terça-feira, 14 de janeiro de 2014

PRINCÍPIO E FIM DA ELITE BRASILEIRA: PILHAR E EXPATRIAR



O princípio do poder imperial, na época do colonialismo, podia ser resumido a essas duas ações: saquear e expatriar. O "direito" ditado pelo chamado poder de guerra e seus consequentes "espólios" é bastante conhecido. Você deve saber que a maior parte das obras de arte expostas nos grandes museus da Europa é oriunda de pilhagens e "expropriações" nas guerras. Deve saber também que países desenvolvidos e "civilizados" da Europa, como Holanda, Inglaterra, Alemanha, Espanha e Portugal fizeram sua acumulação primitiva de capital escravizando povos, extraindo riqueza das "suas" colônias e remetendo para a metrópole. Isso a gente aprende nas aulas de história.


Sociólogos e antropólogos variados já escreveram diversos ensaios e tratados onde analisam e documentam que, depois que as antigas colônias conseguiram sua suposta e só aparente independência, as elites governantes, que ficam e assumem o manietado poder local, curiosamente, ainda mantinham entranhados em seus hábitos e costumes o princípio da subordinação, mas, principalmente, o da pilhagem e da expropriação aprendidos com os colonizadores europeus.
Esse, segundo os estudos e análises desses diversos intelectuais, seria, grosso modo, uma espécie de "determinismo econômico-cultural", de "fatalismo": a grande mazela ou cacoete atávico que acomete nossas elites.
Algo que também poderia ser denominada de "síndrome do Dilúvio" ou "síndrome da arca de Noé. Ou ainda, num linguajar mais popular de nossas áridas paragens, o velho determinismo do ditado "farinha pouca, meu pirão primeiro".
Parece-me nítido que não havia, e, creio, ainda não há, da parte de porção significativa de nossas elites, uma preocupação em construir uma nação lastreada nos mais básicos princípios civilizatórios e comprometida com o bem-estar de seu povo.
Parecem, no fundo, por mais incrível que isso possa soar, movidos pelo mesmo impulso bestial que move populações mais pobres quando diante de uma carga tombada em um acidente na estrada, por exemplo: "quero é garantir o meu e dos meus. O resto não importa".
O "detalhe" é que, em verdade, o aludido "resto" é o que de fato importa.
Resolvi escrever esse artigo depois que li, em matéria publicada no blog Diário do Centro do Mundo, que a governadora Roseana Sarney teria depositado a soma de 150 milhões de dólares (cerca de R$360 milhões em valores de hoje) nas ilhas Cayman (ou Caimã), segundo informações vazadas pelo Wikileaks lá atrás, em 2009. Se verídica essa informação, o crime dessa governante se agiganta e se torna ainda mais grave do que já é em si. Pois, sabemos todos, o Maranhão é um dos estados brasileiros que vive afundado na mais aviltante pobreza.
Pilhagem e expatriação.
Um ministro do Supremo recentemente comprou um apartamento em Miami. É um direito dele, ninguém questiona isso. Mas a mimese aqui é semelhante a da síndrome dos crioulos colonizados, os brancos nascidos na América, mas descendentes de europeus. Veja bem: um cidadão negro, de origem humilde, sobe na vida por seus próprios esforços, méritos e talentos, mas "ao fim e ao cabo" assume a mesma postura da elite branca, brega e rastaquera: assegura a sua "arca de Noé" no "paraíso" de Miami. Afinal, amanhã ou depois poderá advir o grande Dilúvio e é preciso preservar a própria espécie. Não é mesmo?
Essas notícias não trazem em si nenhuma novidade. Paulo Maluf foi acusado de possuir centenas de milhões de dólares em contas em outro paraíso fiscal – o que ele nega peremptoriamente. Inúmeros outros governantes já foram acusados de possuir semelhante "poupança" – já que o velho, bom e honesto "porquinho" tornou-se brincadeira de criança.
Recentemente, foram descobertas somas milionárias escondidas na Suíça. Depósitos que teriam sido feitos a título de propina em nome de operadores ligados a políticos do PSDB e do PPS. Certamente há, nos chamados "paraísos fiscais", também depósitos feitos por operadores do PT, do PMDB, do PSB, do PTB etc. Mas, como se sabe, é tudo "mentira": "intrigas da oposição"; tudo parte integrante do nosso "folclore político".
Quando conhecemos os princípios – ou a falta destes – das nossas elites e dos nossos governantes mais conservadores e reacionários, fica fácil entender porque existe a indigência, a pobreza, a violência, os latifúndios improdutivos ou o flagelo causado pela seca. Podemos aprender alguns "fins" ou os "porquês".
1º: pelo qual motivo os presidiários são tantos e amontoados como se fossem dejetos humanos em diminutos e superlotados catres.
2º: por que surgiram os comandos e o crime organizado que hoje dominam os presídios e favelas, oprimem o cidadão de bem e submetem o próprio Estado.
3º: por que os pobres não recebem um atendimento minimamente digno nos hospitais e postos de saúde.
4º: por que a educação pública é tão ruim.
5º: por que os ônibus e metrôs são tão poucos e superlotados.
6º: por que o déficit habitacional é tão grande (faltam cerca de 7 a 8 milhões de moradias para abrigar a população mais carente); por que os aluguéis são tão caros.
7º: por que os melhores empregos são para os filhos dos brancos.
Todo esse elenco de iniquidades é fruto de séculos de dominação por uma elite inescrupulosa e egoísta. É fruto da pilhagem, expropriação e expatriação das riquezas da nação. Mas esse sua natureza, inescrupulosa e egoísta, carrega em si o germe da sua própria destruição. Ou seja, os seus princípios espúrios determinarão a sua própria ruína, o seu próprio fim.
O único caminho possível, para muito além do velho proselitismo político e das mentiras e hipocrisia seculares, é procurarmos trilhar uma política cada vez mais progressista e humanista, unindo os melhores talentos da sociedade com esse fim: o da construção de uma sociedade mais justa, e por isso menos desigual.
Assim deve prosseguir caminhando firmemente o Brasil.
Assim caminham os principais países da América Latina – e até mesmo os EUA.
Assim deve caminhar a Humanidade.

