sexta-feira, 9 de agosto de 2013

O mistério de Marcelo


Todas as respostas para a chacina da família de policiais, que estarreceu o País, convergem para as últimas horas de vida do adolescente de 13 anos

Natália Mestre e Monique Oliveira
 

Pai, mãe, filho, avó, tia-avó. Todos mortos com tiros na cabeça entre a noite do domingo 4 e a madrugada da segunda-feira 5, na Vila Brasilândia, zona norte de São Paulo. Os donos da casa eram policiais experientes, sendo o pai sargento da Rota, batalhão de elite da Polícia Militar. Nada foi roubado do local, o que compôs um cenário envolto em mistério. Todas as respostas para essa tragédia que estarreceu o País na semana passada convergem para o adolescente Marcelo Pesseghini, de 13 anos, o último a morrer. Segundo a polícia, ele seria o autor dos quatro crimes executados com tiros precisos e teria se suicidado após voltar da escola e cair em si. Para outros, ele foi a quinta vítima dessa chacina que dizimou uma amorosa família de classe média, que se dividia em duas casas no número 42 da rua Dom Sebastião – na da esquerda, a maior, moravam Luís Marcelo Pesseghini, 40 anos, a esposa Andréia Regina Bovo Pesseghini, 36 anos, cabo do 18º Batalhão, e o filho, Marcelo. Na do lado, Benedita de Oliveira Bovo, 67 anos e Bernadete Oliveira da Silva, 55, mãe e tia de Andréia, respectivamente – e passava os finais de semana entre churrascos no quintal e viagens ao sítio de Rio Claro, no interior paulista.

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FAMÍLIA
Andréia e Luís Marcelo com o filho, Marcelo, em 2010: o menino
queria ser policial, como eles, e costumava visitar o batalhão do pai.
Um PM amigo da família disse à polícia que o garoto sabia atirar

Diante dessa tragédia ainda cheia de interrogações, existem dois cenários. No primeiro deles, de acordo com a polícia civil, Marcelo matou os parentes entre a noite de domingo e a madrugada de segunda, pegou o carro da mãe, um Corsa Classic, dirigiu até a escola e passou a madrugada dentro do veículo. Pela manhã, ele frequentou as aulas normalmente e voltou de carona para casa com o pai do seu melhor amigo. Chegando lá, teria se matado. Segundo a perícia, todos os tiros saíram da mesma arma, a pistola .40 que pertencia a Andréia e foi encontrada na mão esquerda do garoto, que estava com o dedo no gatilho. Imagens da câmera de segurança de um prédio que fica na mesma rua do Stella Rodrigues, colégio particular na Freguesia do Ó, são fortes indícios para a polícia. Os registros mostraram, por volta da 1h25, um carro estacionando. Depois, em torno das 6h23, um garoto desce, coloca a mochila nas costas e segue em direção à escola. É Marcelo, na versão dos investigadores. Um par de luvas foi encontrado no automóvel. Perícias feitas nas duas casas também encontraram outras três armas intactas que pertenciam à Andréia e não identificaram registros de arrombamentos.

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Segundo o delegado do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), Itagiba Franco, responsável pelas investigações, o fato de os armamentos não terem sido roubados afasta ainda mais a hipótese de ação do crime organizado, levantada inicialmente. Também foram encontradas receitas de remédios para dormir na casa de Benedita e Bernadete, o que ajudaria a entender por que as duas não ouviram os tiros e ameaçaram alguma reação – de acordo com a polícia, Luís Marcelo teria sido o primeiro a morrer, seguido da mulher, da avó e da tia. Familiares confirmaram que Bernadete sofria de depressão, tomava remédios e, inclusive, estava morando com a irmã por causa da doença. O depoimento do melhor amigo de Marcelo, também de 13 anos, foi decisivo para reforçar a suspeita de crime familiar. “Ele tinha o plano de matar os pais durante a noite, quando ninguém soubesse, fugir com o carro deles, ser matador de aluguel e morar em um lugar abandonado”, teria dito o amigo à polícia. O pai desse adolescente, que deu carona para Marcelo, contou, também em depoimento, que antes de sair, o garoto avistou o carro da mãe. Ele foi até o veículo, pegou um objeto e o colocou na bolsa. “Pode ser a arma, mas não sabemos”, disse Itagiba.

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DINÂMICA DO CRIME
A casa dos Pesseghini, na Vila Brasilândia, em São Paulo: perícia
irá determinar horário das mortes e se vítimas estavam dopadas

Ainda segundo a polícia, no quarto de Marcelo havia diversas armas de brinquedo. Na mochila da escola, um revólver 32, uma faca, rolos de papel higiênico e mudas de roupa. Uma das professoras afirmou aos investigadores que Marcelo havia perguntado “se ela sabia dirigir quando era criança” e “se havia atingido de alguma forma os pais”. Para outra, o menino contou que já tinha dirigido um buggy. Em depoimento na quinta-feira 8, o policial militar João Batista da Silva Neto, vizinho da família, afirmou que o menino havia aprendido a atirar com os próprios pais e frequentava aulas de tiro em um estande na zona sul da capital paulista. O delegado ainda citou que Marcelo tinha 1,60 m e não era um garoto franzino, apontando que ele tinha condição de manipular a arma.

Se a polícia conduz sua investigação na direção do filho dos policiais, especialistas garantem que, para Marcelo ser realmente o assassino, ele teria que demonstrar distúrbios de comportamento e traços de psicopatia muito evidentes. “É muito difícil que um menino de 13 anos tenha orquestrado uma chacina com esse grau de refinamento sem um transtorno de conduta”, afirma Priscila Gasparini Fernandes, psicanalista infantil com especialização em suicídio. Dentro dessa hipótese, o cenário que se tem é de um menino doente, que tomava muitos remédios e era cercado de cuidados, portador de fibrose cística, doença genética grave que afeta o funcionamento de secreções do corpo, levando a problemas nos pulmões e no sistema digestivo, além de diabético. Segundo relatos, Marcelinho, como era chamado, era um garoto tímido e de poucos amigos que passava horas jogando videogame, especialmente o violento “Assassin’s Creed”. A combinação explosiva entre jogos violentos (leia à pag. 70) e o convívio em um ambiente familiar de policiais, onde relatos de mortes, prisões e perseguições poderiam fazer parte do dia a dia e contribuir para formar uma cultura de violência, pode ter sido fatal. O adolescente não cansava de falar que admirava o trabalho de seus pais. A vizinha Elisa Rosa, 84 anos, que mora em frente à casa da família Pesseghini, garante que os pais permitiam, inclusive, que o adolescente fizesse pequenos percursos ao volante e depois estacionasse o carro na garagem. “Ele sabia dirigir e adorava ficar no portão com uma arma de brinquedo, fingindo que atirava nas pessoas.”

