência geral e a meritocracia.

P. O senhor visitou os locais onde ocorreram os episódios históricos narrados em seus três livros e escreveu sobre situação atual deles. Qual é o seu balanço sobre a conservação desses espaços?

R. O Brasil preserva muito pouco do seu passado. A preservação passa pela valorização da história. Como o Brasil foi formado por analfabetos e descendentes de escravos, a população, na maioria das vezes, simplesmente não teve oportunidade de estudar e ler. E, se você não conhece seu passado, também não vai eleger um prefeito ou governador que se preocupe em preservar seus monumentos e locais históricos. Mas há também um problema de reconhecimento desse passado. A monarquia construiu uma mitologia em torno de si, idolatrando seus reis e Duque de Caxias. Ao assumir o poder, a República sente que precisa desqualificar os mitos da monarquia, formando uma nova mitologia. Faz isso construindo praças, mudando os brasões e a bandeira. A partir de 1889, retomam a figura de Tiradentes, morto em 1792, quando lutava pela independência do Brasil. Ele era incógnito na época do Império, pois era uma vítima do regime, e o fazem renascer das cinzas, como um herói republicano. É engraçado pois o Brasil fica um país órfão de pai e de mãe, sem saber quais são nossos heróis e quais são os locais históricos nos quais nos reconhecemos.

P. Temos uma crise de identidade?

R. Sim. A tarefa de concluir a construção de um estado republicano também tem a ver com a formação da identidade nacional brasileira, que não está completa. Nós ainda estamos numa fase de entendermos quem somos. Fica a ilusão de que os políticos são corruptos e a sociedade é cidadã, de que as elites oprimiram os pobres ou de que foi o imperialismo americano que nos sufocou. Há uma tendência a demonizar o outro. Também existe a ilusão de que se tivesse sido dada aos brasileiros a oportunidade de autogoverno desde o início seríamos outro país, mais culto, digno, ético, o que é uma ideia da qual eu duvido. O estado que está em Brasília é o espelho fiel da sociedade brasileira. Quem elegeu e segue elegendo Jader Barbalho, Renan Calheiros, José Sarney e Paulo Maluf somos nós.

P. O fato de livros sobre história nacional, como os que o senhor escreve, estarem sendo bem vendidos não demonstra que a sociedade está se interessando pelo seu passado e se perguntando qual é o seu papel?

R. Precisamos ver como a democracia e a República vão se impor no Brasil à medida que a sociedade comece as colher os frutos desse experimento, que é inédito na nossa história. Se a democracia e a República conseguirem dar como retorno uma economia forte, com emprego, saúde e educação, a sociedade vai começar a reconhecer nela um valor em si mesmo. Mas, se a democracia mergulhar numa crise, a tentação autoritária volta muito rapidamente, assim como aconteceu no passado. Esse é o nosso desafio: vamos conseguir persistir e manter as esperanças de que essa é uma forma adequada para a construção do futuro? Eu acho que sim. A importância da educação é um ponto visto como essencial por quase toda sociedade. Trata-se quase de uma unanimidade. E isso é positivo, pois há países, como a Índia, em que não existe esse consenso. O Brasil tem melhorado desde 1984 e esse não é um mérito só dos governos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

P. O Brasil é um gigante que se esconde atrás do Mercosul, levando em consideração que poderia sozinho obter acordos unilaterais muito mais vantajosos a seus interesses do que em bloco?

R. Sem dúvida, e a razão está em o Brasil ter tido até agora dificuldades para chegar a consensos. O Brasil tem um enorme potencial demográfico, riquezas e uma visão estratégica de si próprio forjada desde a monarquia sobre o seu papel no mundo. Herdamos do império mercantil português essa característica de aceitação do outro. Na hora em que solidificarmos nossas instituições, o Brasil vai atingir uma proeminência mundial que até agora não conseguiu. Há uma estranheza histórica entre a América Espanhola e a América Portuguesa. Claro que nos últimos anos ela tem diminuído. Hoje você encontra argentinos vestindo camisas de times de futebol brasileiros em Buenos Aires. Acho que eles gostam mais de nós do que que nós deles. O papel brasileiro é importantíssimo à medida que consolidarmos nossas instituições, fortalecermos a economia e passarmos a ser mais previsíveis para investimentos, respeitando contratos.

P. É incrível que a Monarquia Portuguesa tenha conseguido se reinventar com o Império Brasileiro, tendo não só sido bem sucedida na tarefa de salvar a própria pele, mas também na de montar um novo país, maior inclusive que o de origem. Como isso foi possível?

R. A área brasileira é 91 vezes maior do que a da pequenina metrópole portuguesa. Portugal, portanto, age de forma deliberada para ocupar esse território e mantê-lo sob controle. Faz isso distribuindo largas porções de terra – o que é a origem da concentração de riqueza, com capitanias hereditárias e sesmarias. O segundo ponto de distinção é a forte predileção portuguesa pela escravidão. Do total de quase 10 milhões de escravos enviados para as Américas, 40% teve como destino o Brasil. Portugal manteve a colônia isolada, proibida, analfabeta e inculta. A primeira universidade brasileira é de 1912, fundada no Paraná, no sul do Brasil, noventa anos após a proclamação de independência. Enquanto isso, já havia 22 universidades na América Espanhola. Eram proibidos livros, imprensa e a construção de estradas. É interessante entender que Portugal passou a pensar estrategicamente muito antes de seu traslado. Quando D. João VI desembarcou no Brasil, ele não estava apenas fugindo das tropas napoleônicas, mas realizando um sonho antigo, que era construir o império na América. Portanto, os portugueses sabiam que quando todas as esperanças estivessem perdidas na Europa, restaria ainda a grande oportunidade de transferir-se ao Brasil e construir aqui um império.

P - E a identidade nacional na época da independência?

R - As pessoas não se reconheciam como brasileiras. As regiões eram distantes, isoladas e rivais entre si. Havia pouquíssima integração entre o Sul, Sudeste, Norte e Nordeste e a maior probabilidade era de fragmentação caso se tivesse optado pela via republicana em vez da monárquica. É importante entender que na época da independência houve um vácuo de poder, tanto na América Espanhola quanto na América Portuguesa. Napoleão invadiu a Espanha e Portugal, deixando à deriva os territórios coloniais. A diferença é que a Corte Portuguesa conseguiu fugir para o Brasil. Já na Espanha, o Rei Carlos foi preso pelos franceses. A América Espanhola, portanto, fica sem um centro de administração e nesse cenário os caudilhos mergulham em diversas guerras civis republicanas. No Brasil a situação foi diferente. A vinda da Corte serviu como elemento de união de elites regionais até então distantes. O Rei D. João VI começa a agregar essa corte, distribuindo títulos de nobreza e privilégios nos negócios públicos, ao mesmo tempo em que os ricos da colônia apoiam política e financeiramente a corte.

http://jornalggn.com.br/noticia/laurentino-gomes-“nao-podemos-cair-no-cinismo-pensando-que-a-sociedade-toda-e-corrupta”

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Barbosa no fio da navalha

Leonardo Attuch
por Leonardo Attuch
Como juiz, o presidente do Supremo Tribunal Federal perdeu quase toda a credibilidade. Como político, também começou mal, ao agir mais como carrasco do que como magistrado
Para quem já disse que, um dia, no futuro, poderá vir a ter interesse em uma eventual candidatura, quiçá à presidência da República, Joaquim Barbosa começou mal. Deu uma lição de como arruinar, em poucos dias, o próprio capital político. A imagem de juiz implacável rapidamente se converteu na de um ser humano vingativo e insensível e mais próxima à de um carrasco medieval do que propriamente de um magistrado. E que poderia ser ainda pior se José Genoino, condenado ao regime semiaberto, mas submetido a uma prisão fechada por uma decisão arbitrária, tivesse sofrido algo mais grave na Papuda.

Se morresse na prisão, Genoino garantiria uma imagem heroica nos livros de história: seria convertido num dos grandes mártires da esquerda brasileira. Aliás, o que ainda pode vir a ocorrer. Adepto de um padrão de vida espartano, é um dos poucos políticos brasileiros sobre quem se pode dizer, sem medo de errar, que não enriqueceu na política. Mas que foi condenado a mais de dez anos de prisão como corruptor!

Na hipótese de uma tragédia, Barbosa estaria hoje sendo chamado de assassino nas ruas. Não poderia se candidatar nem a síndico de prédio. Mas o fato de Genoino ter sobrevivido ao cárcere não alivia a situação do presidente do Supremo Tribunal Federal. Ele ainda tem muito a explicar. Entre outras coisas, por que transferiu os presos a Brasília, se eles têm o direito de permanecer perto de seus familiares?

Além disso, por que impôs durante alguns dias o regime fechado aos condenados, se o pleno do STF determinou o semiaberto? Mais: por que prendeu uns e não outros, deixando de fora nomes como o de Roberto Jefferson, que confessou ter recebido R$ 4 milhões? Preferência política?
Como juiz, Joaquim Barbosa perdeu quase toda a credibilidade. Um manifesto de intelectuais, assinado por juristas como Dalmo Dallari e Celso Bandeira de Mello, questionou seu preparo e sua boa-fé. Como político, ele poderia surfar num bom momento gerado pelo fim da Ação Penal 470. Mas o bom político é aquele que sabe ser magnânimo na vitória – e não vingativo.


Convidado pelo deputado Romário (PSB-RJ) a entrar no time socialista, Barbosa colocará em xeque a credibilidade do “julgamento do século” se vier a aceitá-lo. Deixará no ar a suspeita de que nunca foi juiz, mas sempre o político que fez do populismo judicial seu trampolim. No entanto, essa possibilidade de carreira política ficou seriamente abalada depois da violência da última semana.

http://www.brasil247.com/pt/247/artigos/121686/Barbosa-no-fio-da-navalha.htm

A História o condenará

Hélio Doyle
por HÉLIO DOYLE 
Joaquim Barbosa faz política usando sua cadeira no mais alto tribunal do país, o que é ilegítimo e antidemocrático. É herói da direita ideológica e dos milhões de desinformados pela mídia
A maioria dos brasileiros, e bem maioria mesmo, acha que há provas em profusão para condenar os réus do chamado “mensalão”, que as penas de alguns acusados não foram excessivas, que a democracia sai fortalecida e que o ministro Joaquim Barbosa é um herói.