O FENÔMENO DO ROLEZINHO, O OCCUPY DA PERIFERIA

Rudá Ricci



 Este ano promete. Promete em desnudar o país para além das  imagens plácidas das novelas (não tão plácidas assim, mas sempre  tendo como centro nervoso a classe média tradicional ou segmentos mais abastados do Brasil).

Neste momento, surge o fenômeno dos rolezinhos, estas "visitas" de jovens da periferia aos shoppings da periferia (até agora, rolezinho em shopping de classe de consumo A - este novo termo mercadológico - só o MST, como pode ser conferido AQUI ). De São Paulo para o resto do país (ontem, foi a vez do shopping Estação, em BH).

Trata-se de um occupy da periferia. Sem opção de lazer e cultura, os jovens da periferia, mergulhados na cultura funk, marcam pelas redes sociais encontros gigantescos, entre 1.000 e 5.000 pessoas e fazem sua festa, para horror de vendedores e classe média tradicional. Um fenômeno que revela, num só tempo, a quebra de barreira territorial com a inclusão pelo consumo e o abismo social que impera no país. Alguns jovens convocam o rolezinho com palavras de ordem, como "quem faz o fluxo somos nós", numa evidente autoafirmação adolescente.


Como nas manifestações de junho, a PM ataca sem dó, revelando sua vocação para a violência, para identificar no diferente um inimigo da ordem. Esta cultura militar que já está passando a hora de ser extirpada na manutenção da segurança de ações civis.

O fato é que o rolezinho já é o fenômeno social mais interessante do início deste 2014. E pode se somar às manifestações do próximo junho. A PM, enfim, vai dando munição para o confronto do ano. Como toda reação violenta e despolitizada, que pensa que jogar a sujeira para debaixo do tapete disfarça os problemas com a mobília da casa.

http://www.brasil247.com/pt/247/artigos/126636/O-fen%C3%B4meno-do-rolezinho-o-occupy-da-periferia.htm

A lista do “rolezinho” dos shoppings contra o ISS em São Paulo

O leitor Paulo Grazioli nos enviou, via Facebook, a lista parcial das empresas supostamente envolvidas no escândalo da máfia do ISS, em São Paulo. Empresas que teriam pago a fiscais para ter abatimento no imposto. A lista, publicada na Folha, foi reproduzida em O Cafezinho.

