terça-feira, 7 de outubro de 2014

Coordenador do Manchetômetro questiona ombudsman da Folha sobre viés político


Jornal GGN - O coordenador do Manchetômetro João Feres Júnior publicou um artigo no qual conta um episódio curioso. O cientista político da UFRJ foi entrevistado pela ombudsman do jornal Folha de S. Paulo, para uma matéria sobre a cobertura eleitoral da Folha, publicada no dia 5 de outubro, dia do pleito.
Segundo Feres, ao longo da conversa, a ombudsman saiu da posição de entrevistadora e virou entrevistada, pois o professor tentou tentar entender por que o jornal, a exemplo de outros produtos da grande mídia, optou por um jornalismo visivelmente seletivo, anti-petista sob o disfarce de ser contra-governo, como se pode ver nos dados e estudos do Manchetômetro.
GGN reproduz o artigo de Feres.
Ombudsman da Folha entrevista o Manchetômetro, mas não cita
No dia 5 de outubro, dia da eleição, a ombudsman da Folha de S. Paulo publicou artigo com um estudo de valências das matérias publicadas na Folha a partir da escolha de Marina para concorrer à presidência na chapa do PSB. Tudo muito parecido com o que fazemos no MANCHETÔMETRO. Ninguém tem monopólio sobre a metodologia da análise de valências, que já foi testada no Brasil e no exterior, mas o artigo deixa de fazer referência a uma longa entrevista que dei à jornalista dias antes da publicação do estudo, que versou exatamente sobre esse assunto.
No dia 30 de setembro chegou ao e-mail institucional do MANCHETÔMETRO mensagem de um preposto da ombudsman da Folha de S. Paulo, Vera Guimarães Martins, pedindo uma entrevista com o coordenador do site, esse que vos escreve, para “uma conversa sobre os critérios do estudo, a ser discutido na coluna desta semana”. Achei o método de comunicação um pouco estranho. No passado já havia trocado mensagens com a então ombudsman do jornal, Suzana Singer, sem que para isso fosse necessário o uso de intermediários. Pensei com meus botões: por que será que ela não me escreve diretamente? De qualquer forma, aceitei o convite, marcando para terça-feira à tarde uma conversa por telefone.
No começo da entrevista ouvi ao fundo a voz da jornalista falar para uma outra pessoa ao lado uma frase que soou parcialmente ininteligível, mas na qual discerni a palavra “gravação”. Ato contínuo pedi a ela para que, se estivesse gravando, me enviasse uma cópia da entrevista, o que ela concordou em fazer. A conversa começou em tom cordial. Ela começou me dizendo que queria saber mais sobre a metodologia do MANCHETÔMETRO. Eu graciosamente descrevi como funciona nosso trabalho: uma análise de valência, ou sentimento (como dizem alguns autores), feita por meio da codificação manual dos textos, e com 3 níveis hierárquicos de checagem para dirimir dúvidas interpretativas. Ela me respondeu que era fácil determinar quando um texto era favorável ou contrário a um candidato ou partido. A conversa continuou, com mais explicações minhas quanto aos critérios de atribuição de valência que utilizamos.
A uma certa altura, interrompi as explicações para perguntar à jornalista se seu objetivo na matéria era usar nosso trabalho para fazer uma autocrítica do jornal ou criticar o MANCHETÔMETRO. Eu disse a ela que minha impressão, baseada na leitura de sua coluna eventualmente e em troca de mensagens com a titular anterior, era de que o Ombudsman funcionava muito mais como um advogado do jornal frente ao público do que o contrário, que seria sua tarefa autoatribuída. Ela respondeu que era comum o Ombudsman ser acusado de tomar o partido do jornal, mas que sua intenção era usar o MANCHETÔMETRO como um instrumento de ajuda na avaliação da cobertura da Folha.
Em seguida, passei a mostrar à jornalista que nossos resultados apontam para diferenças nas coberturas dos diferentes meios pesquisados, ainda que todos revelem um viés anti-Dilma e anti-PT. Disse até que o viés da Folha é menor, se comparado aos de Estadão e O Globo. Ela respondeu que tinha dúvida se o “viés era anti-Dilma ou se o viés era anti-governo”. Eu alegremente redargui que foi exatamente para responder essa dúvida que fizemos a análise comparando os pleitos de 1998 e de 2014. Ora, naquela eleição o candidato da situação, Fernando Henrique Cardoso, concorria à reeleição. Havia uma terceira força, Ciro Gomes, e o embate principal era entre PT e PSDB, como também por boa parte do atual processo eleitoral. Os resultados narrados por mim são sintetizados no gráfico abaixo, que se encontra em nossa página 
Como mostram os dados, a cobertura de 1998 na Folha foi amplamente favorável ao candidato da situação, contrariando a tese da Ombudsman da Folha de S. Paulo. FHC teve uma taxa de contrários sobre neutros de menos de 23%, ou seja, menos de 1:3. Lula, seu principal adversário, teve quase 92%, isto é, praticamente uma notícia negativa para cada neutra. Proporcionalmente, Lula teve cobertura quatro vezes mais negativa do que seu contendor da situação. FHC ainda teve uma taxa de 40% de favoráveis sobre neutros, enquanto Lula amargou 17%. Dilma, esse ano em posição análoga a FHC no pleito de 1998, tem uma taxa de praticamente 50% de contrários sobre neutros, o dobro de FHC, e 1,7 % de favoráveis sobre neutros, quase 23 vezes menor que a do candidato tucano e então presidente do Brasil.