Essa maioria assimilou o que, durante oito anos, e de forma sistemática, difundiu a grande imprensa brasileira. Os que questionavam as acusações, o processo e o julgamento são boicotados nos principais jornais e emissoras e os livros que contradisseram as teses da acusação não tiveram nenhuma divulgação, tudo para impor um pensamento único a respeito do processo.

Não é que não houve crime e que muitos acusados são culpados. Mas há réus condenados sem nenhuma prova, penas muito maiores do que as que se dão a assassinos reincidentes, e o ministro Joaquim Barbosa causa mal à democracia com suas atitudes arbitrárias, autoritárias e destinadas a receber repercussão favorável da mídia e transformá-lo em ídolo.

Barbosa faz política usando sua cadeira no mais alto tribunal do país, o que é ilegítimo e antidemocrático. Foi de propósito que decretou as prisões em um feriado, para que os réus não tivessem a quem apelar contra as ilegalidades cometidas e ficassem em regime fechado na Papuda. Sequer comunicou ao juiz de execuções penais, para evitar que ele tomasse alguma decisão. Mandou virem todos para Brasília, mesmo um cardiopata como José Genoíno, sem nenhuma necessidade, algemados, apenas para garantir que a mídia tivesse assunto para ocupar os dias de fins de semana.
Combater a corrupção que grassa no país é uma coisa. Fazer disso uma luta política contra apenas alguns e para se promover é outra. Joaquim Barbosa hoje é herói da direita ideológica e dos milhões de desinformados pela mídia. A história, porém, o condenará.

http://www.brasil247.com/pt/247/artigos/121741/A-Hist%C3%B3ria-o-condenar%C3%A1.htm

Justiça para todos

Newton  Lima
por NEWTON LIMA 
Será que o STF terá comportamento idêntico quando, finalmente, julgar o mensalão tucano-mineiro, que antecedeu ao infausto petista? E a grande mídia?
"Quando exumarem esse processo do mensalão daqui a alguns anos, como agora fazem com os restos mortais de Jango Goulart, descobrirão traços de veneno, injustiças e descalabros que hoje não dão na vista ou são ignorados. O que só desagravará alguns dos condenados quando não adiantar mais nada".
Esta frase do escritor Luis Fernando Veríssimo sintetiza muito bem os acontecimentos que culminaram nas prisões dos réus da AP 470, julgados nos marcos de uma teoria jurídica inédita no Brasil, intitulada "Domínio do Fato". Com base nela, adotada de forma casuística pelo relator do STF, Joaquim Barbosa, e por alguns ministros que o acompanharam, os réus foram submetidos a um laboratório jurídico, que acabou levando o conturbado julgamento ao que ele não tem de justiça e ao que ele tem de político e ideológico.

Nesse cenário, próprio da sociedade do espetáculo, o plenário do STF foi transformado num verdadeiro coliseu romano, com transmissão full time pela TV. Em seu lugar surgiu um julgamento que, sem provas de envolvimento de dinheiro público, violou garantias constitucionais de direitos fundamentais como a presunção da inocência e a ampla defesa. Esse entendimento consta do manifesto assinado por renomados juristas, intelectuais e acadêmicos, amplamente divulgado.

A decretação do cumprimento das penas pelo agora presidente do STF, de forma monocrática, com embargos infringentes pendentes de julgamento, foi determinada à revelia das leis e da Constituição. Os apenados foram humilhados e submetidos a tratamento degradante e, no caso de Genoino, profundamente desumano. Aproveitar a data comemorativa da proclamação da República para patrocinar a espetacularização das prisões, com imagens do avião da Polícia Federal, que cortou o céu do Brasil com os presos algemados a bordo, serviram a fins midiáticos eleitorais.

De novo a Globo soube das ordens de prisão – que ilegalmente não vieram acompanhadas das cartas de sentenças – antes das autoridades policiais e carcerárias, que não sabiam o que fazer com os presos.

Até nas guerras espera-se comportamento ético dos vencedores sobre os derrotados.

Na guerra política declarada contra o PT as lideranças condenadas foram tripudiadas. As perguntas que ficam: por que o tratamento diferenciado, a perseguição e a tentativa de criminalizar o Partido dos Trabalhadores? Por que escândalos como o "mensalão do DEM" do Distrito Federal, a compra de votos para a reeleição de FHC, o conluio Marconi Perillo/Cachoeira e tantos outros, patrocinados pela oposição, não são agilizados, julgados e seus responsáveis igualmente penalizados?

Será que o STF terá comportamento idêntico quando, finalmente, julgar o mensalão tucano-mineiro, que antecedeu ao infausto petista? E será que a grande mídia, condescendente até aqui com o escândalo do Trensalão tucano-paulista, vai promover o mesmo espetáculo para os responsáveis pelo denunciado roubo do dinheiro público promovido nos governos Covas, Serra e Alckmin?

Meu partido errou quando dirigentes optaram em usar a metodologia do PSDB de Minas – incluindo o operador Marcos Valério – para financiar eleições. Mas aprendemos ao empunhar a bandeira do financiamento público de campanhas para mitigar a influência do poder econômico e a profusão de ilicitudes decorrentes que envolvem, indistintamente, todos os partidos.

O Partido dos Trabalhadores – que sempre foi tratado pelos conservadores como um intruso na política brasileira por ter nascido das lutas dos de baixo – sobreviveu a todo tipo de discriminações e perseguições. E vai sobreviver a mais essas, porque o caminho da transformação política, econômica, social e cultural do Brasil não tem mais volta. E o roteiro foi, é e será o da vitória nas urnas.

http://www.brasil247.com/pt/247/artigos/121873/Justi%C3%A7a-para-todos.htm
Jean Menezes de Aguiar
por JEAN MENEZES DE AGUIAR
A impressão que há é que os ministros do Supremo estão esperando Joaquim Barbosa sair para tudo voltar à normalidade. Se fizeram essa combinação, pagarão um preço altíssimo
Não se vai pensar que ministro do Supremo Tribunal Federal, seja quem for, não conhece o princípio do "juiz natural". O princípio rege que juiz é intransferível. Como diz a Constituição, o juiz tem a garantia da inamovibilidade. O princípio existe, precisamente, para que nenhuma "autoridade", política ou administrativamente interessada na troca de um juiz por um mais engajado com um determinado caso, em condenar ou absolver, em piorar ou facilitar uma situação maneje uma substituição. Jamais, em hipótese alguma.

Exatamente o que tudo indica ter ocorrido com a troca do juiz da execução dos réus da ação penal 470. A se confirmar isto, está-se diante de mais um escândalo.
O recém eleito presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Ademar de Vasconcelos (foto), em crítica desconcertante a Joaquim Barbosa disparou: "Pelo menos na Constituição que eu tenho aqui em casa não diz que o presidente do Supremo pode trocar juiz, em qualquer momento, num canetaço."

O jornal O Globo em franco cinismo eufemístico disse que Vasconcelos foi "irônico". Não, Vasconcelos foi demolidor, incisivo e correto. A ironia aí é o mote menor, é o que menos importa. Acusar o presidente do STF de "canetaço", de violador do princípio do juiz natural é impor desonestidade processual na questão. E a questão desafia o conceito, sim, de honestidade e desonestidade processual. A troca de um juiz, como a imprensa vem anunciando é fato gravíssimo que atenta como o Estado Democrático, contra o Supremo, contra o Judiciário, contra o Ministério Público, contra a sociedade.

Agora quem está em xeque não é mais Barbosa, mas os outros ministros do Supremo; o Conselho Nacional de Justiça; e o "fiscal da lei", o Ministério Público. A provável desobediência civil psicanalítica que deverá se estabelecer nas cabeças de muitos juízes pelo país em relação a Joaquim Barbosa equivale a uma revolução muda na magistratura. Muitos juízes seguirão Vasconcelos e deixarão de considerar Joaquim Barbosa um magistrado justo, correto e equilibrado. Isso atinge o Supremo Tribunal Federal? Claro que sim. E o STF deveria se preocupar com isso. Não deveria fingir que não está se importando.

O problema de JB deixou de ser apenas um televisível destempero ou desequilíbrio reativo momentâneo a debates orais e fundamentos divergentes. O que muitos eufemisticamente chamam de "beleza da dialética". Agora, com a fala do presidente da Associação de Magistrados passa pela ilegalidade processual e pelo abuso do presidente do STF. Nem interessam mais a propalada arrogância ou autoritarismo pessoais de JB, mas a violação a pautas jurídicas. Também se aguarda, naturalmente, alguma manifestação da Ordem dos Advogados do Brasil.

A sociedade não pode ser menosprezada quando a imprensa noticia uma ilegalidade da chefia de um Poder e este não se manifesta, não responde, não chama a questão a pratos limpos, e até desmascara o noticiador. Se a imprensa não pode projetar notícias infames, safadas e mentirosas sobre ninguém ou um Poder, este tem o dever público de, quando houver a infâmia jornalística, apontar. O Poder não estará "se" defendendo apenas, mas cumprindo o dever institucional de ser honesto perante a sociedade, sua fonte pagadora.

A impressão que há é que os ministros do Supremo estão esperando Joaquim Barbosa sair para tudo voltar à normalidade. Se fizeram essa combinação, pagarão um preço altíssimo. O da desmoralização da corte. O tempo não apaga tudo e os historiadores existem justamente para não deixar apagar. Parcela substancial da comunidade jurídica, observadores, intelectuais e imprensa estão expondo entranhas insustentáveis do tribunal. Não é sem motivo que alguns já falam em impeachment de JB.
Pensar que o problema está circunscrito à uma guerrinha partidária ou a uma imprensa doméstica brasileira é não imaginar que hoje em dia todo o mundo lê tudo. É inacreditável a letargia do Supremo em esclarecer acusações gravíssimas. Ou em prestar satisfações à sociedade perante ataques tão certeiros e ímpares em toda sua história.