Grazioli gostaria de cruzar a lista acima com a das empresas administradoras de shoppings que foram à Justiça para impedir os “rolezinhos”. Em tese, são aquelas que demandam serviços públicos — no caso, ação da polícia — sem arcar com os custos disso.

Boa ideia, mas infelizmente não temos como fazê-lo. Porém, não há nada que escape aos comentaristas doViomundo


DIRCEU E DELÚBIO APONTAM ERROS DE BARBOSA NA AP 470





MARINA FERIU DE MORTE A REELEIÇÃO DE ALCKMIN?

A Operação Banqueiro e como se uniram as duas maiores fábricas de dossiês da República


O livro “Operação Banqueiro”, do jornalista Rubens Valente, caminha para se tornar um clássico na devassa das relações Estado-lobbies privados, especialmente o capítulo “As ameaças do grande credor”, que descreve a correspondência do super-lobista Roberto Amaral com Daniel Dantas, o banqueiro do Opportunity, reportando e-mails e conversas que manteve em 2002 com o então presidente Fernando Henrique Cardoso e o candidato José Serra.
As mensagens constam de dez CDs remetidos à Procuradoria Geral da República em Brasília – e que permaneceram na gaveta do PGR Roberto Gurgel, que não tomou providência em relação ao seu conteúdo.
Nas mensagens a FHCe Serra, Amaral insiste para que se impeça a justiça de Cayman de entregar a relação de contas de brasileiros nos fundos do Opportunity. Amaral acenava com os riscos de se abrir os precedentes e, depois, o Ministério Público Federal investir sobre as contas do Banco Matrix – de propriedade de André Lara Rezende e Luiz Carlos Mendonça de Barros, figuras ativas no processo de privatização. E, principalmente, sobre as contas de Ricardo Sérgio, colocado por Serra na vice-presidência internacional do Banco do Brasil.
Parte das mensagens havia sido divulgada em 2011 pela revista Época (http://tinyurl.com/l3crc72).
São relevantes para demonstrar que o Opportunity tornou-se uma questão de Estado, com envolvimento direto de FHC (tratado como "pessoa" nos emails entre Amaral e Dantas), José Serra (alcunhado de "Niger") e Andréa Matarazzo (tratado como "Conde"). Dantas era alcunhado de "grande credor".
Mostra também como Gilmar Mendes, então na AGU (Advocacia Geral da União), foi acionado em questões que interessavam ao Opportunity junto à ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações).
Não apenas por isso, mas pelo levantamento minucioso de decisões do STF (Supremo Tribunal Federal), das pressões sobre procuradores e policiais, da atividade pró-Dantas de advogados ligados ao PT, trata-se de obra definitiva para se entender os meandros da estratégia que resultou na anulação da Operação Satiagraha.
Em entrevista a Sérgio Lyrio, da Carta Capital, Valente afirma que “sem Mendes na presidência do Supremo, nem todo o prestígio de Dantas teria sido capaz de reverter o jogo de forma tão espetacular”.
É mais do que isso. Nem Mendes nem Dantas individualmente teriam o poder de influenciar os quatro grandes grupos de mídia. O único personagem com capacidade de unir todas as pontas em torno de uma bandeira maior - a conquista da presidência da República - era José Serra. É a partir dele que deve ser puxado o fio da meada.
Satiagraha foi a Primeira Guerra Mundial da mídia, um ensaio para as guerras seguintes, nas eleições de 2010 em diante.
As fábricas de dossiês
Valente não aborda o papel da mídia e a maneira como eram construídos os dossiês. Os dados abaixo são de levantamentos antigos do Blog, aos quais se somam algumas revelações adicionais do livro.
Na série "O caso de Veja" havia mostrado a maneira como Dantas e a Veja se valiam de dossiês para fuzilar não apenas adversários políticos, mas magistrados e jornalistas  que ousassem investir contra os interesses do banqueiro. É a mesma tecnologia - de dossiês e assassinatos de reputação, com ampla repercussão midiática -  reproduzida no modo Cachoeira-Veja de atuar e, antes, no modo Serra exemplificado no caso Lunus.
Dois capítulos da série merecem atenção especial:
O caso Edson Vidigal - (): Desembargador do STJ, Vidigal confirmou uma sentença contra Dantas. Veja fuzilou-o em uma matéria com acusações dúbias. A matéria informava que as acusações mereceram uma representação contra ele no CNJ. Vai-se conferir a representação, e ela tomava como base a própria reportagem da Veja. Ou seja, a revista noticiou a representação mesmo antes da denúncia que serviu de base para ela ser públicada.
O caso Márcia Cunha - uma juíza séria, do Rio, foi fuzilada pelaFolha por contrariar interesses de Dantas e ter recusado proposta de suborno. Tempos depois, constatou-se sua inocência e comprovou-se a tentativa de suborno.
O livro de Valente passa ao largo da atuação da mídia, mas permite colocar as últimas pedras do quebra cabeça para entender as sementes do modelo de manipulação visando resultados políticos e jurídicos, e que se torna padrão na atuação de Dantas, de Serra (com o ápice do caso da "bolinha de papel") e de Cachoeira.
O infográfico abaixo mostra os principais atores desse período de uso intensivo de factoides, que se inicia com o caso Lunus, em 2002, e se encerra (pelo menos nesta fase) com dois episódios simultâneos: a CPI de Carlinhos Cachoeira e o julgamento da AP 470.
