quinta-feira, 10 de julho de 2014

Anotações sobre o pior dia da nossa vida futebolística

 
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A TRAGÉDIA COMO ELA É

No intervalo, perdendo de 5 a 0, esse era o meu sentimento: o que dizer numa hora dessas? Dante perdido. Os volantes ausentes. Ataque inoperante. Os laterais embaralhados. Meio campo acéfalo. Os alemães fazendo linha de passe dentro da nossa área, livres de marcação. Nenhum combate. Não dá para entender. Não é um momento de apagão. É um WO. Normalmente nos culpamos pela derrota como se do outro lado não tivesse um adversário com méritos. Mas hoje acho que até os alemães estão estupefatos. Esse jogo exime o vencedor Dunga de sua única derrota em 2010. Exime 1950 e o injustiçado Barbosa. Exime a tragédia do Sarriá. Exime a pasmaceira na final de 98. Tomar 5 antes dos 30 do primeiro tempo numa semifinal de Copa do Mundo, nunca antes e nunca mais. Inacreditável.

Veja a lista das maiores goleadas em Copa do Mundo. Junto conosco, nesse ranking, Haiti, Cuba, Coréias, Zaire, El Salvador, Arábia Saudita, Escócia…

1) 15/06/1982- Hungria 10 – 1 El Salvador
2) 18/06/1974- Iugoslávia 9 x 0 Zaire
17/06/1954- Hungria 9 x 0 Coreia do Sul
3) 01/06/2002- Alemanha 8 x 0 Arábia Saudita
12/06/1938- Suécia 8 x 0 Cuba
4) 21/06/2010- Portugal 7 x 0 Coreia do Norte
19/06/1974- Polonia 7 x 0 Haiti
20/06/1954- Turquia 7 x 0 Coréia do Sul
19/06/1954- Uruguai 7 x 0 Escócia
5) 08/07/2014 – Alemanha 7 – 1 Brasil
03/07/1950- Brasil 7 x 1 Suécia
27/05/1934 – Itália 7 x 1 Estados Unidos

E aqui uma lista das piores goleadas sofridas pela Seleção Brasileira em sua história:

1920 – Uruguai 6 x 0 Brasil
1940 – Argentina 6 x 1 Brasil
1934 – Iugoslávia 8 x 4 Brasil
1939 – Argentina 5 x 1 Brasil
1940 – Argentina 5 x 1 Brasil
1963 – Bélgica 5 x 1 Brasil
1917 – Uruguai 4×0 Brasil
1987 – Chile 4×0 Brasil
1989 – Dinamarca 4×0 Brasil
1998 – França 3×0 Brasil
2014 – Alemanha 7 x 1 Brasil

Revi o desastre no dia seguinte. Realmente não dá para falar em apagão – que é um branco momentâneo. O problema foi inclusive anterior ao esquema tático ou à própria escalação. O Brasil não marcou a Alemanha em nenhum momento. Liberdade absoluta para o toque de bola alemão. Sem pegada, sem chegar junto, sem tirar os espaços, não dá. Antes de se analisar os outros aspectos: não dá. Nossos volantes não entraram em campo (Fernandinho errou feio duas vezes) e David Luiz e Marcelo se jogaram ao ataque, inacreditavelmente, deixando Dante sozinho lá atrás. Ambos não aparecem na tela quando os gols da Alemanha são mostrados. David Luiz errou ao deixar Mueller livre para marcar com pé (!) dentro da área após uma cobrança de escanteio aos 11 minutos – e depois disso simplesmente abandonou a área. Esse foi o jogo. De resto, Hulk errou todas e Bernard e Fred não tocaram na bola.

O The Guardian publicou uma boa análise tática para entender a catástrofe. Focou muito em Marcelo e no lado esquerdo. Penso que os equívocos foram mais amplos e gerais. E um detalhe chama a atenção no olhar inglês: o nosso futebol é considerado de força física, enquanto que o futebol alemão é considerado técnico. Como as coisas se inverteram. Cresci ouvindo uma verdade que era exatamente o contrário disso.

Eis o artigo: Brazil have no answer to might of Toni Kroos’s control for Germany – This World Cup semi-final was billed as a clash of Brazil’s physique and Germany’s technique but in the end the victors had far far too much of both, ou “O Brasil não tem respostas para o controle de Toni Kroos’s no meio campo – A semifinal da Copa do Mundo era descrita como um confronto entre o físico brasileiro e a técnica alemã, mas no final os vitoriosos mostraram muito mais das duas coisas”.
A Slate também faz uma análise da nossa derrota: Why Brazil Lost – Rather than make a real plan, they abandoned themselves to romantic notions of passion and desire, ou “Por que o Brasil perdeu – Ao invés de fazer um plano de verdade, eles se abandonaram a noções românticas de paixão e desejo”.