Do blog Observatório Geral

O impeachment de Joaquim Barbosa ou a democracia entre a Justiça e o justiceiro

Renato Rovai
RENATO ROVAI 
Um justiceiro sim. No seu figurino cabem o discurso da moral, da honra, da legalidade, do combate à corrupção e de tudo o mais que não precisa levar em conta um projeto para o país, mas atende ao senso comum
A OAB aprovou documento assinado por todos os seus conselheiros federais cobrando do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) uma investigação sobre a conduta do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Trata-se de uma medida inédita da entidade. Algo que demonstra o quanto o atual presidente do Supremo esgarçou todos os limites do jogo democrático.

Há algum tempo, Barbosa não age mais como juiz. Fez do seu cargo um instrumento de justiciamento daqueles a quem investiga. E avançou, inclusive, contra os seus colegas de toga.

Do ponto de vista institucional, uma das mais absurdas de todas as medidas tomadas por Barbosa foi a da substituição, sem justificativa plausível, do juiz responsável pela execução das penas na Ação Penal 470, Ademar Silva Vasconcelos. E fez isso para colocar em seu lugar o juiz Bruno André da Silva Ribeiro, filho de um dirigente do PSDB no Distrito Federal.

Barbosa mandou às favas qualquer zelo mínimo pela democracia ao tomar essa decisão. Não desrespeitou apenas o juiz que afastou do cargo, como também o judiciário. Porque se essa sua decisão vier a prevalecer haverá uma clara sinalização de que ele está acima de todo o sistema.
Impeachment – O impeachment de Barbosa vem sendo pedido nos últimos dias por importantes juristas, como Dalmo Dallari e Celso Bandeira de Mello. E talvez seja exatamente isso o que o presidente do Supremo deseje. Todos os seus atos apontam mais para o desejo de ser compreendido como um justiceiro e não como um juiz. E para que se torne ainda mais forte esta marca, o justiceiro precisaria ser perseguido.

A “perseguição” perfeita seria um processo de impeachment contra ele. E se possível acompanhado de um movimento do executivo atacando-o por alguma de suas ações. Não à toa, Barbosa já provocou a presidenta Dilma de todas as formas para que ela o ataque.
Com uma investigação aberta contra ele, viria a renúncia ao STF. E a candidatura presidencial. Em que um ou dois partidos lhe garantiriam uns 3 a 4 minutos de tempo de TV, o que lhe permitiria somar forças à oposição.

No atual cenário político, a candidatura que falta para garantir um segundo turno talvez seja a de Barbosa. Ele seria a referência para uma direita babona e que está faltando na disputa. Nem Aécio e nem Eduardo Campos servem bem a este figurino. Um é muito mauricinho. Outro estava até ontem com o PT.

Um justiceiro sim. No seu figurino cabem o discurso da moral, da honra, da legalidade, do combate à corrupção e de tudo o mais que não precisa levar em conta um projeto para o país, mas atende ao senso comum. Se bem embalada do ponto de vista do marketing, uma candidatura com essa pode ter de 15% a 25% num primeiro turno.

De qualquer forma, mesmo sendo este o provável desejo de Barbosa, o de se fazer de vítima para poder pular a cerca do judiciário para uma candidatura presidencial, cabe enfrentar a questão. Barbosa não pode mais ser encarado como um problema localizado. Sua atuação autocrática no STF está contaminando a democracia brasileira. Sua sanha pelo “que seja feita a minha vontade”  resgata o espírito de um tempo que parecia ter ficado para trás.

A OAB faz bem em solicitar ao CNJ investigação do procedimento de Barbosa. Juristas sérios fazem muito bem em pedir impeachment dele. Outras entidades fazem bem em cobrar responsabilidade de Barbosa. Enfrentar sua sanha ditatorial é democrático. E esse enfrentamento não pode ser feito apenas a partir de cálculo eleitoral. Tem de ser feito a partir de cálculo democrático.

http://www.brasil247.com/pt/247/artigos/121956/O-impeachment-de-Joaquim-Barbosa-ou-a-democracia-entre-a-Justi%C3%A7a-e-o-justiceiro.htm

Delenda est PT

Pedro Eugênio
PEDRO EUGÊNIO 
Chega a ser trágica a comédia que se armou em torno dos "privilégios dos petistas presos". Me poupem, por favor!
O senador romano Catão, o Velho (234-149 a.C.) costumava terminar seus discursos com a frase "Delenda est Cartago", ou seja, Cartago, inimiga de Roma, tem de ser destruída. Pois bem, nos tempos atuais há gente com esse mesmo conceito na cabeça, mas em relação ao PT.
Chega a ser trágica a comédia que se armou em torno dos "privilégios dos petistas presos". Isso me faz lembrar de visita que fiz, há anos, ao presídio estadual de Caruaru. Onde, apesar da superlotação (já existia à época, mas piorou muito - hoje são 1.308 detentos para um espaço feito para 380!), vi experiência extraordinária de reconstrução de vidas encarceradas através de atividades que se desenvolviam ali.

Fui guiado pela então diretora Cirlene Rocha. Vi acontecendo em diferentes espaços, em meio a uma balbúrdia de mercado persa, artesanato, aulas de música, culto religioso, presidiários confeccionando roupas para o mercado local. Conheci o estilista do presídio (estavam organizando um desfile de modas). Soube do time de futebol que participava de um campeonato regional.

Lado a lado com essa dinâmica positiva vi o inferno que havia ali. As paredes estavam cobertas de colchões: na ausência de espaço eles são amarrados nas paredes. À noite são desamarrados e cobrem todo o chão. A diretora disse que ficava todo o mundo muito junto, em uma promiscuidade geradora de tragédias e violações. Até os banheiros eram morada de muita gente. Um que vi abrigava seis presos! À época apresentei uma emenda para dotar a orquestra do presídio de instrumentos musicais. Não funcionou. Este ano já ocorreram duas mortes ali.

Em meio a tudo que vi havia um espaço separado, com menos promiscuidade, com menos aperto. Era uma área reservada para os presos de um processo que envolvia empresas prestadoras de serviços a prefeituras da região.

Ou seja, o sistema prisional brasileiro, de tão absurdo, quando recebe presos socialmente diferenciados gera, em benefício deles, tratamentos diferenciados também. Os tais privilégios são, na realidade, o mínimo de dignidade que deveria ser garantido para todos, e olhe lá.
Pois bem, toda esta história me veio à cabeça ao ler na imprensa tantas vozes ilustres de nosso pensamento político a reclamar dos "privilégios dados aos petistas". Me poupem, por favor! Por que não reclamaram do "privilégio" de não ter sido a Ação 470 dividida como a dos tucanos mineiros? Ou contra o "privilégio" de inaugurar-se no Supremo a aplicação da teoria alemã do domínio do fato, para daí condenar-se réus sem provas? E o "privilégio" de fazer-se coincidir o julgamento com o calendário eleitoral?

O que querem mesmo esses senhores é liquidar com o PT, não pelos seus erros, mas pelos seus acertos. Continuam a não engolir um presidente operário, uma mulher governando e o Estado brasileiro aplicando recursos para permitir aos famintos comerem, abrir a universidade aos pobres e nos grotões, dar crédito farto para pobres e agricultores familiares, entre outras iniciativas.
Têm sido os governos do PT que desmoralizaram a teoria fajuta de que não se poderia crescer e distribuir renda ao mesmo tempo. Isso os conservadores, as oligarquias e se seus apoiadores não toleram. Esquecem que nosso partido sempre abraçou a causa dos direitos humanos, pelo o que é criticado com frequência por quem enxerga contradição entre direitos humanos e justiça.
E agora, (só agora!) que descobriram que temos um sistema prisional realmente absurdo, ao invés de clamar para que todos tenham tratamento digno, exigem que o tratamento humilhante seja "garantido" aos petistas. Para eles parece valer a velha frase de Catão, revisitada: Delenda est PT.

http://www.brasil247.com/pt/247/artigos/121885/Delenda-est-PT.htm

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Qual é o limite para Joaquim Barbosa?






Em meu arcabouço de considerações sobre o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, tenho uma postura que já desagradou a muita gente que, como eu, entende que ele já ultrapassou faz tempo os limites que os poderes e deveres advindos de seu cargo lhe impõem. Sempre o critiquei dentro de limites muito definidos.

Apesar de crítico duro da personalidade e das ações dessa autoridade, não hesitei em pregar que certo tipo de crítica que sofre não serve inclusive àqueles que desejam apontar seus inegáveis defeitos – refiro-me a compará-lo a personagens históricos reprováveis que têm a mesma etnia que a sua, pois fazê-lo insere a cor da pele na crítica.

Dessa maneira, sinto-me com absoluta autoridade moral e intelectual para criticá-lo, pois nunca cedi ao ímpeto a que muitos cedem de lhe fazer críticas virulentas ou moralmente cruéis. Não sei o que ele fez na intimidade de seu lar (algumas críticas que recebe são nesse sentido) e nunca o compararia a criminosos ou ditadores igualmente negros.

O que me inibe nas críticas a Barbosa é a sua história de vida e tudo o que alguém como ele teve que passar para chegar aonde chegou. Quanta discriminação, quantas barreiras ele não teve que enfrentar para vencer na vida? Por certo, muito mais do que um branco. Possivelmente, até mais do que Lula, quem, apesar de todo preconceito sofrido, é branco.

Mas tudo tem um limite. Sob essa aura honorável e inegável de que dispõe, Barbosa parece achar que ela lhe concede licença para fazer qualquer coisa que lhe der na veneta, ao contrário de Lula, cuja origem humilde nunca foi usada por ele para pisar ninguém.

Não basta pisar em jornalistas, políticos, em seus pares no STF. Esse homem parece querer pisar também nas instituições, no Direito e nas leis que o regem e, desgraçadamente – e principalmente –, pisar ainda mais naqueles contra os quais pode investir com suas decisões e, assim, destruir vidas.
O que importava a Barbosa correr o risco de matar José Genoino ao engendrar aquele show apenas para exibi-lo em triunfo à turba catártica que estimulou a babar de ódio e sede de sangue? O sentenciado já está destruído mesmo… Que arrastem aquele farrapo vivo pelas ruas. Se não sobreviver, pouco se perderá. Essa parece ter sido a tese do verdugo do STF.