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No segundo cenário, Marcelinho passa de algoz a vítima. “Esse crime, do jeito que está descrito, crava que o menino era um manipulador”, afirma Dalka Ferreira, do Centro de Referência às Vítimas de Violência do Instituto Sedes Sapientiae, de São Paulo. “Para isso, a criança deveria apresentar uma relação conflitante com os pais e traços de frieza.” Ao contrário, familiares e amigos descrevem Marcelinho como um garoto amável e ligado à família. Era comum vê-lo com a avó ou com os animais da casa, um labrador preto e dois gatos, sempre muito afável e sem motivo algum para cometer tamanha barbárie – motivo esse que, até agora, a polícia também não encontrou. “Estamos todos em choque. Eles eram uma família muito feliz, nunca vi uma briga ou discussão”, diz Edineide Ferreira, balconista de 36 anos e amiga de Andréia. Os vizinhos são unânimes em classificar a avó, chamada carinhosamente de dona Benê, como uma mulher muito prestativa, sorridente e apaixonada pelo neto. “Eu sempre via os dois brincando no quintal”, afirma Severino José da Silva, 76 anos.

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MANHÃ DE 5 DE AGOSTO
Imagem de Marcelo (à esq.) após sair do carro Corsa Classic (acima)
que ficou estacionado perto da escola onde ele estudava
 

O empresário Sebastião de Oliveira Costa, tio de Andréia, reforça que Marcelo não tinha nenhum traço de agressividade, pelo contrário, era um bom garoto, sempre tranquilo. “Visitava a família a cada 15 dias. Chegava lá, o Marcelinho vinha correndo, me pedia a bênção, e voltava brincar. Não vou sossegar enquanto não descobrir o autor dos crimes”, diz. Ele acredita que a família tenha sido vítima de algum tipo de retaliação, possibilidade que ganhou força quando o comandante do 18º Batalhão da Polícia Militar, coronel Wagner Dimas, afirmou em entrevistas que Andréia Pesseghini havia colaborado com informações para uma investigação contra colegas que participavam de roubos de caixas eletrônicos. Em depoimento na Corregedoria da PM, porém, o coronel voltou atrás. Em nota, a escola em que o adolescente estudava desde os 5 anos definiu Marcelo como “um garoto dócil, alegre, com boas relações com os colegas e o corpo docente do colégio e que sempre alcançou um bom rendimento pedagógico, apresentando comportamento e atitudes normais”. Uma das professoras que deu aula para Marcelo no seu último dia, Ana Paula Alegre, publicou seu lamento em uma rede social. “Dei aula para ele hoje. Conversei, brinquei, dei risada. Dei um abraço tão gostoso, e agora acabou.”

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O derradeiro domingo em família começou normal. Segundo a vizinha Rosemari, no domingo 4, por volta de meio-dia, o adolescente saiu de carro com os pais para almoçar no shopping. Já durante a tarde, a família recebeu a visita do tenente da Polícia Militar César Bovo, irmão de Andréia. O que aconteceu depois ainda está envolto em mistério. Fundamentais para elucidar os fatos, os laudos do IML, que determinam a hora das mortes, de balística e toxicológicos só devem sair no início de setembro.

http://www.istoe.com.br/reportagens/318443_O+MISTERIO+DE+MARCELO

Caso Isabella: surge uma outra versão


Perícia realizada nos Estados Unidos conclui que a menina de 5 anos não foi esganada antes de ser jogada pela janela e pode reabrir as investigações do processo que condenou Anna Carolina e Alexandre Nardoni

por Antonio Carlos Prado
 

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DIA A DIA NO CÁRCERE
Anna Carolina em sua cela escrevendo carta
para o marido, Alexandre. Na biblioteca da penitenciária
masculina, ele se interessa pelos clássicos da literatura brasileira

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A quinta-feira 25 de julho foi o melhor dia na vida do casal Alexandre Alves Nardoni e Anna Carolina Jatobá Nardoni desde que foram presos em 2008, acusados pela morte da pequena Isabella – filha biológica dele, enteada dela. Logo pela manhã, eles receberam de seus advogados a notícia de que uma perícia sobre o caso acabara de ser concluída nos EUA. No laudo, assinado pelo cientista James Kwangjune Hahn, Ph.D. e diretor do Instituto de Engenharia Biomédica da Universidade George Washington, consta categoricamente que a garotinha, na época com 5 anos, não sofreu esganadura antes de ser arremessada por uma janela do sexto andar de um edifício de classe média na zona norte de São Paulo. O crime ocorrido em março de 2008 chocou o País e, dois anos depois, Anna e Alexandre foram condenados como os autores do homicídio. A ela foi imposta uma pena de 26 anos de reclusão e a ele de 30 anos. A conclusão da perícia feita nos EUA não aponta quem matou Isabella, mas tem força suficiente para reabrir as investigações sobre o caso na Justiça brasileira. Na semana passada, Anna e Alexandre concederam entrevistas exclusivas à ISTOÉ (leia acima e na pág. ao lado) e ambos se mostraram bastante otimistas com a possibilidade de que novas investigações venham a ser feitas.

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Segundo a versão policial que fundamentou o julgamento, Anna e Alexandre brigaram por ciúme na noite de 29 de março de 2008. Ela teria então agredido a enteada, agarrando o seu pescoço pela frente com as duas mãos, esganando-a. Alexandre teria cortado a tela de proteção na janela de um dos dormitórios do apartamento e arremessado a própria filha para o jardim do edifício, simulando que sua família havia sido vítima de um latrocínio. Com o resultado da perícia realizada nos EUA, o advogado do casal, Roberto Podval, vai pedir a reabertura do processo. Em casos semelhantes, é comum que o Ministério Público também solicite novos exames periciais para dirimir as dúvidas. O parecer feito nos EUA ao qual ISTOÉ teve acesso tem 100 páginas e cerca de 500 referências bibliográficas internacionais.