E, por fim, para compreender a virada que a Alemanha impôs ao seu futebol de 2000, quando a Alemanha foi eliminada na primeira fase da Eurocopa, para cá, há esse ótimo artigo de Alexandre Versignassi e Guilherme Pavarin, na Superinteressante: “Alemanha, o país do futebol – Eles tiraram o futebol do país da lama para transformá-lo no mais organizado e poderoso do mundo. Estádios lotados e novos craques despontaram de uma filosofia simples: o papel social do esporte é mais importante que qualquer troféu”.

DEPOIS DA TRAGÉDIA

Brazil Soccer 2014 WCup Brazil Germany

Uma aspirina para você que, como eu, está de cabeça inchada. A Alemanha ganhou de 4 a 0 da Argentina nas quartas de final da Copa de 2010, com Maradona como técnico. (Só dois a menos que a gente no saldo, e com “el diós” no banco.) E a campeã e toda poderosa Espanha tomou 5 a 1 da Holanda e 2 a 0 do Chile e foi embora na primeira fase, há poucos dias. Em tempos de crise e de luto, é sempre bom usar de parâmetro e bom senso.
Futebol é uma paixão bandida. A mais irracional delas. Para cada alegria, dez tristezas. Para cada glória, dez tragédias. Faça a conta. Torcer é sofrer. Por um time ou seleção. Pense na Alemanha, tantas vezes vice. Pense nas grandes derrotas argentinas. Pense na Holanda, que nunca ganhou uma Copa do Mundo. Pense nas nossas fossas profundas – como essa que nos capotou ontem e cujo banzo vai demorar muitos dias até se tornar suportável. Feliz de quem não liga. Não é o meu caso. Eu não vivo sem. Mas não recomendo a ninguém.

Claro que o futebol é muito mais do que um jogo. Mesmo não sendo mais a nossa única forma de expressão cultural e de afirmação como nação, ele ainda guarda um plano simbólico e mítico e antropológico maravilhoso, uma narrativa à parte que o torna o esporte mais cativante do mundo. Mas futebol também tem um plano básico em que ele é apenas um jogo. Nos próximos dias milhares de teses se apresentarão para explicar a derrota brasileira. Ídolos serão crucificados, longas reflexões sobre a necessidade de rever tudo lotarão telas e páginas. Embaixo disso tudo, no entanto, há um aspecto basilar que não pode ser esquecido: futebol é um jogo em que tudo pode acontecer. Não raro o mais fraco vence. Assim como às vezes o mais forte se impõe de modo desproporcional. Às vezes o jogo é decidido num detalhe, num erro. E às vezes um lance abre as portas para toda uma dimensão insuspeita de sonho para uns e de pesadelo para outros. Tem dias em que a bola não entra. E outros em que ela não para de entrar. Quero dizer o seguinte: para tomar 7 a 1 basta entrar em campo. No futebol, tanto quanto na vida, e mais do que em qualquer outro esporte, a tragédia pode acontecer a qualquer momento, quando menos se espera. E exatamente por isso o futebol é tão incrível e sensacional. Quem gosta de futebol precisa estar preparado para isso. E saber que isso faz parte da paixão e da magia da bola.

Pensando bem, o resultado de ontem combina com tudo de épico e de inesquecível que aconteceu nessa Copa. Mais um evento histórico e surpreendente a coroar essa Copa ímpar – pena que na forma de uma goleada e pena que tendo a gente como objeto vazado. O resultado combina com todas as descobertas e com as lições que demos e aprendemos a nós mesmos e ao mundo. E acho que combina também com os contrastes brasileiros, com nossas contradições que encantam e intrigam o mundo. Sim, nos amam e nos temem, torcem com fervor a favor e contra nós, se encantam e se espantam conosco, nos exaltam e riem de nós. Figuramos no topo e na rabeira da lista. E é por essa ubiquidade e por esses paroxismos que somos e continuaremos sendo o país do futebol, o templo máximo da bola.

Para encerrar, lembro do seguinte. Em 97, o Inter meteu 7 no Guará, em Brasília, pela Copa do Brasil, e o zagueiro Lúcio, que jogava pela pequena equipe do Distrito Federal, e que o Inter contrataria depois daquela partida, achou que sua carreira tinha acabado ali, com aquele placar. Lúcio, que hoje atua no Palmeiras, está próximo de encerrar um carreira brilhante, tendo jogado três Copas, sido campeão do mundo pela seleção e campeão da Europa e mundial pelo seu clube. Já em 2008, na final do Gauchão, o Inter ganhou de 8 a 1 do Juventude e Zetti viu sua carreira de treinador ser enterrada com aquele placar. Meu ponto é que a catástrofe do dia 8 de julho de 2014 pode afundar trajetórias. Ou não. Depende de cada um seguir caminhando. A Copa ainda não acabou para o Brasil. Sábado tem jogo. E um outro placar a disputar. Contra a Holanda. Bola para frente. Vida que segue.

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/anotacoes-sobre-o-pior-dia-da-nossa-vida-futebolistica/

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