A lei impede que linche os condenados dos quais a turba quer sangue? Dane-se a lei. As prisões são ilegais sem preenchimento de requisitos legais? Não percamos tempo, a turba tratará de coonestar o excesso. O juiz que administrará o castigo não é suficientemente rigoroso? Mude-se o juiz, mesmo que violando a lei e a impessoalidade na aplicação da pena.

Joaquim Barbosa, pois, substituiu as leis pelos aplausos dos frequentadores de restaurantes caros. A ovação de grande parte de uma elite que sempre o desprezou enquanto o considerava “o juiz negro de Lula” – e diante da qual, ao esmagar petistas, ele se “redimiu” – faz com que sinta-se autorizado a torcer aquelas leis como a turba exija.

As associações de magistrados, a OAB, seus pares no STF, a imprensa, a classe política, enfim, todo aquele que o questionar, ele insinua que integra uma súcia de corruptos e aproveitadores que só ele teve coragem de barrar e de acusar. Só ele presta, então.

Chegou o momento, pois, de ser discutido o limite para que qualquer cidadão neste país tenha tal poder sobre a vida das pessoas. Chegou o momento não de discutir um limite só a Joaquim Barbosa, mas à possibilidade de alguém como ele amealhar tanto poder.

O posto de presidente do STF, porém, não concede tanto poder. O poder – por si só enorme – que esse cargo concede foi reforçado pelo poder da mídia antipetista, que, visando exterminar seus adversários políticos, enfiou nas mentes mais frágeis e truculentas a ideia de que para punir os corruptos que aponta, vale tudo.

É novidade, isso, no Brasil? Só quem não viveu o regime militar pode pensar assim. “Adaptar” leis para condenar desafetos é a tônica das ditaduras. Foi a da ditadura militar brasileira e é a de tantas outras ditaduras de ontem e de hoje.

“Ah, mas o Brasil é governado pelo PT e ditadura quem impõe são governos”, dirão os que embarcaram nessa viagem de poder de Barbosa. Estão errados. A ditadura militar não veio do governo, mas de uma instituição que devia obediência a ele, as Forças Armadas. Qual é a diferença entre um processo ditatorial ser desencadeado por elas ou pelo STF?

Diante do exposto, só resta a exortação ao debate sobre os limites de poder a qualquer um que ocupe um cargo público neste país, seja de presidente da República ou do STF. Ninguém pode “forçar” a lei e mandar quem reclama para o inferno, recusando-se inclusive a prestar contas, a responder questionamentos como Barbosa tem feito.

Com os últimos acontecimentos, parece que os setores mais representativos da Justiça e dos demais Poderes constituídos já começaram a entender isso. Ou será que ainda não?

http://www.blogdacidadania.com.br/2013/11/qual-e-o-limite-para-joaquim-barbosa/

Ensaio contra a maré

mensaleiros James Akel transcreve em sua coluna texto de Carlos Brickmann sobre as prisões dos mensaleiros


Com a prisão, os condenados pelo mensalão foram punidos e a vingança se realizou. Ir além disso é retroceder a épocas que já deviam ter sido superadas

Não, não se vai discutir aqui nenhuma condenação do mensalão.

A Justiça examinou o processo e decidiu o destino dos réus. Este jornalista, que de direito só sabe que nada sabe, não terá a presunção de colegas que nem leram o processo e, se lessem, não o entenderiam, mas decretaram que está tudo errado. Não há o que discutir: já houve a condenação. Que a lei seja cumprida.

Mas o clima de mata e esfola não está na lei. A vigilância para saber se os condenados terão água quente para o banho –ó, escândalo!– ou se poderão receber comida enviada por sua família é feroz.

E se, absurdo dos absurdos, os condenados tiverem a extraordinária mordomia de usar uma privada comum, e não aquele buraco no chão conhecido como privada turca, aí estará a prova de que gente poderosa leva vantagem até mesmo na prisão. Até leva, mas não aí.

Terra do samba e do pandeiro, povo cordial, gente alegre e de boa índole, de fácil confraternização. Mas, quando o assunto é a punição de um condenado, o que se defende é a mais medieval das masmorras, de preferência com paredes úmidas. Alimentação: pão e água, sendo o pão velho e embolorado e a água de beber, ao contrário da do banho, morna quase quente.

Alguma dúvida? Basta ler a seção de cartas dos jornais, ou os comentários em redes sociais. Há o esperneio dos que dizem que, se não foram apanhados todos os corruptos, nenhum deve ser preso, porque isso é injusto. E há os que, lembrados de que José Genoino tem problemas de saúde, assinam que não se importam com o que esteja sofrendo.

O que a lei prevê é a privação de liberdade, em diversos graus. A lei não prevê maus-tratos, não prevê castigos físicos, não prevê condições inadequadas de prisão.
A tal privada turca, por exemplo, é usada em vários países e é comum em algumas regiões mais pobres do Brasil. Seu uso em prisões visa evitar que uma privada comum possa ser quebrada e utilizada como arma por presos rebelados, ou como instrumento de suicídio.

Não é o caso dos presos do mensalão: nem promoverão rebeliões violentas, nem parecem deprimidos a ponto de tentar suicídio. Ao contrário, alguns entraram na prisão com braços erguidos, parecendo animados ao buscar o papel de símbolos da política, e não da corrupção.

Por que obrigar pessoas próximas dos 70 anos a acocorar-se para fazer suas necessidades? Muitos têm problemas de saúde que os impedem de fazê-lo. Os condenados deveriam ter pensado nisso antes de cometer os atos que os levaram à prisão? Não –da mesma forma que ninguém, ao acender um cigarro, ao distrair-se com o celular ao volante, ao beber além da conta, pensa nas más consequências do ato.

Não é por isso que a sociedade deve festejar a morte de um motorista bêbado. Deve, isso sim, tentar evitar que ele se embebede, ou que dirija, e levá-lo para tratamento, se sofrer um acidente.

Uma sociedade que, mesmo tendo razão ao reivindicar a aplicação rígida da lei, tenta extrapolar seus limites para atormentar ainda mais quem já foi punido pela privação da liberdade precisa se reavaliar. Com a prisão, os infratores foram punidos e a vingança da sociedade se realizou. Ir além é retroceder a épocas que já deveriam ter sido superadas.

O título deste artigo foi copiado do excelente livro de Roberto Campos, que desafiava aquilo que a opinião pública tinha como verdade.

CARLOS BRICKMANN, 69, jornalista e consultor de comunicação, é diretor da Brickmann & Associados. Foi editor e repórter especial daFolha

“A Lei sou eu”: Justiça e vingança, a saga dos Genoino



familia do genuino A Lei sou eu: Justiça e vingança, a saga dos Genoino

Vou dar uma folga hoje ao jornalista que atende pelo mesmo nome e pedir licença a vocês para escrever este texto como velho amigo da família de José Genoíno, que é o que mais me importa neste momento. Para mim, embora ganhe a vida atualmente como comentarista político, o destino dos seres humanos sempre esteve acima de qualquer outra questão, ao longo deste quase meio século de carreira de repórter, em que procurei contar as histórias da minha terra e da minha gente, em sua grande maioria brasileiros anônimos.

De tanto ler ao longo da semana colunas, blogs e comentários nas redes sociais eivados de torpezas, vilezas, canalhices, sordidez, perversões, infâmias, sabujice, injúrias e safadezas, estava relutando em voltar ao assunto porque chega uma hora em que a indignação é tanta que as palavras chegam a perder o sentido, a gente já nem sabe o que dizer.

Mudei de ideia na manhã desta sexta-feira cinzenta em São Paulo, ao ler, na página A3 da Folha, o artigo do competente jornalista Carlos Brickmann, que pode ser acusado de tudo, menos de ser petista.

Escreve Brickmann: "Uma sociedade que, mesmo tendo razão ao reivindicar a aplicação rígida da lei, tenta extrapolar seus limites para atormentar ainda mais quem já foi punido pela privação da liberdade precisa se reavaliar. Com a prisão, os infratores foram punidos e a vingança da sociedade se realizou. Ir além é retroceder a épocas que já deveriam ter sido superadas".

O que boa parte dos jornalistas-pistoleiros acoitados na grande imprensa quer, na verdade, não é Justiça, mas vingança contra um partido político e seus dirigentes _ e José Genoíno, deputado federal e ex-presidente do PT, tornou-se seu principal alvo. "O que a lei prevê é a privação da liberdade, em diversos graus. A lei não prevê maus-tratos, não prevê castigos físicos, não prevê condições inadequadas de prisão", lembra Brickmann, com toda propriedade.

Como pode o mesmo Supremo Tribunal Federal que adotou a teoria do "domínio do fato", para punir mesmo sem provas ou atos de ofício, permitir que um homem gravemente doente do coração, como é do conhecimento geral da Nação, seja jogado num presídio em regime fechado quando foi condenado ao semiaberto?

Esta barbaridade já durava uma semana, quando foi momentaneamente suspensa para que Genoíno fosse levado a um hospital na tarde de quinta-feira, depois de declarar, em pé, na sala do diretor do presídio, aos colegas que foram visita-lo: "Entre a submissão e a humilhação, eu vou para a luta nem que leve a minha vida".

Filho de lavradores, nascido na comunidade de Várzea Redonda, em Quixeramobim, no Ceará, acolhido na casa paroquial de Senador Pompeu para que pudesse estudar, líder estudantil e ex-guerrilheiro, fundador do PT, parlamentar quase a vida toda, Genoíno é a prova viva da famosa frase de Euclides da Cunha, segundo a qual "o sertanejo é antes de tudo um forte". Por isso, não me surpreende a sua disposição de enfrentar as dificuldades de cabeça erguida.

Mas não é só ele: o que mais me comove em toda esta história é o comportamento de solidariedade permanente e absoluta de sua família, a pequena grande Rioco, que conheceu na prisão, e seus três filhos, Miruna, Ronan e Mariana, que estão sempre por perto na Papuda para zelar por sua integridade física e denunciar o tratamento desumano que lhe é dispensado desde que se apresentou à Polícia Federal.

