domingo, 8 de junho de 2014

Adeus emprego: Revolução no trabalho





Por Luis Pellegrini

Como nossos filhos trabalharão amanhã? Mais do que nunca, esta pergunta ocupa os corações e as mentes de todos os pais e mães empenhados na preparação de seus filhos prestes a se lançar na vida profissional. A preocupação é justa: as mudanças que estão ocorrendo no mercado de trabalho no mundo não configuram um panorama de simples transformações, mas sim de uma verdadeira revolução.

"Já hoje, há muito mais gente correndo atrás de um bom padeiro do que de um bom politécnico", afirma o francês Thierry Gaudin, fundador e presidente do Foresight 2100, uma das mais importantes organizações mundiais de prospecção de tendências econômicas e socioculturais. Ele explica que o modelo de organização do trabalho desenvolvido ao longo do século 20 passa por um processo radical de transformação.

Tudo será diferente para as próximas gerações. "Para começar", diz Gaudin, "já agora, em todos os países desenvolvidos, observamos um grande número de pessoas evoluírem para: um retorno ao campo; o trabalho à distância, como a tecnologia permite cada vez mais; organizar a vida a partir de uma renda modesta; desempenhar algum trabalho mas, ao mesmo tempo, cultivar um pomar no fundo do quintal; reformar a casa com suas próprias mãos; viver a partir de pequenos serviços informais; ganhar a vida desempenhando funções e tarefas temporárias".


Um posto de trabalho no seio de uma multinacional

Essa descrição de um mundo do trabalho completamente diverso do até agora vigente, no qual ainda pontificam advogados, médicos, engenheiros, técnicos em informática, empresários, especialistas em aplicações financeiras e coisas do gênero, é mesmo surpreendente. Nas últimas décadas, toda a cultura ocidental, através da mídia e da educação, tentou nos persuadir de que o objetivo maior da existência era a ocupação de um posto de trabalho no seio de uma multinacional. E agora chega alguém para nos dizer que o futuro não mais pertence aos especialistas das modernas tecnologias, mas sim aos que, além de saber mexer num computador e surfar na internet, são pluriativos e souberam conquistar um bom know-how de ofícios considerados rudimentares, como cultivar a terra, trabalhar a madeira, a pedra, refazer um telhado, instalar painéis solares!


As visões de Gaudin vão ainda mais longe. Na questão dos salários, por exemplo. A prestação de serviços contra uma remuneração, bem como o dinheiro, não estão destinados a desaparecer amanhã. Mas a ideia de um assalariado colocado sob a autoridade de um patrão durante oito horas por dia está destinada a sumir. O modelo ainda vigente de uma semana de trabalho de 44 horas e de um emprego formal está superado.

Mas sem essa estrutura organizativa, como financiar os sistemas de assistência social, as aposentadorias, os salários desemprego, as greves? Gaudin sugere, como um primeiro passo para a solução, a simplificação dos processos administrativos e o estímulo às micro-organizações de menos de dez pessoas. "É necessário parar de acreditar nas informações oficiais que afirmam, por exemplo, que o crescimento cria empregos. Isso é falso. A transformação atual do sistema técnico nos faz passar da civilização industrial para a civilização cognitiva", diz ele.


Período crucial de transformações

As prospecções do Foresight 2100 apontam a década entre 2010 e 2020 como o período crucial dessas transformações. Os estudos revelam que estamos encerrando um ciclo: metade da espécie humana vive agora num meio urbano, e a maior parte do consumo energético acontece nas cidades (entre 70 e 80%). Mas já é possível imaginar uma adaptação urbana, ou de zonas rurais urbanizadas, mais autônoma e pluriativa. Muitos cidadãos já são pluriativos. Nesse sentido, Gaudin lembra um ponto crucial: os novos sistemas de comunicação que permitem, por exemplo, o trabalho à distância ainda não produziram os seus efeitos sobre a estruturação de territórios e a repartição entre cidade e campo.

Essas consequências se farão sentir na segunda metade desta década: as pessoas irão fazer novas escolhas quanto à maneira de organizar e equilibrar suas vidas, de desfrutar do seu tempo livre, de fazer a trouxa e partir quando sentir necessidade disso, de pôr termo à corrida desabalada em direção ao sucesso. Essa é uma postura que já se observa num número crescente de pessoas.


Quais são as causas dessa revolução no mundo do trabalho? Em primeiro lugar, segundo as pesquisas, o progresso técnico e a globalização. Hoje, em todas as áreas, produzimos muito mais com menos trabalho. Existem, no entanto, alguns limites: setores como as indústrias têxtil e alimentar, que utilizam matérias-primas "leves", de tratamento mais delicado, são mais refratários à mecanização. Além disso, num curtíssimo tempo, boa parte delas foi transferida para países emergentes como a China e a Índia, onde a mão de obra é menos cara. Nos dois casos, o resultado é o mesmo: no mundo ocidental, as grandes empresas não param de descartar seus empregados.

A globalização da economia de mercado exportou o modelo ocidental de trabalho para esses e outros países emergentes, os quais exploram hoje sua força de trabalho de maneira quase escravagista, com o objetivo de conquistar uma revanche econômica sobre os países do Ocidente. Mas isso, para os especialistas, não durará muito tempo.

Na China, já pode ser verificado um número crescente de manifestações de protesto, em geral reprimidas com extrema violência. O que é certo é que, também nesses países, os ofícios que podem ser mecanizados serão fatalmente desempenhados por robôs. "Se acrescentarmos a tudo isso os efeitos do aquecimento global", explica Gaudin, "que não permitirá que a produção cresça a níveis delirantes, compreenderemos que será necessário prestar muita atenção às consequências globais".


Emprego, menos frequente e mais precário

As consequências desses fatores sobre o trabalho já podem ser verificadas. O emprego se torna cada vez menos frequente e mais precário, até mesmo para as profissões mais bem qualificadas. É comum, hoje, consultores profissionais aconselharem a seus clientes: "Procurem trabalho, não procurem emprego." Na maior parte dos países ocidentais, um número cada vez maior de engenheiros trabalha em projetos temporários, que podem durar um, dois ou três anos, e após esse período são demitidos. Então, que faremos das pessoas que vivem essa situação ou que veem seus parentes vivê-la? Elas se dirão: "Atenção, não podemos mais contar com um empregador, é preciso se virar por nossa conta, diversificar nossas possibilidades de entradas financeiras." Essa é a razão pela qual o mundo do trabalho de nossos filhos e netos será aquele desenhado no início deste texto por Thierry Gaudin.
E em relação aos jovens nos quais os pais e a escola incutiram o desejo de segurança, de carreira estável, a convicção de que a melhor e mais segura profissão é a de funcionário público? Gaudin responde que a maior parte deles estará condenada à decepção: "Os humanos são, como quase todos os primatas, animais tribais. No passado, pertencíamos a uma tribo por nascimento; hoje, a empresa tomou o lugar da tribo. Mas como ser fiel a um patrão infiel? O modelo da empresa 'patriarcal' se quebrou." Evidentemente, uma parte da população não conseguirá administrar as exigências de uma postura profissional "diversificada", e necessitará de um sistema de trabalho mais enquadrado.


Felizmente, para esses, os grandes empreendimentos estruturais, em que os Estados continuarão a investir para amenizar as crises, permitirão a colocação de um certo número de pessoas que não conseguem se adaptar à nova economia "leve", ou que, por razões psicológicas, precisam de um emprego para se sentir seguras. Mas para os outros (que serão a maioria), e graças às novas tecnologias, a solução passará pela multiassociação, as conexões múltiplas, outras formas de organização baseadas na amizade, na proximidade física ou, via internet, na proximidade virtual.
A ligação não será mais jurídica, para tornar-se informal. Isso já pode ser observado em várias organizações: o chefe não é um líder à antiga, mas sim um organizador; as pessoas funcionam em "socioanálise", ou seja, juntas elas analisam suficientemente bem uma situação até que cada um dos membros saiba o que deve fazer, sem ser preciso que ordens lhe sejam dadas. As pessoas de uma equipe não mais funcionarão a partir de relações de força ou de influência, e sim pelo esclarecimento.
Nesse novo contexto do mundo do trabalho, como ficará a questão crucial da "realização de si mesmo"? Para Gaudin, há uma formidável ambiguidade no modo como utilizamos a palavra trabalho. Ela implica, ao mesmo tempo, a ideia de esforço, de emprego, e de realização de si. "Todo trabalho, inclusive aquele sobre si mesmo, requer perseverança e disciplina." É preciso trabalho para se desenvolver um talento pessoal, para se praticar uma atividade artística ou esportiva, ou até mesmo para se praticar ioga! Por outro lado, nem todo emprego possibilita uma realização de si mesmo.