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Todo o trabalho foi produzido a partir das provas colhidas pela polícia paulista durante as investigações, como fotos, depoimentos, radiografias do pescoço de Isabella e um filme de reprodução simulada que ilustra a versão oficial para o crime. Na conclusão de seus trabalhos, James Hahn afirma: “Comparando-se as mãos de Anna Carolina com as marcas descritas e vistas em Isabella, concluímos que tais marcas não poderiam ter sido produzidas pelas mãos de Anna Carolina” e “comparando-se as mãos de Alexandre Nardoni com as marcas descritas e vistas em Isabella concluímos que tais marcas não poderiam ter sido produzidas pelas mãos de Alexandre”. Hahn observa que no pescoço de Isabella existem três marcas no lado direito e nenhuma na parte anterior, ao contrário do que a polícia diz. “Eu endosso na íntegra o estudo americano”, diz a professora de perícias criminais brasileira Roselle Soglio, que atuou em parceria com a equipe americana. “É importante observar que apesar de hoje os dedos de Alexandre e de Anna poderem estar mais gordos ou mais magros, o que conta na esganadura é a estrutura óssea das mãos, e ela continua a ser a mesma da época da morte de Isabella.” Hahn anota, ainda, que não há sinais de utilização de polegares das mãos do agressor, e eles têm necessariamente de estar presentes em casos de esganadura, pois funcionam como contrapontos de apoio de força para que os demais dedos se fechem, pressionem e asfixiem a vítima. Escreve Hahn: “A dinâmica do evento esganadura descrito no processo não suporta a hipótese de as marcas descritas nos relatórios de autópsia terem sido produzidas por mãos e dedos”.

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“Fui aos EUA buscar esse parecer, porque tanto a polícia de São Paulo quanto o Ministério Público costumam elogiar a qualidade do que eles produzem”, diz Podval. Embora saibam que o fato de não ter havido esganadura não os livra automaticamente da acusação de terem matado Isabella, Anna e Alexandre acreditam que uma nova investigação possa trazer outros elementos para o crime. “Não agredi a Isabella, não esganei e não matei”, disse Anna Carolina na sexta-feira 2. Como tem feito nos últimos cinco anos, ela havia acordado às 4h30 para ser a “primeira a tomar banho”, trabalhou até 16h30 na oficina de costura do presídio e iria escrever para Alexandre depois de assistir aos telejornais da noite. “Acho que agora minha vida pode mudar”, disse Alexandre na segunda 29, depois de saber sobre o laudo elaborado nos EUA. Na cadeia, ele acorda às 5h30 e trabalha fazendo carteiras escolares.



http://www.istoe.com.br/reportagens/318426_CASO+ISABELLA+SURGE+UMA+OUTRA+VERSAO

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Agendômetro de Dilma


Raio X das audiências mostra que dez ministros estiveram com a presidenta apenas duas vezes em três anos e meio

Claudio Dantas Sequeira
 

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MÁQUINA INCHADA
Dilma defende a manutenção de 39 ministérios, mas agenda mostra
que há auxiliares que nem sequer foram recebidos até hoje por ela

A presidenta Dilma Rousseff tem resistido duramente à ideia de enxugar a máquina administrativa. Para ela, todos os 39 ministérios são importantes para atender à demanda social por políticas públicas específicas. Mas o problema é que nem mesmo Dilma consegue despachar com tantos ministros, como revela um levantamento feito por ISTOÉ na agenda oficial da Presidência da República. Descobriu-se que, em 42 meses de mandato, mais da metade da equipe ministerial esteve com Dilma em audiência oficial no Palácio do Planalto no máximo dez vezes, o que dá uma média de quatro encontros por ano ou um por trimestre. Desse grupo, dez ministros só conseguiram ser recebidos pela presidenta duas vezes entre janeiro de 2011 e julho deste ano.


Boa parte dos despachos diários, como se sabe, se dá por telefone e e-mail. Mas a agenda oficial continua sendo um indicador importantíssimo de gestão e sinaliza prestígio político. Basta saber que entre os dez ministros que mais frequentam o Palácio do Planalto, nove são do PT e só um do PMDB, o que pode explicar também a insatisfação dos aliados com o tratamento dispensado pelo governo.

No “agendômetro” de Dilma, quem lidera é Guido Mantega, com 100 audiências. Mesmo criticado, o ministro da Fazenda se mantém forte. Isso também acontece com Ideli Salvatti, de Relações Institucionais. Bombardeada pelo Congresso, a petista é tão habitué do gabinete quanto Aloizio Mercadante, que se tornou o homem forte do governo, além de Gleisi Hoffmann (Casa Civil), José Eduardo Cardozo (Justiça) e Miriam Belchior (Planejamento), todos imexíveis.

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No meio da tabela estão outros que, pelas funções estratégicas que desempenham, são menos ouvidos do que deveriam. Antonio Patriota, de Relações Exteriores, costuma ser chamado apenas antes de viagens internacionais. De outro lado, é sintomático que Leônidas Cristino (PSB), da Secretaria de Portos, tenha sido recebido por Dilma 14 vezes em 2011 e 2012, mas nenhuma este ano, justamente quando se aprovou a MP dos Portos – cuja proposta governista desagradou os socialistas. Na lista dos menos assíduos, encontram-se Luiza Bairros (Igualdade Racial) e Eleonora Menicucci (Políticas para Mulheres), que só estiveram com Dilma duas vezes em todo o mandato, apesar da enfática defesa da presidenta pela manutenção das pastas. Já Maria do Rosário (Direitos Humanos) e Garibaldi Alves (Previdência Social) não despacham no Planalto desde 2011.

http://www.istoe.com.br/reportagens/318435_AGENDOMETRO+DE+DILMA

Em Itajubá, a nova vida do superexecutivo


O ex-presidente da Siemens Adilson Primo trabalhou na multinacional alemã por 34 anos até ser afastado em 2011, acusado por um desvio de 6,5 milhões de euros. Agora ele é secretário municipal de Itajubá, onde ainda tem fama de poderoso

Rodrigo Cardoso, enviado especial a Itajubá (MG)
 

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O ARQUIVO VIVO
O ex-executivo da Siemens Adilson Primo é atualmente
o manda-chuva da Prefeitura da cidade mineira de Itajubá