Parafraseando Luís XIV, o rei absolutista da França, a quem é atribuída a frase "O Estado sou eu", José Genoíno e os demais políticos presos estão submetidos ao livre-arbítrio de Joaquim Barbosa e outros ministros, que adotaram o lema "A Lei sou eu", para atender à sanha de jornalistas e seus leitores ensandecidos, que não se conformam apenas com a condenação dos réus, mas querem humilha-los e, se possível, extermina-los.

"Por que obrigar pessoas próximas dos 70 anos a acocorar-se para fazer suas necessidades?", indaga em seu artigo o colega Carlinhos Brickmann, a quem agradeço por me dar as palavras que não encontrava para expressar meu sentimento de vergonha, dor e revolta. Sim, eu sei, são estas as condições degradantes em que vive a grande maioria dos presos no nosso país, mas nem por isso vou me conformar com a saga de sofrimento enfrentada pela família de Genoíno, em defesa da vida, enquanto se multiplicam as cenas de tripúdio explícito dos arautos da morte diante da dor alheia.

Aguenta firme, Genoíno, e manda um abraço para toda a família, e aos amigos Zé Dirceu e Delúbio, que espero reencontrar em breve, quando a lei for cumprida e eles passarem para o regime semiaberto ao qual foram condenados. Um dia, que espero não demore muito, a História fará Justiça com vocês.
Perdoem-me o desabafo, mas tem hora que o cidadão engole o jornalista. Jornalistas temos muitos; amigos, nem tanto.

Em tempo: o texto acima foi publicado às 10h44 desta sexta-feira. 

veja A Lei sou eu: Justiça e vingança, a saga dos Genoino

Por alguma ironia na vida, a edição da revista "Veja" que vi na banca nesta manhã de sábado dá uma foto do presidente do STF, Joaquim Barbosa, de costas, sob o título "A lei".


http://noticias.r7.com/blogs/ricardo-kotscho/2013/11/22/a-lei-sou-eu-justica-e-vinganca-a-saga-dos-genoino/

Os sete pecados do Supremo


Projeção e obstáculos: Jornalista fala do impacto da biografia de Roberto Carlos em sua carreira


Entre os nomes mais lembrados na polêmica envolvendo as biografias não autorizadas, o caso do jornalista e historiador Paulo Cesar de Araújo, autor da obra “Roberto Carlos em Detalhes”, proibida em 2007, voltou à tona há pouco mais de um mês, quando o grupo de artistas conhecido como Procure Saber posicionou-se de forma contrária às mudanças na legislação atual.

0-0-0-0-0-0paulo cesar de araujoPaulo Cesar de Araújo falou sobre a repercussão da polêmica das biografias (Imagem: Divulgação)Araújo participou de debate sobre o tema promovido pelo jornal O Globo nessa quinta-feira, 21, no Rio de Janeiro. Ele relatou o processo de pesquisa ao longo de 15 anos para escrever o livro. Em entrevista ao Comunique-se, fala sobre sua relação com Roberto Carlos e antecipa que não vai parar de escrever.
Confira a íntegra da conversa:

Como foi a ideia de escrever a biografia? Você imaginava que poderia gerar toda essa repercussão?
 
Meu compromisso foi com o conhecimento e a informação. Quis preencher essa lacuna na história da música. O processo sempre foi uma possibilidade, mas a minha preocupação não era o Roberto. Não fiz para agradá-lo, por isso não coloquei uma capa azul e branca e abordei temas que sabia que ele poderia não gostar.

A polêmica com o Roberto Carlos valorizou ou desfavoreceu sua carreira?

A proibição me deu uma projeção maior, porque isso resultou em projeto de lei no congresso, cujo marco reconhecidamente é o veto ao livro “Roberto Carlos em Detalhes”. Isso extrapolou a mera biografia e se tornou um debate nacional. Mas, por outro lado, esse processo me impediu de escrever outros livros, dificultou minha própria produção pelo tempo que me ocupou em reuniões com advogados.

Você sente que portas se abriram ou que foram fechadas após o impasse?

Se não existisse a proibição, já teria publicado duas ou três obras, teria seguido uma carreira de escritor mais regular. Tudo tem os dois lados: a projeção pode trazer benefícios para os próximos livros.

Falando em próximos livros, você está trabalhando em outra biografia agora?

Estou concluindo o livro sobre os bastidores dessa pesquisa. Para fazer o “Eu não sou cachorro, não” e “Roberto Carlos em Detalhes” entrevistei cerca de 200 personagens da música brasileira. Estou contando meus encontros, de Waldick Soriano a João Gilberto, meus desencontros com Roberto. Tudo que aconteceu nesses 15 anos de pesquisa.

A polêmica também vai entrar no livro? Há previsão para o lançamento do título?

Sim, também. Vou contar tudo que aconteceu nos bastidores de toda a apuração, todas as entrevistas. O embate judicial que originou isso, o debate com amplitude nacional. A previsão que é a obra seja lançada no próximo ano.

Se Roberto Carlos pedisse para alterar algo no livro, você faria?

Já estamos em outra etapa. A fase de entendimento com o Roberto foi lá na audiência da conciliação, mas infelizmente ele não quis acordo, proibiu todo o livro, todos os capítulos. Agora, mudando a lei, nós temos que adequar o livro à realidade do país, que é de livre expressão.

Ele chegou a externar se teve exatamente alguma passagem do livro que o incomodou?

Ele próprio disse ao Fantástico que não ficou incomodado com o relato do acidente [...], coisa que muitas pessoas diziam. Ele derrubou isso. Não há o que mudar no livro, só o que acrescentar. Tenho que atualizar apenas, pois foi impresso em 2006. A música “Esse cara sou eu”, por exemplo, não está lá. Vai ter que entrar na edição atualizada e ampliada.

Qual o seu contato com o cantor?

Tentei durante 15 anos uma entrevista exclusiva com o Roberto e não consegui. Tive encontros informais, nos bastidores dos camarins. Fui a todas coletivas que ele concedeu no Rio de Janeiro. A conversa mesmo só aconteceu na audiência de conciliação, na frente do juiz.

Durante e depois do processo, vocês chegaram a ter um bate papo?
 
Não vou chamar de bate papo, porque é uma coisa bacana. Na verdade, foi um embate numa vara criminal, diante do juiz e dois promotores. Claro, ele reclamou do livro não ter sido autorizado e eu me defendi. Foi o único momento de uma conversa presencial.

Quando ele foi à Justiça para impedir a venda do livro, você se surpreendeu?

O que me surpreendeu foi a violência do processo, o pedido de prisão. Geralmente, os processos contra jornalistas e escritores correm sempre na área cível. Ele também entrou na criminal. Pediu R$ 500 mil por dia. Claro que isso foi surpreendente, ainda mais partindo de alguém que defende a paz, o amor, a compreensão entre os homens. Há uma frase em música que ele compôs que diz: “Não importam os motivos da guerra, a paz é mais importante”.

Se o veto judicial à sua biografia sobre Roberto Carlos persistir, o que você pensa em fazer?

Se persistir, vou continuar produzindo, escrevendo, pesquisando. Não sei se será publicado, porque não depende só de mim, é preciso ter editora. Eu sou favorável ao enfrentamento, acho que as trevas não podem prevalecer contra a luz. Até entendo quando alguns biógrafos dizem que não querem escrever mais, é razoável isso também, mas penso diferente. Eles queriam que todo mundo parasse, mas vou continuar do mesmo jeito. Até porque sigo a Constituição. É o artigo 20 que está criando todo esse problema. Se o judiciário não resolver isso, lamento pelo país, por todos nós, mas não vou parar de pesquisar e escrever por causa de uma aberração.

http://portal.comunique-se.com.br/index.php/destaque-home/73305-projecao-e-obstaculos-jornalista-fala-do-impacto-da-biografia-de-roberto-carlos-em-sua-carreira

Trocas fazem parte da rotina, diz TJ-DF sobre o novo juiz do mensalão



SEVERINO MOTTA
DE BRASÍLIA


O TJ-DF (Tribunal de Justiça do Distrito Federal) divulgou uma nota na noite desta segunda-feira (25) afirmando que a atuação do juiz substituto da VEP (Vara de Execuções Penais) Bruno Ribeiro no processo do mensalão faz parte da rotina da corte e está "dentro do ordenamento jurídico nacional".
Conforme o site da Folha revelou no domingo, o juiz titular da VEP, Ademar Vasconcelos, que estava à frente da execução das penas dos condenados do mensalão, foi substituído por Ribeiro, que passará a ser o principal responsável pelo caso na Vara de Execuções.

Três associações de magistrados criticam Barbosa pela troca do juiz do mensalão

A troca de comando do processo aconteceu após Vasconcelos protagonizar uma série de episódios que irritaram o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Joaquim Barbosa.
Entre eles está o fato de Vasconcelos ter dado declarações à Folha dizendo que as penas contra os sentenciados no mensalão seriam "inócuas", uma vez que eles já haviam sido condenados publicamente.

O presidente do Supremo também se irritou devido ao envio, por parte de Vasconcelos, de informações conflitantes sobre o estado de saúde do ex-presidente do PT José Genoino e com a publicação de uma entrevista com o petista na revista IstoÉ sem autorização expressa da Justiça.
Devido à rota de colisão com Barbosa, a direção do TJ resolveu tirar o caso de Vasconcelos e passar para Ribeiro, que antes mesmo das prisões já havia recebido do presidente do STF documentos relativos à execução penal dos condenados.

Na nota, o TJ tenta minimizar o caso dizendo que a execução das penas do mensalão estão a cargo do STF e que a VEP atua como mera auxiliar no processo.

Além disso, destaca que qualquer um dos cinco juízes que lá estão lotados podem atuar no processo, não havendo nenhum tipo de problema no fato de Vasconcelos ter tomado as primeiras decisões no caso e agora elas estarem sendo resolvidas por Ribeiro.

"A delegação remetida pela Presidência do STF na referida ação penal foi dirigida ao Juízo da VEP/DF e não elegeu nem excluiu qualquer dos Magistrados ali lotados para a prática de atos processuais, razão pela qual mais de um Juiz já atuou no feito, nos estritos limites da delegação e em absoluta observância ao ordenamento jurídico nacional e às rotinas da Unidade Judiciária", diz trecho da nota.