A preparação das crianças

No plano da consciência coletiva, uma nova filosofia começa a eclodir. Cada vez mais, ela deverá nortear todas as atividades humanas, inclusive o mundo do trabalho. É a ideia de que a espécie humana é apenas uma entre muitas outras espécies, mas o que a diferencia é a sua posição de guardiã do ecossistema. Esse papel é absolutamente vital, sobretudo agora, quando a natureza é cada vez mais uma "tecnonatureza" em boa parte modelada pela mão do homem.
Quanto à preparação de nossas crianças para esse futuro que já bate às portas, ela começa em casa e na escola. Até agora, como a escola era formatada para preparar as pessoas a empregos que não mais existem, todas as coisas essenciais eram aprendidas fora da escola, no mundo exterior.


A nova escola deverá, é claro, proporcionar aos alunos os conhecimentos básicos para eles poderem ter acesso aos resultados da ciência e da cultura. Mas deverá também lhes dar as ferramentas que possibilitarão o desempenho de um mínimo de atividade artística, para que cada um deles possa exprimir sua própria personalidade. Será também necessário ensinar a eles o que é e como funciona a natureza, suas leis, os animais e as plantas, bem como o know-how básico de várias técnicas práticas. Como lembra Gaudin, uma coisa é certa: já hoje, há muito mais gente correndo atrás de um bom padeiro do que de um bom politécnico!

Para saber mais:
 www.2100.org
www.odisseyofthefuture.net
http://www.foresightinternational.com.au/
Bibliografia
Economia Cognitiva, Thierry Gaudin, Ed. Beca.
La Prospective, Thierry Gaudin, Éditions Puf.

http://www.brasil247.com/pt/247/revista_oasis/142234/Adeus-emprego-Revolu%C3%A7%C3%A3o-no-trabalho.htm

O porteiro “petista” e seu filho “tucano”



Mais uma vez, o Brasil irá às urnas dividido entre os que avaliam e os que não podem, não querem ou não sabem avaliar quanto o país atual melhorou em relação ao de 2002. Em eleições anteriores, porém, essa divisão se deu entre classes sociais, econômicas e regionais, mas, neste ano, há uma outra divisão, a divisão geracional, que opõe jovens e maduros.

Os governos Lula e Dilma foram marcados por ampla rejeição da classe média-média e média alta, freguesas de carteirinha dos grandes meios de comunicação, do Jornal Nacional ou daquele indefectível exemplar da revista Veja no consultório do dentista. Mas, do ano passado para cá, jovens de diversas classes sociais se juntaram àquele contingente maduro e mais rico.

O ambiente essencialmente jovem das “jornadas de junho” promoveu uma espécie de rave político-ideológica em que jovens da nova classe média (baixa, da periferia) finalmente se encontraram com os mauricinhos e patricinhas das classes médias tradicionais em manifestações gigantescas que acabaram se voltando essencialmente contra o PT.

Note-se que, enquanto Dilma e o PT amargam até hoje os efeitos políticos negativos das “jornadas de junho”, um Geraldo Alckmin, que pôs sua polícia para “descer o cacete” na garotada hipnotizada, recuperou aprovação e musculatura político-eleitoral inclusive entre aqueles que o tucano mandou seu aparato repressor massacrar.

Como costuma ocorrer quando jovens se encontram em ambientes descontraídos, o comportamento e as ideias se padronizam. Como Dilma e o PT se tornaram o “grande satã” dos protestos que se abatem sobre o país desde meados de 2013 enquanto que Alckmin e o PSDB foram alvo de uma pequena fração desses protestos, os tucanos acabaram lucrando.

Ironicamente, porém, as manifestações que vêm ocorrendo no país – mas, sobretudo, em São Paulo e no Rio de Janeiro – têm sido essencialmente de esquerda. Aliás, de uma esquerda mais “autêntica”, presa a dogmas pré-queda do Muro de Berlim que envolvem, entre outros, estatização do sistema bancário, calote na dívida externa etc., etc., etc.

Um dos exemplos mais eloquentes desse fato é o professor da UFRJ Lauro Luís Iasi, 54 anos, candidato a presidente peo Partido Comunista Brasileiro (PCB) – não confundir com o PC do B, aliado do governo Dilma. Iasi deu entrevista recente ao UOL defendendo os black blocs e pregando ideias condizentes com as da extinta União Soviética.

A ironia, pois, reside em que quem ajudou a vitaminar politicamente um conservador tão fidedigno quanto Alckmin foram partidos como PCB, PSOL e PSTU – ou, se preferirem, como a esquerda que a direita ama de paixão, pois, ao longo do século anterior e deste, prestou-lhe, e ainda lhe presta, inestimáveis serviços ao colocar a população contra si promovendo ações como essas manifestações que torturam a população ao privá-la do direito – e da necessidade cotidiana e extrema – de ir e vir.

Seja como for, o fenômeno sob escrutínio é o novo antipetismo, o antipetismo jovem e sem classe social definida do Sul e do Sudeste, basicamente. Vamos a ele, pois.

Recentemente, este que escreve pôde verificar como a divisão política entre jovens e maduros da “nova classe média” ocorre inclusive no seio das famílias. Para tanto, vale o relato de um “causo” que não se “pretende prova científica, mas que, por seu simbolismo, parece ilustrar perfeitamente o fenômeno que se quer apontar neste texto.

No fim de maio, a segunda neta do autor desta página cumpriu seu primeiro ano sobre a Terra e a festinha familiar em sua homenagem acabou ocorrendo no salão de festas do prédio em que residem seus avós paternos. Devido ao tabagismo do blogueiro, ele deixava a festinha seguidamente para ir aplacar o vício na portaria e, assim, entabulou conversas com o porteiro e o zelador.

O assunto descambou para a política. Apesar de o autor deste texto saber que na região em que vive (bairro de classe média de São Paulo) não é recomendável um simpatizante do PT discutir tal assunto, havia desconfiança de que os funcionários de condomínios e do comércio da região acabam se calando sobre política para não confrontar patrões e clientes.

Até aí, nada demais. Como se sabe, o PT tem maior votação entre os mais pobres. Porém, esse fenômeno se aprofundou entre as pessoas mais humildes e maduras e diminuiu drasticamente entre as igualmente humildes, porém jovens. E a conversa com o zelador e o porteiro sinalizou nesse sentido.

O porteiro é um cinquentão baiano e o zelador, da mesma faixa etária, é pernambucano de nascimento, apesar de ter vindo para São Paulo muito jovem, fugindo das agruras nordestinas de meados do século passado. Politicamente, não querem nem ouvir falar de trocar o governo do PT pelo do PSDB. Relatam, entre uma vinda e outra do blogueiro à portaria para fumar, como suas vidas melhoraram depois que Lula virou presidente.

O zelador se deu bem sob Lula e Dilma. O salário subiu muito e, tendo moradia de graça, sobrou-lhe dinheiro para investir no estudo do filho e em carros. Há poucos meses, comprou uma camionete Ford EcoSport zero quilômetro. Quanto ao filho, matriculou-o no caríssimo e tradicional colégio São Luís, colégio católico de classe média alta incrustado na avenida Paulista.

Já o porteiro conseguiu comprar seu primeiro carro ao longo dos governos petistas – um Gol 2010. Antes de Lula e Dilma, amargava três dias de ônibus para ir visitar a família na Bahia anualmente; hoje, faz a viagem em poucas horas. De avião.