Os primeiros raios de sol da manhã atravessam as árvores que circundam a praça Theodomiro Santiago e ajudam a aquecer um grupo de aposentados sentados sobre cadeiras de plástico em frente a um café. A conversa da turma fica mais calorosa quando entra em pauta a política da cidade onde eles moram, Itajubá, situada no sul de Minas Gerais.  “A prefeitura quer desapropriar um terreno enorme sei lá pra que diabo!”, solta um deles. De pronto, o colega ao lado comenta: “Certeza que tem dedo do supersecretário”. Apoiado em uma bengala, o outro senhor retruca, antes de saborear um café: “Esse é danado! Foi por causa dele que a secretária da Indústria e Comércio pediu pra sair.” Os três moradores da cidadezinha mineira situada nas encostas da Serra da Mantiqueira referiam-se ao secretário municipal de Administração Geral e Gestão, Adilson Antonio Primo. Ele é um homem de currículo incomum. Executivo aclamado no mundo dos negócios, Primo presidiu a Siemens do Brasil por dez anos e pilotou resultados tão fantásticos para a companhia que chegou a ser cotado para liderar o QG mundial do conglomerado alemão. Até que, em 2011, foi demitido sob suspeita de ter desviado cerca de 6,5 milhões de euros. Aos 60 anos, Primo deu uma reviravolta em sua vida e, numa trajetória surpreendente, desabou sobre a política local da cidade onde ele havia se formado engenheiro eletricista em 1975 e hoje é ocupada por pouco mais de 91 mil habitantes. Embora neófito na política, Primo tornou-se, na boca do povo, supersecretário da Prefeitura de Itajubá. O processo de criação da Secretaria de Administração dá a dimensão exata do prestígio de Primo na cidade. Até janeiro de 2011, quando o prefeito Rodrigo Riera (PMDB) tomou posse, o órgão nem sequer existia. Dois meses depois, a secretaria foi erguida apenas para acomodá-lo, com salário de R$ 6.882,34. Na época de sua saída da Siemens, Primo ganhava 26 vezes mais: seu salário era de R$ 181,9 mil.
Mas Primo não é um secretário qualquer. Apesar de ter dito em entrevista exclusiva à ISTOÉ que tem “ojeriza à política”, o ex-executivo da Siemens dá as cartas na cidade. Não à toa, ele também é conhecido no meio político local como “CEO” e “primeiro ministro” da prefeitura. “Quem manda na prefeitura é o Adilson Primo. Ele mesmo já disse que o prefeito tem de prefeitar, ou seja, viajar, fazer política, contatos. Enquanto Riera faz isso, o Primo coordena todas as secretarias de uma forma totalmente centralizadora”, disse à ISTOÉ um dos maiores empresários da região. O fato é confirmado por Leandra Machado Santos. Hoje proprietária de uma rede de drogarias, Leandra é a ex-secretária que pediu demissão do cargo após bater de frente com Primo. “Adilson ficaria com a missão de choque de gestão, além de promover a integração entre as secretarias. Mas não foi assim. Ele não conseguia ser integrador e passou a assumir projetos de outras secretarias, como a que estava sob a minha responsabilidade. De forma desrespeitosa, mandava e desmandava nos programas dos quais eu era responsável. Pedi afastamento do cargo e do governo”, contou Leandra, por e-mail, de Londres, onde se encontrava em viagem.

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DUPLA DO BARULHO
O ex-governador do DF José Roberto Arruda e Adilson Primo
foram contemporâneos na Universidade Federal
de Itajubá (abaixo), em meados dos anos 70

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Embora não tenha nascido em Itajubá, Primo – natural da cidade mineira de São Lourenço – começou a pavimentar sua carreira de executivo da Siemens na cidade onde hoje atua como secretário com superpoderes. Nos anos 70, a Siemens costumava dar uma bolsa para o melhor aluno de engenharia elétrica da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), afamada pela excelência na formação de engenheiros. Primo, que era considerado um aluno brilhante da instituição centenária, recebeu a honraria e passou a estagiar na empresa. Na multinacional alemã passou 34 anos até ser afastado em 2011 por “grave violação” de diretrizes. Um de seus ex-professores universitários confirma o que ex-colegas de classe disseram sobre a inteligência acima da média do ex-presidente da Siemens. “Ele é um dos ex-alunos dos quais eu mais me orgulhava no passado. Hoje, com essas histórias todas, não tenho o mesmo sentimento por ele”, lamentou. Arquivo vivo dos escândalos da Siemens, Primo, se quisesse,  poderia contribuir e muito para a elucidação do funcionamento do cartel, da qual a Siemens fez parte, que superfaturou obras no Metrô e nos trens de São Paulo durante os governos de Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin. Mas ele prefere silenciar sobre o assunto. “Sobre a Siemens eu não falo. Tenho um processo que corre em segredo de Justiça e não posso dar absolutamente nenhuma declaração”, disse ele à ISTOÉ, na saída do melhor restaurante de Itajubá, depois de ter saboreado um abadejo acompanhado de suco de laranja durante o almoço na quarta-feira 7. Enquanto Primo presidia a Siemens, a empresa tinha planos de instalar duas fábricas em Itajubá, num invetimento de R$ 300 milhões que geraria 700 empregos diretos. Depois que ele assumiu a secretaria municipal, os alemães desistiram do empreendimento.

Dono de passado recente conturbado, depois de permanecer por três décadas numa multinacional, na qual ocupou vários cargos de confiança, Primo contrariou a lógica ao se expor assumindo um cargo público. Para um político local, Primo, ao contrário do que alardeia, acalenta o sonho de assumir a prefeitura em 2014. Para atingir a pretensão política, contaria com o aval do atual prefeito. Enquanto não confirma sua postulação, Primo leva uma vida tranquila na cidade. Construiu um prédio de três andares como investimento e possui um lote de terreno em um condomínio fechado, onde irá construir uma casa. Mora em um apartamento de três quartos em um prédio com porteiro 24 horas por dia muito bem localizado no centro da cidade, próximo da praça central e da igreja matriz. No mesmo endereço, o ex-governador do Distrito Federal, itajubense e engenheiro eletricista José Roberto Arruda, possui apartamentos alugados. Primo e Arruda foram contemporâneos na Unifei, em meados dos anos 70. Frequentavam juntos a praça central, ponto de encontro da juventude na época. “Mas Arruda não era da minha panela”, garantiu o secretário, que gostava de tocar violão e presentear as namoradas com LPs de Roberto Carlos.

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“Não sei de nada. O meu tema com a
Siemens corre em segredo de justiça”

Adilson Primo, ex-executivo da Siemens, entrevistado por ISTOÉ
na quarta-feira 7, enquanto saía de um restaurante de Itajubá

“O ARRUDA NÃO ERA DA MINHA PANELA”

ISTOÉ – Por que o sr. decidiu retornar a Itajubá?
Adilson Primo
– Vim para dar uma contribuição temporária para a cidade. Ela mudou muito, me formei aqui.

ISTOÉ – O sr. quer seguir carreira política?

Primo –
Não, não! Não há nenhuma intenção minha de enveredar para a política. De jeito nenhum! Isso aqui está sendo um período. A ideia é tentar ajudar a cidade com a minha experiência. Aliás, tenho ojeriza à política. O meu negócio é técnico. Agora me aposentei e estou em uma fase de emprestar um pouco da minha experiência. Só isso.

ISTOÉ – O sr. e José Roberto Arruda se formaram como engenheiros eletricistas praticamente na mesma época, nos anos 70, em Itajubá. Eram amigos?