Todos os personagens citados estiveram envolvidos na indústria de dossiês.
Ao longo do artigo, essas ligações serão melhor esmiuçadas. Não fazem parte do livro, que fornece apenas algumas peças do quebra-cabeças, como o fato de até 2002 Serra considerar Dantas homem de ACM. Embora desde alguns anos antes Dantas já tivesse se tornado sócio de Verônica Serra.
Sobre a tecnologia de manipulação da Justiça
Na Satiagraha foi colocada em prática a tecnologia midiática que tornou-se padrão nos anos seguintes, até o ápice no julgamento da AP 470.
Consistia nas seguintes etapas:
ETAPA 1 - O Ministro Gilmar Mendes criava um fato político, verdadeiro ou falso, visando provocar comoção no STF e na opinião pública. Em geral eram fatos baseados exclusivamente nas afirmações dele, sem nenhuma testemunha que os corroborasse.
ETAPA 2 - Veja transformava o fato em reportagem de capa, valendo-se do padrão que consagrou nas parcerias com Carlinhos Cachoeira.
ETAPA 3 - No momento seguinte, o fato era repercutido pelo Jornal Nacional e demais grupos integrantes do cartel jornalístico.
ETAPA 4 - com base na repercussão, parlamentares ou autoridades judiciais aliadas da revista solicitavam providências que acabavam se completando devido ao clamor da mídia.
O clamor da mídia, a criação da figura do inimigo externo, o macartismo colocado em prática forneciam a blindagem para as ações de outros personagens, como os ex-Procuradores Gerais da República Antonio Fernando de Souza e Roberto Gurgel, além de Ministros do STF.
O piloto desse tipo de operação foi o caso Lunus, que inviabilizou a candidatura de Roseana Sarney à presidência da República. E a continuação foi a campanha de 2010, com a fabricação infindável de dossiês falsos repercutidos pela velha mídia.
 A montagem da central de dossiês
É na operação Lunus que estão as pistas para se chegar ao início do nosso modelo. Ele nasce com a nomeação de José Serra para Ministro da Saúde. Através da CEME (Central de Medicamentos), Serra monta o embrião da sua indústria de dossiês, contratando três especialistas em trabalhos de inteligência: o subprocurador da República José Roberto Santoro, o policial federal Marcelo Itagiba e o ex-militar Enio Fonteles, dono da Fence Consultoria Empresarial, especializada em arapongagem.
A primeira grande ação do grupo foi a Operação Lunus. Usou-se o poder de Estado para tal.
Do lado do Ministério Público, Santoro imiscuiu-se em um inquérito que não era dele e coordenou a ação cujo titular era o procurador Mário Lúcio Avellar. Policiais federais montaram campana, identificaram o dia e a hora em que a Lunus – de Jorge Murad – receberia contribuições e montaram um flagrante acompanhado de uma equipe do Jornal Nacional. Para melhorar a cena, arrumou-se o dinheiro em pacotes de grande visibilidade, facilitando o impacto televisivo.
Essa mesma jogada – de empilhar o dinheiro para dar impacto televisivo - foi repetida no caso dos “aloprados”, em 2006, entre um delegado da Polícia Federal e o Jornal Nacional.
Houve indícios de envolvimento direto da presidência da República com a operação Lunus. Da própria empresa foi enviado um telex para o Palácio do Planalto dando conta do sucesso da operação.
A mídia ainda não estava fechada com Serra e a cobertura da época desvendou rapidamente a jogada.
A Fence recebia por varredura efetuada. Segundo reportagem da revista Veja, de 20.03.2002, de primeiro de janeiro a 28 de fevereiro de 2002, período que antecedeu a Operação Lunus, a Fence recebeu do Ministério R$ 210 mil. Para tanto, necessitaria ter realizado 840 varreduras em menos de 60 dias, ou quase 14 varreduras por dia (http://glurl.co/dti).
É evidente que o pagamento não se devia a varreduras internas no Ministério.
Depois que tomou posse como governador, Serra contratou a Fence para monitorar todos os telefonemas do estado que passavam pela Prodesp (empresa de processamento de dados do estado) e “outras de seu interesse”.
Reportagem da Folha, de 17 de março de 2002, dizia o seguinte sobre Santoro e Itagiba (http://tinyurl.com/q27uasd): “O presidenciável tucano, senador José Serra (SP), conseguiu reunir sob as asas de aliados as duas principais investigações em curso que podem prejudicar sua candidatura ou implodir a campanha de seus adversários. São eles o subprocurador da República José Roberto Santoro e o delegado de Polícia Federal Marcelo Itagiba”.
A reportagem mostrava como Santoro coordenou informalmente o pedido de busca e apreensão de documentos na Lunus. E como Itagiba se valeu do cargo de superintendente regional da PF para afastar um delegado que investigava doações de campanha a Serra.
Segundo a matéria, era antiga a parceria de Santoro e Itagiba:
“José Roberto Santoro e Marcelo Itagiba fazem parte da tropa de choque de Serra no aparato policial e de investigação. Os dois já estiveram juntos antes. Em 2000, enquanto Santoro promovia ações judiciais de interesse do então ministro José Serra na área da saúde, Itagiba coordenava uma equipe instalada na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para investigar laboratórios”.