Naquele dia, um sábado, fora trabalhar de carro para levar para casa a tevê de 46 polegadas, com internet, que comprara nas Casas Bahia para ver a Copa.

O porteiro, porém, em conversa sobre política reclama do filho. O rapaz, de 19 anos, filho de um baiano que suportou toda sorte de privações quando veio para São Paulo nos anos 1970 em busca de uma vida melhor, veste-se e fala como os mauricinhos dos bairros nobres. Seu pai, inclusive, acha que ele tem “vergonha” da profissão do homem que o criou a duras penas.

O filho do porteiro nutre um ódio visceral pelo PT e, particularmente, por Dilma. Poucos dias antes da conversa política de seu pai com o blogueiro, este encontrou o rapaz visitando o pai no trabalho, ou seja, na portaria do prédio. Junto aos dois, o síndico e uma moradora do prédio – ambos de ascendência europeia.
A cena chocou. O filho pós-adolescente de um baiano pobre e negro, ele mesmo igualmente pobre e negro, entoava com o síndico e a moradora do prédio um virulento ataque à presidente da República e ao seu partido. Juntos, os três ainda declararam voto em Aécio Neves na próxima eleição.

De volta ao dia da festinha de aniversário da neta do blogueiro, este pergunta ao porteiro como é possível que seu filho queira votar no candidato da classe social e da região do país que oprime e discrimina a sua classe social e região desde que se conhece por gente.

O porteiro coça a cabeça. Diz que não fala de política com o filho para “não se irritar”, sobretudo quando está no trabalho ouvindo a pregação antipetista dos moradores do prédio, os quais ouve mudo como uma porta para “não arrumar encrenca”, ou seja, para não colocar o próprio emprego em risco. Mas apresentou sua teoria sobre o comportamento do filho.

O resultado da análise intuitiva do porteiro se coaduna com a de dez entre dez analistas políticos: seu filho só conhece a realidade do país sob Lula e Dilma. Quando Lula chegou ao poder, o rapaz tinha seis anos de idade. Não tem memória do que era o Brasil quando o PSDB governava. Não sabe quanto o pai sofreu até 2003, quando sua vida começou a melhorar.

O filho do porteiro está na universidade, via Prouni. Por conta de seu nível cultural e educacional muito melhor do que o do pai, julga que este não sabe nada sobre nada. Principalmente sobre política.
O filho do porteiro prefere ouvir a turma de amigos que estuda na USP, universidade à qual não conseguiu acesso por conta da política do PSDB para aquela instituição. Os “amigos” que cita, porém, não convivem com ele fora das manifestações contra a Copa, que abraçou com fervor. Mas ter “amigos” endinheirados que só vê nessas ocasiões parece tê-lo embriagado.

O filho do porteiro parece acreditar que pertence a um mundo distinto do mundinho do pai, quem atravessou tantas noites insones em portarias para que o filho pudesse um dia ingressar numa universidade, mas só após o apoio das políticas públicas dos governos do PT para a educação universitária dos pobres.

Mas apesar da “vergonha” que o porteiro acha que o filho sente de si, orgulha-se dele. Os olhos brilham quando fala do rapaz, que estuda Tecnologia da Informação em uma universidade privada, sendo o primeiro universitário da família. Contudo, o porteiro teme a volta do PSDB ao poder, pois acha que destruiria seu sonho de ter um filho “doutor”.

http://www.blogdacidadania.com.br/2014/06/o-porteiro-petista-e-seu-filho-tucano/

A Copa da não-notícia

Por Wilson Ferreira
A grande mídia esperou até o último instante, aguardando talvez alguma “bala de prata” que prejudicasse, suspendesse ou, no mínimo, colocasse em xeque a realização da Copa do Mundo no Brasil. Um evento que se tornou uma verdadeira dor de cabeça para uma mídia que assumiu explicitamente a oposição política. Mas a Copa vai começar e agora nada pode passar impune: uma nova etapa da guerrilha semiológica iniciada no ano passado se inicia. A pauta negativa, “recomendação” interna da TV Globo para todos os jornalistas na cobertura da Copa, revela uma novidade no paiol das bombas semióticas: a não-notícia. Produto das revistas de celebridades e das coberturas esportivas extensivas como Olimpíadas e Copa do Mundo, elas agora estão sendo turbinadas politicamente por meio de duas estratégias semióticas: fazer o espectador confundir causa e efeito dos acontecimentos e a armadilha da generalização nas indefectíveis enquetes.
Desde as grandes manifestações de junho do ano passado, a grande mídia (que de início execrou como vandalismo e infantilismo político para, logo depois, procurar inseri-las no plot narrativo da oposição na proximidade de ano eleitoral – mensalão, PEC 37 etc.) mobilizando uma pesada artilharia semiótica de construção de textos e imagens que sintetizem em um frame, fotograma, parágrafo, legenda de foto etc. um conjunto de percepções e fragmentos ideológicos. Chamamos esse arsenal de recursos retóricos e semiológicos de “bombas semióticas”.
Desde junho do ano passado uma variedade
de bombas semióticas assolaram
a opinião pública
Ao longo desse período detectamos diversos tipos de bombas: dessimbolizaçõesinfotenimentoa black bloc good bad girlfotos-choquescavalos de Tróiaguerrilha de memesexploração fetichista de animais e mulherestomates e inadimplência. Isso sem falar de acidentes com jornalistas no momento em que montavam bombas como, por exemplo, o caso da bomba semiótica do Enem ou a “barrigada” darepórter da rádio CBN que via no campus da USP mensagens cifradas análogas às do tráfico de drogas nos morros do Rio de Janeiro. Essa variedade de bombas semióticas teve um objetivo em comum: manter a opinião pública em estado de constante tensão em um País supostamente à beira do abismo econômico e em situação pré-insurrecional.
Mas agora quando a agenda nacional passa a ser dominada pela Copa do Mundo, entra em cena uma nova bomba semiótica: a da não-notícia. A grande mídia caiu em si que não só vai ter Copa, mas como também manifestações de protestos podem ficar isoladas ou, no mínimo, deslocadas na opinião pública em relação ao evento esportivo internacional.
Por isso, entra em ação a pauta negativa da cobertura da Copa para comprovar para todos que será um fracasso de gerenciamento, administração e organização. O problema é que os estádios ficaram prontos, as seleções chegam ao país sem atropelos ou gafes organizacionais. Alguns até elogiaram a rapidez dos serviços de aeroportos... – sobre isso clique aqui.

“EU CRIO AS CIRCUNSTÂNCIAS”

