sábado, 16 de março de 2013

Paulo Kliass: O fracasso do governo Dilma nas políticas de comunicações




Recuos nas políticas públicas de comunicações

Se ocorreu alguma diferença com o governo Dilma na preocupação em atenuar a ortodoxia da política econômica, o mesmo não pode ser dito no domínio das comunicações. Ali a opção foi pelo aprofundamento da política voltada ao mundo empresarial.

Paulo Kliass, na Carta Maior

Passados mais de 10 anos de uma grande expectativa criada quanto a mudanças efetivas na condução da política e da economia em nosso país, algumas áreas de foco de ação governamental são mais evidentes por não apresentarem as transformações necessárias e esperadas.

Dentre elas, o setor de comunicações talvez seja um dos que mais concentram as energias da frustração e da desesperança.

Parcela significativa das matérias sob jurisdição do Ministério das Comunicações é composta de temas e processos associados ao conceito de “bens e serviços públicos”, a serem explorados diretamente pelo Estado ou transferidos, sob a forma de concessão, ao setor privado.

As emissoras de rádio e televisão só podem funcionar se obtiverem a autorização oficial do Estado brasileiro para fazê-lo. As empresas de telefonia também operam uma modalidade específica de serviço público e só podem funcionar se forem portadoras de concessão para esse fim. A operação dos serviços de internet e banda larga também exigem autorização, regulamentação e fiscalização da administração pública federal.

Perspectiva de mudanças e frustração

Para quem imaginava que 2003 significaria um momento de reversão da tendência anterior de consolidação das práticas neoliberais no setor, os anos que se seguiram foram bastante desanimadores. A partir de meados do primeiro mandato de Lula, a opção política foi feita e o recado foi transmitido com todas as cores, para que não pairassem dúvidas a respeito da verdadeira intenção política do governo dirigido pelo Partido dos Trabalhadores.

Assim como a condução da política econômica foi entregue ao ex presidente internacional do Bank of Boston, a política de comunicações foi entregue a um fiel servidor dos interesses das Organizações Globo e das grandes corporações do setor.

Depois da nomeação de Henrique Meirelles para a Presidência do Banco Central em 2003, Lula nomeia o Senador Helio Costa para o Ministério das Comunicações em 2005. Enquanto o império de Meirelles durou os exatos 8 anos dos dois mandatos de Lula, Helio Costa ficou “apenas” 5 anos no cargo.

Se ocorreu alguma diferença com a chegada da presidenta Dilma na preocupação em atenuar a ortodoxia da política econômica com tinturas heterodoxas, o mesmo não pode ser dito no domínio das comunicações.
Ali a opção foi pelo aprofundamento da política voltada ao atendimento dos pleitos do mundo empresarial. A nomeação de Paulo Bernardo para o Ministério antes ocupado por Helio Costa não significou nenhuma mudança expressiva em relação à estratégia anterior para o setor.

Telefonia e internet: empresas intocáveis

A agenda da telefonia não representou grandes avanços em termos de melhoria da qualidade dos serviços ou de redução das tarifas elevadas, mesmo para padrões de comparação internacional. As autorizações concedidas para a fusão das grandes empresas do setor não foi revertida.






Os processos envolvendo a ampliação e o aprofundamento da inclusão digital também foram sendo tocados a um ritmo bastante abaixo do desejável. A conivência dos órgãos reguladores com o desleixo a que os usuários dos sistemas de acesso à internet são tratados pelas empresas do setor chega a ser escandalosa.

Um dos exemplos mais gritantes é o direito assistido às empresas para que não cumpram nem mesmo o contratado quanto à velocidade e capacidade de transmissão na rede de banda larga. Por outro lado, pouco se exige em termos de contrapartida das empresas operadoras, no sentido de ampliar a rede de acesso à internet e tornar o sinal acessível em municípios e localidades distantes dos centros urbanos mais adensados.

Já se foram mais de dez anos e o potencial de uso do estoque de fibra ótica da Telebrás permaneceu inutilizado. Isso porque o governo federal tinha condições jurídicas de fazer valer sua condição de acionista majoritário para ampliar a rede física por todo o território nacional. Mas a opção foi pela postura passiva da espera e de não contrariar os interesses dos grandes grupos privados atuantes no setor.