A aproximação com Cachoeira

O esquema Serra gerou dossiês contra competidores internos no PSDB - Paulo Renato de Souza, Tasso Jereissatti e Aécio Neves.
Já no governo Lula, o passo seguinte do grupo  foi na operação Valdomiro Diniz, primeiro petardo contra o então Ministro-Chefe da Casa Civil José Dirceu.
Foi divulgado vídeo de 2002, no qual Valdomiro, servindo no governo Benedita da Silva, pedia propina a Carlinhos Cachoeira.  Quando o vídeo vazou, Valdomiro trabalhava como assessor da Casa Civil. A bomba acabou explodindo no colo de Dirceu, que pagou o preço de não ter ouvido assessores sobre o passado de Valdomiro.
Assim que o caso explodiu, Santoro – e o procurador Marcelo Serra Azul – reuniram-se com Cachoeira de madrugada, no próprio prédio do Ministério Público Federal, em Brasília, para obter a íntegra da fita em troca de proteção jurídica. Santoro já era subprocurador geral, sem nenhuma relação com o episódio.
A conversa que foi parar no Jornal Nacional, que precedeu a divulgação com um enorme editorial para justificar porque não abriu mão do furo.
No grampo, Santoro pede pressa a Carlinhos Cachoeira porque já amanhecia e o PGR Cláudio Fonteles poderia chegar e acusa-lo de estar armando para prejudicar o Chefe da Casa Civil José Dirceu.
A maneira como Santoro prevê o que seria a fala de Fonteles – caso os flagrasse na reunião noturna – revela nitidamente suas intenções políticas.
Hoje em dia, Santoro é advogado contratado pelo PSDB para atuar no caso do cartel dos trens.