Mas a pauta negativa tem que se impor e os pobres repórteres têm que exercer toda a sua criatividade na angulação das matérias, na edição das declarações, no enquadramento da fotografia etc. – como ficou evidente no memorando interno da TV Globo para os editores evitarem a pauta positiva na Copa – clique aqui. No início procuraram fazer a coisa mais óbvia: concentrar-se em um mínimo defeito como o vazamento do banheiro, a escada rolante quebrada, a conexão da Internet que é instável no estádio e assim por diante.
Porém, isso não era impactante o suficiente. Principalmente porque a estrutura da Copa começa a funcionar, para contrariedade da grande mídia.
E então, o que fazer? Como dizia Napoleão: “Circunstâncias? Eu crio as circunstâncias”. Se as notícias negativas escasseiam e as angulações não são mais o suficiente, criam-se não-notícias: repercutir um fato que a própria emissora criou, a partir de um episódio cuja causalidade é absolutamente banal ou natural. Repercutida com as devidas estratégias de retórica, o episódio toma ares de denúncia e furo de reportagem.
Um exemplo dessa nova bomba semiótica pode ser acompanhada na edição do jornal Estado de São Paulo de 05/06 na primeira página do caderno especial sobre a Copa 2014 - veja foto acima. Somos impactados com as letras garrafais “Frustração” sobre uma foto que ocupa mais da metade da primeira dobra onde vemos uma confusão de pessoas em uma espécie de fila desorganizada. Acima, nas chamadas de matérias internas, mais desalento: “Ruas sem enfeites” sobre um suposto desinteresse dos moradores enfeitarem casas e ruas com as cores nacionais; e “Sinal Amarelo” sobre um suposto jejum de gols do centroavante Fred que preocuparia – para contrariar a pauta, Fred fez o gol da vitória no amistoso contra a Sérvia na sexta-feira.
Na matéria principal, a perfeita não-notícia. O foco da matéria é “frustração” e “confusão” na venda de ingressos do último lote oferecido pela FIFA. Descreve que em uma hora os ingressos para os jogos principais foram vendidos no site da entidade. Fala em “fila virtual” e “dificuldade em acesso”. E quem foi ao Ibirapuera enfrentar a fila, descobriu que só restavam ingressos para os jogos “menos atraentes”. Pergunto ao leitor: onde está a notícia? A frustração e a confusão foram causadas por uma grande demanda de busca por ingressos como ocorre em qualquer grande evento, da Copa do Mundo a São Paulo Bike Tour, onde o site desse evento ficou congestionado de acessos de ciclistas tentando ganhar uma bicicleta promocional.
Ou o que dizer então da verdadeira obsessão da TV em postar uma câmera na entrada dos torcedores tanto no estádio da Arena Corinthians como no jogo em Feira de Santana Santos X Bahia para mostrar as filas como um sintoma natural da desorganização tanto do futebol brasileiro como na Copa como fenômeno de contágio. Ora, se todos chegam ao mesmo tempo formar-se-ão filas.
"Parceiro" do SPTV: a não-notícia do
congestionamento
no entorno da Arena Corinthians
Outra não-notícia observamos na edição de 05/06 na edição do SPTV quando o telejornal mobilizou “parceiros” da Zona Leste - reportagens feitas por moradores de diferentes regiões de São Paulo supervisionadas por jornalistas da emissora. “Chegada à Arena Corinthians causa congestionamento”, dizia o repórter-parceiro que tentava chegar ao estádio de carro. No final da matéria, informava que a CET havia recomendado aos torcedores irem ao jogo através de transporte público, evitando os carros. Então, qual era a notícia? A matéria apenas confirmava o que a engenharia de tráfego tinha informado no dia anterior.
Mas, com a câmera no interior do carro no estilo “por dentro da notícia”, a matéria adquiria um tom de “denúncia” e “flagrante”. Estratégia retórica para turbinar a não-notícia.

A SEMIÓTICA DA NÃO-NOTÍCIA

Nas suas origens, a não-notícia é um produto direto daquilo que se chama infotenimento (informação + entretenimento), uma combinação entre as hard news (informação mais “seca”) com estilo narrativo e retórico que beira o ficcional e produz entretenimento. O crescimento e a complexidade industrial das mídias exige uma sociedade “acontecedora” que produza um fluxo constante de acontecimentos para produzir notícias e espaços editoriais que justificam a inserção dos anunciantes.
Origens das não-notícias em eventos extensos
como Copa do Mundo e Olimpíadas
Ela é o produto direto das revistas de celebridades, sejam esportivas, artísticas, empresariais ou políticas. Principalmente em coberturas tão extensivas como Copa do Mundo e Olimpíadas onde jornalistas, obrigados a fazerem muitas entradas ao vivo, criam verdadeiras não-notícias: jornalista entrevistando outro jornalista, jornalista brincando ou fazendo apostas com jogadores  (na Copa de 90 o repórter Elia Junior da Band chegou a fazer cobranças de pênaltis no goleiro Taffarel) etc.
Porém, a bomba semiótica da não-notícia mobilizada para as coberturas da Copa acrescenta um fator semiótico inédito: fazer o leitor/espectador confundir causa com efeito. Causas como grande a concentração simultânea de torcedores ou a opção em privilegiar transporte público em detrimento dos carros transformam-se em efeitos de desorganização da logística do evento. Ou o inverso: “filas virtuais” e “físicas”, efeitos do excesso de procura de um bem escasso e valioso (os ingressos) transformam-se em causas de “frustrações”.
Acabar ingressos dos principais jogos devido a grande demanda é um fato banal e previsível numa economia regida pelas leis de oferta e procura. Mas a retórica visual da não-notícia (câmeras que tremem, grande concentração de torcedores, a presença normal de policiais militares, a qualidade da imagem precária como fossem produzidas por celular) esquenta a não-notícia, criando uma simulação de hard news.
http://jornalggn.com.br/blog/wilson-ferreira/a-copa-da-nao-noticia

As aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá


Olho para os países onde morei nos últimos 4 anos e vejo que o RS não está nem um passo atrás em termos de democracia e participação. Pelo contrário.
Por Bruna Santos (*)
O famigerado complexo de vira-latas brasileiro, diagnosticado por Nelson Rodrigues,  tem sido recorrentemente citado ao longo das últimas semanas. Ele reflete a insegurança e descontentamento daqueles que repetem “só no Brasil mesmo” toda vez que se deparam com algum problema. A percepção do brasileiro sobre a situação atual do país piorou significativamente desde que os protestos tomaram as ruas em junho do ano passado. A mensagem era clara: o brasileiro quer eficiência,  integridade política e, acima de tudo, quer ser ouvido. A iminência da Copa do Mundo nos jogou no meio de uma nuvem de insegurança coletiva em relação à percepção alheia sobre o Brasil, nesse caso, a percepção de nada menos do que o restante do mundo.  A fim de dar um empurrãozinho na disposição de alguns brasileiros a ver o copo meio cheio, proponho uma reflexão breve sobre democracia e participação.

Na última quinta-feira, “só no Brasil mesmo”, foi realizada a maior consulta pública da história da internet no país. A Votação de Prioridades realizada pelo Gabinete Digital do Estado do Rio Grande do Sul encerrou as consultas com 255.751 votantes em três dias. Com este resultado, o Rio Grande do Sul realizou a maior consulta pública da história da Internet no país e o maior processo de orçamento participativo digital do mundo. Tudo isso foi monitorado de perto por pesquisadores do Banco Mundial que estavam no estado para conduzir uma série de experimentos relacionados à participação cidadã.

Comparação e competição
Como quem olha o pão com manteiga que tem na frente e compara com o carré de cordeiro na foto do Instagram do vizinho, o brasileiro complexado olha para fora e se deprime. (Não cabe a mim explicar o porquê). Ele se deprime porque pensa que em Miami a vida é mais fácil; que em Nova Iorque tem emprego pra todo lado e que em Pequim tudo funciona, pois o governo é eficiente.

Aos que pensam assim, fica o meu depoimento. Há algum tempo vivo entre Brasil, China e Estados Unidos. Ser expatriada foi uma opção de vida. Não saí do Brasil por que o país não funciona. Saí por inquietação intelectual.

Manhattan connection às avessas - com parada na Praça da Paz Celestial

Olho para os países onde morei nos últimos 4 anos e vejo que o Rio Grande do Sul  não está nem um passo atrás em termos de democracia e participação. Pelo contrário.

Nos EUA, desde a década de 1990 tem-se tentado reinventar o governo. David Osborne foi o idealizador dessa reforma na administração Bill Clinton.  Nos últimos 8 anos, Nova Iorque também passou por uma transformação intensa na forma de pensar a intersecção entre políticas públicas e tecnologia. Liderada pelo prefeito Bloomberg, a iniciativa de usar a tecnologia da informação a serviço dos cidadãos foi feita de maneira colaborativa. A prefeitura abriu seus dados e criou canais de participação para que a população inovasse criando soluções criativas para os problemas urbanos. Eu considero a experiência nova-iorquina admirável e replicável. No entanto, a cidade ainda carece de iniciativas de participação popular eficazes. Acredite, tendo Porto Alegre como exemplo, a esquina do mundo lançou apenas em 2012 seu modelo de orçamento participativo - 23 anos depois da implantação do OP em POA pelo então prefeito Olívio Dutra.