Primo –
A turma da escola se encontrava todo dia. Evidentemente que tinham as panelas. Mas o Arruda não era da minha panela, do meu círculo. Não frequentávamos um a família do outro, não.

ISTOÉ – O sr. tinha conhecimento do envolvimento da Siemens no cartel que superfaturou obras do Metrô de São Paulo? 

Primo –
Tenho um processo com a Siemens que corre em segredo de Justiça e não posso dar absolutamente nenhuma declaração.

ISTOÉ – O governador de São Paulo tinha conhecimento desse superfaturamento?

Primo –
Não sei de nada. Absolutamente, não posso tocar sobre nenhum tema, porque o meu tema com a Siemens corre em segredo de Justiça.

ISTOÉ – O sr. teria como contribuir para a elucidação desse caso?

Primo –
Não posso, absolutamente, contribuir com essa entrevista com nada que diga isso. Hoje, o processo com a Siemens corre em segredo de justiça. Ponto!

ISTOÉ – Muitos cidadãos de Itajubá dizem, em tom de reclamação, que o sr. fica na cidade de segunda a sexta, mas passa os fins de semana em São Paulo com a família. É isso? 

Primo –
Olha, eu...

ISTOÉ – O sr. mora em Itajubá?

Primo –
Às vezes, venho para cá, às vezes, vou para lá...Varia. Frequento Itajubá há 60 anos.

O gaúcho que incomoda a direita francesa


Ataque de partido xenófobo a deputado franco-brasileiro reacende o debate sobre o racismo de grupos extremistas
da Europa

Fabíola Perez
 

Nos últimos dias, o brasileiro naturalizado francês Eduardo Rihan Cypel tem vivido momentos de tensão. Deputado eleito em 2012 pelo Partido Socialista, Cypel recebeu por e-mail algumas mensagens assustadoras. Em uma delas, o remetente enviou imagens da suástica nazista. Em outra, um sujeito o mandou “voltar para a sua favela no Brasil”. Os ataques racistas são resultado de uma campanha degradante iniciada pelo deputado Bruno Gollnish, líder da legenda de extrema direita Frente Nacional, que defende políticas xenófobas. Gollnish começou a perseguição em um vídeo publicado na internet, em que classificava Cypel como “um novo francês”, que o faz pensar “em pessoas que, uma vez convidadas para a sua casa, sentem-se no direito de convidar todo mundo”. O ataque provocou grande discussão na França. “Nunca havia enfrentado um preconceito como esse”, disse Cypel à ISTOÉ. Nascido em Porto Alegre, Cypel trocou o Rio Grande do Sul por Paris aos 10 anos, para acompanhar os pais que foram trabalhar no Exterior. Embora naturalizado francês, os conservadores não o enxergam como um europeu legítimo. “Foi um ataque premeditado, porque sempre me coloquei na linha de frente contra a direita intolerante”, diz Cypel. Gollnish é representante do partido do empresário Jean-Marie e de sua filha, Marine Le Pen, que já chegou a obter 20% dos votos. Hoje, a legenda faz forte oposição ao governo socialista de François Hollande e defende a expulsão em massa de estrangeiros.

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PERFIL
Formado em Filosofia, Cypel entrou para a política em 2002
depois da derrota dos socialistas na eleição presidencial

Em resposta às ofensas, o deputado franco-brasileiro escreveu um texto na rede social Twitter em que declarou que sua missão é proteger a França contra pessoas como Gollnish. Foi depois disso que as mensagens amea-çadoras se intensificaram. O Partido Socialista saiu em defesa de Cypel. “A Frente Nacional é um partido profundamente antirrepublicano que quer realizar uma triagem inaceitável entre os franceses em razão de sua origem”, afirmou Harlem Désir, primeiro-secretário da legenda. Cypel passou a ganhar destaque no cenário político francês em 2012, quando participou da campanha de Hollande como encarregado de questões de imigração. Hoje, com 37 anos, é um dos destaques da Assembleia Nacional da França por ter atuado em projetos emblemáticos do governo, como a legalização do casamento homossexual.

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Um estudo recente realizado pela Agência de Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA) revelou que o racismo e a xenofobia estão mais presentes na Europa do que os registros oficiais apontam. “Pessoas que sofrem ataques de xenofobia tendem a não denunciar os atos de violência”, diz Ariane Chebel D’Appollonia, pesquisadora do Centro de Pesquisas Políticas Sciences Po da França. Um dos motivos é óbvio: os imigrantes temem sofrer represálias. Outro entrave é que a maior parcela da população que é alvo de preconceito tem recursos limitados. “São minorias que não têm conhecimento sobre seus direitos, não possuem recursos financeiros e não conseguem aproveitar as oportunidades proporcionadas pela União Europeia”, diz D’Appollonia. De acordo com a Agência de Direitos Fundamentais da União Europeia, para combater esse tipo de crime é preciso responsabilizar os autores. “As autoridades políticas devem criar mecanismos para encorajar as vítimas a denunciar os atos”, pontua Friso Roscam Abbing, chefe de comunicação da FRA. “A história nos ensinou que os países abertos podem atrair talentos e que a migração tem de ser vista como uma oportunidade, não como ameaça.” Cypel quer provar agora que, embora os ataques a franceses de origem estrangeira sejam recorrentes entre os apoiadores da Frente Nacional, trata-se de uma visão que não corresponde à França moderna. “É um país tolerante que permite a qualquer pessoa se tornar francês, desde que respeite as regras da república”, diz ele.

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Fotos: Mathieu Delmestre/Parti Socialiste; UPPA/ZUMApress.com; Khanh Renaud/Visual/ZUMAPRESS.com; Philippe Grangeaud/Parti Socialiste

http://www.istoe.com.br/reportagens/318383_O+GAUCHO+QUE+INCOMODA+A+DIREITA+FRANCESA?pathImagens=&path=&actualArea=internalPage

A conexão Brasília


Como o esquema de desvios de recursos do metrô operou na capital federal. Delator da Siemens diz que os ex-governadores Joaquim Roriz e José Roberto Arruda receberam propina. A comissão de Roriz era de R$ 700 mil por mês, segundo a denúncia

Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas
 

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A máfia do trem, que operou sem constrangimentos nos governos tucanos de São Paulo durante as gestões Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin, desenvolveu tentáculos em Brasília. Na última semana, ISTOÉ teve acesso a novos trechos das denúncias feitas por um ex-funcionário do conglomerado alemão Siemens ao ombudsman da companhia em 2008 e ao Ministério Público. Nelas, o denunciante revela que, na capital federal, o esquema para a manutenção do metrô do Distrito Federal faturou ilegalmente com o consentimento de secretários e políticos do alto escalão. Como em São Paulo, o esquema também era mantido à base de distribuição de propina. Entre os corrompidos, contou o ex-executivo da Siemens, estariam os ex-governadores Joaquim Roriz (PMDB) e José Roberto Arruda (ex-DEM). A líder do cartel era a Alstom, conglomerado francês que impôs aos contratos um valor capaz de resultar num lucro de fazer inveja a qualquer ramo: margens líquidas acima dos 50%. Em contratos usuais, esse valor varia entre 10% e 15%. Não à toa, dirigentes do mercado de transportes sobre trilhos se referiam ao projeto como a “galinha dos ovos de ouro da Alstom.”
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Para a dinheirama trafegar livremente, as companhias responsáveis pela manutenção do metrô do Distrito Federal tiveram de pagar propinas de mais de 10% do valor líquido dos contratos a políticos e servidores. A comissão, assegurou o delator, foi repassada em 2001 ao então governador Joaquim Roriz, ao seu chefe de gabinete, Valério Neves, ao ex-presidente do metrô de Brasília Paulo Victor Rezende e ao ex-diretor de operações do metrô Antônio Manoel Soares, a quem o denunciante chama de “Baiano”. Também integrava o propinoduto, segundo o ex-funcionário da Siemens, o atual vice-governador de Brasília e, na época, secretário estadual de Infraestrutura, Tadeu Filippelli (PMDB). O então governador Joaquim Roriz, segundo o relato do denunciante, era o maior beneficiário do propinoduto em Brasília. Independentemente do valor dos contratos, ele recebia das companhias uma mesada fixa de R$ 700 mil em troca do aval ao golpe. “A comissão paga mensalmente ao governador Roriz era da ordem de R$ 700 mil”, disse o ex-funcionário da Siemens.

A engrenagem desse esquema responsável por drenar os cofres públicos do Distrito Federal começou ainda no edital de concorrência para a construção do metrô de Brasília em 1991. O Consórcio Brasmetrô, no qual a Inepar (IESA), a CMW (braço da multinacional francesa Alstom) e a TCBR tinham como função desenvolver o projeto e fornecer os equipamentos elétricos, sagrou-se vencedor. Por opção do metrô de Brasília, em 2001, essas empresas foram escolhidas sem licitação para realizar a manutenção de todos os seus sistemas. Nessas condições, puderam cobrar o preço que quiseram. “O contrato foi simplesmente adjudicado à Alstom, que então pôde cobrar o preço que bem entendia”, afirmou o depoente.

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Os agentes públicos agiram para burlar a lei ao serem forçados a abrir um certame para o serviço de manutenção do metrô brasiliense. Engenheiros da empresa francesa Alstom, conta o denunciante, receberam carta branca para escrever o edital de licitação de forma a manter o contrato nas mãos da companhia francesa e de suas parceiras. Com o conhecimento prévio e até com a participação de seus funcionários no projeto que seria disputado, as empresas que operavam em conjunto com a Alstom tinham a certeza de que alcançariam o maior número de pontos na parte técnica e manteriam o controle do contrato. “A pontuação era baseada em atestados de experiência da equipe técnica, cujas exigências foram redigidas de tal forma que somente a equipe original (Alstom) poderia atendê-las plenamente”, detalhou o denunciante. Essa seria uma prática comum para reduzir ainda mais as disputas de licitações no setor de transporte sobre trilhos. Assim, eles conseguiam evitar uma vitória de alguém de fora do cartel.

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O depoimento do ex-funcionário da Siemens mostra, no entanto, que nem a associação criminosa das empresas evitou que elas se desentendessem ao disputar os contratos superfaturados. De olho na licitação para a manutenção do metrô de Brasília, a Siemens contratou a preço de ouro – 1% do valor do contrato – os engenheiros Luiz Antonio Taulois da Costa e Ben-Hur Coutinho Viana de Souza, da rival Alstom. “Somente esses dois engenheiros da Alstom que trabalhavam no projeto poderiam atender às exigências do edital e, com isso, atingir a pontuação máxima”, explicou o denunciante. A contratação dos dois estremeceu a relação entre as duas empresas. Por várias vezes, os diretores da Alstom tentaram convencer a Siemens a não contratar os técnicos. Sem êxito e diante da derrota iminente, a empresa francesa resolveu então recorrer a políticos brasilienses para que intermediassem um acordo. “A Alstom resolveu apelar para o governador Roriz. Para o governador, não importava quem ganhasse a licitação, contanto que o pagamento de sua comissão continuasse a fluir”, contou o denunciante. A pressão governamental surtiu efeito e os grupos comandados por Alstom e Siemens se associaram para vencer a licitação e drenar o erário.

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No acordo de bastidor firmado entre os consórcios liderados pela Alstom e pela Siemens, as duas partes acertaram que uma delas ofereceria a proposta de 94,5% e a outra, de 95% do teto estabelecido pelo governo do Distrito Federal. O valor, diz o denunciante, já estava inflado para manter a alta taxa de lucratividade do negócio. Ficou combinado que quem perdesse contrataria o segundo colocado para cerca de 40% do serviço e a chance de oferecer o melhor preço se daria por meio de sorteio. De fato, isso ocorreu e a Alstom pode oferecer o melhor preço. Na hora de definir o certame, porém, a Siemens se valeu do conhecimento dos engenheiros recém-contratados e venceu a licitação, diferenciando-se no conhecimento técnico do projeto. Coube à francesa, então, a menor fatia do rentável negócio.

Embora o certame tenha ocorrido ainda na gestão de Roriz, ele foi assinado no começo do governo José Roberto Arruda e continuou a operar normalmente durante a sua administração. O superfaturamento era de tal porte que Arruda pediu um desconto de 20% para que o contrato chamasse menos atenção. Isso, porém, alterou pouco as altas margens de lucro. Políticos continuaram, de acordo com o denunciante, a ser corrompidos, inclusive o governador Arruda. “Segundo informações de pessoas envolvidas no projeto, Siemens, Serveng e MGE pagaram comissão ao governador José Arruda e seu time”, afirmou o delator. Por meio da assessoria, Roriz afirmou que desconhece as denúncias e que não tem conhecimento de  nenhuma irregularidade cometida em seu governo. Segundo ele, o metrô é uma empresa e tem autonomia gerencial, não dependendo dele o aval para qualquer contrato. Procurado na quinta-feira 8, o advogado de Arruda não retornou.