O documento ainda ressalta que não há nenhum tipo de "procedimento, acordo ou decisão proferida" pelo tribunal que formalize a substituição de Vasconcelos por Ribeiro na execução do mensalão.
Na prática, conforme a Folha apurou, apesar de não haver uma decisão formal do tribunal, Vasconcelos saiu do comando do caso e Ribeiro será o responsável pela ação dentro da VEP.


 
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/11/1376579-trocas-fazem-parte-da-rotina-diz-tj-df-sobre-o-novo-juiz-do-mensalao.shtml

MAIOR CONSTITUCIONALISTA VIVO SUGERE REVER AP 470

Jurista português José Joaquim Gomes Canotilho, um dos mais respeitados do mundo e guru de diversos ministros do STF, aponta "publicidade excessiva" na Ação Penal 470. "Uma publicidade multiplicada, não só pelo estatuto das pessoas, mas porque há uma certa opinião pública que pretende, em muitos momentos da vida coletiva, uma catarse. São esses os fatos: o Brasil tem necessidade da catarse, da purificação, da honradez, da legitimação do próprio poder político", diz ele, que defende ainda o segundo grau de jurisdição
24 DE NOVEMBRO DE 2013 
247 - Tido como o maior constitucionalista vivo, no mundo, o jurista português José Joaquim Gomes Canotilho concedeu uma importante entrevista ao jornalista Ricardo Mendonça, da Folha (leia aqui). Nela, defendeu o direito dos réus ao duplo grau de jurisdição.
Canotilho também condenou a publicidade excessiva em torno do julgamento. "Uma publicidade multiplicada, não só pelo estatuto das pessoas, mas porque há uma certa opinião pública que pretende, em muitos momentos da vida coletiva, uma catarse. São esses os fatos: o Brasil tem necessidade da catarse, da purificação, da honradez, da legitimação do próprio poder político", disse ele.
Ele também defendeu o duplo grau de jurisdição. "Quando a gente diz que tem de ter sempre direito a recurso por uma segunda instância, para estar mais informado, é, em geral, nas questões penais. Ou seja, o duplo grau de jurisdição. Nós consideramos isso como um dado constitucional em questões penais. Isso é verdade (...) na questão penal, é também dado como certo que o duplo grau de jurisdição é quase uma dimensão material do direito ao direito de ir aos tribunais".
 

As ilegalidades nas prisões do mensalão

Do Último Segundo
 
 
Por Wilson Lima
 
Problemas vão de cumprimento de prisão em regime incompatível ao condenado a prisões de réus ainda sem a determinação legal de encerramento do processo

Uma série de ilegalidades marcaram as 11 primeiras prisões dos condenados no processo do mensalão. Segundo advogados ouvidos pelo iG , entre as irregularidades estão desde a execução de prisão sem cartas de sentença à até condenação de réus cujo encerramento do processo, oficialmente, não ocorreu.

Por conta desses problemas, Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), deverá ter mais cautela com outros procedimentos relacionados a prisões dos demais réus do mensalão. A princípio todas as ordens de prisões agora terão um parecer prévio da Procuradoria Geral da República (PGR) antes de serem executadas.

A primeira irregularidade apontada por advogados ocorreu no próprio ato de expedição dos mandados de prisão, na sexta-feira (15). Advogados dos condenados afirmam que, oficialmente, após o término do julgamento dos segundos embargos declaratórios, não houve proclamação de resultado da sessão. Para efeitos jurídicos, é como se o julgamento não tivesse sido concluído.

A proclamação do resultado ocorreu apenas por meio de ata na quinta-feira da semana passada. Mesmo assim, ministros e até a Procuradoria Geral da República tinham dúvidas quanto ao resultado. Na quarta-feira (20), por exemplo, a vice-procuradora Geral, Ela Weicko, questionou o ministro e presidente do Supremo Joaquim Barbosa em plena sessão de julgamento. “O resultado chegou a ser proclamado?”. O presidente apenas informou que a proclamação do resultado constava em ata. A falha motivou a defesa do ex-tesoureiro do PL (hoje PR) Jacinto Lamas a ingressar com uma petição requerendo a anulação da ata do julgamento por esse motivo.


O encarceramento dos condenados sem as cartas de sentença foi outro processo alvo de questionamento de advogados e juristas. Essa semana, o iG mostrou que o presidente do STF desrespeitou uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), expedida em 2010, que regulamenta o trâmite para o início das prisões de condenados. Além de presidente do STF, Barbosa também é presidente do CNJ.

Essa resolução (113/2010) tem o objetivo de organizar a execução de prisões em todo o Brasil mas também evitar que o preso ficasse por um tempo indeterminado cumprindo um regime ao qual ele não foi condenado. Com 26 artigos, essa resolução determina que o processo de execução da sentença deve ter, além da carta de sentença, outras 12 peças jurídicas entre as quais “qualificação completa do réu”, “interrogatório do executado na polícia e em juízo”, “cópias da denúncia”, “cópias da denúncia”, “cópias da sentença, votos e acórdãos (íntegra do julgamento) e respectivos termos de publicação”. Destas 13 peças jurídicas, os condenados foram para a cadeia apenas com os seus respectivos mandados de prisão.

Prisões com embargos

Um dos pontos mais polêmicos relacionados às prisões está o encarceramento de réus que ainda tinham direito aos chamados “embargos infringentes”. Esse recurso dá direito a um novo julgamento nos crimes em que o réu obteve quatro votos a favor de sua absolvição.

Dos 11 réus que foram para a prisão, dois tinham direito e ingressaram com embargos infringentes em todas as penas, mas mesmo assim estão presos. Foram os casos do ex-presidente do Banco Rural, José Roberto Salgado, e do ex-sócio de Marcos Valério, Ramon Hollerbach. O primeiro foi condenado a 16 anos e 8 meses e o segundo a 29 anos e 7 meses. Ambos apresentaram embargos infringentes em todos os crimes e, teoricamente, não poderiam ser presos conforme decisão do próprio STF. O deputado federal Valdemar Costa Neto (PR), condenado a 7 anos e 10 meses, ingressou com embargos infringentes em todos os crimes, mesmo sem direito a eles, e não foi preso.
No caso de Salgado, as cartas de sentença determinaram o cumprimento imediato de 8 anos e 2 meses, metade do qual ele foi condenado. No caso de Hollerbach, as penas que estão sendo imediatamente executadas correspondem a 9 anos e 10 meses à parcela pendente de recurso.

Também há casos de réus que cumprem apenas parte da pena com dúvidas sobre o que de fato estão cumprindo. A ex-funcionária de Marcos Valério, Simone Vasconcelos, foi condenada a 12 anos e 7 meses pelos crimes de formação de quadrilha, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Mas foi considerado o trânsito em julgado de 10 anos e 10 meses dos 12 anos de sua condenação. No caso dela, o presidente do Supremo considerou o encerramento do processo parcialmente nas penas ainda pendentes de questionamento. No caso do crime de lavagem de dinheiro, por exemplo, o presidente do STF entendeu que houve questionamento de apenas 1 ano dos cinco anos pelos quais ela foi condenada.

O caso de Simone Vasconcelos chama a atenção porque, nesse tópico, três ministros deram a ela uma pena mais branda – 3 anos e 4 meses de reclusão. Conforme advogados ouvidos pelo iG, mesmo que o presidente do STF considerasse a pena imposta pela minoria, pelo crimes de lavagem ela deveria cumprir 3 anos e 4 meses e não 4 anos como está na carta de sentença.

Genoino

Outra questão considerada ilegal foi o encarceramento ao regime fechado de pessoas condenadas ao semiaberto. Essa ilegalidade foi apontada por colegas de Barbosa, como o ministro Marco Aurélio Mello.

O núcleo do PT, o ex-presidente do partido José Genoino, o ex-ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu, e o ex-tesoureiro da legenda, Delúbio Soares, passaram quase quatro dias cumprindo penas no regime fechado, mas todos estão condenados ao regime semiaberto.

No caso de Genoino, advogados dos réus alegaram que ele deveria ter ido diretamente para a prisão domiciliar em função do seu estado de saúde. Genoino ainda se recupera de uma cirurgia cardíaca realizada há aproximadamente três meses. Ele somente conseguiu o benefício, ainda em caráter temporário, após ter um princípio de infarto na quinta-feira (21), no complexo Penitenciário da Papuda, no Distrito Federal (DF).

O artigo 318 do Código de Processo Penal afirma que “poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar” quando o condenado for “extremamente debilitado em função de doença grave”. Antes de ficar custodiado na sede da Polícia Federal, Genoino negou-se a submeter-se a exames clínicos exigidos para réus que ingressam no sistema prisional. Mas depois seus advogados ingressaram com laudos médicos atestando a fragilidade da saúde do ex-presidente do PT. Mesmo assim, o presidente do STF pediu novos laudos médicos para comprovar a idoneidade dos laudos apresentados pela defesa petista e na decisão que liberou Genoino para cumprir uma prisão domiciliar temporária, Barbosa sugere que foi levado a erro pelo juiz de execução penal do Distrito Federal, Ademar Vasconcelos.

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O mensalão e o terror originário, por Aldo Fornazieri

 
Independentemente de possíveis erros e injustiças que o julgamento da Ação Penal 470 possa ter cometido e das controvérsias que se seguirão a seu respeito, uma das suas várias conseqüências, ao menos, é possível de ser assentada: houve um aumento do risco da prática da corrupção e isto provocará temor nos políticos e nos funcionários públicos quanto à tentação de cometer este delito. A prisão dos condenados – políticos que foram poderosos e banqueiros, entre eles – suscita a idéia de que a impunidade para com a corrupção teve um marco fincado, uma linha divisória traçada, que precisam ser respeitados. Se até agora o baixo risco compensava a corrupção, a punição é um desestímulo.
 
Os julgamentos dos próximos casos de corrupção – o mensalão mineiro, o propinoduto no Estado de São Paulo, os fiscais da Prefeitura, o presidente destituído do Tribunal de Justiça da Bahia, o mensalão do DEM em Brasília etc., - evidentemente, terão que confirmar este marco. Se não o confirmarem, a impressão que ficará é que a AP 470 foi parcial e que se constituiu numa vingança contra o PT. É preciso notar que se a condenação e as prisões constrangem políticos e funcionários públicos, elas constrangem também o judiciário. Para que não seja acusado de parcialidade, este poder terá que positivar o julgamento do mensalão como prática recorrente, como uma espécie de cláusula vinculante, válida para os outros casos de corrupção. Isto significa que a condenação de corruptos terá que ser critério geral do judiciário de agora em diante. Se isto ocorrer, a AP 470 terá exercido o efeito do chamado “terror originário” ou “terror fundante”, referido por Maquiavel.
 