Depois da grande maçã, olhemos para a outra esquina do mundo: Pequim. Na China, se você não é filiado ao Partido Comunista Chinês (PCC), as suas chances de ser ouvido e de participar das decisões políticas do país são reduzidas a nada. O chinês de classe média hoje tem acesso às grandes marcas internacionais, carros de luxo e etc, mas ainda está encerrado em um modelo não participativo de governo. Lá vive-se era da informação, da velocidade, da internet e das redes sociais, mas ninguém pode usar o Google, a internet é censurada e os cidadãos leem com descredibilidade o que é dito na mídia local.

No mesmo 4 de junho que, no Rio Grande do Sul, comemorávamos o sucesso da participação popular na votação das prioridades, na China, o governo repetia, pela 25º vez, seu esforço anual para apagar da história os vestígios do massacre de estudantes que pediam democracia na praça de Tianamen.

Oportunidades
A era da informação, da internet, das redes sociais e dos dados abertos nos oferece a oportunidade única de reformular nossas instituições políticas. O Rio Grande do Sul tem sido pioneiro nisso.  Uma revolução na forma de fazer política é necessária. A desigualdade entre ricos e pobres é um abismo que os líderes mundiais passaram décadas tentando fechar. Mas, na realidade, a maioria dos cidadãos permanece insatisfeito com uma desigualdade diferente: a que existe entre os poderosos e os impotentes.
Mais uma vez, o Gabinete Digital deu poder à voz dos gaúchos. Elevou o volume dos que ainda falam baixo ou não são ouvidos. Eu tenho orgulho disso e não vejo espaço para inseguranças e complexos, mas sim para avaliação crítica e construtiva. Melhoria, sugestões, participação e inovação. Que assim seja e que nossa voz nunca se cale. Os ouvidos dos poderosos estão abertos. Aproveitem!
(*) Bruna Santos é mestranda em Administracao Pública na Universidade de Columbia, pesquisadora no projeto Public Management Innovation entre os Columbia Global Centers do Rio de Janeiro, Pequim e Mumbai e sócia-fundadora da empresa Ethos Intelligence, dedicada ao monitoramento e avaliação de projetos de impacto social.
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/As-aves-que-aqui-gorjeiam-nao-gorjeiam-como-la/4/31100

Sociólogo diz que Dilma foi punida por conluio da classe média e setor de serviços



'Conluio antidistributivo' puniu Dilma, e campanha será mais radicalizada, diz sociólogo

Há um "conluio antidistributivo" no Brasil que puniu a presidente Dilma quando ela tentou reduzir as taxas de juros e desvalorizar o real. Empresários compensaram queda no rendimento de aplicações com alta de preços, impedindo uma guinada na política econômica.

A análise é do sociólogo Adalberto Moreira Cardoso, 52, diretor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que inclui no "conluio", parte da classe média rentista e o setor de serviços. Para ele, a campanha eleitoral deste ano será radicalizada, e as mídias sociais alimentam a animosidade.

Doutor pela USP e autor de dez livros –entre eles "A Construção da Sociedade do Trabalho no Brasil" (FGV, 2010) e "Ensaios de sociologia do mercado de trabalho brasileiro" (FGV, 2013)–, Cardoso enxerga Dilma como nome mais forte. Mas, ao contrário do que ocorreu com Lula, prevê que a presidente "não vai poder surfar acima das brigas entre candidatos. Ela vai ser o alvo principal dos ataques".

A seguir, trechos da entrevista concedida por telefone, do Rio de Janeiro.

Folha - Qual sua visão do processo eleitoral?

Adalberto Cardoso - A campanha será mais radicalizada, muito violenta. Não só em relação aos ataques pessoais entre candidatos, mas também nas ruas. Várias cidades há disputas muito intensas pelo poder. Pela primeira vez em 12 anos, a oposição está vendo de fato uma chance de voltar ao poder. No caso do PSB, de chegar ao poder. Ambos estão agindo de maneira muito dura na oposição. As novas mídias sociais estão permitindo o afloramento de um radicalismo raivoso por parte da população. Ele sempre existiu, mas antes não parecia. Nas redes sociais isso fica muito explícito. Isso alimenta uma animosidade entre os contendores muito pouco saudável para a dinâmica da democracia. As redes sociais não têm contribuído para formar opinião, mas para radicalizar as opiniões que as pessoas já têm. Isso é ruim numa dinâmica em que estarão em questão os horizontes da política, o futuro que queremos. Essa eleição reinaugura a disputa política propriamente dita. O PSDB, que agia de maneira errática nas últimas três eleições, está claramente com um projeto mais definido, mais conservador, mais à direita, definindo um eixo de retomada de um projeto que foi bem-sucedido no primeiro mandato de FHC.

Mas que fracassou no segundo mandato. O que o Aécio tem afirmando é o projeto do segundo mandato de FHC. O primeiro foi mais claramente neoliberal, com políticas de abertura da economia. Todo o receituário neoliberal, com muita intensidade, foi implementado. No segundo, deu-se um passo adiante, do meu ponto de vista ainda mais equivocado. O primeiro mandato teve a virtude de ter controlado a inflação a um preço muito alto, que foi o do emprego formal, industrial. O Brasil entrou numa rota de desindustrialização a partir de 1995, 1996, que só se aprofundou com o tempo. Chegou-se ao final do segundo mandato com 40% de emprego formal. O emprego industrial, que tinha atingido 22%, foi para 11% da PEA. Houve uma desindustrialização dos empregos e um aumento brutal do desemprego. O custo social das políticas adotadas foi muito alto. As pessoas se esquecem de que o Brasil estava numa rota de dolarização quando Lula ganhou a eleição. O projeto de FHC era de dolarização da economia. Armínio Fraga já tinha transformado quase 40% da nossa divida interna em nominada em dólar, expondo profundamente a economia às intempéries internacionais.

O projeto Aécio é semelhante ao de FHC?

É de voltar às políticas de FHC. Seu possível ministro da Fazenda é Armínio Fraga, um dos responsáveis pela grande fragilidade do Brasil no segundo mandato do FHC. Ele colocou o Brasil numa rota de dolarização da economia num momento em que a dolarização já tinha destruído a economia da Argentina. Ele está fazendo o programa do PSDB, baseado nas políticas neoliberais de financeirização da economia.

Qual o significado da candidatura de Eduardo Campos?

É uma oposição que saiu do governo, uma candidatura de oportunidade. Com a saída de Lula da disputa, ele se sentiu livre para, entre aspas, trair o seu aliado principal. Entre aspas porque a lealdade dele era em relação à pessoa de Lula, não ao partido. Uma aliança típica das oligarquias no Brasil. Ele, como filho de oligarca, agiu como tal. É perfeitamente legitimo. Foi um movimento oportunista, assim como foi oportunista a aliança com Marina Silva, com quem ele não tem a menor afinidade ideológica.

Ideologicamente, como essa candidatura se posiciona?

Campos ainda não disse a que veio em termos de seu projeto de governo. Diz 2 de 7 que podemos fazer mais e melhor, que vamos dar continuidade ao governo Lula e esquecer Dilma, como se a Dilma tivesse traído as diretrizes de Lula. É como se estivesse reafirmando sua fidelidade a Lula. Não há outra possibilidade a Campos do que partir para ataques pessoais. A questão da corrupção vai surgir de novo. Faz parte das campanhas em todo o mundo. A corrupção, infelizmente, vai ser de novo a tônica do debate eleitoral no Brasil. Isso vai respingar para cima de Lula e dos governos anteriores. Campos não tem projeto de governo. Vai ser difícil para ele quando a Dilma começar a mostrar os resultados de sua administração –e ela tem muito para mostrar. Ele vai ter que apresentar um programa com alguma credibilidade. De um lado da oposição estão André Lara Resende e Eduardo Giannetti. De outro, Armínio. Vai ficar claro é que existe um projeto neoliberal e de aliança com o sistema financeiro do lado da oposição nas duas candidaturas. De outro lado, há uma candidatura mais voltada para o neodesenvolvimentismo, que de alguma forma olha para a produção, para a economia real.

Se essa campanha vai ser mais radicalizada, como isso vai acontecer do lado do governo?