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O relacionamento de Arruda com a Siemens vinha de longa data (leia na pág. 50). Na época das licitações, o presidente da multinacional alemã no Brasil era Adilson Primo, ex-colega de escola do governador. “O governador Arruda é conhecido também pelo apelido de Mr. Siemens devido à sua proximidade com o presidente da companhia”, afirmou o denunciante. Outro personagem de grande importância ao conglomerado alemão no Distrito Federal foi o ex-diretor de operações do metrô da gestão Roriz, Antônio Manoel Soares (o Baiano), que passou a fazer a ponte para favorecer os interesses da empresa. Segundo informações obtidas por meio do acordo de leniência que a Siemens assinou com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) –  em troca de imunidade civil e criminal para si e para seus executivos –, as autoridades investigam em São Paulo e no Distrito Federal superfaturamentos ocorridos até 2008.

Foto montagem: Anderson Schneider, Joédson Alves; foto: Roberto Castro - AG. Istoé
Foto: Sheila Leal


http://www.istoe.com.br/reportagens/318425_A+CONEXAO+BRASILIA

E eles ainda dizem que não sabiam de nada


Documentos do tribunal de contas e do ministro público revelam que há cinco anos os tucanos paulistas foram alertados sobre as irregularidades no metrô e trens de São Paulo

Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas
 

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E AGORA?
Alckmin (à esq.) e Serra foram avisados sobre o propinoduto
Desde a eclosão do escândalo de pagamento de propina e superfaturamento nos contratos da área de transporte sobre trilhos que atravessou os governos de Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin, os tucanos paulistas têm assumido o comportamento de outra ave, o avestruz. Reza a crença popular que, ao menor sinal de perigo, o avestruz enterra a cabeça no chão para não enxergar a realidade. Não foi outra a atitude do tucanato paulista nos últimos dias. Como se estivessem alheios aos acontecimentos, líderes do PSDB paulista alegaram que nada sabiam, nada viram – e muito menos participaram. Documentos agora revelados por ISTOÉ, porém, provam que desde 2008 tanto o Ministério Público como o Tribunal de Contas vem alertando os seguidos governos do PSDB sobre as falcatruas no Metrô e nos trens. Apesar dos alertas, o propinoduto foi construído livremente nos últimos 20 anos. Além dos documentos agora divulgados, investigações anteriores já resultaram no indiciamento pela Polícia Federal de 11 pessoas ligadas ao partido. No entanto, questionado sobre o cartel montado por multinacionais, como Siemens e Alstom, para vencer licitações, o governador Geraldo Alckmin jurou desconhecer o assunto. “Se confirmado o cartel, o Estado é vítima”, esquivou-se. Na mesma toada, o seu antecessor, José Serra, declarou: “Não tomamos em nenhum momento conhecimento de qualquer cartel feito por fornecedores e muito menos se deu aval a qualquer coisa nesse sentido”. As afirmações agridem os fatos. Os documentos obtidos por ISTOÉ comprovam que os tucanos de São Paulo, além de verem dezenas de companheiros investigados e indiciados, receberam no mínimo três alertas contundentes sobre a cartelização e o esquema de pagamento de propina no Metrô. Os avisos, que vão de agosto de 2008 a setembro de 2010, partiram do Ministério Público estadual e do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP). Nos três casos, os documentos foram encaminhados aos presidentes das estatais, nomeados pelo governador, e publicados no Diário Oficial.

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Nos três avisos de irregularidades aparecem fortes indícios de formação de cartel e direcionamento de certames pelas companhias de transporte sobre trilhos para vencer e superfaturar licitações do Metrô paulista e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). O primeiro alerta sobre o esquema foi dado pelo Ministério Público de São Paulo, em um procedimento de agosto de 2008, durante gestão de José Serra. Ao analisar um acordo firmado entre o Metrô e a CMW Equipamentos S.A., o MP comunicou: “A prolongação do contrato por 12 anos frustrou o objetivo da licitação, motivo pelo qual os aditamentos estariam viciados”. Na ocasião, a CMW Equipamentos foi incorporada pela gigante francesa Alstom, uma das principais investigadas nesse escândalo. Ainda no documento do MP, de 26 páginas, aparecem irregularidades também em uma série de contratos firmados pelo governo paulista com outras empresas desse segmento.

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Em fevereiro de 2009, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo emitiu ao governo paulista o segundo aviso de desvios e direcionamentos em contratos no setor. As irregularidades foram identificadas, desta vez, na estatal CPTM. Ao julgar um recurso, o conselheiro do TCE Antonio Roque Citadini concluiu que a estatal adotou uma conduta indevida ao querer usar uma licitação para fornecimento de 30 trens com o consórcio Cofesbra, celebrada em 1995, durante gestão de Mário Covas, para comprar mais de uma década depois outros 12 novos trens. A manobra foi identificada como uma forma de fugir da abertura de uma nova concorrência. “O julgamento de irregularidade recorrido fundamentou-se na inobservância da Lei de Licitações e, também, na infringência aos princípios da economicidade e da eficiência”, diz o relatório. Citadini ainda questiona os valores pagos pelos trens, uma “majoração de 17,35%”. A crescente elevação do número de passageiros transportados deveria implicar, diz ele, estudos por parte da CPTM com vistas à realização de um novo certame licitatório. “Tempo parece não lhe ter faltado, pois se passaram 11 anos da compra inicial”, relatou Citadini. À ISTOÉ, o conselheiro Citadini destacou que “um sem-número de vezes” o órgão relatou ao governo estadual irregularidades em contratos envolvendo o Metrô paulista e a CPTM. “Nossos auditores, que seguem normas reconhecidas por autoridades internacionais, têm tido conflitos de todo tamanho e natureza para que eles reconheçam os problemas”, disse Citadini.

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CONLUIO
Políticos tucanos incentivaram empresas a formar
cartel para vencer licitação da linha 5 do Metrô paulista
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O terceiro recado ao governo paulista sobre irregularidades nas licitações do Metrô e do trem paulista ocorreu em setembro de 2010. Ao analisar quatro contratos firmados pelo Metrô, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo estranhou que os certames envolviam uma enorme quantidade de serviços específicos. Dessa forma, apenas um reduzido número de empresas tinha condições de atender aos editais de licitação e se credenciar para disputar a concorrência. Os contratos em questão se referiam ao fornecimento de trens, manutenção, além de elaboração de projeto executivo e fornecimento de equipamentos para o Metrô paulista. O Tribunal insistia que, quanto mais ampla fosse a concorrência, menor tenderia a ser o preço. Em diversos trechos, o relatório aponta outras exigências que acabavam estreitando ainda mais o número de participantes. Havia uma cláusula, por exemplo, que proibia companhias estrangeiras que não tivessem realizado o mesmo serviço em território brasileiro de participar da disputa. Na prática, foram excluídas gigantes do setor do transporte sobre trilhos que não integravam o cartel e poderiam oferecer um melhor preço aos cofres paulistas. “A análise das presentes contratações revelou um contexto no qual houve apenas uma proposta do licitante único de cada bloco. Em outras palavras, não houve propriamente uma disputa licitatória, mas uma atividade de consorciamento”, analisou o TCE sobre um dos acordos. A recomendação foi ignorada tanto por Serra como por Alckmin, que assumiu o governo três meses depois.