O Terror Originário
 
A tese de Maquiavel é a de que nos Estados bem fundados, o ato da  fundação está envolvido no processo de produção de um terror originário. Este terror nasce de atos de força e de violência perpetrados pelo líder da fundação ou pode estar codificado na lei rigorosa ou na religião que estabelece obrigatoriedades severas. Normalmente, o terror aparece de forma combinada nos três modelos: na violência punitiva da espada pública, na lei ou na religião. A função principal do terror originário é o de difundir o medo do castigo e garantir a vigência da lei e da nova ordem que ele estabelece. O ato mais conhecido e popular de terror originário foi aquele perpetrado por Moisés que, ao descer do monte onde havia recebido as tábuas da lei, encontrou o povo adorando um bezerro de ouro. Ele mandou passar no fio da espada cerca de 23 mil homens, o que infundiu o terrível medo do castigo para o caso da violação da lei. Rômulo, Teseu e Ciro, os outros heróis de Maquiavel, também perpetraram a violência originária para fazer valer os estatutos legais e legitimar na nova ordem.
 
Para Maquiavel, O terror originário é uma exigência mesma do caráter ambivalente dos seres humanos, definido como natureza e como cultura, como bestia (animal) e como ser racional. Sendo a natureza humana portadora da potência universal da maldade, sem o medo suscitado pelo terror originário, o poder não se constituirá adequadamente e a lei não terá a força de codificar a violência monopolizada e legítima do Estado. Consequentemente, a lei não terá força de desenvolver-se e gerar as condições de um viver civil adequado e civilizado e o homem tenderá a praticar o mal sempre que possível. O medo do castigo é uma exigência mesma para criar os impulsos necessários à civilização do homem e ao controle da bestia.
 
Para que sua eficiência perdure, o terror originário terá que ser reposto recorrentemente, seja pela excelência e força das leis, seja por expurgos, ou seja, por atos exemplares, capazes de mantê-lo vivo na mente dos povos na forma do medo do castigo. O terror originário expressa, assim, o nascimento da própria virtude (virtù) dos povos, dos governantes e das instituições, sem a qual os corpos políticos se corrompem.
 
A República de Roma antiga nos oferece inúmeros exemplos de reposição do terror originário. Um dos casos mais emblemáticos foi o do Cônsul e general Tito Mânlio Torquato. Dada situação defícil do exército romano na guerra contra os latinos, o seu filho, também chamado Tito Mânlio, decidiu atacar os inimigos por conta própria, com um grupo de soldados. A indisciplina obrigou o general a julgar seu próprio filho, condenando-o à morte, embora o amasse profundamente. A crueldade da pena e a dor do pai causaram consternação e temor em todo o exército, fator que estimulou a bravura. O exemplo dos governantes e dos líderes na observância da lei, a punição das más ações e a premiação das boas, praticadas em favor do bem público, são estímulos potentes para a vigência e a prática das virtudes cívicas e para a difusão da moralidade política e social.
 
Brasil: Um Estado Mal Fundado
 
O Brasil não se enquadra nem nas tipologias antigas (Israel, Roma, Pérsia, Atenas), nem nas tipologias modernas (Estados Unidos), de Estados bem fundados. Estados mal fundados tendem a ficar por longos tempos extraviados, na busca de um rumo. Nunca tivemos um terror originário que representasse um acerto de contas com a antiga ordem dominante e fundasse uma nova, com base na lei, na justiça e na equidade. Sequer tivemos uma fundação enquanto nação. Na Independência, os donos da nova ordem foram os que estavam no poder na antiga. A República representou a continuidade do mando de setores do velho estamento, agora associados às oligarquias estaduais.
 
As leis nunca funcionaram a partir do princípio da igualdade – pressuposto das democracias modernas. O seu enorme emaranhado e a sua falta de clareza são a base da impunidade e da permissividade corrupta. Elas sempre serviram de instrumentos de violência e de punição de escravos, de negros e de pobres e de massacre de índios. No Brasil, temos ainda um vasto império do mando pessoal que sufoca a lei isenta pela vontade do arbítrio. A aplicação da justiça é enviesada e as estatísticas carcerárias estão aí para provar que os pobres são seletivamente punidos. Os líderes são exímios na promoção do mau exemplo. Nas solenidades de concessão de medalhas nos finais de ano, os poderosos se premiam a si mesmo e aos áulicos, quando não até alguns corruptos. As virtudes, os bons exemplos, as ciências, os inventos, nunca são condecorados.
 
O atual quadro de coisas gerou uma exaustão da sociedade para com o sistema político e para com as instituições, situação agravada pela crise de lideranças e de perspectivas. A reforma do Código de Processo Penal é urgente, assim como outras reformas institucionais, pois se trata de um imperativo para a democratização do Brasil. Em junho, setores da sociedade perceberam que as mudanças só virão com a pressão das ruas. O ano de 2014 oferece uma enorme oportunidade para que o sossego do marketing político e as campanhas de TV sejam acossados pelo calor das ruas.
 
Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de Sociologia e Política
 
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Que o rigor continue


Chegou a hora de o STF julgar o processo do mensalão tucano e mostrar para a sociedade que a Justiça não tem coloração partidária

Alan Rodrigues


Com a prisão dos primeiros condenados na Ação Penal 470, o chamado mensalão do PT, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem agora o dever de mostrar à sociedade que é de fato uma corte sem coloração partidária. Juristas de diversos matizes ideológicos passaram os últimos dias proclamando que o julgamento do mensalão petista somente se consolidará como um divisor de águas na Justiça brasileira caso os critérios e a celeridade adotados pelos ministros sirvam para balizar as outras ações que tramitam na Suprema Corte. E o caso que melhor pode sinalizar esses novos tempos é conhecido como mensalão tucano ou mensalão mineiro. O esquema de desvio de dinheiro público montado em 1998 para abastecer ilegalmente a malsucedida disputa pela reeleição de Eduardo Azeredo ao governo de Minas Gerais foi denunciado por ­ISTOÉ em setembro de 2007 e é apontado pelo Ministério Público Federal como “a origem”, “o laboratório” do mensalão do PT. “Vamos julgar esse caso o mais depressa que o devido processo legal permitir”, afirmou o ministro Luís Roberto Barroso, relator da ação, na terça-feira 19. Sua avaliação é a de que o julgamento comece em março do ano que vem e termine ainda no primeiro semestre. Essa, porém, não é uma opinião unânime entre os ministros. Na quinta-feira 21, dois deles disseram à ISTOÉ que o caso pode se arrastar para além de 2014.

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O RÉU
Eduardo Azeredo era candidato à reeleição ao governo de Minas
quando foi criado o esquema do mensalão, em 1998

Uma das virtudes mostradas pelo STF no julgamento da Ação Penal 470 foi a celeridade imposta pelo relator Joaquim Barbosa para impedir que alguns crimes fossem prescritos. O mesmo não ocorreu com o mensalão mineiro – o ex-ministro Walfrido dos Mares Guia, um dos envolvidos, já teve sua eventual pena prescrita – e caberá agora ao relator Barroso a difícil missão de acelerar os trâmites, sem atropelar o direito de defesa. Os crimes atribuídos aos condenados do mensalão petista ocorreram entre 2003 e 2005 e o caso foi julgado em 2013. Os crimes atribuídos aos mensaleiros do PSDB, entre eles o atual deputado Eduardo Azeredo, ocorreram em 1998 e desde 2009 a denúncia se arrasta pelos corredores da Suprema Corte. Segundo a contabilidade da Polícia Federal, as investigações somam 159 políticos mineiros beneficiados, de 17 partidos diferentes, além da movimentação financeira de cerca de R$ 100 milhões. Outra diferença já verificada entre os dois casos e que permite uma leitura de que o Judiciário possa estar usando de dois pesos e duas medidas diz respeito às instâncias de julgamento. No caso do mensalão do PT, todos os réus foram julgados pelo STF. Não tiveram, portanto, a oportunidade de recorrer a juízes de tribunais superiores. No processo dos tucanos, apenas os réus com foro privilegiado, como é o caso de Azeredo e do senador Clésio Andrade, acusados de peculato e formação de quadrilha, estão sub judice dos ministros do Supremo. Os demais envolvidos têm suas atividades investigadas pela Justiça de primeira instância, em Minas. Ou seja, se forem condenados, terão como apelar para o Tribunal de Justiça e depois para os tribunais em Brasília.