Ao ouvir esses dados, a Ombudsman engasgou. A voz ficou um pouco titubeante. Mas ela logo se saiu com o argumento de que há outros fatores que devem ser levados em conta, particularmente o “desgaste natural do poder, que sempre tem”. Eu respondi que o PSDB estava em 1998 há 8 anos no poder, e ela objetou que a “Dilma está há doze”. Eu disse que não era tão diferente, mas ela insistiu que era 50% a mais.
Apontei então para o caráter precário do novo argumento, pois ou o jornal tem uma predisposição contra a situação razoavelmente constante, tese que foi refutada com a análise de 1998, ou há um tempo a partir do qual o desgaste do partido no poder leva a um aumento do nível crítico da cobertura. Não dá para ser as duas coisas ao mesmo tempo. Pois se o argumento da ombudsman sugere que acontece algo mágico entre 8 e 12 anos, e o jornal passa do tom laudatório, como fez com FHC em 1998, à crítica acerba, então isso não se verificou com o PT. Basta tomar o pleito de 2010 como exemplo, pois nessa ocasião o PT acumulava 8 anos na presidência, isto é, como o PSDB em 1998. Não disponibilizamos ainda esse estudo no site do MANCHETÔMETRO, mas reproduzo abaixo gráfico com a cobertura dos candidatos na Folha de S. Paulo em 2010:
Como se pode ver, o desequilíbrio contrário a Dilma e ao PT em 2010 é muito similar àquele que verificamos atualmente. A proporção de contrários sobre neutros nas capas da Folha foi de 57% para a candidata do PT e de menos de 40% para Serra, naquele pleito. Em suma, não é o desgaste temporal da situação que explica o comportamento enviesado do jornal.

No seu Manchetômetro do B, publicado na edição impressa de domingo (5/10/14), a ombudsman constata o viés contrário à Dilma e ao PT, campeões de negativas na primeira página, em manchetes e nas reportagens internas, tanto em números absolutos como em comparação a outros candidatos e partidos. Mas no texto que circunda os gráficos ela tenta justificar esse fato. O argumento principal apresentado por ela é que a Folha de S. Paulo cumpre o papel de contrapoder, ou seja, que o desequilíbrio da cobertura não é viés contra o PT. Literalmente, ela diz que Dilma é mais “fustigada” porque ocupa o “cargo mais alto do país”. Isso é um pouco surpreendente, pois eu já havia mostrado à jornalista que a análise do pleito de 1998 joga essa tese por água abaixo. A tal ideia ela adiciona algo que não havia dito a mim na entrevista: que as críticas desproporcionais devem-se a “índices econômicos ruins”, pois, ela lembra o leitor: “a economia é item de primeira necessidade no noticiário”.

Mais uma vez um argumento que não tem suporte na realidade dos fatos. Voltemos à eleição de 1998. Usando o poder racional da inferência, podemos concluir que, se a tese da economia se verifica, uma vez que a situação de reeleição está presente, então o tratamento favorável dado a FHC deve ser atribuído à melhor situação econômica daquele momento, se comparado ao atual. Tal inferência, contudo é falsa. Vejamos os números das principais variáveis da economia.