Como a maioria dos grupos privatizados pertence a conglomerados americanos e europeus, as diretrizes empresariais determinam a redução drástica de recursos aplicados em reinvestimentos e o aumento da remessa de lucros para ajudar as matrizes a resolveram a falta de perspectiva pela crise internacional. E os órgãos reguladores do Estado brasileiro assistem calados a tal movimento, que na prática tem o sentido de um lento e silencioso sucateamento desse novo e estratégico setor da economia.

Lei do Marco Regulatório: recuo patético

A outra área de comunicações, também essencial para um governo que se pretenda transformador, não está exatamente sob o domínio de Paulo Bernardo. Trata-se das decisões do Estado relativas à sua própria política e estrutura de comunicação.

Essa vasta agenda inclui temas tão diversos e essenciais quanto: i) as emissoras públicas de rádio e TV; ii) a descentralização e a democratização das vultosas despesas com publicidade do governo e das empresas estatais; iii) a proibição de formação de conglomerados típicos das oligarquias, cruzando imprensa escrita, falada e televisionada; iv) a responsabilização por abusos de poder, seja na área política, econômico-financeira ou outras; entre tantos assuntos similares.

A sensibilidade e a importância da matéria remetem à necessidade da Casa Civil, junto com a Presidenta, se envolver diretamente com a matéria. A Ministra Gleisi Hoffmann, esposa de Paulo Bernardo, não pareceu se entusiasmar muito com o projeto elaborado ainda na gestão de Franklin Martins.

Tampouco a atual titular da Secretaria de Comunicação, Helena Chagas, deu mostras de batalhar pela aprovação do novo marco regulador da imprensa e das comunicações em geral. O resultado foi a declaração patética, onde a equipe governamental oficialmente joga a toalha e lava as mãos: não mais se compromete com a regulamentação do setor

Em sentido inverso ao processo levado a cabo na Argentina, Uruguai, Equador e Venezuela, o governo brasileiro resolveu recuar e não mais se envolver com o projeto em tramitação no Congresso Nacional. Pressionada pelos grandes grupos empresariais do amplo setor de comunicação, Dilma voltou atrás na estratégia ainda definida no governo Lula e deixou essa área estratégica da economia e da sociedade sem qualquer tipo de controle ou regulamentação.

Em nome da hipocrisia da defesa da “liberdade de imprensa e de opinião”, os empresários recusam qualquer tipo de normativa ou ação do poder público para coibir abusos e para fazer valer a vontade da maioria da população.

Na União Européia, vários países dispõem de instrumentos para viabilizar esse tipo de ação regulamentadora. Ao contrário da acusação irresponsável de “lei da mordaça”, trata-se de mecanismo de defesa da democracia da sociedade contra os abusos do chamado “quarto poder”.


Infelizmente, o receio de avançar pelo caminho da transformação social mais efetiva é marca também do setor de comunicações. Não bastassem os recuos em termos de aspectos da política econômica, na questão agrária, na questão ambiental, nas benesses concedidas aos conglomerados da infraestrutura, entre outros, o governo perde mais uma oportunidade de se legitimar junto a amplos setores da sociedade.
Para isso, bastaria se empenhar pela aprovação do Projeto de Lei no Congresso Nacional, como faz sistematicamente com outros textos de seu interesse.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Rovai: Paulo Bernardo, ministro de Comunicações ou das teles?




Em visita a São Paulo, Paulo Bernardo se comportou como um garoto de recado das teles. Foto: Agência Brasil

por Renato Rovai, em seu blog 

Paulo Bernardo esteve ontem em São Paulo para uma audiência com o prefeito Fernando Haddad. Ao sair, afirmou: “O prefeito me disse que tem abertura para discutir (na Câmara Municipal) mudança na legislação. Ele me falou da intenção da prefeitura de estabelecer políticas públicas na área de comunicação, por exemplo, uma rede de wi-fi na cidade”.

E acrescentou: “Eu disse ao prefeito: ‘você quer uma rede de wi-fi na cidade, mas se fizer uma rede chinfrim, o pessoal vai fazer uma festa, inaugura, dali a dois meses vai começar a reclamar que a internet é muito lenta. Vão falar mal de quem? Vão falar do Fernando Haddad”.

