segunda-feira, 29 de setembro de 2014

As eleições e o desencanto dos jovens, por Aldo Fornazieri



A campanha eleitoral de 2014 já é a mais desencantadora de todas as eleições do período da redemocratização. O primeiro desapontamento vem com a natureza da liderança das três candidaturas principais que polarizaram essas eleições. Dilma, Marina e Aécio são expressões da crise de lideranças que vive o país. Embora Dilma e Marina tenham histórias de luta respeitáveis, nenhuma delas construiu sua reputação política como líderes autenticamente populares, de dimensão nacional. Antes de ser presidente, Dilma viveu a experiência da luta clandestina e depois construiu sua carreira como gestora, que é algo bem diverso da liderança política. Marina teve uma história de vicissitudes e de sofrimentos antes de projetar sua carreira política no PT, chegando ao Senado e ao ministério do governo Lula e, finalmente, à candidata presidencial em 2010 e agora em 2014. Sua história, porém, não é similar à história de Lula, que construiu sua personalidade política como líder de massas, liderando a criação do novo sindicalismo, lutando pela redemocratização, construindo o maior partido político de massas da história do país e concorrendo a cinco eleições presidenciais. Ao líder político autêntico não basta ter apenas fama e reputação. É preciso que sua personalidade política seja construída no processo e em processo com o movimento social e/ou político de uma nação. Nem Dilma e nem Marina emergiram para a vida pública desta forma.
Já Aécio Neves galgou postos políticos, chegando à presidência da Câmara, ao governo de Minas Gerais e ao Senado, alternando seus papeis de primeiro-neto e de bon vivant. O seu famoso “choque de gestão” não transformou o Estado de Minas Gerais em algo substancialmente diferente do resto do Brasil e dos demais Estados brasileiros. Protegido por um cinturão de mídia subserviente no seu Estado, viu suas fragilidades expostas ao tornar-se candidato presidencial. Agora sequer consegue liderar a corrida presidencial no Estado onde foi governador por duas vezes, o que é um indicativo da fragilidade de sua liderança, mesmo regionalmente.
Dilma chegou à disputa da reeleição com um enorme passivo político. Apenas 38% avaliam seu governo como bom é ótimo. Além dos inúmeros erros na condução da política econômica, cujo resultado mais evidente é o crescimento raquítico, exerceu um governo burocrático, mal-humorado e sem diálogo democrático – condição da boa governança. Apesar de governar o país há quatro anos, a campanha de Dilma sequer conseguiu apresentar um programa de governo para o novo mandato. Apresentou um conjunto genérico de diretrizes, que não situam de forma clara as finalidades do novo mandato e os meios para concretizá-las. Na TV, Dilma limitava-se a apresentar um rol burocrático de propostas sob a orientação do marketing sempre pronto a mediocrizar a política. Somente nas últimas semanas o programa de TV mudou de qualidade. De qualquer forma, a pobreza do debate programático dessas eleições revela a falência do debate estratégico nos partidos.
Aécio Neves seguiu Dilma e também não conseguiu apresentar um programa de governo. Promessas genéricas e um rol de propostas que pouco se diferenciam daquelas do governo impediram que sua candidatura capturasse o anseio de mudança manifesto pela sociedade. Ficou empacado nos primeiros meses de campanha sem ganhar a confiança dos eleitores. Com a entrada de Marina desceu para o terceiro lugar. O principal mote da campanha de Aécio é o antipetismo, o negativismo, escolha impotente para quem precisa gerar confiança e esperança num eleitorado em busca de alternativas.
Ao entrar na disputa na condição de candidata presidencial, Marina provocou uma onda forte que parecia reduzir a escombros as estruturas daquilo que ela chama de “velha política”. A promessa de uma “nova política” despertou o coração e o interesse dos indecisos e a candidata pessebista conseguiu atrair até mesmo eleitores de Aécio e de Dilma. Mas passado o efeito inicial da novidade, a onda foi se transformando cada vez mais em “marolinha”, que ao bater no rochedo da realidade foi recuando e perdendo força.
Marina apresentou um programa, é verdade. Mas justamente este programa soou como um réquiem para a “nova política”. O programa de Marina e seus porta-vozes econômicos e políticos pareceram negar ou negaram de fato as promessas subjacentes e pouco claras da “nova política”. A sua proposta de reforma política desarma os eleitores; a autonomia do Banco Central soa como uma proteção ao capital financeiro; acerca do pré-sal prevaleceu o discurso da ambiguidade; insinuou-se, em entrevistas, que o ajuste poderia atingir as políticas sociais; a candidata desdisse o que havia dito sobre os transgênicos e assim por diante. Foi fácil aos adversários mostrar a fragilidade e as contradições de suas propostas. Marina quis também rivalizar com Aécio para ver quem é o maior anti-PT, caindo no mesmo negativismo do tucano. Ademais, autovitimizou-se, negando características e virtudes típicas do líder autêntico que deve mostrar-se forte ante as maiores adversidades para gerar a confiança necessária ao povo que deve ser conduziu à terra prometida. A Marina de hoje parece tornar-se cada vez mais uma sombra da Marina da esperança de 2010.
O Desencanto dos Jovens
Nas manifestações de 2013 ficou evidente o desencanto dos jovens com os partidos, com os políticos e com as instituições em geral. Corrupção, burocratismo, discursos manipulatórios, oligarquização das organizações e das instituições, falta de transparência e de democracia interna e assalto do bem público por interesses privados são algumas das causas dessa crise de representação. Na semana passada a FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), divulgou uma pesquisa coordenada pelo professor Rodrigo Estramanho que confirma a falta de confiança dos jovens no sistema político (www.Fespsp.org.br/pesquisa).
O universo da pesquisa foi a cidade de São Paulo. Entre outros dados, ela mostra que apenas 3% dos jovens (de 16 a 29 anos) têm participação partidária; 7% são filiados a sindicatos; 5% mantêm vínculos com organizações associativas onde moram; 9% participam de alguma atividade de militância; 17% participam em atividades de voluntariado e 41% afirmaram ter participado das manifestações de 2013. A conclusão da pesquisa é a de que quanto mais distantes forem as alternativas de participação das instituições políticas tradicionais, mais tendem a atrair a participação dos jovens.
É certo que o Brasil tem um problema estrutural e histórico relacionado à fraqueza da sociedade civil e à baixa participação social. Este problema, no entanto, se agrava hoje pelo insulamento dos partidos e do sistema político que se auto-protege e bloqueia a participação cidadã. A Internet, sem dúvida, é uma ferramenta que os jovens dispõem para participarem politicamente. Mas a virtualidade tem seus limites. As organizações de caráter associativo e comunitário e as mobilizações presenciais continuam sendo a mais poderosa arma das lutas transformadoras e inovativas, das lutas dos fracos contra os fortes. Em assim sendo, o desafio dos jovens de hoje é romper a fraqueza histórica da sociedade civil brasileira criando novas formas de organização e de participação política e social e instituindo novos mecanismos de controle social sobre o sistema político.
Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de Sociologia e Política.
http://jornalggn.com.br/noticia/as-eleicoes-e-o-desencanto-dos-jovens-por-aldo-fornazieri

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