Todas têm sido muito radicalizadas. A única que não, foi em 2002, quando o PT apresentou um programa alternativo e o governo que estava saindo era muito mal avaliado. Não foi possível bater na pessoa de FHC. Houve uma certa divisão de trabalho na campanha, e ficou para o Ciro Gomes bater. Isso permitiu que Lula surfasse acima das disputas pessoais. Isso não vai ser possível nessa campanha. Dilma não vai poder surfar acima das brigas entre candidatos. Ela vai ser o alvo principal dos ataques. Eduardo Campos sabe que a única possibilidade de ir para o segundo turno é destruir Aécio. O inimigo de Campos não é Dilma; é Aécio. Dilma estará no segundo turno, se houver segundo turno. A campanha ainda não começou. Hoje tudo indica que haverá um segundo turno. A oportunidade única de Campos é impedir que Aécio mantenha a intenção de voto que ele tem hoje. Haverá uma luta no campo da oposição.

Mas ambos aparecem muito juntos, numa relação de boa vizinhança, não?

Não. Marina já disse que o projeto deles não tem semelhança com o PSDB.

Ela está correta?

Ela tem um projeto que é diferente do de Campos. Ela tem uma visão da política que é mais comunitarista, não individualista, que é o caso de Aécio e do PSDB em geral. Ela tem um viés conservador de outro tipo. É um conservadorismo voltado para a vida comunitária, contra a ideia de financeirização, de subordinação do Brasil ao capital financeiro internacional. Ela tem um projeto; Campos não tem. Ele estava costurando uma aliança com o agronegócio quando Marina foi para o partido dele e isso foi desfeito. Então, Aécio se colocou como candidato do agronegócio. Ela tem uma diferença em relação ao PSDB. Ela foi oposição ao PSDB a vida inteira e continua sendo. Do ponto de vista dela, não tem aliança possível com o PSDB. Uma aliança entre os dois partidos que possam marchar juntos para destruir a Dilma no segundo turno dificilmente vai acontecer por causa de Marina.

O que pode acontecer se o segundo turno for entre Aécio e Dilma?

O mais provável é que haja um apoio à Dilma do que a Aécio. Campos está muito mais próximo desse campo da coalizão de governo do que do PSDB. Ele tem se mostrado um político muito pragmático.

O sr. fala que a candidatura Dilma é neodesenvolvimentista, mas o crescimento do país é baixo e a desindustrialização segue.

Crescimento baixo depende do parâmetro. Se olhar para a China, é baixo. Mas se olhar para a América Latina, o Brasil está crescendo na média. O Brasil não está sozinho no mundo. É um erro comparar o Brasil com a China, que é a segunda economia do mundo, que é um regime autoritário.

Mas o governo é desenvolvimentista?

O governo é de uma coalizão, na qual o PT tem a liderança. Implementar políticas com esse Congresso não é fácil. O executivo tem sido refém de uma política que tem troca de favores no Congresso. Por causa do tempo de televisão, que é um grandes elementos da dinâmica política do Brasil. O tempo de televisão é a grande moeda em ano eleitoral e no ano anterior e anterior. Há políticas que não podem ser implementadas por haver uma base política conservadora. O governo chegou tarde à conclusão de que a economia brasileira está profundamente fragilizada. Do ponto macroeconômico está bem, com sinais de que pode piorar depois. A economia do país foi fragilizada ao longo dos últimos 20 anos.

O sr. pode explicar melhor?

Em parte por conta da âncora cambial dos dois mandatos de FHC. Ainda que tenha que tenha acabado em 1999, ela retornou via taxa de juros, uma das maiores do planeta. O dólar chegou a bater R$ 3. Lula restituiu a âncora da economia brasileira via taxa de juros. São 20 anos de política que Dilma tentou reverter quando começou a baixar de maneira consistente a taxa de juros. Dilma foi punida pelo mercado, inclusive pela indústria.

Punida como?

Quando a taxa de juros chegou num patamar que todos, inclusive a Fiesp, saudaram como uma taxa civilizada, juros reais de 2%, todo mundo começou a aumentar preço. Porque o empresariado no Brasil deixou de investir quando a taxa de juros ficou muito baixa, ao contrário do que acontece no mundo inteiro. No mundo inteiro, quando a taxa de juros está muito alta, os empresários não investem. No Brasil é o contrário: os empresários investem com taxa de juros alta, porque ela reduz o risco do investimento. Por incrível que pareça! Quem financia o investimento no Brasil é o BNDES, o investimento é com juros subsidiados. Com taxa de juros alta, os empresários podem ganhar no mercado financeiro. O que ajuda a segurar preço não é o fato de que a demanda é contida pelos juros altos. Porque os empresários compensam os preços das mercadorias ganhando no mercado financeiro. Não é preciso aumentar preço: eles estão ganhando em outro lugar. Quando a taxa de juros cai, a primeira atitude do empresário que começa a perder dinheiro no mercado financeiro é aumentar preço. A economia é oligopolizada. Em todos os setores importantes, três ou cinco empresas ou grupos têm mais de 50% do mercado. Como essa profunda oligopolização, os grandes grupos têm o poder de arbitrar preços. Dilma foi punida fazendo o que todo mundo pediu: redução consistente de taxa de juros e aumento consistente do câmbio, desvalorização do real. Quando o câmbio bateu em R$ 2,4 e os juros em 7,5% todo mundo reagiu contra. Há agentes econômicos com grande poder de veto a medidas que representam, do ponto de vista dos rentistas, perda de renda. Esses agentes não permitiram dólar alto e juro baixo.

Há um pacto pró juro alto no Brasil?

Existe um conluio antidistributivo no Brasil. Reúne as classes médias, que querem juro alto para garantir sua aposentadoria, sua viagem internacional, para garantir dólar baixo. Interessa a essa classe media e parte dela está contra o governo, é conservadora. Vai votar contra, apesar de ter ganhado muito com a taxa de juros. Essa classe média é antidistributiva, é contra as políticas do tipo Bolsa Família, de melhoria da vida dos mais pobres. A indústria reclama da taxa de juros, mas, quando a taxa de juros cai, responde com aumento de preços. O resultado é aumento de preços, não investimento. Aí é o aumento da taxa de juros para conter a inflação. O BC não tem outra saída a não ser aumentar os juros. O setor de serviços é o maior responsável pelos aumentos de preços. São três agentes muitos poderosos: tem consumidores, uma certa fatia de rentistas que é grande, de 25% a 30%, que ganha com as taxas de juros dos fundos públicos; têm a indústria e o setor de serviços. Quando se aumenta a taxa de juros, se transfere diretamente recursos do Tesouro nacional para esses agentes. A taxa de juros é fruto de uma luta política entre agentes econômicos para o aceso dos fundos públicos no Brasil. O governo percebeu a sinuca de bico em que estamos metidos decorrente de muitos anos de taxas de juros muito altas e inflação baixa –para os padrões brasileiros.

Como esse conluio pode ser enfrentado?

A indústria brasileira foi muito fragilizada. A China ficou 20 anos com o câmbio muito desvalorizado e todo mundo foi para lá. Antes tinha sido o Brasil, o México. Isso não tem mais volta, é uma configuração da economia mundial. O Brasil perdeu, mantendo muito valorizada sua moeda nesse período. O processo é de longo prazo. A China levou 30 anos para chegar onde está. O Brasil tomou outro caminho e não se reverte uma política assim em pouco tempo. A política de redução de juros e desvalorização do câmbio durou um ano e meio com Dilma, e ela foi punida pelos agentes que são contra essa guinada. Isso não quer dizer que essa guinada não possa ser dada. Ela provou do custo de dar essa guinada. Poderia ter tentado bancar isso politicamente.

Por que ela não fez isso?

Porque parte do PMDB também é rentista, parte da base do governo também é rentista. A única pessoa que conseguiu uma maioria estável no Congresso foi FHC, no primeiro mandato. Foi um rolo compressor. No segundo mandato, não foi possível. Houve uma coalizão forte nos dois primeiros anos de lula. Depois do mensalão, acabou. Lula ficou mais dependente do PMDB. Dilma continua com uma base muito fragmentada, sem unanimidade no PMDB e inclusive no PT. Numa situação de grande fragmentação, todo o presidente eleito vai depender do PMDB, que vai continuar sendo o fiel da balança no Congresso. Os presidentes vão continuar reféns de uma forma de fazer política que é a do toma-lá-dá-cá.