De fato, a inflação no IPCA em 1998, 1,65%, foi menor do que a prevista para o ano corrente, de 6,3%, ainda que essa esteja dentro do teto da meta. Mas todos as outras variáveis econômicas são desfavoráveis a 1998, em comparação a 2014. A taxa de desemprego nas regiões metropolitanas era de 18,6% e agora caiu para 10,8%. O crescimento econômico foi 0% naquele ano, e esse ano a previsão é de 0,9% – baixo, mas ainda assim superior à estagnação completa de 1998. A taxa de juros básica da economia flutuou intensamente em 1998 chegando a atingir 49,7%, enquanto que em 2014 ela variou de 10% a 11% ao longo do ano. Eram necessários 6,5 salários mínimos na época para se manter uma família de 4 pessoas, segundo cálculo do DIEESE. Hoje esse índice é de 3,9 salários mínimos.

Em suma, se a tese dos “índices econômicos ruins” vigorasse, FHC teria sido alvo de uma cobertura muito mais negativa em 1998 por parte da Folha, mas não foi.

Não pude, contudo, demonstrar a inadequação desse argumento econômico pois ele não foi usado durante a entrevista. Na verdade, ao ter suas duas teses principais refutadas, a do contrapoder e do desgaste no poder, a ombudsman começou a ficar um pouco desconfortável. Percebendo isso, resolvi assumir eu o papel de entrevistador. Pedi a ela que lembra-se das capas da Folha de S. Paulo dos últimos três dias. A de 30/07 foi: “Com Dilma em alta, bolsa tem a maior queda em 3 anos”. A jornalista concordou que era negativa para Dilma. A do dia anterior, 29/07, era “Dilma não cumpriu 43% das promessas de 2010”. E a do dia 28/07, abaixo da fotografia de Dilma lia-se “PF investiga ligação entre tesoureiro do PT e doleiro preso”. Foi aí, frente a brutalidade desses fatos, que arrematei com as seguintes sentenças: “3 manchetes em seguida, um dia após o outro, todas contrárias à campanha de Dilma. Nós estamos no final de uma campanha política. Não é possível que você trabalhe nesse jornal e não tenha noção disso, sendo ombudsman do jornal.”

Ao invés de responder, contudo, a jornalista passou a reclamar que eu estava assumindo um tom acusatório nos meus argumentos, sendo que o objetivo dela era somente se informar sobre as atividades do MANCHETÔMETRO e talvez citar o trabalho em sua coluna, que saiu no dia 5/10, dia da eleição com um trabalho em tudo igual ao que fazemos. Eu disse que estava respondendo às suas questões, mas ela novamente reclamou de meu tom e disse que achava melhor não publicar qualquer referência ao MANCHETÔMETRO.

O MANCHETÔMETRO nunca foi citado em qualquer dos meios que estuda: Estado de S. Paulo, O Globo, Folha ou Jornal Nacional. Não esperamos tratamento diferente desses órgãos de imprensa, uma vez que nosso trabalho revela uma intensa politização da cobertura que fazem das eleições, a despeito de sua retórica de neutralidade e profissionalismo jornalístico. Não me surpreende o fato de o texto da Ombudsman ser mais uma tentativa de advogar pelo jornal, e não pelo leitor ou pelo público, que é a maneira como essa função é propagandeada pela própria Folha. O que deve ser apontado é a incapacidade da ombudsman, seja na entrevista ou em sua coluna, de responder às questões muito objetivas que lhe foram colocadas: como explicar a tese do contrapoder frente ao viés da cobertura de 1998? Como adotar a tese do desgaste temporal da situação se a cobertura da própria Folha a refuta? Como argumentar que é o contexto econômico que explica o viés se em 1998 a economia estava muito pior do que agora? E por fim, cara ombudman, como o jornal pode publicar 3 manchetes de capa negativas seguidas contra um só candidato e isso não se tornar assunto em suas colunas?
http://jornalggn.com.br/noticia/coordenador-do-manchetometro-questiona-ombudsman-da-folha-sobre-vies-politico

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