Se tivesse lido essa declaração em outro veículo e assinada por outro jornalista, duvidaria. Mas o texto é do talentoso amigo Eduardo Maretti e foi publicado na Rede Brasil Atual, que até onde sei não tem nada contra Paulo Bernardo e nem contra Haddad. A propósito, Paulo Bernardo nos idos tempos foi ligado ao movimento sindical bancário e era um petista de quatro costados. E hoje, a quem serve Paulo Bernardo?
O PT aprovou recente resolução defendendo a regulamentação da área de comunicação e questionando os 60 bilhões de isenção (que Bernardo diz serem 6 bilhões) para as teles. E Bernardo, que se diz petista, fez de conta que não era com ele. Agora Bernardo vem a São Paulo defender as teles e tentar colocar reio no governo municipal porque este quer distribuir wi-fi grátis na cidade.

Vem em nome das teles ou do governo federal? Qual é o papel de um ministro? Incentivar políticas públicas ou tentar impedi-las em nome de interesses privados?

Dilma sabia que Paulo Bernardo viria a São Paulo com esta missão hoje? Isso foi discutido em âmbito federal?  Foi Dilma quem solicitou a ele que fizesse lobby tentando impedir a cidade de abrir o sinal da internet em alguns pontos?

Entrei em contato com algumas pessoas que estão na equipe do secretário Simão Pedro (Obras e Serviços) e que estudam formas de criar condições para lançar uma política pública de banda larga na cidade. Quando lia os trechos da reportagem, a perplexidade era imensa. Em nenhum momento a equipe do ministro ou assessores dele procuraram assessores da prefeitura que estão trabalhando no tema. Ou seja, Bernardo não tem nenhum elemento para dizer que o plano é chinfrim. Mas mesmo assim saiu atacando-o porque as teles estão morrendo de medo que se implantado com sucesso em São Paulo, um plano desses as fará perder parte do mercado que as alimenta com monstruosos lucros operando um serviço de péssima qualidade.

Entre outras coisas, no projeto de wi-fi grátis de São Paulo discute-se que onde o sinal for aberto aproximadamente 1 mil pessoas possam vir a se conectar ao mesmo tempo tendo uma banda superior a 1 Mbps. Bem diferente do PNBL chinfrim que Paulo Bernardo falou que ia implantar, mas que virou plano de negócios das teles. Hoje, o governo federal e a Telebrás só entram onde as teles não têm interesse em operar.

O ex-bancário, sindicalista, petista e agora ministro, trabalha para o governo e para a sociedade brasileira? Porque se é isso, melhor refletir sobre a visita de ontem a São Paulo, onde se comportou como um garoto de recado das teles

Teles lucram como bancos e recebem 6 bi do governo

Bernardo dá R$ 6 bi de isenção à teles, apesar de lucrarem como bancos




Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

 por Carlos Lopes, no Hora do Povo, via site da CUT 

Somente entre 2005 e 2012, a receita  líquida - ou seja, depois de pagos os impostos e feitos alguns descontos – dos monopólios de telecomunicações no Brasil montou a R$ 911 bilhões e 437 milhões, quase um trilhão de reais.
Os números de cada ano estão na Pesquisa Anual de Serviços do IBGE (e, no caso de 2011 e 2012, como ainda não foram publicadas as pesquisas do IBGE referente a esses anos, usamos os números do próprio balanço das teles).

Quase um trilhão de reais, depois de pagos os impostos. São esses pobres oprimidos e explorados pelos terríveis impostos que o Estado brasileiro lhes cobra, que o ministro Paulo Bernardo, na última terça-feira, resolveu “desonerar” em nada menos do que R$ 6 bilhões. Diz Bernardo que, com essa isenção de impostos, ele espera que as teles façam investimentos de R$ 18 bilhões até 2016.

O ministro deveria ler os balanços das teles. Saberia, por exemplo, que a Telefónica/Vivo declarou que fez investimentos de R$ 6,117 bilhões em 2012 – e, só nos últimos três anos (2010, 2011 e 2012), dizem os balanços, a Telefónica investiu, no Brasil, R$ 16 bilhões e 788 milhões! O mesmo, mais ou menos, fizeram as outras teles – no balanço.

Isso, sem qualquer “desoneração” de impostos. Então, porque precisariam de R$ 6 bilhões de isenção para – todas juntas e somadas – investirem apenas R$ 18 bilhões até 2016?

Sobretudo se considerarmos que, desde 1998 – ou seja, desde a privatização -, as teles receberam do BNDES, em financiamentos para investir, R$ 38 bilhões e 381 milhões.

Certamente que o investimento declarado pelas teles em seus balanços é uma farsa. Mas o próprio fato de declararem esses “investimentos” e mesmo assim lucrarem quase tanto quanto os quatro maiores bancos instalados no país, mostra que elas não precisam de “desoneração” alguma para investir – o necessário é que o poder público (o Ministério das Comunicações, antes de tudo) acabe com essa farsa.