Passo a passo da denúncia sobre o escândalo do metrô

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Um e-mail enviado por um executivo da Siemens para os seus superiores em 2008, revelado na última semana pelo jornal “Folha de S.Paulo”, reforça que os ex-governadores tucanos José Serra, Geraldo Alckmin e Mário Covas não só sabiam como incentivaram essa prática criminosa. O funcionário da empresa alemã revela que o então chefe do executivo paulista, José Serra (PSDB), e seu secretário de Transportes Metropolitanos, José Luiz Portella, sugeriram que a Siemens fizesse um acordo com a espanhola CAF, sua concorrente, para vencer uma licitação de fornecimento de 40 trens à CPTM. Serra teria ameaçado cancelar o certame se a Siemens tentasse desclassificar a concorrente na justiça. Como saída, conforme relata o jornal, sugeriu que as empresas dividissem parte do contrato por meio de subcontratações. O executivo da Siemens não revela na mensagem, mas essa solução heterodoxa de Serra já havia sido adotada numa ocasião anterior. No final da década de 1990, o governo Mário Covas (PSDB) incentivara as companhias da área de transporte sobre trilhos a formarem um consórcio único para vencer licitação de compra da linha 5 do metrô. A prática, como se vê, recorrente entre os tucanos paulistas, continuou a ser reproduzida nos anos subsequentes à licitação. Reapareceu, sem reparos, com a chegada ao poder do governador Geraldo Alckmin. Hoje, sabe-se que esse esquema gerou somente em seis projetos da CPTM e do Metrô um prejuízo de pelo menos R$ 425,1 milhões aos cofres paulistas. As somas foram obtidas, como ISTOÉ antecipou, com o superfaturamento de 30% nesses contratos.

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PROXIMIDADE: Arthur Teixeira, Lavorente e Jurandir Fernandes (da esq. para a dir.), atual
secretário de Transportes do governo Alckmin, em visita à fábrica da MGE em Hortolândia

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O que também torna pouco crível que os governadores tucanos José Serra e Geraldo Alckmin, até o mês passado, desconhecessem as denúncias é o fato de o Ministério Público ter aberto 15 inquéritos para investigar a tramoia, após a repercussão do escândalo envolvendo a Siemens e a Alstom na Europa em 2008. Atualmente, essas provas colhidas no Exterior dão suporte para o indiciamento de 11 pessoas, entre elas servidores públicos e políticos tucanos. O vereador Andrea Matarazzo, serrista fiel, é um dos indiciados. Na lista da Polícia Federal, constam ainda nomes bem próximos aos tucanos como o de Jorge Fagali Neto. Ele foi diretor dos Correios e de projetos para o Ensino Superior do Ministério da Educação durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Ao reabrir, na semana passada, 15 investigações paradas por faltas de provas e montar uma força-tarefa para trabalhar em 45 inquéritos, o Ministério Público colocou lupa sobre outras autoridades ligadas ao PSDB. Trata-se de servidores que ascenderam na gestão Serra, mas mantiveram força e poder durante o governo Alckmin. São eles: José Luiz Lavorente, diretor de Operação e Manutenção da CPTM, Luiz Carlos David Frayze, ex-secretário de transportes e ex-diretor do Metrô, Décio Tambelli, coordenador de Concessões e Permissões do Metrô de São Paulo e Arthur Teixeira, lobista do esquema Siemens, dono de uma das offshores uruguaias, utilizadas pela multinacional para pagar propina a agentes públicos. Como revelado por ISTOÉ na edição de 20 de julho, as evidências são tão fortes quanto à proximidade destes personagens com a gestão tucana. Na última semana, o atual secretário de Transportes, Jurandir Fernandes, reconheceu ter recebido Teixeira em audiência “junto com outros empresários”. A foto da página 45 desta reportagem mostra Arthur Teixeira visitando as instalações da MGE Transportes, uma das empresas integrantes do cartel, em Hortolândia, interior de São Paulo, ao lado de Jurandir e Lavorente. A visita ocorreu durante a execução da reforma dos trens da CPTM.

Em meio à enxurrada de evidências, na sexta-feira 9, o governador Alckmin anunciou a criação de uma comissão para investigar as denúncias de formação de cartel e superfaturamento em contratos firmados com o metrô paulista e a CPTM. Para fazer parte dela, ele pretende indicar integrantes de entidades independentes, como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Segundo o governo, ela terá total independência e contará com a ajuda dos órgãos de fiscalização do Estado. A medida foi anunciada após a Justiça Federal negar, na segunda-feira 5, um pedido do governo de São Paulo para ter acesso aos documentos da investigação do Cade. Tucanos paulistas acusam o órgão, uma autarquia vinculada ao Ministério da Justiça, de vazar informação para a imprensa e agir sob os interesses do PT. Deputados estaduais, porém, questionam a nova comissão. “Tudo que traga transparência é bem-vindo. Mas há um local institucionalmente correto para se apurar estas irregularidades. É uma CPI”, diz o líder do PT na Assembleia Legislativa, Luiz Claudio Marcolino. “Se ele quer apurar os fatos, como diz, é só pedir para sua base assinar o pedido de CPI e não obstruir como o PSDB faz por décadas quando o assunto é metrô”, complementa.

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Alckmin resolveu agir porque vê o escândalo se aproximar cada vez mais do Palácio dos Bandeirantes. As razões para este temor podem estar em cinqüenta caixas de papelão guardadas nas dependências do CADE, na Asa Norte, em Brasília. O material foi recolhido após uma operação de apreensão e busca realizada em 4 de julho na sede de doze empresas associadas ao cartel em São Paulo, Brasília, Campinas e São Bernardo do Campo. Só numa destas empresas, os investigadores permaneceram por 18 horas. A Polícia Federal, batizou a operação de “Linha Cruzada”. Não se sabe, até agora, o que há dentro das caixas de documentos apreendidos. A informação é que elas permanecem fechadas e lacradas, aguardando ainda a análise do CADE, que poderá transformar uma investigação de cartel, num dos mais escandalosos casos de corrupção que o País já assistiu.

Foto: Ale Cabral/futura press
Foto: Almeida Rocha/Folhapress
Foto: Diogo Moreira/frame

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