Carlinhos Cachoeira e Jairo

A partir dessa primeira abordagem de Santoro sobre Cachoeira, muda o comportamento da mídia. De bicheiro suspeito, passa não apenas a ser blindado como torna-se íntimo colaborador da revista Veja em uma infinidade de escândalos com objetivos políticos. É como se a operação Lunus estivesse sendo reproduzida em uma linha de montagem.
A de maior impacto foi o do grampo no funcionário dos Correios Maurício Marinho, que resultou por linhas tortas no escândalo do “mensalão”. No capítulo da série de Veja, “O araponga e o repórter” (http://tinyurl.com/leps4ox) conto em detalhes essa armação.
Serra contrata Santoro; Santoro se aproxima de Cachoeira; Cachoeira se aproxima da Veja e a CPI de Cachoeira revela os dois principais braços do bicheiro: o araponga Jairo  Martins e o então senador Demóstenes Torres.
Foi a fase de maior poder de Cachoeira. Veja transformou Demóstenes em baluarte contra a corrupção. A mando de Cachoeira, Jairo levantava dossiês, Demóstenes fazia as denúncias e Veja repercutia. Com o poder conquistado, Demóstenes fazia lobby para Cachoeira junto ao governo.
Para comprovar o padrão de atuação do grupo, em 2004, Demóstenes já se mostrara exímio fabricante de factoides para gerar mídia e desgaste nos adversários. Como o suposto atentado de que teria sido vítima em 2004 (http://tinyurl.com/kql2jza) que rendeu muita manchete sem nunca ter sido devidamente apurado.
E aí vão se fechando os elos da corrente, e entra em cena Gilmar Mendes.
Jairo, o araponga preferencial de Cachoeira, o especialista em dossiês para a Veja foi contratado como assessor especial de Gilmar. E com Demóstenes Gilmar estreitou uma relação pessoal já antiga (http://glurl.co/dtj). Ou seja, o principal operador de Cachoeira, o homem que abastecia Veja com grampos passa a ter acesso ao sistema de telefonia do STF, na condição de assessor especial de Gilmar.
Fechados os elos da corrente, começam a brotar dossiês por todos os poros da mídia.
No início da operação, Gilmar foi ajudado por um sem-número de boatos infundados contra ele, alimentados por seus adversários e por abusos da PF em algumas operações espetaculosas.