Porém, se elas não investiram foi porque sua opção preferencial é aumentar os lucros para remetê-los ao exterior. Entre 2002 e 2011 as remessas de lucros oficiais (ou seja, declaradas oficialmente) das teles para suas matrizes aumentaram 1.099,51%. Mesmo em 2012, ano em que elas diminuíram um pouco, atingiram US$ 1,027 bilhão (1 bilhão e 27 milhões de dólares), sem contar os pagamentos de empréstimos intercompanhias e outros artifícios para enviar lucros sem declará-los.

No entanto, o próprio ministro Bernardo declarou que as teles estavam “retardando” seus investimentos. Como “retardando”? E os balanços que elas publicaram? Será que o ministro acha que os investimentos que constam dos balanços das teles não são reais? Não acreditamos…

Porém, em vez de responder a um inquérito policial, as teles receberam R$ 6 bilhões em isenção de impostos, mais a promessa de acabar com o regime público  na telefonia (apesar de que, segundo o ministro, “isso não foi conversado com a presidente Dilma e precisamos da autorização dela para tocar pra frente”) e, ainda por cima, Bernardo falou em recursos do PAC para investir em redes de fibra ótica. Que redes? Somente pode ser a rede das teles, pois a do governo já existe há muito – e as teles, há muito, querem usá-la.

A desoneração do ministro Paulo Bernardo, portanto, é um plano para substituir a rede de cabos de cobre das teles por redes de fibra ótica, às custas do Erário, ou seja, do distinto público. Em vez delas gastarem uma parte dos seus lucros (só o lucro líquido da Telefónica, em 2012, foi mais de R$ 4 bilhões), gastarão dinheiro público – os impostos que não pagarão ao Estado.

Isso, na melhor das hipóteses. Podem, também, embolsar essa “desoneração”, ou seja, aumentar sua margem de lucro à custa de não pagar impostos, e continuar declarando investimentos fantásticos em seus balanços.
Hoje, depois de tudo o que aconteceu desde 1998, ninguém duvidaria dessa possibilidade – exceto alguma besta, que sempre as há por aí.

O plano do governo Lula, elaborado pelo engenheiro Rogério Santanna, primeiro presidente da Telebrás após sua reativação, era utilizar a rede de fibras óticas das estatais – especialmente a Eletrobrás e a Petrobrás – para universalizar a banda larga. Em suma, o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) partia do reconhecimento de que as teles, com seus preços extorsivos e sua concentração nos aglomerados de maior renda do país,  eram incapazes de universalizar até mesmo a telefonia fixa, inventada por Antonio Meucci em 1856 – quanto mais a banda larga.

Como declarou o então presidente da Telebrás ao HP:

“Vislumbramos, então, a seguinte proposta: (…) Em lugar de carregar o passado, o cabo de cobre, todas as tecnologias antigas, nós podíamos usar essa infraestrutura [de fibras óticas estatais] para criar uma rede independente – deixar as teles com a rede delas e criar uma rede neutra, pública. A partir de uma tecnologia mais nova, mais barata, gerar essa rede neutra e vender serviços só no atacado” (HP, 22/10/2010, entrevista de Rogério Santanna).

A venda de serviços no varejo (a chamada “última milha”, a conexão até a casa ou estabelecimento do usuário) seria feita por empresas nacionais privadas. Como disse Santanna, “não precisamos fazer a ‘última milha’, porque os pequenos provedores associados podem fazê-la, e nós vamos gerar milhares de oportunidades de negócios que hoje são reprimidos”.

O que fez Paulo Bernardo foi acabar com o PNBL – em primeiro lugar, amofinando a presidente Dilma para demitir o seu criador da presidência da Telebrás. O objetivo de Bernardo era – mas, hoje, é mais – evidente: privilegiar as teles, uma quadrilha de monopolistas que nem mesmo construiu suas empresas: pelo contrário, receberam de presente o resultado de décadas de esforço do povo brasileiro. E, para quem estranhe esse “de presente”, lembremos, além do patrimônio dessas empresas, que, na época da privatização, Aloysio Biondi demonstrou que o governo Fernando Henrique gastou mais na “preparação” das empresas estatais de telecomunicações para privatizá-las, do que recebeu por elas. Estamos nos referindo, é natural, ao que foi recebido legalmente.