Esse conluio, como o sr. define, implica crescimento baixo?

Essas pessoas [do conluio] não tão preocupadas com crescimento. A crítica ao baixo crescimento é resultado da crítica em geral à política econômica. Mas não há recessão. A Europa é que está parada desde 2009. O que impede o crescimento é a taxa de investimento. É uma reação dos empresários à percepção sobre o cenário econômico.

Mas o governo também não falha ao não ser mais ativo no investimento?

Houve um problema sério de transformação da vontade de investir do governo em investimento real. Os projetos de infraestrutura continuam com problemas sérios de execução. Há uma coalizão anti-investimento. Isso decorre, em parte, dos controles instituídos pelos partidos políticos. O Ministério Público acha que o sistema político é corrupto e parte do princípio de que a decisão de investimento por parte do poder publico é corrupta do nascimento. Há uma coalizão anti investimento por parte de todos os mecanismos de controle. Não estou dizendo que não deva ter controle. Mas chegou-se a um paroxismo em que é muito difícil investir. Esse governo demorou a entender isso. Lula conseguiu, por seu voluntarismo, fazer uma série de projetos. Vários estão ainda pelo caminho: ferrovias, São Francisco, barragens. É fácil lançar o projeto, mas a execução, do ponto de vista dos controles, é muito difícil. Projetos do PAC estão capengando. Ao perceber isso, Dilma fez concessões, que é uma forma de privatização. Agente privado não tem que fazer concorrência, não tem controles. E, por definição, o mercado não é corrupto.

A chance maior é a da reeleição?

Dilma é a candidata mais forte. Passaram os últimos quatro anos tentando destruir o legado de Lula, inclusive o seu jornal e a imprensa em geral no Brasil. Não conseguiram. Lula continua sendo a pessoa mais importante na política brasileira hoje. Ele vai entrar de cabeça na reeleição e é um cabo eleitoral importantíssimo. Só se ouve que o governo é ruim. Apesar disso, ela tem 40%. Claro que essa campanha, orquestrada por uma oposição que vê a chance de chegar ao poder, minou parte da base dela. Tirando a possibilidade do inaudito, ela está no segundo turno e é a candidata mais forte.

Como o sr. avalia essa discussão sobre a classe média e como ela deve se comportar na eleição?

Não concordo com a afirmação de que o Brasil é um país de classe média. É uma definição estatística, não sociológica, que só mede o consumo das famílias. É uma definição ruim, arbitrária e equivocada. Uma parte da classe média vai cotar na Marina e em Campos achando que está votando de maneira mais à esquerda. Identifica nela uma novidade, coisa progressista, mesmo que ela não seja isso. Outra parte vai voltar nos candidatos mais à esquerda, uma classe estudantil que é militante, que foi para a rua. Outra vai continuar fiel ao PT, que lê o cenário como um complô contra o PT. Outra parte vai votar no PSDB, achando que o mercado é o caminho e que o Estado é gigante. Uma proporção grande da classe média pensa assim. Isso tudo dá 20% e não ganha eleição. A eleição vai ser decidida pelos outros 80% que incluem os 50% que são pobres e muito pobres e 30% dessa classe popular que ascendeu e que tem demanda reprimida. Esse pessoal vai ser o fiel da eleição.

O sr. espera grandes manifestações de rua nos próximos meses?

Grandes manifestações, como no ano passado, com um milhão nas ruas, é difícil ter de novo. Mas a política está na rua. Isso não vai acabar. As pessoas vão continuar se fazendo ouvir na rua. Todo o ano de Copa e eleição há a discussão sobre a interferência do esporte na política.

Todo o ano de Copa e eleição há a discussão sobre a interferência do esporte na política. Qual sua visão?

Essa discussão vem desde os anos 1970, na ditadura. Para o governante, de todos os níveis, é melhor que o Brasil ganhe. Isso pode contribuir para amainar os ânimos, para pacificar, para reduzir um pouco o calor da disputa política. Mas não acho que se o Brasil ganhar vai ser bom para a Dilma. As pessoas sabem distinguir. O brasileiro é muito mais inteligente do que se imagina. 


Por Severino Fernandes
 
A análise do sociólogo Adalberto Moreira é perfeita. Ele só se equivoca quando fala das origens oligárquicas de Eduardo Campos (PSB).
 
Eduardo é neto do falecido ex-governador (de Pernambuco) Miguel Arraes de Alencar. Arraes e Pelópidas da Silveira (ex-prefeito do Recife,também já falecido) lideraram a chamada “Frente do Recife”, através da qual (na década de 1950) as esquerdas chegaram à Prefeitura do Recife em aliança com setores liberais ou conservadores moderados, mas com prevalência de uma visão social dos problemas a enfrentar como governantes e de políticas públicas para solucioná-los ou pelo menos minimizá-los.
 
Essa frente ampliou-se e se transformou na “Frente Popular de Pernambuco”. Uma das primeiras e mais bem sucedidas alianças de centro-esquerda que acabou chegando ao Governo de Pernambuco (em 1962) com a vitória de Miguel Arraes (PTB) sobre o candidato da direita, João Cleofas (UDN), apoiado pelos poderosos usineiros da Zona da Mata Pernambucana.