Os factoides contra a Satiagraha

Quando surgiram os primeiros boatos sobre o cerco a Dantas, a primeira investida foi uma capa de Veja, “Medo no Supremo”, de 22 de agosto de 2007, em que cozinhava um conjunto de informações velhas, para dar a impressão de que o STF estava ameaçada pelo grampo. Mereceu um dos capítulos da minha série “O caso de Veja” (http://tinyurl.com/p4geurw).
Aparentemente, era uma matéria bombástica:
“É a primeira vez que, sob um regime democrático, os integrantes do Supremo Tribunal Federal se insurgem contra suspeitas de práticas típicas de regimes autoritários: as escutas telefônicas clandestinas. Sim, beira o inacreditável, mas os integrantes da mais alta corte judiciária do país suspeitam que seus telefones sejam monitorados ilegalmente”.
A matéria não passava de um amplo “cozidão” de notícias velhas. Vários ministros citados desmentiram a matéria, de Sepúlveda Pertence a Marco Aurélio de Mello. O único que sustentou o que disse foi Gilmar. E o que disse ele?
A Polícia Federal se transformou num braço de coação e tornou-se um poder político que passou a afrontar os outros poderes", afirma o ministro Gilmar Mendes, numa acusação dura e inequívoca”.
Quando estourou a Satiagraha, repetiu-se o estratagema em diversos episódios:
1. Os dois habeas corpus em favor de Daniel Dantas.
Gilmar tratou o caso como se o estado de direito estivesse ameaçado. Sucessivas invasões de escritórios de advocacia pela Polícia Federal forneceram-lhe o álibi necessário. Mas avançou muito além do habeas corpus, com discursos bombásticos que, repercutidos pela mídia, criaram o clima de resistência à Satiagraha. No livro, Valente esmiuça todas as decisões controvertidas de Gilmar para anular a operação.
No vídeo abaixo, Gilmar denuncia supostos grampos de que teria sido alvo. Faz um discurso eficiente. Ainda não tinha em sua ficha os episódios seguintes, que não o qualificariam mais como testemunha confiável.
2. O grampo sem áudio.
O tal grampo de conversa entre Gilmar Mendes e Demóstenes Torres - principal parceiro de Veja na conexão Carlinhos Cachoeira.
Jamais apareceu o áudio. Investigações divulgadas na época mostravam ser impossível grampear telefones do Senado. Sequer se conferiu se, na tal hora do suposto grampo, houve de fato ligações telefônicas entre Gilmar e Demóstenes, ou ao Senado.
Era um grampo consagrador para Demóstenes, onde os dois colegas lembravam as grandes ações cívicas do senador.
Com base em um factoide, Gilmar cobrou explicações do próprio presidente da República. A ameaça de crise entre instituições levou ao afastamento do diretor da Abin Paulo Lacerda e deu início à anulação da Satigraha.
Segundo o Blog de Noblat, a Abin identificou o araponga que gravou a conversa. Foi o mesmo que passou a transcrição para a revista Veja (http://tinyurl.com/myq2kdw) (http://tinyurl.com/myq2kdw). Se o grampo existisse de fato, Veja não teria a menor dificuldade - ou escrúpulo - em divulgá-lo, ou entregar a fonte.
Aqui no Blog desmontamos a farsa (http://tinyurl.com/mo4o4w6).
É significativo o fato de que os dois personagens da história - Gilmar e Demóstenes - terem histórico de criação de factoides sem provas. 
3. O grampo no Supremo Tribunal Federal.
Um assessor de segurança do STF passou para a revista Veja a informação de que havia detectado grampo em uma das salas do Supremo. Mereceu capa e, com base no alarido, foi criada a CPI do Grampo (http://tinyurl.com/p2hmlsy).
Quando o relatório da segurança do STF foi entregue à CPI, constatou-se que haviam sido captado sinais de fora para dentro do órgão. Logo, jamais poderia ser interpretado como grampo. Coube a leitores do Blog derrubar essa armação.
Na CPI ficou-se sabendo que o relatório com as conclusões falsas saíram do próprio gabinete da presidência do STF.
Foi tão grande a falta de reação dos demais ministros, ante a manipulação do suposto grampo, que chegou-se a aventar a fantasia de que Gilmar teria mandado grampeá-los para mantê-los sob controle.
Nesse período, Jairo Martins assessorava Gilmar.
4. A reunião com Nelson Jobim e Lula.
Mesmo depois da Satiagraha, manteve-se o mesmo modo de operação no julgamento da AP 470. Há um encontro entre Gilmar e Lula no escritório de Nelson Jobim. Passa um mês, sem que nada ocorra. De repente, alguém se dá conta do potencial de escândalo que poderia ser criado. Gilmar concede então uma entrevista bombástica, indignada, dizendo ter sido pressionado por Lula.
Dos três presentes ao encontro, dois - Jobim e Lula - negam peremptoriamente qualquer conversa mais aprofundada sobre o mensalão.
Foi em vão. A versão de Gilmar é veiculada de forma escandalosa pela revista Veja, criando o clima propício ao julgamento "fora da curva" da AP 470. O mesmo Gilmar do grampo sem áudio e da falsa comunicação de grampo no STF.
São quatro episódios escândalos inéditos na história do Supremo, todos os quatro tendo como origem Gilmar Mendes.