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O FAVORECIDO
Lentidão da Justiça permitiu que as penas para os crimes
atribuídos ao ex-ministro Mares Guia fossem prescritas

Assim como no esquema petista, no caso do PSDB foi o empresário Marcos Valério quem montou a principal fonte de arrecadação financeira, fazendo operações cruzadas envolvendo sua agência de publicidade SMP&B, empresas estatais e os bancos. No inquérito, vários laudos periciais da PF mostram que Valério obteve um total de R$ 28,5 milhões em diversas operações de empréstimos com os bancos Rural, Cidade e de Crédito Nacional. Segundo a polícia, os empréstimos eram um subterfúgio para encobrir a origem ilícita das verbas tomadas de empresas do Estado, como a Companhia de Saneamento (Copasa), Companhia Mineradora (Comig), Banco do Estado (Bemge) ou Companhia Energética (Cemig). A Polícia Federal concluiu que a lavagem do dinheiro seguiu um mecanismo semelhante ao do mensalão do PT, com a diferença de que, no caso dos mineiros, o desvio dos recursos públicos foi ainda mais explícito. Relatório elaborado pela Polícia Federal e revelado por ISTOÉ conclui que “constatou-se a existência de complexa organização criminosa que atuava a partir de uma divisão muito aprofundada de tarefas, disposta de estruturas herméticas e hierarquizadas, constituída de maneira metódica e duradoura, com o objetivo claro de obter ganhos os mais elevados possíveis, através da prática de ilícitos e do exercício de influência na política e economia local”. O documento faz parte do processo e tem anexado uma série de perícias e laudos contábeis. Segundo alguns juristas, trata-se de uma prova muito mais contundente do que as encontradas no mensalão do PT, mas resta saber se para os tucanos também valerá a teoria do domínio dos fatos para responsabilizar os agentes públicos pela prática corrupta.

http://www.istoe.com.br/reportagens/336020_QUE+O+RIGOR+CONTINUE
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"Jamais deixarei a luta política"


Em entrevista à ISTOÉ, José Genoino fala sobre os momentos na cadeia. Com problemas de saúde, o deputado deve cumprir o restante da sentença em casa

Paulo Moreira Leite
 

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PRESÍDIO DA PAPUDA, QUINTA-FEIRA, 21 DE NOVEMBRO
O deputado José Genoino recebe suas primeiras visitas no cárcere

Levado às pressas para o Incor de Brasília, na tarde da quinta-feira 21, José Genoino recebeu duas notícias ao mesmo tempo. A primeira veio dos médicos. Ao contrário do que se temia no início, ele não havia sofrido um infarto do miocárdio. Enfrentava uma nova crise de pressão alta, igualmente preocupante, mas previsível num paciente em sua condição. A segunda novidade veio do Supremo Tribunal Federal. Como o próprio Genoino, seus advogados e a procuradora-geral da República em exercício, Ella Wiecko, solicitavam desde a segunda-feira 18, o ministro Joaquim Barbosa, presidente do STF, concordou com o pedido de mudar seu regime prisional.

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Em vez de cumprir seis anos e sete meses de pena em regime semiaberto, como ficou definido no julgamento da Ação Penal 470, Genoino foi autorizado a mudar-se para o regime de prisão chamado “domiciliar ou hospitalar”, considerado compatível com um estado de saúde classificado como “grave” ou “ gravíssimo” por todos os médicos que o examinaram nos últimos dias. Com a mudança, deixará de ser obrigado a dormir todas as noites na cela de uma prisão, com direito a sair apenas para trabalhar durante o dia, passando a viver internado num hospital ou mesmo em casa. Joaquim Barbosa fez questão de ressalvar que sua decisão tem caráter “provisório”, esclarecendo que irá aguardar um novo laudo – o quarto em cinco dias – para anunciar uma resolução definitiva. Ao ser informado da mudança, Genoino reagiu em tom de alívio: “Então quer dizer que não vou voltar para a Papuda?”, perguntou à mulher, Rioko, referindo-se ao presídio de Brasília onde se encontrava internado desde o sábado 16. Horas antes de se dirigir ao Incor, ainda na Papuda, Genoino concedeu entrevista exclusiva à ISTOÉ, quando falou do drama de sua terceira prisão. “(Quando entrei na prisão) Vieram à minha cabeça imagens terríveis de quando fui preso durante a ditadura. Depois de uma viagem de um dia inteiro, totalmente desnecessária, ficamos quatro horas em um pátio porque não sabiam onde nos colocar. Se não sabiam onde nos colocar, por que nos fizeram viajar?”, questionou.

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Num país que acompanhava com apreensão a evolução da saúde de Genoino desde a noite da sexta-feira 15, quando ele se apresentou de punho erguido à sede da Polícia Federal, em São Paulo, numa cena que marcou o início das prisões de uma primeira leva de 11 condenados na Ação Penal 470, a decisão de Barbosa teve caráter reconfortante. Não deve ser vista, porém, como sinal de que a condenação tenha sido amenizada. A pena continua igual. A menos que, como outros condenados, Genoino consiga livrar-se da condenação por “formação de quadrilha” no julgamento do STF sobre embargos infringentes, sua situação legal será a mesma de antes.

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O novo regime de prisão é fruto da compreensão de que, diante de seu estado de saúde, as razões da medicina deveriam orientar a letra fria do Direito, pois uma vida humana estava em jogo. Fumante inveterado a ponto de consumir três maços de cigarro por dia até quatro meses atrás, hipertenso que há muitos anos toma medicamento para controlar o mal, Genoino em julho foi vítima de uma dissecção da aorta, patologia que costuma produzir hemorragias graves, infarto e acidente vascular cerebral. Depois de uma cirurgia de oito horas, saiu do Sírio Libanês com uma prótese de 15 cm no tórax para substituir uma parte da aorta. “Nesta situação, é  preciso que o paciente tenha sua pressão arterial mantida nos níveis adequados”, explica o cardiologista Ricardo Miguel, da Sociedade de Cardiologia do Rio de Janeiro. Lembrando que a rotina da prisão pode “desencadear picos de hipertensão, que podem produzir um novo rompimento da aorta”, Ricardo Miguel acredita que “a melhor coisa para um paciente como ele é ficar em casa.” Com pequenas variações, um diagnóstico semelhante foi firmado por Roberto Kalil e Fabio Jatene, dois dos maiores cardiologistas do país, que atenderam Genoino no Sírio, e por Fábio Daniel, que o examinou, a pedido na família, a uma da madrugada de sábado, em Brasília. Os laudos deixaram claro que o deputado era um prisioneiro de risco – e a ninguém interessava a ocorrência de uma tragédia de conseqüências políticas imprevisíveis.

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 Verdadeira exceção numa sociedade polarizada e dividida, onde grande parte da população tem ojeriza por políticos profissionais, Genoino é um parlamentar de sete mandatos que colecionou um número imenso de admiradores nas várias fatias do espectro político, sejam aliados, sejam inimigos. O deputado do PT foi condenado a 6 anos e 11 meses de prisão, em regime semiaberto, por corrupção ativa e formação de quadrilha. Durante o julgamento do mensalão, três ministros que votaram por sua condenação – por ter, como presidente do PT, avalizado os empréstimos fictícios dos bancos BMG e Rural ao PT e participado de reuniões com dirigentes de partidos aliados em que se tratou de apoio político ao governo Lula em troca de vantagens financeiras – não deixaram de ressalvar o caráter admirável de Genoino e sua biografia com tantas passagens exemplares. Assinado por unanimidades da literatura, como Antonio Candido, e da música, como Chico Buarque, circula pela internet, com apoio de 11 000 pessoas, um abaixo-assinado que diz que “José Genoino é um homem honesto, digno, no qual confiamos. José Genoino traduz a história de toda uma geração que ousa sonhar com liberdade, justiça e pão.”

Durante a semana, criticada pelos militantes do PT por manter um silêncio absoluto em relação ao destino dos condenados da Ação Penal 470, a presidenta Dilma Rousseff demonstrou preocupação com a saúde de Genoino por “razões humanitárias.” Na verdade, a presidenta tem uma afeição pessoal pelo deputado e por Rioko, guerrilheira do PC do B como o marido, quando as duas ficaram presas sob a ditadura militar. Quando, em função  da ação penal 470, Genoino deixou o posto de assessor especial no ministério da Defesa, Dilma fez questão de receber o casal num jantar, no Alvorada. “É claro que a presidente se importa com o destino e o estado de vários condenados” afirma um assessor do Planalto. “Mas ela tem uma ligação com Genoino”, reforçou.

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A melhor explicação para uma admiração com origens tão diversas encontra-se, provavelmente, numa ladeira no bairro paulistano do Butantã, endereço do maior patrimônio material do deputado. É um sobrado germinado, em formato de salsicha, comprado há três décadas com financiamento-padrão da Caixa Econômica. Os móveis são simples, mas acolhedores e confortáveis. O índice de luxo é zero e foi ali que o dono da casa criou um filho, uma filha. Uma outra filha de Genoino, nascida de uma relação fora do casamento, sempre morou com a mãe, em Brasília. De correspondentes estrangeiros a prestadores de pequenos serviços, todos visitantes se surpreendem ao descobrir a identidade do dono da casa. “Pensei que deputado só morava em mansão,” admitiu um funcionário de uma empresa de TV a cabo que, em função de uma política permanente de contenção de todas despesas que podem ser eliminadas, fora chamado para desinstalar um ponto num quarto que a primogênita Miruna desocupou quando foi passar uma temporada na Espanha.

Normalmente, Genoino mostra-se constrangido quando o interlocutor ameaça fazer um elogio que no fundo é um diminutivo – falar bem de um sujeito pelo simples fato dele não ter-se tornado ladrão. Considera-se um lutador da política. “Jamais deixarei a luta política. Posso ter que mudar a forma, o local e o uniforme, mas o sentido da minha vida é lutar por sonhos e causas. Nunca lutei por questões pessoais”, disse à ISTOÉ. Sempre atuou à esquerda. Deixou a guerrilha do Araguaia fazendo a autocrítica da luta armada. Tornou-se um dos cérebros do Partido Revolucionário Comunista, uma organização efêmera, em sua existência, mas duradoura em militantes que fizeram boa história – como o governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro e a ex-ministra e adversária Marina Silva, o mártir da ecologia Chico Mendes. Mas na década de 1990 andava tão moderado entre os petistas que sentia-se mais à vontade para dialogar com estrelas do PSDB, inclusive o presidente Fernando Henrique Cardoso, e Luiz Eduardo Magalhães, nome em ascensão no PFL baiano até ser derrubado por um infarto fulminante.  

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Incapaz de longas caminhadas, sem fôlego para a mesma oratória do passado, dias depois de deixar a mesa de cirurgia Genoino entrou com pedido de aposentadoria no Congresso, iniciativa que deu início a uma corrida contra o tempo nos bastidores de Brasília. Interessado em preservar seus direitos como parlamentar, Genoino quer aprovar a aposentadoria o quanto antes, encerrando a carreira no mesmo instante. Em busca de medidas que ajudam a agradar as ruas em ano pré-eleitoral, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, quer votar a cassação dos parlamentares condenados pelo mensalão em prazo recorde. Se isso ocorrer, e Genoino for cassado, perderá o mandato e os direitos acumulados na carreira.  

fotos: Roberto Castro/Ag. ISTOé; reprodução ag. o globo
fotos: Bruno Peres/CB; ANDRE COELHO/Ag. O Globo

http://www.istoe.com.br/reportagens/335964_JAMAIS+DEIXAREI+A+LUTA+POLITICA+