Arraes, advogado e funcionário de carreira do extinto IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) iniciou sua carreira política como secretário da Fazenda do governo Agamenon Magalhães (PSD), que apesar de ser um político conservador (à direita) fez um governo de viés social, ao estilo getulista (construindo vilas operárias no Programa Social contra o Mocambo, para operários de fábricas da Região Metropolitana do Recife, porém sem incomodar os usineiros de açúcar e sua tradicional forma semi-feudal de conduzir seus negócios).
Acostumados a tratar seus trabalhadores rurais (cortadores de cana) com extrema brutalidade e incomum desumanidade, os poderosos usineiros se viram fortemente contrariados com a chegada de Arraes ao governo (com apoio de comunistas, socialistas, cristãos progressistas  e liberais da direita moderada).
No Sertão e no Agreste, onde não menos poderosos fazendeiros também comandavam com mão de ferro suas propriedades e onde os mais fortes economicamente via de regra se tornavam os coronéis (ou chefes políticos) de municípios de pequeno e grande porte, tampouco se agradaram com os ventos liberalizantes que a vitória de Arraes representava.
Arraes seguiu à risca seu programa social de governo, que previa reformas em benefício dos trabalhadores rurais, que prometia tirá-los da condição de semi-escravidão em que encontravam. Sob seu governo foi assinado o histórico e emblemático “Acordo do Campo”, em que os “garbosos” e arrogantes usineiros e senhores de engenho, a contragosto sentaram-se lado a lado com as lideranças dos trabalhadores rurais e tiveram que pagar salário mínimo e garantir direitos até então negados a esses camponeses.
Antes de Arraes era comum as questões sociais serem tratadas como caso de polícia em Pernambuco. O livro do ex-deputado estadual e promotor de Justiça Paulo Cavalcanti narra como, por exemplo, no município de Goiana, era comum trabalhadores rurais ligados aos sindicatos rurais serem perseguidos, torturados e em alguns casos até assassinados por usineiros e senhores de engenho da região canavieira.
Muitos desses trabalhadores violentados em sessões de tortura eram “socorridos”, já mortos, em unidades hospitalares públicas e posteriormente encaminhados para o necrotério do Cemitério Público de Goiana com papéis amarrados a um dos dedos dos seus pés, dando conta da  suposta causa da morte: “morte por problemas de baço”.
Nada era investigado, porque as lideranças políticas e as forças policiais, em geral, serviam como aparelho paramilitar dos usineiros e senhores de engenho. E usavam dessa condição para perseguir trabalhadores sindicalizados que se organizassem para reivindicar direitos trabalhistas.
Também era comum os trabalhadores rurais e cortadores de cana das usinas e engenhos de açúcar serem obrigados a comprar nos chamados “barracões de usina” os gêneros de primeira necessidade que precisavam para se alimentar e sobreviver. O problema é que esses produtos eram vendidos a preços extorsivos, muitas vezes duas ou três vezes mais caros em relação ao preço em que eram vendidos nos “armazéns de secos e molhados” e nos mercados públicos das cidades da Zona da Mata.
O que ocorria é que como os produtos eram caros e o salário dos trabalhadores muito baixos, em geral abaixo do mínimo, eles acabavam muitas vezes ao final do mês sem receber salários e ainda por cima devendo a usineiros e senhores de engenho. Dessa forma os seus patrões além de burlarem a legislação trabalhistas ainda os prendiam pela dívida, como se fossem semi-escravos ou servos da gleba do período feudal europeu.
Pouco antes da posse de Arraes, e no apagar das luzes do governo (do também usineiro) Cid Sampaio (PSD) ocorreu o  chamado “Massacre da Usina Estreliana”, no município de Ribeirão, quando o  usineiro José Lopes da Siqueira Santos, proprietário da Usina Estreliana, chacinou com rajadas de metralhadora cinco trabalhadores rurais que foram exigir pagamento de diferença de salários, porque estavam com suas famílias passando fome.
No governo Arraes sempre tentou intermediar acordos trabalhistas e determinou que a polícia fosse retirada das usinas, fazendas e engenhos. Que deixasse de servir como força paramilitar à serviço das elites e dos chefetes políticos dos municípios do interior pernambucano.
Os trabalhadores passaram a receber salários melhores. E o comércio dos municípios polo da Zona da Mata melhorou sensivelmente, vendendo radinhos e pilha, relógios e móveis que os  trabalhadores antes não podiam comprar.
Mas os “coronéis” do interior e a elite canavieira nunca perdoou Arraes. E esses segmentos de direita foram a ponta de lança civil do golpe militar que depôs Arraes em 1964. Preso e deposto pelos militares, e logo após um período de prisão no Arquipélago de Fernando de Noronha, Arraes seguiu para o exílio (parte na França, parte na Argélia) para garantir sua própria segurança e a segurança de sua família.
Voltou em 1979 e recebido por uma multidão no Aeroporto dos Guararapes, no Recife, e posteriormente em um comício no Largo da Feira do bairro de Santo Amaro, no centro do Recife, Arraes disse que estava voltando “não para ser bonzinho para os militares”, mas para continuar sua luta em favor da unidade e libertação do povo brasileiro.
Miguel Arraes de Alencar, que tomou posse em 1963 e foi apeado do governo em 1964, voltou a governar Pernambuco em outras duas oportunidades (1987 a 1990 e 1995 a 1998). Sempre investindo em programas sociais: como o Chapéu de Palha (voltado aos cortadores de cana, vítimas do desemprego sazonal da Zona Mata – e similar ao atual “Bolsa Família”); e como os programas de eletrificação rural e de perfuração de poços artesianos, que levou água e energia elétrica para pequenos municípios e para quase 90% das áreas rurais do interior pernambucano.
Seus programas sociais ajudaram a reduzir as profundas desigualdades sociais no campo e nas pequenas e médias cidades de Pernambuco. Já que em Recife e municípios da Região Metropolitana da capital pernambucana os movimentos sociais e sindicatos de trabalhadores garantiam outros avanços.
Foi dessa linhagem política que surgiu a liderança de Eduardo Campos, neto de Miguel Arraes. E o único do clã Arraes que manifestou interesse em enveredar pela política partidária.
Eduardo (ainda como estudante de Economia) participou do movimento estudantil na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) na década de 1980. E no segundo governo do avô (1987-1990)foi seu oficial de gabinete.
No terceiro governo de Miguel Arraes (1995-1998), já com experiência parlamentar acumulada como deputado estadual e deputado federal, Eduardo Campos foi nomeado para secretário da Fazenda. E nesse posto foi fiador do polêmico episódio dos “precatórios” que custou a derrota eleitoral de Miguel Arraes (em 1998) para o ex-aliado Jarbas Vasconcelos (PMDB), capitaneando uma aliança de centro-direita, com PFL  e PSDB em seu palanque.
Apesar do baque eleitoral, Arraes ainda chegou a dar a volta por cima, elegendo-se como um dos deputados federais mais votados, pelo PSB, em 2002, praticamente sem fazer campanha, e apenas fazendo pequenas caminhadas em feiras livres das cidades da Zona da Mata, Agreste e Sertão. Eduardo também se elegeu deputado federal na mesma eleição. E depois foi nomeado por Lula para ministro da Ciência e Tecnologia.
Já ex-ministro, Eduardo lançou-se ao Governo de Pernambuco em 2006, derrotando Mendonça Filho (PFL), vice de Jarbas Vasconcelos, e vingando a derrota eleitoral do avô em 1998.
No governo, embora mantendo alguns programas sociais do avô, como o Chapéu de Palha, a pretexto de “modernizar” o “arraesismo” Eduardo adotou experiências privadas de gestão. O que o aproximou do meio empresarial e lhe rendeu críticas dos antigos aliados dos sindicatos rurais e dos movimentos sociais contra essa sua lógica, tida como conservadora (de direita), de “choque de gestão” e “governo de resultados gerenciais”.
Embora aliado do “lulismo”, Eduardo rompe aliança com o PT nas eleições para a Prefeitura do Recife. Profundamente rachado o PT lança o senador Humberto Costa para a sucessão do prefeito João da Costa (que não conseguiu encaminhar seu próprio processo de reeleição dentro do PT). E aproveitando dessa divisão o governador Eduardo Campos acabou emplacando seu aliado Geraldo Júlio (PSB), elegendo-o prefeito do Recife.
A patranha fez Eduardo Campos sonhar com voos mais altos, rumo ao Palácio do Planalto. E é a partir daí que exercita certa “dissidência” em relação ao governo Dilma e ao chamado “lulo-petismo” (com o qual os conservadores desdenham dos governos trabalhistas do PT). Dissidência essa que logo se transforma em oposição frontal, que leva Eduardo a postular uma candidatura presidencial em aliança com a ex-petista Marina Silva (que não conseguiu oficializar o registro de seu partio – Rede).
Eduardo tem feito acordos e conjecturas heterodoxas e perigosamente contraditórias para a biografia de seu avô. Mas dizer que ele vem de linhagem oligárquica é no mínimo um grave equívoco ou desconhecimento contextual da dinâmica da política pernambucana. Pois embora fazendo alianças pontuais com poucas dissidências de oligarquias interioranas, Arraes jamais foi um oligarca, ao contrário, ajudou e muito para enfraquecer o poder das oligarquias mais reacionárias e à direita, que sempre fizeram política clientelista para se firmar no governo. Mas sem jamais avançar socialmente em nenhum aspecto.
O problema é que ideologicamente Eduardo está a se movimentar como barata tonta. Critica Dilma de um lado, mas está tendo dificuldade de dizer a que veio e que propostas diferentes teria para “fazer mais” do que fez e vem fazendo a líder petista. O que se vê é uma perigosa aproximação dele com proeminentes lideranças da direita mais reacionária (como o catarinense Jorge Bornhausen) e com economistas e pensadores neoliberais contemporâneos, o que faria corar o seu avô (Miguel Arraes).
Na verdade esse camaleonismo de Eduardo está mais confundindo do que propriamente definindo um norte de governo. E em certa medida o afasta de segmentos de esquerda dos quais sempre foi aliado. O caso do escritor Ariano Suassuna (um histórico eleitor do “arraesismo” e apoiador de primeira hora de Eduardo) que já sinalizou apoio à reeleição da presidente Dilma é emblemático neste sentido. O renomado escritor diz que vota “a favor do Brasil” e não contra Eduardo, e que o jovem líder do PSB ainda terá sua chance de chegar  à Presidência.
http://jornalggn.com.br/noticia/sociologo-diz-que-dilma-foi-punida-por-conluio-da-classe-media-e-setor-de-servicos